1 INTRODUÇÃO
A indústria de alimentação animal tem sido destacada na agropecuária brasileira apresentando produção de mais de 60 milhões de toneladas de rações em 2008. Nesse cenário, a avicultura brasileira é responsável por mais da metade desse volume produzido, 33 milhões de toneladas, sendo 28 milhões apenas para frangos de corte. Desse total de ração produzido, destaca-se a participação de matérias primas consideradas tradicionais em rações de frangos, como milho, ingrediente energético, com produção de mais de 17 milhões de toneladas e o farelo de soja com cinco milhões de toneladas produzidas em 2008 (SINDIRAÇÕES, 2009).
O farelo de soja é considerado o principal ingrediente protéico nas rações avícolas apresentando bom valor nutricional e valores de aminoácidos essenciais favoráveis à alimentação de frangos (ROSTAGNO et al., 2005). Além do farelo de soja, a soja integral, por apresentar bom perfil de extrato etéreo, protéico e maior valor de energia metabolizável, tem sido utilizada como ingrediente protéico nas formulações de rações.
No entanto, a participação desses ingredientes protéicos nas rações de animais monogástricos apresenta limitações em virtude dos fatores antinutricionais, que dificultam a atuação de enzimas digestivas, podem alterar a morfologia intestinal e interferir na digestibilidade e absorção dos nutrientes (OLIVEIRA et al., 2000).
Na soja integral, os fatores antinutricionais mais destacados são os inibidores de proteases, as lectinas, proteínas alergênicas e as saponinas. Em função desses fatores, a sua utilização nas rações de frangos é dependente de processamento térmico. Nesse sentido, a necessidade de processamento impulsionou o desenvolvimento de vários métodos, como a tostagem e extrusão, assim como maior controle de qualidade nas análises para verificar se o processamento ocorreu de maneira adequada, inativando os fatores sem afetar a qualidade protéica da soja.
Além disso, o farelo de soja também pode apresentar algumas limitações decorrentes de fatores antinutricionais, como aqueles que estão presentes na composição bromatológica natural dos vegetais, destacando-se o os polissacarídeos não amídicos (PNAs) e os oligossacarídeos (MALATHI & DEVEGOWDA, 2001; GRAHAM et al., 2002).
Os polissacarídeos não amídicos são estruturas formadas por carboidratos complexos, compreendendo a celulose, pectina, hemicelulose, beta-mananos, dentre outros, enquanto que os oligossacarídeos são representados, principalmente, pela rafinose e estaquiose, que não são aproveitados pelos monogástricos, pois estes não produzem as enzimas necessárias para a degradação dessas estruturas. A presença desses fatores antinutricionais no farelo de soja prejudica a digestibilidade dos nutrientes, aumenta o tempo de passagem do alimento pelo sistema digestório, o que resulta menor consumo de ração (REIS et al., 2001; SCHOULTEN et al., 2003).
Para degradação desses fatores antinutricionais tem sido utilizada enzimas exógenas nas rações de frangos que proporcionam melhor qualidade nutricional do farelo de soja. A inclusão dessas enzimas em rações avícolas, a base de farelo de soja, melhora a digestibilidade dos nutrientes e a energia metabolizável da dieta em função da degradação dos polissacarídeos não amídicos e dos oligossacarídeos.
Diante de tais considerações, objetivou-se discorrer sobre as principais limitações da utilização da soja e do farelo de soja na nutrição de frangos de corte, bem como apresentar soluções para reduzir e/ou eliminar os fatores antinutricionais presentes nesses ingredientes.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Composição nutricional da soja e farelo de soja
A soja (Glycine max) representa mais da metade do total de grãos de leguminosas produzidos no mundo e, nos últimos 30 anos, tornou-se a principal fonte de proteína vegetal em virtude do seu valor nutritivo (OLIVEIRA et al., 2005; RODRIGUES et al., 2002).
A maior participação da soja na nutrição de frangos ocorre na forma de farelo, que pode ser obtido com ou sem a casca, e é resultado do processo de moagem dos grãos para extração do óleo de soja, destinado à alimentação humana. Nesse processamento, o farelo de soja (FS) é obtido com maiores proporções quando comparado com o óleo e representa dois terços dos farelos protéicos consumidos na alimentação animal, sendo considerado como fonte primária de proteína em rações de frangos de corte (COCA-SINOVA et al., 2008).
