A relação entre nutrição e função imune é um assunto amplo, difícil de ser estudado numa visão holistica e gera muitas dúvidas, levando técnicos e produtores a adotar, muitas vezes, conceitos equivocados.
Nós, técnicos da área de produção e nutrição animal nos acostumamos a pensar sob a ótica do “quanto mais melhor”. Se o animal come mais, ele produz mais; se ele consome mais lisina, ganha mais peito, se bebe mais água, produz mais sob estresse por calor, e assim por diante. Ao longo dos últimos 40 anos temos visto este princípio na seleção dos animais: maior produtividade, maior ganho, mais eficiência, etc. Não é de se estranhar, portanto, que a ideia permaneça em nossa mente quando discutimos se a oferta de mais nutrientes poderá melhorar a reposta imune, e acreditar nisso!!!
A questão que se coloca, no entanto, é um pouco mais complexa. Primeiro precisamos definir se é bom ou ruim para o animal que a resposta imune seja do tipo “quanto mais melhor” ou dita muitas vezes “vigorosa”. É bom para a produção? Segundo, precisamos definir quais são as exigências nutricionais para esta reposta. Respondendo a primeira questão: não, não é bom para a produção que haja uma resposta imune vigorosa! O animal quando responde “vigorosamente” ativa vários sub-sistemas, incluindo uma cascata de mensageiros celulares, chamados citocinas, que levam a eventos indesejados sob o ponto de vista da produção animal. Neste estado “vigoroso” o animal não tem fome, cataboliza proteína musculares e aumenta a gliconeogênese para poder produzir glicose a partir de aminoácidos e produzir proteínas específicas no fígado, tem sonolência, febre e enfim, diminui a produção. Alguém nessa altura pode estar se perguntando: mas e quanto ao agente causador de tudo isto ? Virus, bactérias, componentes alergênicos, muitas vezes presentes no próprio alimento, etc. Afinal o organismo não está agindo daquela forma para eliminar este corpo estranho? Sim, claro, o sistema imune (SIM) está fazendo de tudo para combater esse agente, mas muitas vezes (na maioria das vezes), o faz em demasia. Portanto, a primeira atitude de nossa parte, antes de pensarmos em nutrição diferenciada para uma resposta imune vigorosa, deveria ser no sentido de evitar a entrada do agente, seja através de medidas de biosseguridade, seja pelo manejo do ambiente, qualidade de água, desinfecções, por exemplo, ou seja através de programas de vacinação eficazes, que em última instância fazem o sistema imune responder, mas sem o tal vigor.
Por outro lado, sabe-se a partir de alguns estudos científicos (Klasing & Leshchinsky, 1999) que o sistema imune é relativamente resistente a deficiências nutricionais e que as exigências para mantê-lo são muito pequenas. Todos os componentes do SIM não excedem 1% do peso vivo total! Portanto, o custo nutricional de clonar linfócitos, recrutar novos monócitos, sintetizar imunoglobulinas, etc. é pequeno quando comparado às exigências para produção. Para animais de produção que são altamente demandantes em nutrientes, em função de sua grande taxa de acréscimo de tecido diária (em função do grande avanço que o melhoramento genético trouxe) , trabalha-se sempre com dietas equilibradas (ou pelo menos deveríamos) e ricas em energia, aminoácidos, vitaminas e minerais. É impensável o setor produtivo trabalhar com dietas deficientes, pois nosso material genético de alta exigência nutricional, mostraria queda de produtividade frente a rações deficientes. Portanto, as dietas desses animais de produção já se encontram plenamente supridas de nutrientes. Ainda que o sistema imune possa aumentar sua demanda por nutrientes quando ativado, é importante que se diga que ELE É PRIORITARIAMENTE ATENDIDO. O catabolismo muscular que observamos quando um animal está doente acontece justamente para direcionar aminoácidos ao sistema imune. O animal para de crescer, mas combate o agente infeccioso!!
Sempre digo que sob o ponto de vista evolutivo , essa é uma estratégia inteligente. Imaginem se o sistema imune fosse altamente exigente em termos nutricionais. Morreria-se muito mais facilmente em épocas de escassez!
