Introdução
A água é vital porque a vida na Terra é dependente da presença de água. Ela é importante para a homeostase biológica e para a homeostase ecológica. A Homeostase biológica é a capacidade dos organismos vivos manterem o ambiente interno dentro de limites toleráveis. A água é essencial para que a homeostase ocorra já que ela depende da distribuição de água no organismo, além da manutenção do pH e concentração de eletrólitos. A homeostase ecológica poderia ser conceituada como a capacidade do planeta em produzir o ambiente que melhor serve as suas necessidades. Por exemplo, quando os níveis atmosféricos de dióxido de carbono sobem, as plantas crescem mais e removem dióxido de carbono da atmosfera. A homeostase biológica é mais fácil de ser comprovada cientificamente e gerar menos debate do que a homeostase ecológica, mas é indiscutível a importância da água na manutenção da vida celular e extra-celular, esta última em qualquer dimensão que se queira abordar.
Funções da água no organismo animal
A vida no planeta, considerando tanto plantas como animais, é dependente da regulação de troca de água entre os compartimentos intracelular e extracelular.
As biomoléculas orgânicas e inorgânicas dos organismos vivos só podem reagir em meio aquoso. Assim, a água é uma molécula essencial à vida que tem a capacidade de solubilizar e modificar as propriedades das biomoléculas tais como as proteínas, ácidos nucléicos e carboidratos através da formação de ligações de hidrogênio com os grupos polares dessas moléculas. Essas interações em solução modificam as conformações e propriedades dessas biomoléculas.
A água está diretamente relacionada com as seguintes funções essenciais da vida animal:
? Digestão dos alimentos;
? Absorção dos nutrientes no trato digestório;
? Translocação dos compostos químicos no organismo;
? Excreção dos resíduos do metabolismo orgânico;
- Secreção de hormônios, enzimas e outras substâncias bioquímicas;
? Termorregulação corporal;
? Manutenção da pressão osmótica dentro e fora da célula, através de ingestão ou eliminação de água e eletrólitos;
? Equilíbrio ácido-base;
? Fluído cebroespinhal, sinovial, auricular, intraocular e amniótico.
A água é o principal componente do corpo dos seres vivos. Aproxidamamente 65% do corpo dos animais é composto por água, entretanto, este valor varia muito de acordo com a espécie e a idade. Animais mais jovens tendem a possuir uma porcentagem maior de água corpórea, devido à maior proporção de massa muscular (alta quantidade de água) em relação à gordura corpórea (baixa quantidade de água), diminuindo essa proporção com o crescimento do animal. Na Tabela 1 são apresentados valores referentes ao teor de água presente no corpo de algumas espécies animais.
Tabela 1. Teor de água presente no corpo dos animais de acordo com a espécie e idade
Dentro do organismo a água se encontra em dois compartimentos: intracelular (70%) e extracelular (30%). O compartimento extracelular ainda se divide em intersticial e intravascular. Existe ainda uma terceira classificação para o líquido presente no organismo, que se refere ao líquido que compõe o líquor cefalorraquidiano, urina, bile, líquido sinovial e água presente no trato gastrointestinal. Esses líquidos recebem a denominação de líquidos transcelulares. A água também é o principal componente de fluídos corporais importantes como o leite e o sêmen.
Fontes de água
As três principais fontes de água para o organismo animal são: água de bebida, água metabólica e água coloidal, sendo a água de bebida a principal fonte para os animais. A água metabólica corresponde àquela formada durante o processo de oxidação de íons H das moléculas de gorduras, proteínas e carboidratos nos animais. A maior quantidade de água metabólica é produzida a partir do metabolismo de gorduras, quando comparado, em base de peso, ao metabolismo de proteínas e carboidratos. Entretanto, os carboidratos apresentam maior produção de água metabólica por kcal de energia metabolizável produzida. Assim, é mais recomendado o uso de dietas à base de carboidratos quando os animais se encontram em condições de deficiência hídrica. A água coloidal refere-se à água presente nos alimentos. Assim, os alimentos suculentos e com alto teor de umidade atendem parte das exigências de água dos animais.
Regulação da ingestão voluntária de água
As perdas de água dos animais são decorrentes de cinco vias: pelos rins (urina), intestinos (fezes), pulmões (respiração), pele (evaporação) e produção de secreções (leite pelos mamíferos e ovos pelas aves). A regulação da ingestão voluntária de água é regida por dois mecanismos principais: a desidratação celular e o sistema renina-angiontensina. Estes mecanismos atuam estimulando a sede e induzindo o animal a consumir água.