A indústria de soja pode produzir três tipos de FS com base no teor de proteína bruta (PB). O FS com 44% de PB é obtido pela adição de casca de soja, proveniente da fabricação do FS com 48% PB, que é descascado antes da extração do óleo. Também existe o FS com 46% PB, no qual a quantidade de casca já se encontra no grão (BRASIL, 1988; GERBER et al., 2006). COCA-SINOVA et al., (2008), relataram diferenças entre os percentuais de proteína bruta presente no farelo de soja provenientes de diversas regiões do mundo, e observaram variação de 45,2% para os farelos provenientes do Brasil e de 50,6% de proteína bruta para os originários da Espanha.
Estudos (RODRIGUES et al., 2002; OST et al., 2007; COCA-SINOVA et al., 2008) têm sido realizados para se obter máximo aproveitamento das propriedades nutricionais da soja, visto que, o farelo de soja é responsável por aproximadamente 70% da suplementação protéica nas rações. GERBER et al., (2006), avaliaram o efeito da utilização do farelo de soja com diferentes teores de proteína bruta (44%, 46% e 48%) em rações de frango de corte, e verificaram que o FS com maior nível protéico na formulação de rações, proporcionou melhor aproveitamento da energia da dieta e melhores resultados de conversão alimentar, ganho de peso e peso corporal aos 21 dias de idade.
O farelo apresenta ainda composição variada em aminoácidos essenciais favorável à alimentação de aves e suínos, especialmente lisina, mas deficiente em metionina e treonina (ROSTAGNO et al., 2005; BRUM et al., 2006; DEBASTIANI et al., 2007). OST et al., (2007) encontraram variações dos valores de lisina e de demais aminoácidos essenciais para diferentes farelos de soja, confirmando com a citação de ALBINO et al. (1987) de que a composição nutricional dos alimentos é influenciada pela variação nos solos e climas em que são cultivados, assim como pelas variedades e pelo processamento a que são submetidos.
Com relação ao teor de fibra bruta do farelo de soja, o maior ou menor teor é dependente do percentual de inclusão de cascas de soja durante o processamento e pode variar de 3,68% a 5,36% (ROSTAGNO et al., 2005; BRUM et al., 2006; DEBASTIANI et al., 2007).
Quando analisado o nível energético do farelo, verificam-se baixos valores de energia metabolizável, em torno de 2650 kcal/kg, (ZONTA et al., 2004) devido à extração do óleo durante o processamento dos grãos de soja (BRUM et al., 2006) e aos carboidratos estruturais que não são aproveitados pelos monogástricos (BORGES, 2005).
A soja integral, devido a suas características nutritivas e qualidade protéica (38 a 42% PB), aliada a alta concentração energética em torno de 22 a 24% de extrato etéreo (ZONTA et al., 2004; ROSTAGNO et al., 2005), e energia metabolizável em torno de 3600 kcal/kg (ZONTA et al., 2004), superior ao do farelo de soja, apresenta vantagem em rações de frangos de corte. Assim, a soja integral passou a ser utilizada como importante matéria prima na formulação de rações para aves (CAFÉ et al., 2000; FREITAS et al., 2005).
No entanto, a soja integral apresenta limitações quando utilizada em rações de frangos de corte devido à presença de fatores antinutricionais que dificultam a digestão e absorção dos nutrientes, o que, consequentemente, prejudica os resultados de desempenho zootécnicos (SNIZEK et al., 1999; BRITO et al., 2006).
2.2 Fatores antinutricionais nos alimentos
O termo antinutricional é considerado quando substâncias têm a capacidade de tornar os nutrientes indisponíveis, diminuir a digestibilidade e, ainda, impedir a ação de algumas enzimas digestivas, de forma antagonista. Os fatores antinutricionais também são conhecidos como antinutrientes, fatores anticrescimento ou como substâncias causadoras de efeitos negativos a fisiologia animal e a disponibilidade dos nutrientes (SILVA & SILVA, 2000).
A maioria dos fatores antinutricionais está presente nos vegetais de forma natural, com a finalidade de proteção contra o ataque de fungos, bactérias e insetos. Podem ser classificados em exógenos quando são representados pelos contaminantes químicos e/ou biológicos presentes no alimento como, por exemplo, agrotóxicos, toxinas e fungos, e em endógenos, quando estão relacionados com fatores antinutricionais de ocorrência natural nos ingredientes (NUNES et al., 2001).
CHUBB (1982) classificou os fatores antinutricionais endógenos com base nos nutrientes que afetam e no tipo de ação e resposta produzida nos animais, em três grandes grupos: a) substâncias que prejudicam a digestibilidade ou a utilização metabólica das proteínas: inibidores de enzimas digestivas, lecitinas ou hemaglutininas, saponinas e compostos fenólicos; b) substâncias que reduzem a solubilidade ou interferem na utilização dos minerais (ácido fítico, ácido oxálico, glicosinolatos e gossipol) e; c) substâncias que inativam ou aumentam as necessidades de algumas vitaminas (antivitaminas A, D, E e K, antivitaminas tiamina, ácido nicotínico, piridoxina e cianocobalamina).
