A agricultura familiar é um setor estratégico para a manutenção e recuperação do emprego no campo, para redistribuição da renda, para a garantia da soberania alimentar do país e para a construção do desenvolvimento sustentável (SCHUCH, 2004). A agricultura familiar gera mais de 80% da ocupação no setor rural, representando cerca de 20% do total da população economicamente ativa Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira vêm da agricultura familiar e quase 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são produzidos por agricultores familiares (TOSCANO, 2003).
Foto 1. Agricultura familiar (Socorro, SP)
Fonte: Joaquim Adelino Azevedo.
Devido à importância e particularidades da Agricultura Familiar, criaram-se programas de apoio específico, iniciando-se com o PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, instituído por meio do Decreto Presidencial nº. 1.946, de 28 de junho de 1996, tendo sido incorporado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a partir de 1999. A finalidade deste programa é promover o desenvolvimento rural, propiciando aos agricultores familiares o aumento da capacidade produtiva, a geração de emprego e a melhoria da renda, através do fomento (custeio e investimento), apoio financeiro a instituições de extensão rural e pesquisa.
Em seguida, surgiu o PAA - Programa de Aquisição de Alimentos, instituído pelo art. 19 da Lei nº. 10.696, de 2 de julho de 2003, e regulamentado pelo Decreto nº. 6.447, de 07 de maio de 2008. Este programa é um instrumento de estruturação do desenvolvimento da agricultura familiar, acionado após a etapa final do processo produtivo, no momento da comercialização.
O PAA promove a compra de alimentos pelas prefeituras municipais junto aos agricultores familiares, diretamente, ou por meio de associações/cooperativas. O pagamento justo da produção agrícola familiar onde antes somente havia níveis mínimos de atividade de subsistência promove maior geração de renda para os agricultores, contribuindo para atenuar a secular iniqüidade social.
O PNAE - Programa Nacional de Alimentação Escolar, criado pela Lei nº. 11.947/2009 dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica. Através dessa Lei, a agricultura familiar passa também a fornecer gêneros alimentícios a serem servidos nas escolas da Rede Pública de Ensino. Para quem produz alimentos, a iniciativa contribui para que a agricultura familiar se organize cada vez mais e qualifique suas ações comerciais. Para quem adquire esses produtos, o resultado é mais qualidade na alimentação a ser servida, manutenção e apropriação de hábitos alimentares saudáveis, maior desenvolvimento local de forma sustentável, valorização da cultura alimentar e da produção local, inclusão da educação alimentar e nutricional no projeto pedagógico da escola, promoção da saúde e fortalecimento da agricultura familiar. Com o novo espaço que se abre no mercado de produtos para a alimentação escolar, a agricultura familiar tem mais uma oportunidade importante de comercialização de forma segura e rentável. Porém, é preciso se organizar, pois as políticas públicas para o setor priorizam os agricultores e agricultoras familiares organizados em associações e cooperativas. Apenas os agricultores familiares organizados podem ser indicados para fazer parte do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), um instrumento de controle social, co-gestor do PNAE. Essa também é uma forma de mostrar para a sociedade que a agricultura familiar é produtora de alimentos diversificados e de qualidade, dessa maneira a Agricultura Familiar ganha reconhecimento.
Em 24/01/2012, o governo Estadual visando apoiar a agricultura familiar, implantou o PPAIS - Programa da Agricultura de Interesse Social, criado pela Lei 14.591. O PPAIS é uma ação que visa estimular a produção e garantir a comercialização dos produtos da agricultura familiar. Com isso, essas famílias terão um novo incentivo para continuar investindo na terra, já que terão uma renda garantida, e o Governo passa a ter um canal direto para a aquisição de produtos de qualidade para seu próprio consumo. Poderá ser beneficiado pelo PPAIS aquele que pratica atividades da agricultura familiar, atendendo, simultaneamente, as mesmas normas do PRONAF. Na região Leste Paulista existem diversas associações e cooperativas, sendo que recentemente duas cooperativas se organizaram para atender o PNAE.
A Cooperativa dos Produtores de Chuchu (COOPCHAM) foi fundada em 2001, com 23 produtores, contou com apoio inicial da Prefeitura Municipal de Amparo, a qual tinha como objetivo incentivar e apoiar a formação de associações e cooperativas, por meio de políticas públicas voltadas para a geração de emprego e renda no campo. Hoje, a Cooperativa conta com 55 associados, dos municípios de Amparo, Monte Alegre do Sul e Serra Negra. E através da receita adicional proporcionada pelo fornecimento ao Programa de Alimentação Escolar, a Cooperativa pode disponibilizar aos seus sócio-cooperados o serviço de Assistência Técnica Agronômica. O objetivo com essa assistência é dar condições para o produtor gerenciar melhor seus negócios, incrementar e planejar sua produção, utilizando tecnologia adequadas de cada cultura, sempre voltadas para a demanda do mercado.
