O primeiro contato que tive com avicultura foi em 1970, quando, sendo um jovem Oficial de Chancelaria da Embaixada do Brasil em Madrid, fui encarregado de assistir a delegação brasileira que participava do Congresso Mundial de Avicultura.
Imagino que já estejam esperando pela inevitável piada de que "eu era feliz e não sabia". Mas sinto desapontá-los, pois na realidade comecei a ser mais feliz e não sabia.
Para começar, naquele momento conheci o Lauriston von Schimdt, um dos líderes que esteve nos primórdios da avicultura brasileira lançando as fundações do que somos hoje. Como brasileiro, poderia celebrar o fato de termos nos tornado uma potência avícola mundial, com a prudência do "Sic Transit Gloria Mundi". Mas, antes de brasileiro, faço parte do gênero humano e aí reside a causa de ser feliz sabendo o porquê - tornamos uma carne, então privilégio de elites, acessível a uma parcela grande da população mundial.
Nos 35 anos que se passaram, nós, avicultores de todas as nacionalidades e especialidades, criamos a proteína animal para os pobres, ricos e remediados. Hoje, quando encerrarmos o dia de inauguração da AVE EXPO 2005 e do I Fórum Internacional de Avicultura, teremos o direito de embalar nosso sono com a tranqüilidade de alguém que fez algo para si e para todos.
Seja cínico e grite que não fizemos isso porque era bom para a humanidade, mas sim porque era do nosso interesse e eu concordarei. Foi bom negócio e espero que continue sendo, mas bem baixinho lhe respondo que ainda assim o resultado do nosso egoísmo foi bom para toda a humanidade. Aliás, deixe-me lembrar-lhe que um altruísta nada mais é que um egoísta inteligente.
Mas vamos quantificar o nosso progresso. No período de 1970 a 2004, enquanto a produção mundial de carnes subia 155,9%, a produção de carnes de aves subia 418,0% e a de ovos 207,5%, ao mesmo tempo em que a população mundial se expandia em 73,6% nesse período.
Esse dinamismo da produção avícola permitiu que nossa indústria disponibilizasse mais produtos per capita do que o nível de expansão demográfico, gerando aquele efeito colateral positivo - maior consumo per capita. Entre 1970 e 2004, enquanto a disponibilidade per capita de todas as carnes subia 47,4% (de 27,25 kg/hab/ano para 40,18 kg/hab/ano), as carnes de aves expandiam-se em 198,5% (de 4,09 kg/hab/ano para 12,21 kg/hab/ano).
Como logramos esse progresso? Com melhorias proporcionadas pela Revolução Verde do Professor Dr. Norman Borlaugh, que permitiu notáveis ganhos de produtividade nos grãos, que são a base de nosso negócio, como ilustrado a seguir:
Avicultura passou de "criador de galinha" para ciência, onde as melhorias em genética, nutrição animal, manejo e saúde animal se traduziram em notáveis ganhos no âmbito do campo.
No que diz respeito a abatedouro, o setor avícola experimentou notável progresso. Esse caminho começa nos primórdios do abate simples nas avícolas e chega aos modernos abatedouros. Aimportância dessa modernidade reflete-se em segurança alimentar e uso econômicoda ave, valorizando sua totalidade e reduzindo os desperdícios a mínimos. Quando comecei, jogávamos penas, sangue e vísceras fora. Depois os transformamos em subprodutos e hoje em insumos valiosos para os setores de petcare e aquacultura.
Comercialmente, começamos com o frango inteiro, servido em casa aos domingos com macarrão. Fomos aos cortes de frango e hoje temos uma gama de produtos de aves capaz de estarem presentes em todas as refeições do consumidor, incluindo seus lanches, petiscos para acompanhar a cerveja, festas e recepções. Em resumo, onde houver alguém mastigando, haverá uma opção de produto de carne de ave.
Logramos muitas vitórias nos últimos 35 anos e podemos nelas encontrar estímulos para os desafios que nos serão impostos nos próximos 30 anos.
Não podemos esperar que nos próximos 30 anos o frango alcance o peso de 4 kg, que sua conversão seja de 0,5 kg-ração por kg vivo, tenha sua mortalidade reduzida a 0% e, sobretudo, que o frango fique pronto em 10 dias.
Nossos progressos em relação a campo e abatedouro passarão a ser medidos em gramas para os ganhos de peso e conversão, em casas decimais nas reduções de mortalidade e em horas no tempo em que a ave fica pronta para o abate.
Nos próximos 30 anos, a excelência de profissionais de sanidade, manejo e bem-estar, postura e nutrição, será focada em enfrentar, não os problemas de ontem, para os quais já descobrimos as soluções, mas desafios absolutamente novos, determinados pela necessidade de perenizar o crescimento.