A conseqüência das perdas naturais de água pelo organismo é a diminuição do volume de líquido intravascular. Esta diminuição de volume resulta em hipotensão, devido à diminuição do débito cardíaco em decorrência da queda da volemia, e um aumento relativo da concentração plasmática de minerais, principalmente Na+ e Cl-. Esses eventos são reconhecidos pelos osmorreceptores do hipotálamo e pelos rins desencadeando uma cascata de eventos fisiológicos que visam corrigir as alterações sistêmicas. A resposta fisiológica a essas alterações é a produção de hormônio antidiurético (ADH) pelo hipotálamo e de renina pelas células justaglomerulares dos rins. O ADH atua a nível renal aumentando a reabsorção de água pelos túbulos renais para que ocorra uma maior manutenção da volemia. A renina é uma enzima responsável por converter o angiotensinogênio, substância encontrada no plasma, em angiotensina I. A angiotensina I é convertida em angiotensina II nos pulmões e atua diretamente no centro regulador da ingestão no hipotálamo, estimulando o consumo de água pelo animal. Estes mecanismos são mais eficientes nos animais adultos do que nos jovens, por isso o cuidado para garantir o consumo suficiente de água deve ser maior para os recém-nascidos, principalmente as aves, que não possuem o leite materno como fonte de água.
Necessidades de água dos animais
Todas as espécies animais ingerem água para manter um nível constante de água corporal. A quantidade de água consumida pelos animais domésticos depende principalmente da temperatura do ambiente, peso vivo e da taxa de atividade metabólica do animal, ou seja, um bovino de corte consumirá um volume total de água muito maior do que um frango de corte durante um dia, mas se for feita uma medida relativa do consumo de água pelo peso, o frango de corte ingere mais água devido ao seu maior metabolismo. Uma estimativa do consumo médio de água das espécies domésticas é apresentado na Tabela 2.
Tabela 2. Consumo diário de água de suínos, aves e bovinos.
Outros fatores importantes que influenciam o consumo de água são a temperatura da água disponível para consumo, consumo de alimento seco, qualidade da água (pH, salinidade) e sua palatabilidade (CO2), ingredientes contidos na dieta, umidade relativa do ar, disponibilidade de bebedouros, estado de saúde e nível de estresse. Usualmente os animais bebem mais água do que necessitam, podendo chegar ao exagero quando o alimento é escasso. Em situações livres de estresse, a ingestão diária corresponde a 5 ou 6% do peso corporal, ou seja, 2 a 5 kg de água por kg de matéria seca ingerida. Animais mais jovens possuem uma maior necessidade quando comparada aos adultos, devido sua maior perda pelos pulmões, superfície corporal e da menor capacidade em concentrar a urina. O maior consumo de água ocorre nas horas claras do dia. Quando os animais são alimentados em horários determinados, os padrões de consumo de água se modificam, ocorrendo picos em torno do horário de consumo de alimentos secos. Em ambientes quentes o consumo voluntário de água para baixar a temperatura corporal é importante e as variações do volume de água ingerida podem chegar a 60%. Na Tabela 3 é apresentada a variação do consumo voluntário de água durante o inverno e o verão.
Tabela 3 . Consumo diário aproximado de água, de acordo com a estação do ano.
Os métodos convencionais de determinação de exigências de nutrientes não podem ser aplicados diretamente para a água, uma vez que esta é utilizada para manutenção dos tecidos, crescimento corpóreo, desenvolvimento fetal ou lactação. Além disso, os animais necessitam de água para desempenhar inúmeras atividades fisiológicas importantes, como termorregulação, homeostase de minerais, excreção de metabólitos, entre outros. Por isso, de modo geral, os animais devem ter acesso livre a uma fonte de água potável, salvo exceções como a muda forçada das aves poedeiras. A água é o nutriente mais importante para a vida. Diferente de outros nutrientes, onde uma deficiência poderia resultar em apenas uma queda no desempenho, uma falha no fornecimento de água pode levar a graves consequências, levando, em casos extremos, até à morte. Um dos principais sintomas de ingestão inadequada de água é a queda no consumo de alimento. Outros sintomas são: desidratação, aumento da freqüência cardíaca, aumento da temperatura corpórea, aumento da freqüência respiratória, estado comatoso e morte.
Recomenda-se a verificação periódica do sistema de fornecimento de água para evitar que problemas simples causem grandes prejuízos ao produtor. Atenção especial deve ser dada aos animais recém-desmamados, pois a mudança do tipo de dieta (predominante líquida para sólida) deve ser acompanhada de um aumento no consumo de água, e às fêmeas em lactação que demandam uma quantidade muito superior de água em vista da produção de leite. O importante é garantir água fresca, de boa qualidade e sempre disponível para os animais.
Sistemas de fornecimento de água para os animais e redução do desperdício
A escolha e o manejo dos bebedouros estão relacionados ao manejo hídrico das granjas, uma vez que vazamentos e desperdícios afetam o consumo de água do sistema de produção. A produção animal sustentável não compreende que os animais tenham livre acesso às fontes naturais de água. Assim, os animais criados a pasto ou em sistemas de produção extensivos devem ser restringidos quanto ao acesso a cursos de água, fontes e lagoas. Independente da espécie animal, o fornecimento de água deverá ser em bebedouros com vazão adequada à espécie e idade animal.
