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Controlo de Salmonelas no Setor avícola: Impacto na saúde pública

Publicado: 23 de agosto de 2024
Por: Patrícia Simão1*, Cláudia Moedas2, Verónica Ribeiro1. 1Escola Superior Agrária de Santarém. Santarém, IPSantarém - PORTUGAL; 2 Direção de Serviços de Alimentação e Veterinária de Lisboa e Vale do Tejo (DSAVRLVT). CNEMA –Quinta das Cegonhas, 2000-478 Santarém - PORTUGAL.
Introdução
Estão estabelecidas a nível europeu e nacional metas de redução de prevalência de salmonelas em populações de aves tendo em consideração o elevado impacto sanitário, no bem-estar animal, nas perdas económicas para os produtores e consequências para a Saúde Pública. A realização deste estudo pretende ser um contributo para as diferentes áreas de conhecimento: a saúde animal, a saúde humana, o ambiente e a preponderância do papel das instituições oficiais envolvidas no controlo de salmonelas, nomeadamente a DGAV através da implementação dos PNCS. O objetivo geral será identificar o impacto na saúde pública dos Programas Nacionais de Controlo de Salmonelas (PNCS) na Região de Lisboa e Vale do Tejo no período de 2015 a 2019. Será expectável e desejável que os programas, oficialmente reconhecidos e instituídos, tenham impacto na redução dos casos de salmonelas no setor avícola constituindo-se um promotor da segurança alimentar e consequente promotor da Saúde Pública.
Segurança Alimentar. A Organização Mundial de Saúde estima que cerca de 550 milhões de pessoas possam adoecer anualmente por ingestão de doses infetantes de microorganismos patogénicos ou pela presença de toxinas nos alimentos.
A expansão dos mercados de consumo, a globalização económica, alterações dos hábitos alimentares e aumento do consumo de alimentos industrializados alteraram o perfil epidemiológico de doenças transmitidas pelos alimentos. Esta realidade tem exigido estratégias de controlo que garantam a comercialização de alimentos seguros no mercado e que promovam a economia internacional. Para minimizar a contaminação e reduzir a transmissão de Salmonella sp (desde a produção primária ao consumidor final) é essencial uma vigilância integrada, assim como a colaboração e empowerment de todos os stakeholders. A implementação de medidas de prevenção, monitorização e avaliação contínua de todas as fases de produção, transformação e retalho nas quais as parcerias com as instituições oficiais, assumem um papel crucial na promoção da segurança alimentar. A cadeia de abastecimento agroalimentar da UE garante a segurança alimentar de mais de 400 milhões de cidadãos e é um importante setor económico. Em maio de 2020, a Comissão Europeia apresentou a estratégia “Do prado ao prato” (Parlamento Europeu, 2021) como uma das ações principais do Pacto Ecológico Europeu que visa a transição do atual sistema alimentar da UE para um modelo sustentável, tendo a segurança alimentar como prioridade.
Setor avícola em Portugal. A produção de carne de aves em Portugal tem registado um crescimento considerável, acompanhando a tendência a nível mundial. De 2000 a 2017 a produção cresceu cerca de 33%, um valor expressivo, que reflete o bom desempenho do setor (GPP, 2020). As estatísticas agrícolas publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2021, confirmam este crescimento tendo a produção de carne de animais de capoeira registado um aumento global de 1,3%/ano, com 398 mil toneladas produzidas no país, cerca de 19% do valor de produção animal. Em 2018 o consumo per capita para este tipo de carne registou o maior valor de sempre: 42,8 Kg/pessoa/ ano (GPP, 2020). A região centro concentra cerca de 75% da produção nacional, 90% da qual são galináceos. É um dos poucos setores com um grau de aprovisionamento autossuficiente, o que é revelador do bom desempenho do setor (GPP, 2020). Esta vitalidade está, essencialmente, relacionada com o aumento da procura promovida por alterações de hábitos de consumo e/ou por crises sanitárias que condicionaram a produção de carne de outros tipos de animais. Outro aspeto que tem contribuído para este desempenho deve-se ao facto de ser um setor liderado por grupos económicos altamente especializados que integram um conjunto de empresas (de produção de alimentos compostos, estruturas de abate de transformação, de comercialização, …) visando ganhos de competitividade, eficácia e eficiência. A tendência é a de restruturação das empresas de produção no sentido da intensificação, em detrimento das mais pequenas e menos competitivas.