Os fatores antinutricionais presentes nos produtos de origem vegetal limitam a utilização de alguns ingredientes em rações para animais monogástricos, em virtude do não aproveitamento de estruturas presentes nos ingredientes vegetais e/ou devido à dificuldade de aproveitamento (NUNES et al., 2001).
Dentre os fatores antinutricionais mais importantes nos ingredientes de origem vegetal, em rações de monogástricos, destacam-se o grupo das proteínas inibidoras de enzimas e lectinas presentes na soja in natura, o tanino no grão de sorgo, gossipol no caroço de algodão, o fósforo fítico e os polissacarídeos não amídicos presentes nos ingredientes de origem vegetal de maneira geral, sendo que todos com efeitos detrimentais na absorção dos nutrientes e no desempenho dos animais (SNIZEK et al., 1999).
2.3 Fatores antinutricionais da soja
O principal motivo que limita a utilização da soja in natura na alimentação de animais monogástricos são os fatores antinutricionais. Dentre os principais, destacam-se os inibidores de proteases, lectinas ou hemaglutininas, saponinas e as proteínas alergênicas.
2.3.1 Saponinas e proteínas alergênicas
As saponinas são glicosídeos presentes em plantas, que se caracterizam pelo sabor amargo, capacidade de formar espuma em soluções aquosas, provocar hemólise e ainda de se complexarem a esteróides, incluindo os presentes nas membranas das células animais (NUNES et al., 2001).
Seus efeitos antinutricionais estão relacionados às modificações na permeabilidade da mucosa intestinal, inibindo o transporte de alguns nutrientes e absorção de compostos para os quais o intestino é normalmente impermeável. Pouca atenção tem sido dada com relação aos níveis de saponina de soja, pois os níveis geralmente são baixos. No entanto, as aves podem ser mais sensíveis a saponina que outros monogástricos. Segundo NUNES et al., (2001) aves alimentadas com dietas contendo 0,3% de saponina apresentam redução na taxa de crescimento, enquanto que esse mesmo nível utilizado em dietas de suínos, não produziu efeito negativo.
As proteínas alergênicas presentes na soja são representadas pelas conglicinina e β-conglicinina que provocam reações de hipersensibilidade na mucosa intestinal. A reação de hipersensibilidade às proteínas da soja pode provocar alterações na morfologia intestinal, com encurtamento das vilosidades e aumento da profundidade da cripta. Além disso, conglicina e β conglicina podem estar presentes na digesta ileal, devido à dificuldade de hidrólise dessas proteínas, afetando o desempenho de animais monogástricos (LI et al., 1991).
2.3.2 Inibidores de proteases
Os inibidores de proteases são proteínas de ampla distribuição no reino vegetal, capazes de inibir as atividades da tripsina, quimotripsina, amilase e carboxipeptidase. A pesquisa de inibidores de proteases foi centrada, principalmente, nos inibidores de tripsina encontrados nas sementes de leguminosas, mais especificamente na soja, os quais foram responsabilizados pelo baixo valor nutritivo de leguminosas cruas (SILVA & SILVA, 2000).
Os dois principais inibidores de proteases presentes na soja são o Kunitz e Bowman-Birk que constituem aproximadamente 6% da proteína bruta da soja. O inibidor Kunitz apresenta maior peso molecular com duas pontes dissulfeto e especificidade direta pela tripsina, sendo mais sensível ao processamento térmico, enquanto que o inibidor Bowman-Birk tem menor peso molecular e sete pontes dissulfeto, com capacidade de inibir tanto a tripsina quanto a quimotripsina, sendo mais termoestável que o Kunitz (NUNES et al., 2001).
A descoberta desses inibidores de proteases estimulou pesquisas sobre a ação em animais experimentais, devido a sua interferência na nutrição animal. Os efeitos dos inibidores de proteases em animais alimentados com leguminosa crua são complexos e, em animais monogástricos, são observadas, principalmente, alterações metabólicas do pâncreas (aumento da secreção enzimática, hipertrofia e hiperplasia) atribuídas à presença de inibidores de tripsina na alimentação à base de leguminosas.
Nesse sentido, no estudo realizado por CLARKE & WISEMAN (2000) foi confirmado aumento do pâncreas proporcional aos níveis de inclusão de inibidores de tripsina em rações de frangos de corte formuladas com diferentes amostras comerciais de soja integral. BRITO et al., (2006) também verificaram aumento do pâncreas de frangos quando alimentados com rações elaboradas com soja integral mal processadas, atribuindo a hipertrofia pancreática à compensação das perdas provocadas pelos fatores antinutricionais como as lectinas.