A grande preocupação é fazer o produtor rural chegar a resultados que garantam a sua permanência na agricultura e a sustentabilidade da Cooperativa. E esta, através de uma gestão compartilhada e com uma administração transparente, busca aliar eficiência econômica e eficácia social. Para os próximos anos, o Pólo Regional Leste Paulista tem como meta investir mais na área ambiental, educacional e social. Serão treinados dois produtores para atuarem como Agentes Ambientais, no acompanhamento das ações propostas no Projeto da Cooperativa. Serão disponibilizados cursos para formação de jovens em princípios cooperativistas, conscientização ambiental das crianças, capacitação para as mulheres em gestão rural, ações voltadas para saúde e qualidade de vida do trabalhador, entre outras.
O Cooperativismo ainda não é reconhecido no nosso país como gostaríamos. Vivemos e valorizamos mais o individual que o coletivo. É necessário que experimentemos e utilizemos mais esta ferramenta de inclusão, oportunidade e cidadania para as pessoas. O Cooperativismo é um instrumento econômico que funciona de maneira socialmente justa. Não podemos mais admitir o desenvolvimento a qualquer preço, onde o ganho financeiro prevaleça sobre a sustentabilidade. O Cooperativismo é o modelo mais adequado ao novo perfil da humanidade (TONET, 2011).
O Pólo Regional Leste Paulista, colaborou com a realização de dias de campo da cultura do chuchu, sobre tratos culturais, manejo de pragas e doenças, e tecnologia de aplicação de defensivos. Em entrevista realizada pela autora em 26/09/2012 com a gerente da COOPCHAM, Valéria Gerbi (Economista /USF), foi informado que até 2009, a cooperativa comercializava seus produtos para o mercado atacadista e cozinha industrial. Com a implantação do PNAE no município de Amparo, a cooperativa se estruturou para atender ao edital, encontrando muita dificuldade em relação à padronização de produtos, logística e acondicionamento. A Cooperativa comercializa toda a produção de seus cooperados e tem por meta incentivar a diversificação da produção, sempre em busca por melhores preços, melhores mercados, melhor qualidade e respeito ao meio ambiente. Atualmente, comercializa 150 mil caixas/ano de chuchu (20 kg), que é o "carro chefe", além de outros 30 produtos, entre verduras, frutas e legumes. Cerca de 40% do faturamento da cooperativa vêm da merenda escolar, sendo que dobrou após o PNAE. Desde 2010, a Cooperativa passou a fornecer 100% de produtos para a prefeitura da cidade de Amparo, suprindo as necessidades da merenda escolar, exceto em arroz, feijão e ovos.
Em 2011, passou a fornecer também para as prefeituras de Monte Alegre do Sul e Serra Negra, atendendo ainda 30% da demanda da prefeitura de Jaguariúna, pretendendo chegar aos 100%. O PNAE trouxe qualidade para a merenda escolar, além de melhorar a qualidade de vida dos produtores familiares; diversificou e aumentou a produção a ser ofertada, pois a cooperativa tem uma maior facilidade de chegar ao mercado, ao contrário da pequena produção isolada. Uma grande oportunidade para a cooperativa é a venda de produtos processados, prevista para 2014. As vantagens são: isenção de ICMS e maior valor agregado nos produtos, favorecendo a logística, o espaço para acondicionamento dos produtos e diminuindo a necessidade de funcionários nas escolas para o manuseio e preparo da alimentação. A cooperativa tem capacidade de expansão, dando prioridade para os agricultores familiares da região de Amparo, com perfil de trabalho em equipe e cooperativismo.
Foto 2. Agricultura familiar (Socorro, SP)
Fonte: Joaquim Adelino Azevedo.
Outra cooperativa que também atende o PNAE na região é a Entre Serras e Águas, com sede em Bragança Paulista. Esta cooperativa foi fundada em maio de 2007, com 24 produtores tendo por objetivo fornecer hortaliças e frutas para a merenda escolar. No início, 80% dos cooperados eram agricultores familiares que tinham como meta promover a qualidade de vida no campo e prepararem-se para produzir de forma orgânica. Em 2010, 7 produtores foram certificados como orgânicos. A cooperativa agregou mais 5 municípios para vender seus produtos à merenda escolar, sendo eles, Socorro, Atibaia, Nazaré Paulista, Monte Alegre do Sul e Pouso Alegre (MG).