A avicultura é o setor de produção animal nacional com maior volume de exportações extracomunitário, sobretudo de ovos de incubação. Apesar da crescente robustez exportadora, a balança comercial continua negativa, sobretudo à importação de peru em maior escala, e de peças nobres que possuem valor mais elevado.
Salmonelas no setor avícola. A salmonelose em aves é uma condição relativamente comum, especialmente em infraestruturas de produção avícola intensiva. A sua alta transmissibilidade deve-se à sua elevada capacidade de sobrevivência fora do hospedeiro, podendo permanecer viável no material fecal por longos períodos. Ovos infetados que sejam incubados, provocam um decréscimo de índices reprodutivos, produtivos e são fontes de disseminação da bactéria. Os custos associados à aplicação de medidas de biossegurança são muito menores do que os decorrentes da deteção e controlo de agentes infeciosos numa exploração, que têm um elevado impacto social, económico e ambiental, devido à elevada mortalidade, aos bloqueios comerciais e a possíveis abates sanitários. Existe um inerente impacto socioeconómico pelas perdas diretas (custo da morbilidade e custo da diminuição da produção) e as perdas indiretas (por possíveis entraves ao livre comércio e repercussão na opinião pública).
Programas Nacionais de Controlo de Salmonelas. A implementação de programas nacionais e europeus de controlo de salmonelas têm promovido uma sinergia colaborativa e multidisciplinar. Este novo paradigma investe numa abordagem estrategicamente direcionada para a prevenção, deteção e capacitação de respostas eficazes e eficientes no controlo deste agente zoonótico. O Regulamento (CE) N.º 2160/2003 estabelece a obrigatoriedade de adotar medidas apropriadas e eficazes para detetar e controlar a presença de salmonelas em todas as etapas da produção com o objetivo de diminuir a sua prevalência e o risco para a saúde pública. Portugal implementa desde 2006 os Programas Nacionais de Controlo de Salmonelas, tendo como objetivos major a redução da prevalência de salmonelas em aves e nos alimentos, assim como a criação de dados epidemiológicos que permitam definir estratégias adequadas de intervenção a nível nacional e comunitário. Os programas foram implementados de forma gradual em parceria com o setor, sendo que atualmente se encontram em execução:
▪ Programa Nacional de Controlo de Salmonelas em bandos de reprodução Gallus gallus;
▪ Programa Nacional de Controlo de Salmonelas em bandos de galinhas poedeiras Gallus gallus
▪ Programa Nacional de Controlo de Salmonelas em bandos de frango Gallus gallus para abate
▪ Programa Nacional de Controlo de Salmonelas em bandos de perus de engorda.
Os programas preveem a colheita de amostras para deteção de salmonelas por parte dos produtores, pelo que existem criados pelas autoridades competentes, manuais de procedimentos com linhas orientadoras para a colheita das amostras pretendidas, com a finalidade de informar e ajudar os produtores na execução dos Programas acima citados.
Salmonelose humana: Contexto epidemiológico. A salmonelose é uma doença infeciosa, que afeta humanos e animais causada pela bactéria Salmonella sp. Em humanos, a Salmonella Enteritidis e a Salmonella Typhimurium são os dois serotipos mais frequentemente reportados como causa de infeção de origem alimentar em humanos na Europa (Ethelberg, Mølbak, & Josefsen, 2014). É considerada, desde 1953, uma doença de declaração obrigatória em Portugal (Decreto-Lei n.º 39 209, de 14 de maio de 1953).
No “The European Union One Health 2019 Zoonoses Report” divulgado em janeiro de 2021 pela European Food Safety Authority (EFSA) é salientado o sucesso das medidas de controlo de Salmonella sp implementadas na última década em toda a cadeia de produção e consumo na UE. No entanto, a salmonelose humana é a segunda zoonose mais notificada na UE, com uma incidência de 20 casos por cada 100 mil habitantes. Esta notificação estabilizou nos últimos anos, após um período marcado por uma tendência decrescente. Apenas a Finlândia registou uma tendência decrescente durante o período de 2015-2019, enquanto os outros países comunicaram tendências estáveis.
Em 2019 foram confirmados laboratorialmente 98066 casos, dos quais 139 foram fatais, o que representa uma taxa de mortalidade de 0,2%. As crianças (0-4 anos) são o grupo etário com registo de notificação mais elevado, com uma incidência de 93,3 casos por 100 mil habitantes (cerca de 8 vezes superior). É uma doença manifestamente sazonal, registando maior incidência nos meses de verão.