Por outro lado, tem sido observada redução do peso corporal de aves alimentadas com soja in natura em função dos inibidores de proteases. SNIZEK et al., (1999) atribuíram ao inibidor de protease Bowman Birk o menor peso corporal e pior conversão alimentar de poedeiras alimentadas com até 20% de soja crua. Da mesma forma, BRITO et al., (2006) verificaram menor ganho de peso de frangos alimentados com soja subprocessada. MORI et al., (2009) avaliaram a influência de diferentes desafios intestinais, dentre eles a inclusão de soja crua na ração, e verificou menor ganho de peso e peso final de frangos aos 21 dias de idade quando alimentados com soja crua (TABELA1).
A redução do peso corporal ocorre em virtude do desbalanceamento aminoacídico, visto que ocorre perda de enzimas digestivas secretadas pelo pâncreas como a quimotripsina e tripsina, ricas em aminoácidos sulfurados, dentre eles a cistina, considerados essenciais na nutrição de frangos (NUNES et al., 2001).
TABELA 1 – Peso inicial (PI), ganho de peso (GP), peso final (PF), consumo de ração (CR), conversão alimentar (CA) e viabilidade (VIAB) de frangos de corte Hubbard aos 21 dias submetidos a diferentes desafios intestinais.
2.3.3 Lectinas
Lectinas são proteínas encontradas na maioria das plantas, particularmente em grãos de leguminosas, e são frequentemente denominadas de hemaglutininas, devido a sua capacidade de provocar a aglutinação de hemácias em várias espécies de animais. Possuem capacidade de se ligarem a carboidratos específicos localizados na superfície das células, principalmente nas células do duodeno e jejuno, causando danos à parede intestinal com diminuição da digestibilidade dos nutrientes (FASINA et al., 2004).
A maioria das lectinas pode resistir à ação enzimática do trato digestivo e se ligar às células do intestino provocando desorganização e destruição das vilosidades intestinais que interferem na digestão e absorção dos nutrientes, reduz a secreção de enzimas pelos enterócitos, provoca hipersecreção de proteína endógena, perdas de proteínas plasmáticas para o lúmen intestinal e aumento da secreção de muco das células intestinais (OLIVEIRA et al., 2000; FASINA et al., 2004).
OLIVEIRA et al., (2000) verificaram alteração da morfometria do epitélio intestinal com aumento do tamanho de vilos do jejuno e a relação vilo:cripta no jejuno e íleo quando alimentaram frangos de corte com rações a base de milho, farelo de soja e com inclusão de leguminosas cruas (leucena e feijão), alterações atribuídas aos fatores antinutricionais das leguminosas, tais como as lectinas. MORI et al., (2008) observaram maior profundidade de cripta no jejuno de frangos quando alimentados com soja crua, evidenciando processo de produção celular e restauração da vilosidade intestinal.
Outras alterações também já foram verificadas no intestino delgado de frangos em função de fatores antinutricionais presentes em leguminosas, dentre eles maior número de eosinófilos e de células caliciformes (FIGURA 1). O aumento de eosinófilos indica reação alérgica local, pois são células responsáveis pela degradação da histamina na anafilaxia, enquanto que as células caliciformes respondem pelo mecanismo de proteção contra danos causados pelas lectinas no epitélio intestinal, durante o processo inflamatório (OLIVEIRA et al., 2000). As atividades inflamatórias das lectinas são decorrentes dos mecanismos de quimioatração, da produção e secreção de citocinas pelos leucócitos ativados (SELL & COSTA, 2002).
FIGURA 1-Vilos de jejuno de frangos, aos 21 dias, alimentados com ração a base de farelo de soja (A) e com ração contendo 6% da leguminosa Leucaena cunningan (B). As setas indicam presença de células caliciformes. Fonte: OLIVEIRA et al., (2000).
Em função desses fatores antinutricionais a soja integral não pode ser utilizada na alimentação de monogástricos. Desta forma, o uso da soja integral na alimentação de aves tem sido limitado pela necessidade de processamento térmico para inativação dos compostos antinutricionais (BRUM et al., 2006).
2.4 Processamento da soja integral
Com a necessidade de tratamento térmico da soja integral, tornou-se indispensável que fossem desenvolvidos vários tipos de processamentos visando à inativação dos fatores antinutricionais (CAFÉ et al., 2000), sendo, os mais comuns comercialmente, a extrusão e tostagem, destacando-se, ainda, micronização e jet sploder (OLIVEIRA et al., 2005; BRUM et al., 2006).