O apoio da Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB para aquisição das primeiras caixas plásticas e do Sindicato dos Bancários para compra de câmara fria também foram primordiais. A cooperativa tem hoje 102 cooperados, sendo 40 orgânicos certificados, dois contratos de comercialização de produtos, além de possuir máquinas de embalar, balanças digitais e veículo próprio, preparando-se para começar a agregar valor às frutas, com o Programa Microbacias II/SAA. É uma das únicas cooperativas do gênero a desenvolver logística própria para entrega ponto a ponto. A Cooperativa Entre Serras e Águas tem como plano para um futuro próximo a implantação da central de processamento, contratação de assistência técnica própria, adequação da produção oferecendo uma gama maior de produtos, que hoje está em torno de 98 entre frutas, legumes e hortaliças. O PNAE foi de extrema importância para a cooperativa. As informações foram dadas por Andréa Ono, gerente da cooperativa.
Considerações finais
A organização da agricultura familiar em pequenas comunidades rurais para a produção/processamento de frutas, legumes, lacticínios e agricultura orgânica tem se tornado constante. Hoje, nas prateleiras dos supermercados podemos encontrar uma diversidade de produtos oriundos dessas comunidades, com marca própria e registro nos órgãos oficiais de defesa sanitária. Por exemplo, existem várias associações que estão procurando padronizar o sabor de nossa cachaça para atender ao mercado externo que tem se mostrado ávido por esta bebida. O turismo rural é outra alternativa de renda para os pequenos produtores, com trilhas, pousadas, pequenos hotéis, que oferecem aos turistas urbanos comidas típicas, a experiência de vida na zona rural, passeios ecológicos, etc.
Em todos esses casos, a pesquisa agropecuária esteve presente, fornecendo novas variedades e cultivares mais produtivas e resistentes às pragas e doenças, disponibilizando novos processos de transformação do produto agrícola, contribuindo para qualificação da mão-de-obra para o uso das novas tecnologias e discutindo com os produtores quais as tecnologias, processos e serviços a serem desenvolvidas para a agricultura familiar. Atender a demanda dessa importante parcela da população brasileira é um desafio gratificante e fundamental para uma sociedade mais justa e harmoniosa.
O agronegócio tem que ter três elementos importantes: escala, produtividade e agregação de valor. As cooperativas, através de uma gestão compartilhada e uma administração transparente, buscam aliar eficiência econômica e eficácia social. O cooperativismo ainda não é reconhecido no nosso país como gostaríamos. Vivemos e valorizamos mais o individual que o coletivo. O cooperativismo é um instrumento econômico que funciona de maneira socialmente justa, sendo um modelo mais adequado ao novo perfil da humanidade.
Com relação às políticas públicas destinadas a promover sistemas de produção sustentáveis entre os agricultores familiares, é preciso que haja uma conjugação de esforços entre as instituições de pesquisa, assistência técnica e extensão rural, as escolas técnicas e universidades, e as próprias organizações de agricultores. As políticas públicas e programas específicos (nacionais, estaduais e municipais), para a formação profissional dos agentes de desenvolvimento, bem como os métodos participativos de planejamento e de gestão dos recursos públicos, principalmente no âmbito local, são instrumentos para enfrentar o difícil desafio de promover novas práticas agrícolas e, com elas, o desenvolvimento local e regional.
Foto 3. Agricultura familiar/Pastagem Rotacionada. (Socorro, SP).
Fonte: Joaquim Adelino Azevedo.
Referências
BRASIL. Decreto n° 1.946, de 28 de junho de 1996. Cria o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, e dá outras providências. Brasília, DF: 2000.
IBGE, Censo Agropecuário – 2006 .Agricultura familiar .Comunicação Social, 30 de setembro de 2009.
TONET R. M. Casa da Agricultura de Amparo Cooperativa dos Produtores de Chuchu de Amparo comemora seus 10 anos de fundação. Disponível em: www.gazetaamparense.com.br/edição_26mai11/noticias/agricola.htm . Acesso em 14 de setembro de 2012.
TOSCANO, L.F. 2003 Agricultura familiar e seu grande desafio. Diário de Votuporanga, ano 50, n. 12.769, 2003. Disponível em: http://www.agr.feis.unesp.br. Acesso em: 10 set. 2012.
SCHUCH, H, J. 2005. A importância da opção pela agricultura familiar. Disponível em: <http://www.gipaf.cnptia.embrapa.br>. Acesso em: 17 de setembro de 2012.
***O trabalho foi originalmente publicado pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.