Saúde Pública: Desafios atuais. A Saúde Pública abraça enormes desafios relacionados com aumento da população mundial, alterações climáticas que acarretam inevitáveis consequências para a manutenção e sustentabilidade do planeta. Neste contexto analisar se-ão alguns desafios que esta ciência enfrenta na prevenção e controlo da Salmonella sp na saúde animal, humana e ambiental.
Os determinantes de saúde são fatores que contribuem para o estado atual da saúde de uma pessoa ou população, pelo aumento ou redução da probabilidade de ocorrência de doença ou de morte prematura e evitável. O conhecimento relativo a estes determinantes é essencial para a identificação de comunidades, famílias e/ou pessoas em situações de maior vulnerabilidade, permitindo um planeamento em saúde estratégico. De acordo com Plano Nacional de Saúde 2021-2030 os determinantes para a infeção por Salmonella sp estão categorizados no Quadro 1.
Resistência aos antimicrobianos. Na última década tem-se assistido ao uso generalizado e desadequado de antimicrobianos, o que provocou um aumento alarmante de agentes bacterianos resistentes, total ou parcialmente, a agentes antimicrobianos designado de resistência antimicrobiana, comprometendo a eficiência do tratamento e aumentando o risco de propagação (OIE, 2021).
As infeções graves causadas por Salmonella sp requerem tratamento com antibioterapia. Contudo, é um dos microrganismos onde têm sido identificados serotipos resistentes a antimicrobianos, que aliado ao crescimento do setor avícola o tornam um problema de Saúde Pública global que requer uma ação conjunta que envolva toda a sociedade (EFSA, 2021). Para conter este problema é necessário garantir prescrições adequadas e seguras, vigilância das resistências, e capacitação da literacia da população e profissionais, onde não são exceção os profissionais de zootecnia.
One Health. A OMS e a Food and Agriculture Organization (FAO) promoveram a necessidade de criar coordenação e colaboração entre a tríade: saúde humana, saúde animal e saúde ambiental, o conceito de “Uma Só Saúde - One Health”. O objetivo é tornar a Saúde Pública mais robusta e mais preparada para os desafios de um mundo cada vez mais globalizado. É um conceito de abordagem multissectorial, interdisciplinar que requer sinergias conjuntas com o objetivo de otimizar resultados em saúde, reconhecendo a interdependência entre humanos, animais e ambiente.
O confronto com problemas de saúde cada vez mais complexos e cada vez mais globais tem sido um desafio para a investigação científica, nas últimas décadas. Muitos dos problemas para a saúde são evitáveis e surgem associados ao crescimento da população mundial e os desafios que esse desequilíbrio coloca em termos de saúde pública e sustentabilidade. O desenvolvimento da indústria agropecuária intensiva, aglomerados populacionais, a desflorestação, deterioração dos solos, dos recursos hídricos, dos ecossistemas, as perdas de biodiversidade promoveram alterações climáticas e o aquecimento global que constituem um risco para a (re)emergência de doenças infeciosas de potencial zoonótico e pandémico.
O papel da zootecnia. Numa sociedade e economia cada vez mais exigentes e competitivas, as tomadas de decisão cientificamente fundamentadas são imprescindíveis. Neste novo paradigma os profissionais de zootecnia têm um contributo inquestionável. Detêm o conhecimento científico e o posicionamento privilegiado na fileira de produção, pois, constituem o grupo profissional que desempenha um papel fulcral na prevenção e manutenção das condições de biossegurança, na otimização do maneio animal em todas as suas vertentes. Sendo a biossegurança uma estratégia incontornável na prevenção e controlo de doenças transmissíveis nos sistemas de produção animal descurá-la terá inevitavelmente impactos negativos para os stakeholders envolvidos. Espera-se por parte deste grupo profissional uma participação autónoma e também interdisciplinar, fomentando sinergias e contribuindo na operacionalização de uma abordagem One Health, promovendo uma saúde global com base na melhor evidência científica.