Celebramos o crescimento do consumo de carnes no mundo e, em especial, o de carnes de aves, mas é evidente que tal expansão traz novas densidades de animais, acompanhados por intensa movimentação internacional, própria da globalização de nossos dias e do crescimento do comércio internacional.
Nos próximos 30 anos deveremos produzir 245.962.000 tm a mais de carnes do que produzimos atualmente.
Se essas projeções estiverem corretas, em 2035 estaremos produzindo praticamente o dobro de carnes que produzimos atualmente. Mas, mesmo que estejam falhas ou que se adotem cenários mais conservadores, o inelutável é que haverá um expressivo aumento da produção de carnes no mundo nos próximos 30 anos. Ofereço abaixo uma opção de crescimento mais conservador, embora peço-lhes que me critiquem mais pelo erro da projeção anterior do que por essa nova, que divulgo com menos convicção:
Esse crescimento só se tornará viável se os quadros técnico-científicos nos aportarem a sanidade animal, o manejo e bem-estar, a postura e a nutrição necessários à expansão sustentável dos rebanhos, para dar conta dessa demanda projetada de carnes e, sobretudo, do intenso trânsito implícito no continuado translado da produção mundial dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento.
A todos vocês que participarão dos seminários técnicos que se inauguram no âmbito da AVE EXPO 2005 disponibilizo essas projeções e quantificações, seguramente imperfeitas e exageradas, já que diferem das projeções da FAO e do USDA, que apontam menores níveis de crescimento.
Entretanto, iniciem seus trabalhos com a consciência de que a missão de vocês nos próximos 30 anos não será a de administrar a estagnação, mas viabilizar a inevitabilidade de um consumo maior de carnes no mundo, atendido por produções que tendem a se concentrar nos países em desenvolvimento, que serão responsáveis por 65% da produção mundial de carnes em 2030.
Atentem para os temas que nortearão a produção avícola no futuro à luz da necessidade de conciliar a expansão da produção para dar acesso de consumo aos excluídos, com as novas exigências dos consumidores que, tendo esse acesso garantido, demandam saber como foi produzido o que comem, o que contém o que comem, onde foi produzido, por quem foi produzido e se essa produção obedeceu ao tripé da sustentabilidade - valor econômico, valor social e valor ambiental.
Ouviremos sobre as novas palavras de ordem - biosseguridade, rastreabilidade e ambiência, bem-estar animal e as novas exigências do consumidor - que impactarão a nutrição das aves nas próximas décadas, sem descurar dos temas de saúde animal que constituem o maior risco ao futuro quantificado que apresentei.
Doutos nos trarão suas experiências e saber em genética e, com interesse, acompanharemos idéias de como promover o consumo do ovo, a mais econômica das proteínas animais, que está longe de ter o espaço que merece na dieta do brasileiro.
Teremos nas palestras magistrais a oportunidade de refletir sobre problemas que inexistiam quando começamos a construir a história da indústria avícola nos anos 60 e 70. Seremos privilegiados pela presença de Jason Clay, Vice-Presidente do WWF, que nos aportará uma visão da agricultura que nos cumprirá construir a partir de hoje, que garanta o presente sem descurar de assegurar o futuro. Garanto-lhes que, ao final da palestra, Jason Clay terá novos admiradores para suas teses que conciliam o amanhã do planeta com a necessidade de melhorar a dieta dos tripulantes e passageiros da espaçonave Terra.
Teremos, pela primeira vez, a oportunidade de ouvir Nancy Morgan, da FAO, nome que é conhecido por todos os que acompanham de perto o "Meat and Livestock Market Network", plataforma eletrônica onde pessoas ligadas aos mercados de carnes e pecuária intercambiam experiências, conhecimentos, informações técnicas e econômicas, proporciona a difusão do saber que beneficia globalmente a indústria e o setor. É o espaço onde somos, antes de tudo, parte daqueles que desejam contribuir para fazer da espaçonave Terra um lugar menos injusto. Um trabalho meritório da Nancy, amiga de longa data, que aportará uma visão sobre o mercado internacional de carnes.
O amigo Joaquin De Grazia nos trará sua experiência da avicultura argentina, uma das grandes forças recentes no plano produtivo e de grande dinamismo nas exportações. Teremos a oportunidade única de ouvir sobre as perspectivas da avicultura Argentina, país que, como o Brasil, possui todas as condições naturais de uma potência avícola.
James Sumner, Presidente da USAPEEC (Conselho de Exportação de Aves e Ovos dos Estados Unidos da América), que abordará um tema digno dos próximos 30 anos: se a dinâmica do mercado de exportação de frangos é tema para abordagem
individual de cada país participante ou se já não é hora de um enfoque global. É uma grande contribuição ter o presidente da maior entidade avícola dos Estados Unidos entre nós para discutir com franqueza os poucos pontos que nos distanciam e os muitos que nos aproximam.