No processamento jet sploder o grão de soja entra em tubo onde é submetido a jato de ar aquecido (315º C), saindo com temperatura entre 120-200º C e esse gradiente de temperatura provoca, em um minuto, a elevação da temperatura do grão acima do ponto de ebulição da água, sendo aquecido a 140-150º C e submetido à pressão, o que provoca a ruptura na estrutura do grão (BELLAVER & SNIZEK JR, 1999).
Na micronização a soja é submetida a uma temperatura de 165º C por dois a três minutos e, após o aquecimento, passa por processo de limpeza antes da entrada dos grãos em esteira onde estão envolvidos raios infravermelhos que penetram nos grãos de soja (BRITO, 2003). Esse tipo de processamento pode influenciar na energia da soja. RODRIGUES et al., (2002) e ZONTA et al., (2004) verificaram maior valor de energia metabolizável para soja submetidas a esse tipo de processamento, justificando-se, o maior valor, em função da retirada das cascas da soja durante a limpeza o que leva a menor teor de fibras e, possivelmente, maior valor de energia.
No processo de extrusão ocorre cozimento do grão sob pressão mecânica, umidade e alta temperatura em curto intervalo de tempo. COSTA et al., (2006) avaliaram o efeito da temperatura de extrusão da soja sobre o desempenho de frangos e verificaram que com a temperatura de 140º C houve melhor resultado de ganho de peso e conversão alimentar na fase inicial de criação (TABELA 2). OLIVEIRA et al., (2005) recomendam temperaturas de extrusão entre 125ºC e 140ºC em rações de frango de corte na fase de crescimento e final sem prejudicar os resultados de desempenho.
TABELA 2- Efeito da temperatura de extrusão da soja integral na ração sobre o consumo de ração (CR), ganho de peso (GP) e conversão alimentar (CA) de frangos machos da fase inicial (8 a 21 dias de idade).
Os melhores resultados com a soja extrusada passam pela temperatura de extrusão. A temperatura de extrusão ideal melhora a disponibilidade dos nutrientes, facilitando a hidrólise enzimática (COSTA et al., 2006). O processo de extrusão é considerado mais eficiente, uma vez que provoca o rompimento da parede celular dos vegetais proporcionando maior exposição dos nutrientes.
CAFÉ et al., (2000) relataram que o processo de extrusão proporciona melhor coeficiente de digestibilidade do extrato etéreo e melhor resultado de energia metabolizável em função da liberação da gordura intracelular, decorrente desse tipo de processamento. Da mesma forma, SAKOMURA et al., (2004) verificaram que o processo de extrusão foi superior à tostagem, em razão da maior exposição do óleo à ação da lipase pancreática e aos sais biliares, facilitando a digestão e absorção de lipídeos.
Além de maior digestibilidade da gordura, o processo de extrusão pode promover melhor aproveitamento das proteínas da dieta. SAKOMURA et al., (2004) verificaram maior atividade da enzima tripsina para os frangos alimentados com soja extrusada, o que pode ser explicado pelo tipo de processamento utilizado, visto que o processo de extrusão promove desnaturação da molécula protéica, aumentando a digestibilidade da proteína.
No processo de tostagem não ocorre ruptura da parede celular, sendo esse tipo de processamento realizado por calor seco em tambor rotativo com temperaturas variando de 110º C a 170º C, ou por calor úmido sendo que o cozimento do grão de soja é realizado com fonte de calor, em processo semelhante à autoclavagem. Segundo CAFÉ et al., (2000) o processamento da soja tostada a vapor com temperatura de 150ºC durante 17 minutos, saindo do processador com umidade de 19% e temperatura de 100°C, pode não ser suficiente para inativar os fatores antinutricionais.
Todos esses tipos de processamento proporcionam a utilização da soja integral em rações de frangos e que, por apresentar as vantagens do farelo, associadas ao elevado valor energético decorrente da presença do óleo no grão tem sido explorada na produção de monogástricos. Para isso, é fundamental o controle de qualidade do processamento térmico da soja no sentido de verificar se houve subprocessamento ou superprocessamento.
2. 5 Métodos para avaliar a qualidade da soja e do farelo
Após o processamento térmico, a soja e o farelo precisam passar por controle de qualidade para verificar se houve destruição adequada dos fatores antinutricionais. O maior desafio é saber qual a quantidade exata de calor necessária para garantir maior qualidade nutricional desses ingredientes (COSTA et al., 2006), visto que quantidade de calor insuficiente não elimina adequadamente os fatores antinutricionais e o superaquecimento pode resultar destruição de alguns aminoácidos.