Os sistemas mais comuns de fornecimento de água para os animais utilizam bebedouros que podem ser agrupados em quatro categorias: bebedouros em tanques ou cochos, bebedouros tipo concha, bebedouros tipo “nipple” e bebedouros tipo “bite ball”. Os bebedouros devem ser dispostos de maneira a permitir o fácil acesso aos animais, com altura, vazão e pressão corretamente reguladas. Os bebedouros devem ser inspecionados diariamente e dependendo da espécie animal isto deve ocorrer mais de uma vez por dia. Por exemplo, no caso de suínos, os bebedouros devem ser inspecionados pelo menos duas vezes pela manhã e duas vezes à tarde. Estas são oportunidades para serem observadas também as condições dos animais, dos comedouros, da ração e da temperatura ambiente que, de alguma forma, estão relacionadas ao consumo de água.
Os bebedouros devem ser mantidos sempre limpos, especialmente os modelos tipo cocho ou concha, que favorecem o acúmulo água e de restos de ração favorecendo a manutenção e crescimento de microrganismos. Cuidados devem ser tomados para fornecer água sempre fresca e em quantidades suficientes para atender as demandas dos animais. Na suinocultura é amplamente utilizado o fornecimento de água dentro do comedouro para possibilitar o aumento do consumo de ração, uma vez que dietas úmidas são mais palatáveis aos animais. Sabe-se que o fornecimento de ração úmida, à vontade, aumenta o ganho de peso e o consumo de ração de suínos em crescimento e terminação, podendo haver diminuição da bonificação pelo aumento da gordura na carcaça. Bellaver et al. (1999) realizaram um estudo com o objetivo de estudar três tipos de fornecimento de água para suínos em crescimento e terminação: 1) Fornecimento de água em bebedouro do tipo chupeta colocado dentro do bebedouro na câmara de consumo e fora dele, colocado na parede oposta ao comedouro; 2) bebedouro chupeta colocado apenas dentro da câmara de consumo do comedouro e 3) bebedouro chupeta apenas na parede oposta ao comedouro, proporcionando ração seca. Com base nos resultados do experimento, concluiu-se que suínos alimentados através de comedouros providos de bebedouros na câmara de consumo apresentaram maior ganho de peso e consumo de ração. Suínos alimentados com água proveniente apenas de bebedouro instalado na câmara de consumo do comedouro, produziram menores quantidades de efluentes por kg de suíno produzido, contribuindo para diminuição da poluição ambiental (Tabela 4).
Tabela 4. Efeitos de bebedouros dentro e (ou) fora do comedouro em machos castrados e fêmeas.
Conclusão
A água é uma das moléculas mais interessantes na Terra e sem ela não existiria vida. Embora seja abundante na natureza, ela é negligenciada na produção animal. Devido aos problemas de distribuição e uso de água de qualidade, concorrendo diretamente com o uso humano, a água já é considerada um dos maiores entraves ao aumento de produção animal. Cabe aos técnicos a reflexão constante sobre o problema e a conduta no sentido de economizar ao máximo esse bem da humanidade.
Bibliografia Consultada
Bellaver, C.; Guidoni, A.L.; Lima, G.M.M.; La Gioia, D. Fornecimento de água dentro do comedouro e efeitos no desempenho, carcaça e efluentes da produção de suínos. In: Congresso Brasileiro De Veterinarios Especialistas em Suinos. Anais. Belo Horizonte. ABRAVES.pp. 489-490. 1990. Macari, M.; Furlan, R. L.; Gonzales, E. Fisiologia Aviária aplicada a frangos de corte. Jaboticabal: Funep. 375 p. 2002. National Research Council - NRC. Nutrients requirements of swine. 10 ed. Washington, D.C.: National Academic of Science. 189p. 1998. Nyachoti, C.M. and E. Kiarie. Water in swine production: a review of its significance and conservation strategies. Manitoba Swine Seminar Vol. 24:217-232. 2010. Palhares, J.C.P.; Jacob, A.D. Impacto ambiental da suinocultura e da avicultura nos recursos hídricos. In: Simpósio Sobre Manejo e Nutrição de Aves e Suínos e Tecnologia de Produção de Rações, 2002, Campinas. Anais... Campinas: CBNA. Pp.31-44. 2002. Rodwell, V. W. Water and pH. In: Harper´s Biochemistry. Eds. R. K. Murray, D. K. Granner, P. A. Mayes, V. W. Rodwell. Appleton & Lange, Stamford, Connecticut. Pp. 15-22. 1996. Thacker PA. Water in swine nutrition. In: Lewis AJ, Southern LL editors. Swine Nutrition. Boca Raton: CRC Press. Pp. 381-398.2001.
** O trabalho foi originalmente apresentado durante o Simpósio Produção Animal e Recursos Hídricos (SPARH), que aconteceu dias 8 e 9 de julho, em Concórdia (SC), na Embrapa Suínos e Aves.