Material e Métodos
Para responder aos objetivos propostos recorreu-se a análise estatística descritiva dos dados epidemiológicos relativamente aos casos positivos de serotipos de salmonelas relevantes para a saúde pública notificados ao abrigo do PNCS; dados disponibilizados pela DSAV-RLVT e sobre os quais foram analisados: o número total de colheitas realizadas e o número de colheitas oficiais vs colheitas de autocontrolo (realizadas pelos operadores). Foi submetido, a 10 de maio de 2023, à Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde - Lisboa e Vale do Tejo a solicitação oficial dos dados de salmonelose humana relativos à região e períodos em estudo. Esta solicitação requereu apreciação do protocolo de investigação deste estudo, declaração de confidencialidade e de partilha de resultados cujo parecer foi de isenção, não sendo disponibilizados os dados das notificações realizadas na região em estudo. Em alternativa, optou-se por analisar as notificações relativas à salmonelose humana em Portugal publicadas em 2021 no “Salmonelose – Relatório Epidemiológico Anual” pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças.
Optou-se por realizar a análise de dados relativos ao período de 2015-2019 por: a) serem dados já auditados externamente; b) o último relatório europeu publicado relativo à salmonelose humana disponível ser referente a esse período e, c) ser expetável a subnotificação após 2019 devido à pandemia por SARS-Cov2.
Resultados e Discussão
Tendo em conta o elevado número de serotipos de Salmonella sp, muitos dos quais sem repercussão na saúde animal e humana na operacionalização dos PNCS são consideradas apenas 2 estirpes de salmonelas relevantes para notificação positiva do(s) bando(s): a Salmonella Enteritidis e a Salmonella typhimurium, embora a serotipificação seja realizada a todas as amostras das colheitas de autocontrolo ou oficiais detetaram positividade à Salmonella sp. Nas amostras onde é inicialmente detetada a presença da bactéria, após a realização da serotipagem constatou-se que cerca de 67,3% representam positividade à estirpe vacinal, um dado animador uma vez que descarta a ausência de doença ao rastreabilizar falsos positivos e que a relevância deste procedimento na gestão bioepidemiológica e que também constitui um indicador do estado imunitário dos bandos vacinados.
Para o período compreendido entre 2015 e 2019 na região LVT a média de colheitas realizadas anualmente foi de 666 em bandos de aves contempladas nos PNCS. Foram na totalidade realizadas 3167 colheitas, sendo que este valor inclui a totalidade das colheitas oficiais realizadas pela DGAV e as realizadas pelos operadores (autocontrolo). Em 2019 apesar das restrições impostas pela pandemia o número de colheitas foi mantido, tendo sido criados protocolos de colaboração com os médicos veterinários responsáveis pelas empresas do setor. Os números de colheitas realizadas ao abrigo dos PNCS estão representadas na Figura 1.
Controlo de Salmonelas no Setor avícola: Impacto na saúde pública - Image 1
Figura 1 – Número de colheitas realizados pela DGAV ao abrigo dos PNCS na região LVT - 2015-2019 (DSAGAV – RLVT, 2023)
Ao abrigo do PNCS foram notificados oficialmente 46 casos de salmonelas (uma média de 9,2 notificações/ano) no setor para o período em análise. As notificações tiveram uma evolução praticamente constante e de reduzido valor que permitiram cumprir os indicadores exigidos a nível comunitário. Os casos notificados incluem as estirpes consideradas relevantes para o impacto na Saúde Pública. A evolução do número de notificações estão apresentadas na Figura 2.
Controlo de Salmonelas no Setor avícola: Impacto na saúde pública - Image 2
Figura 2 – Número de casos detetados de salmonelas no setor avícola ao abrigo dos PNCS na região LVT - 2015-2019 (DSAV – RLVT, 2023)
O reduzido número de casos notificados pode relacionar-se à eficiência da implementação dos PNCS, da especialização do setor e da maior sensibilização dos produtores ao cumprimento de medidas de biossegurança. O número de notificações resultantes de colheitas oficiais realizadas pela DGAV, como seria expetável, manteve uma evolução constante e inferior relativamente às realizadas pelos operadores uma vez que este número de colheitas é realizado em menor número inferior e planeado previamente pela DGAV de acordo com o número e tipologia das explorações. Constatou se que a maioria das notificações positivas resultam do autocontrolo, revelador da excelente colaboração do setor do cumprimento das orientações oficiais. A média de notificações de salmonelose humana foi de 379,4 casos para o período em análise, representando uma taxa média de notificação de 3,6 casos/100 mil habitantes, inferior à da UE, mas que pode estar relacionada com a subnotificação de casos. A taxa de notificação mais baixa da UE foi registada em Portugal (4,2 casos/100 mil habitantes) em 2019, no entanto, foi o país que maior aumento de taxa teve entre 2018 e 2019 (um aumento em cerca de 43%). Verificou-se que as notificações de salmonelose humana têm como seria expetável, acompanhamento da evolução das notificações no setor avícola; em 2018 por exemplo, foi o ano onde se registaram os valores de notificações mais baixos em ambos as áreas. A Figura 3 representa a comparação gráfica da evolução das notificações de salmonelas ao abrigo dos PNCS com as notificações de salmonelose humana identificadas a nível nacional.