Dentre os métodos de controle de qualidade mais utilizados destacam-se o índice de atividade urease e a solubilidade da proteína em KOH 0,2% (BRITO et al., 2006). O primeiro é usado como indicador indireto da presença de fatores antinutricionais e indica processamento inadequado (subaquecimento) e o, segundo, superaquecimento.
O princípio do método da atividade urease é baseado na destruição da enzima urease nas mesmas condições que os inibidores de proteases e lectinas, considerando como valores ideais entre 0,05 a 0,30 (TABELA 3), enquanto que, para a solubilidade da proteína em KOH 0,2%, está baseado na reação dos grupos amino livres com outros grupos para formar pontes peptídicas, que reduzem a solubilidade da proteína. A soja crua possui solubilidade de 100% e, com o aquecimento, a solubilidade diminui, de forma que a solubilidade abaixo de 75% evidencia superaquecimento, sendo o ideal valor maior que 75% e menor que 85% (TABELA 4).
Outro método empregado para o controle de qualidade é o índice de dispersibilidade da proteína (PDI), que mede a solubilidade da proteína em água após centrifugação. Segundo BATAL et al., (2000), farelos de soja que apresentam PDI de 45% ou inferior passam por processamento térmico adequado. Outras técnicas também são utilizadas para o controle de qualidade como a disponibilidade da lisina. No entanto, devido à complexidade e dificuldade de padronização destes métodos, os testes mais utilizados têm sido a atividade ureática e a solubilidade da proteína (CAFÉ et al., 2000).
A avaliação do adequado processamento da soja e do farelo, através desses métodos, é de fundamental importância, pois, dentro dos padrões de qualidade, o processamento favorece a redução dos fatores antinutricionais e a disponibilização de nutrientes preservando a qualidade da proteína da soja (CAFÉ et al., 2000). Do contrário, são observados efeitos indesejáveis na disponibilidade dos nutrientes. BRUM et al., (2006) relataram excessiva desnaturação da proteína tanto no farelo de soja como nas sojas integrais processadas.
PARSONS et al., (2000) avaliaram os efeitos do calor excessivo no tratamento do farelo de soja sobre a digestibilidade dos aminoácidos. O excesso de calor foi determinante na redução da disponibilidade da lisina. Da mesma forma, RODRIGUES et al., (2002) verificaram superprocessamento da soja integral (índice de solubilidade da proteína entre 60 a 65%), o que contribuiu para menor valor da energia metabolizável. Para CAFÉ et al., (2000), o tipo de processamento é o que mais afeta a digestibilidade dos nutrientes da soja.
O inadequado processamento térmico da soja e farelo pode resultar em pior desempenho zootécnico. BRITO et al., (2006) ao incluírem sojas integrais subprocessadas (0,5% de atividade urease) e superprocessadas (66% de solubilidade da proteína) em rações de frangos de corte, verificaram menor ganho de peso e pior conversão alimentar aos 21 dias de idade (TABELA 5).
TABELA 5- Ganho de Peso (GP), Consumo de Ração (CR) e Conversão Alimentar (CA) de frangos aos 21 dias de idade alimentados comsoja integral extrusada subprocessada (SES), soja extrusada normal (SEN) e soja extrusada superprocessada (SESP).
Portanto, o controle de qualidade é fundamental para garantir processamento térmico adequado da soja com consequente redução e/ou eliminação dos fatores antinutricionais da soja e do farelo.
2.6 Fatores antinutricionais do farelo de soja
O processamento inadequado da soja resulta presença de fatores antinutricionais no farelo. Inibidores de proteases e lectinas, que deveriam ser inativados durante o processamento da soja podem, por ventura, ser encontrados no farelo. SOTO-SALANOVA et al., (1996), encontraram níveis residuais de lectinas e atividades de inibidores de proteases em diferentes amostras de farelo de soja, evidenciando mau processamento. Do mesmo modo, outras pesquisas (CAFÉ et al., 2000; RODRIGUES et al., 2002; BRITO et al., 2006) evidenciaram subprocessamento da soja e do farelo.
O farelo de soja pode ainda apresentar outros fatores antinutricionais que diferem daqueles comumente pesquisados. Dentre eles, destacam-se os polissacarídeos não amídicos (PNAs) que não são detectados nas análises de rotina nos laboratórios das empresas de fábricas de ração.
Esses polissacarídeos estão presentes nos diversos ingredientes de origem vegetal utilizados em rações de frangos e podem ser classificados como macromoléculas de polímeros de açúcares simples (monossacarídeos) unidos pela ligação glicosídica de um açúcar e um grupo carboxila de outro (TORRES et al., 2003), sendo constituídos por celulose, hemicelulose, pentosanas, pectinas, betaglucanos, beta-mananos dentre outros, os quais não são aproveitados pelos monogástricos, pois não produzem as enzimas necessárias para a degradação dessas estruturas (OPALINSK et al., 2006).