Jonathan Banks aportará todo o seu conhecimento dos consumidores europeus, principalmente do mercado britânico, destino de uma parcela considerável das exportações mundiais de carne de peito de aves, permitindo aos produtores uma visão dos valores que norteiam o consumidor do primeiro mundo e como influenciam toda a cadeia produtiva. As informações excepcionais que nos passará virão recheadas de um fino humor, tipicamente britânico. O único problema é que estou certo que vocês exigirão a volta do Jonathan Banks nas próximas edições da AVE EXPO e tal nem sempre é fácil de se conseguir.
Teremos visões muito interessantes para nossos visitantes estrangeiros sobre a competitividade brasileira e sobre riscos sanitários que podem comprometer o futuro de nossas exportações, completando-se com uma apresentação sobre parâmetros qualitativos do frango, tema maior já que qualidade deixou de ser atributo para se tornar exigência mínima.
Durante 3 dias dedicaremos um pouco de tempo para ouvir, discutir e pensar sobre a avicultura, nossa profissão e nossa paixão. Deixaremos o dia-a-dia dedicado a matar jacarés para refletir sobre como perenizar os nossos sucessos dos últimos 30 anos.
Dedicaremos 3 dias ao principal instrumento do futuro - acumular conhecimento para agir na era do conhecimento. A celeridade das mudanças no mundo de negócios de hoje e amanhã nos impõe um processo de reinvenção permanente que só se logra através do conhecimento.
Tudo que aprendemos até ontem foi-nos muito útil para enfrentar os problemas de ontem, mas insuficientes para a velocidade digital das mudanças de mercado. A garantia de sucesso para os próximos 30 anos passará pela contestação das certezas e por um inventar constante de novas formas de agir e pensar.
Até o dia de hoje conhecemos tamanho dinamismo da indústria avícola, mormente em países naturalmente competitivos como os Estados Unidos, Brasil e Argentina, ou naqueles de grande potencial de demanda, como a China, que a expansão aparentemente ilimitada do consumo e a progressiva abertura dos mercados internacionais agiram como panacéia.
Agimos, nos últimos 30 anos, ocupando espaços deixados pelo conservadorismo do bovino, pela redução dos custos e achatamento dos preços do frango e por uma concorrência predatória onde eficiência se media por quantos concorrentes deixávamos pelo caminho, ainda que ao custo da rentabilidade do setor avícola. Foram 30 anos de oceanos vermelhos de sangue onde, na medida em que reduzíamos a mortalidade das aves, aumentávamos a mortalidade das empresas avícolas.
Podemos seguir cometendo os mesmos erros pelos próximos 30 anos, na eterna corrida do aumento da eficiência + melhoria dos índices = redução dos custos = redução de preços = perde-perde de eliminar concorrentes. Essa estratégia do "eu também, mas por menos" terá que ser repensada, pois a única garantia que oferece é a de que, ainda que ganhemos, ganharemos num setor que perde.
Na era do conhecimento e da mudança constante de valores do consumidor, custos reduzidos não serão fator necessariamente decisivo em assegurar a sobrevivência das empresas avícolas.
Os próximos 30 anos exigirão que passemos da integração verticalizada da cadeia avícola para a construção de um novo modelo de coordenação vertical da cadeia, de forma a aumentar sua eficiência mediante o envolvimento e o comprometimento de cada um dos elos com o resultado final da cadeia - expandir o consumo de aves no mundo.
Os próximos 30 anos não nos trarão na indústria avícola os índices de crescimento e de melhoria de performance que experimentamos nas últimas 3 décadas. Acabaram-se os anos de Harry Potter, a mágica da expansão permanente da demanda.
Nos próximos 30 anos logística e água ocuparão na indústria avícola a mesma importância que atribuímos à genética, à nutrição e à sanidade animal. As aves viajam longas distâncias antes de chegarem ao prato, e não prestamos a isso a devida atenção. Usamos 32 litros de água para fazer um frango e esse é o bem mais escasso para o qual não há alternativas. 32 litros por ave tornarão nossa indústria insustentável muito antes do que pensamos.
Nos próximos 30 anos teremos desafios impensados e problemas novos, para os quais as soluções velhas, que aprendemos até hoje, pouco serão úteis. Serão 30 anos onde o segredo residirá em aprender a aprender, repensar constantemente, reinventar-se quando necessário e buscar alianças de conhecimento.
O prêmio para os que souberem aprender será participar do futuro anunciado de um mercado que alcançará 195 milhões de toneladas de carnes de aves em 2035, se os meus cálculos estiverem corretos. Mas é óbvio que posso ter errado nos cálculos e quando 2035 chegar veremos que o mercado avícola será de meros 180 ou 185 milhões de toneladas.