Em nosso laboratório, quando trabalhamos com aminoácidos sulfurados digestíveis (AASdig) (0.72, 0.82, 0.92% de 1 a 21 dias e 0.65, 0.75, 0.85% de 22 a 42 dias) para animais imuno estimulados por um forte programa de vacinação, observamos que os níveis de AASdig empregados não alteraram os títulos contra Gumboro ou a resposta celular contra tubeculina. Isto é, mesmo dietas consideradas deficientes em AAS para a produção, não prejudicaram a resposta imune! (Rubin et al.,2007) Quando o estudo foi com Arginina (1,33 ou 1,83%) e Metionina, observamos que os níveis de Arginina tampouco influenciaram a resposta imune ou o desempenho das aves. Níveis de AASDig mais altos ou mais baixos aos usados normalmente (0,60, 0,80, 0,95% de 1 a 21 dias e 0,55, 0,75 e 0,90% de 22 a 42 dias), também falharam em influenciar a produção de anticorpos. Porém, a resposta imune celular foi melhor no nível intermediário de AAS Dig. (Rubin et al., 2007).
Nos dois trabalhos observamos que a vacinação no inicio da vida das aves provocou uma queda no desempenho notada até os 21 dias de idade. Esta é uma resposta típica da ativação do sistema imune. Neste caso, um “mal necessário”, visto a importância da vacinação. Em outro estudo, trabalhamos com níveis de vitamina E (30, 65 e 100 ppm/kg). As respostas confirmaram o que um trabalho no Laboratório do prof. Klasing já havia observado (Leshchinski & Klasing (2001): que níveis intermediários são mais adequados do que altos níveis de vitamina E ou mais baixos, como a indústria usa. Com 65 ppm de vitamina E as aves que tiveram estimulo do SIM não só responderam melhor em termos de anticopos contra New Castle, melhor relação heterofilo:linfócito (H:L), como também tiveram melhor ganho de peso ao longo de todo experimento (Silva et al., 2009). Em outro experimento usando Selênio na forma orgânica e inorgânica (Silva et al.,2010) os frangos foram criados sob estresse por calor e observou-se que para algumas respostas, selênio orgânico foi melhor (menor depleção linfocitária nas bursas das aves vacinadas conta Gumboro). Para outras, o inorgânico mostrou-se melhor (melhor relação H:L, títulos mais altos contra Gumboro e contra células vermelhas de ovelha). É interessante notar que quando se fala na interação entre nutrição e SIM, os resultados podem ser dependentes do tipo de resposta medida. Logo, falar simplesmente em “resposta imune” , em termos genéricos, torna-se muito vago, visto serem muitos os sistemas e células envolvidos (sistema, humoral, celular, vários tipos de células, etc...).
Um quinto estudo, também conduzido em nosso laboratório, mostrou que as aves em estresse por calor, suplementadas com 400 ppm de Zn e 0,3 ppm de Se orgânicos e/ou 300 ppm de vitamina C e 100 de vitamina E, além do que a dieta basal continha( 80 ppm de Zn, 0,3 ppm se inorgânico, 60/30 ppm de vit E) não apresentaram maior produção de anticorpos contra albumina sérica bovina, nem o peso dos órgãos linfóides bursa e baço foi alterado. Uma interessante resposta desse experimento é que aves sob estresse por calor produziram mais anticorpos do que aquelas criadas em condições termoneutras, uma resposta muitas vezes contestada (Ribeiro et al, 2008), mas isto já é assunto para uma próxima conversa.
Concluo dizendo que não tenho a pretensão de esgotar, nesse artigo, assunto tão complexo como a interação que a nutrição tem com o sistema imune, mas espero ter levantado alguns pontos importantes. O alto nível nutricional a que nossos animais de produção são submetidos e a capacidade destes níveis preencherem as exigências do sistema imune, para a maioria dos nutrientes, é um deles. O grande grau de complexidade do sistema imune e as consequências de uma ativação “vigorosa” é outro.
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