Nas leguminosas, os PNAs têm duas funções, a de servir como reserva de energia da semente e a de serem componentes estruturais. O teor de PNAs presentes nos ingredientes protéicos de origem vegetal utilizados em rações de frangos varia segundo a origem da planta, variedade, o grau de processamento e a proporção da casca presente no farelo de soja, rica em PNA (NAGASHIRO, 2007).
MALATHI & DEVEGOWDA (2001) pesquisaram o percentual de polissacarídeos não amídicos no farelo de soja e encontraram 29% de PNAs na forma de pentosanas, celulose e pectinas. No estudo de HSIAO et al., (2006), foram encontrados 1,26% e 1,61% de beta-mananos no farelo de soja sem e com casca, respectivamente, valores considerados altos pelos pesquisadores levando em consideração o percentual de inclusão de farelo nas rações de frangos. Esses PNAs provocam aumento da viscosidade da digesta o que prejudica a digestibilidade dos nutrientes, aumenta o tempo de passagem do alimento pelo sistema digestório e resulta menor consumo de ração (REIS et al., 2001; SCHOULTEN et al., 2003).
Além dos PNAs, outros fatores antinutricionais estão presentes no farelo de soja, dentre eles, os oligossacarídeos como a rafinose, estaquiose, sucrose e verbascose (VINJAMOORI et al., 2004; VAHJEN et al., 2005; OPALINSK et al., 2006), sendo que a rafinose e estaquiose são os oligossacarídeos mais destacados. A estaquiose é considerada a mais abundante dentre os tetrassacarídeos em vegetais, formada por duas galactoses, glicose e frutose, enquanto que a rafinose é formada por frutose, galactose e glicose (trissacarídeo) unidos por ligações glicosídicas do tipo α-1,6 (LAN et al., 2007).
Segundo GRAHAM et al., (2002), a rafinose e estaquiose correspondem a aproximadamente 6% da matéria seca do farelo de soja. LAN et al., (2007) encontraram 88,5 g/kg de oligossacarídeos (rafinose e estaquiose) no farelo de soja. COCA-SINOVA et al., (2008) pesquisaram o percentual de rafinose e estaquiose em diferentes amostras de farelos de soja provenientes de algumas regiões do mundo, e constataram maior percentual desses oligossacarídeos na amostra proveniente do Brasil (6,38%), quando comparado com o farelo de soja espanhol e americano, 4,81% e 5,1%, respectivamente.
Esses oligossacarídeos não são aproveitados pelas aves, pois os animais monogástricos não apresentam a enzima α-1,6-galactosidase para degradação desses compostos (VINJAMOORI et al., 2004; VAHJEN et al., 2005) o que pode dificultar a absorção dos nutrientes e reduzir o valor da energia metabolizável das rações.
Farelos de soja com maior percentual de rafinose e estaquiose apresentam menores valores de digestibilidade de aminoácidos e de energia metabolizável (LESKE et al., 1999). PARSONS et al., (2000) verificaram menor valor de energia metabolizável quando galos foram alimentados com farelo de soja com 3,2 % de estaquiose, apresentando 2739 kcal/kg, enquanto que os farelos de soja com baixo valor de oligossacarídeos (0,42 % de estaquiose) apresentaram 2931 kcal/kg de energia metabolizável.
Por outro lado, esses oligossacarídeos por não serem degradados no intestino delgado, apresentam digestão no intestino grosso, mais especificamente no ceco, onde as bactérias anaeróbias produzem enzimas para degradação desses açúcares, resultando maior fermentação. Para VINJAMOORI et al., (2004) a rafinose e estaquiose são responsáveis por flatulência em animais monogástricos, decorrente da fermentação anaeróbica de α-1,6 galactosídeos de rafinose presentes nas leguminosas.
LESKE et al., (1999) relataram maior produção de gás hidrogênio em frangos alimentados com farelo de soja com a presença de oligossacarídeos quando comparado com o farelo de soja sem rafinose e estaquiose, extraídos com etanol a 80%. Do mesmo modo, LAN et al., (2007) encontraram maior produção de gás, decorrente dos oligossacarídeos de rafinose, e maior número de bactérias produtoras de ácido lático, como Lactobacillus, no ceco de frangos.
2.7 Enzimas que atuam nos fatores antinutricionais do farelo de soja
O tratamento térmico é capaz de melhorar o valor nutricional da soja através da inativação dos fatores antinutricionais, porém não é a solução para os problemas causados pelos polissacarídeos não amiláceos. NUNES et al., (2001), afirmaram que o procedimento mais adotado para reduzir de maneira significativa os inconvenientes provocados pelos polissacarídeos não amiláceos é a utilização de enzimas exógenas. As enzimas exógenas, quando suplementadas nas rações de frangos, são capazes de reduzir os fatores antinutricionais do farelo de soja atuando na degradação dos polissacarídeos não-amídicos assim como nos oligossacarídeos de rafinose e estaquiose (GRAHAM et al., 2002).
A suplementação enzimática apresenta bom potencial para ser utilizada nas dietas avícolas para auxiliar a digestão e o aproveitamento dos PNAs, hidrolisandoos e promovendo aumento no valor da energia metabolizável da ração e melhor qualidade nutricional do farelo de soja (GARCIA et al., 2000; RODRIGUES et al., 2003; BRITO et al., 2006).
OLIVEIRA et al., (2007) verificaram melhor coeficiente de digestibilidade ileal da proteína bruta, cálcio e fósforo quando adicionaram o complexo enzimático (celulase, protease, amilase e fitase) em rações de frango formuladas com milho e farelo de soja. Para LEITE (2009) os melhores resultados da suplementação de enzimas em rações formuladas com milho e farelo de soja indicam que os fatores antinutricionais presentes nesses ingredientes podem ser degradados pelas enzimas e, dessa maneira, melhorar o valor nutricional desses alimentos e o desempenho de frangos de corte.
De acordo com GRAHAM et al., (2002) e RODRIGUES et al., (2003), a suplementação de enzimas em dietas com milho e farelo de soja pode proporcionar melhores resultados em frangos devido à degradação de fatores antinutricionais presentes no farelo de soja como os polissacarídeos não amídicos, a rafinose e estaquiose além de proporcionar melhor aproveitamento das proteínas da soja como a conglicina e β-conglicina.
LIMA et al., (2005) relataram menor percentual de nitrogênio nas excretas de frangos quando suplementaram a enzima α-galactosidase em rações com farelo de soja. AO et al., (2009) suplementaram rações de frango de corte a base de milho e farelo de soja com a enzima α-galactosidase e verificaram melhor coeficiente de digestibilidade da proteína bruta e aumento na energia metabolizável da dieta, mostrando ação da enzima nos α-galactosídeos presentes no farelo de soja, como a rafinose e estaquiose. LEITE (2009) enfatiza a necessidade da suplementação da enzima α-galactosidase em rações formuladas com farelo de soja, para degradação dos oligossacarídeos, pois as enzimas endógenas dos frangos não conseguem quebrar as ligações glicosídicas α-1,6, presentes na rafinose e estaquiose.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização do farelo de soja em rações de frangos de corte é consagrada e, nos últimos anos, a soja integral vem ganhando destaque na formulação de rações avícolas como importante ingrediente protéico. O valor nutricional desses ingredientes não é questionável, no entanto, a presença de fatores antinutricionais tem que ser levada em consideração.
Para melhor aproveitamento da qualidade nutricional da soja integral e do farelo é indispensável o conhecimento dos fatores antinutricionais presentes, pois são responsáveis por efeitos detrimentais na digestibilidade dos nutrientes e no desempenho dos frangos e limitam a utilização desses ingredientes em rações de aves.
Assim, para formulações de rações com soja integral, o processamento térmico adequado e rigoroso controle de qualidade desses processamentos são importantes para inativação dos fatores antinutricionais. Se por um lado o subaquecimento resulta na presença de fatores antinutricionais, por outro o superaquecimento leva perda da qualidade protéica da soja o que, consequentemente, pode afetar o desempenho dos frangos.
No que diz respeito ao farelo de soja, pesquisas vêm ganhando espaço no sentido de quantificar e/ou diminuir o percentual de polissacarídeos não amídicos e de oligossacarídeos como a rafinose e estaquiose, os quais comprometem a qualidade nutricional do farelo.
A utilização de enzimas exógenas é uma estratégia utilizada em rações à base de farelo de soja e é extremamente vantajosa do ponto de vista nutricional. A suplementação enzimática proporciona degradação dos PNAs e dos oligossacarídeos, uma vez que as enzimas digestivas dos animais monogástricos não são capazes de quebrar essas estruturas. Com isso, espera-se melhor digestibilidade dos nutrientes e melhor valor de energia metabolizável da ração.
Portanto, fica evidente a importância do estudo dos fatores antinutricionais e das principais estratégias utilizadas para diminuir e/ou eliminar o efeito desses fatores na nutrição de frangos.
Esse artigo foi originalmente publicado em ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer, Goiânia, v.8, n.15; p. 2012 | https://www.conhecer.org.br/enciclop/2012b/ciencias%20agrarias/limitacoes.pdf.