Controlo de Salmonelas no Setor avícola: Impacto na saúde pública - Image 3
Figura 3 – Notificações de salmonelas ao abrigo dos PNCS vs Notificações de salmonelose humana (DSAGAV – RLVT, 2023; ECDC, 2021)
O maior número de notificações de salmonelose humana pode estar relacionado com alguns fatores, dos quais se salientam:
-O agravamento dos determinantes de saúde para a salmonelose humana, tais como: a vulnerabilidade socioeconómica, condições habitacionais precárias, hábitos comportamentais de higiene e consumo alimentar, elevadas densidades populacionais, aumento da temperatura ambiental, inacessibilidade a serviços de saúde, baixa literacia, …
-A Salmonella sp não se transmite exclusivamente pelo consumo ovos, ou carne de aves;
-O aumento da mobilidade populacional não permite garantir que uma pessoa contaminada tenha consumido ou contatado com um alimento da região onde manifesta os sintomas, pelo que seria pertinente em estudos futuros realizar inquéritos epidemiológicos mais minuciosos onde se inclua serotipagem;
-O elevado consumo de ovos e de carne de aves de produção doméstica que não cumprem requisitos essenciais à segurança alimentar. Em 2022 um estudo realizado em Portugal por Junqueira et al refere a existência de comportamentos de elevado de risco de infeção por Salmonella sp, associado ao consumo frequente de ovos de origem não controlada (43%), de pratos preparados com ovos crus ou levemente cozidos ou de outros riscos relacionados com práticas de armazenamento de ovos até ao consumo. Apesar de 65,8% dos inquiridos associarem os ovos à contaminação por Salmonella sp mantêm estes hábitos.
A maioria das notificações realizadas ao abrigo dos PNCS resultaram de colheitas de autocontrolo (realizadas pelo operador) o que reitera o envolvimento dos produtores avícolas e da excelente sinergia com a DGAV. O valor residual de casos notificados pode relacionar-se à eficiência da implementação dos programas, da elevada especialização e diferenciação do setor e da maior sensibilização dos produtores ao cumprimento de medidas de biossegurança. Não é possível saber qual a evolução epidemiológica das salmonelas no setor avícola se não existissem os PNCS, contudo o sucesso da sua implementação no setor não o pode dissociar do seu contributo para a saúde animal e consequente segurança alimentar em toda a cadeia de produção. A implementação dos PNCS constitui uma ferramenta imprescindível no controlo epidemiológico de salmonelas no setor ao permitir a identificação, a monitorização e diagnóstico desta bactéria de elevado potencial zoonótico. A construção de bases de dados a partir da implementação dos PNCS é essencial para a tomada de decisão aos mais variados níveis de intervenção, permitindo uma ação conjunta, articulada e robusta das várias entidades envolvidas.
Conclusão
No período e região onde foi implementado o estudo constatou-se o impacto positivo dos PNCS no setor avícola, quer pela tendência decrescente do número de notificações, quer na monitorização epidemiológica e na criação de bases de dados que permitirão tomadas de decisão futuras devidamente fundamentadas. Entidades oficiais, como a DGAV, responsável pela operacionalização dos programas tem tido um papel proativo, educativo e não meramente fiscalizador, um aspeto essencial para o envolvimento dos empresários do setor, elos essenciais para o sucesso da implementação dos PNCS. Contudo, a salmonelose humana é a segunda zoonose mais notificada na UE que coloca desafios à escala mundial e que requer um olhar e uma cooperação multidisciplinar. Portugal registou o maior aumento de notificações (cerca de 43%) entre 2018 e 2019, apesar de ser o país com menor incidência desta zoonose em espaço comunitário. Seria pertinente em investigação futura conhecer o impacto dos PNCS na Saúde Pública e esclarecer outros determinantes que têm promovido o crescimento desta zoonose em Portugal tais como: a existência de outras fontes de contágio por Salmonella sp; o agravamento de determinantes de saúde dos quais se destacam situações de vulnerabilidade socioeconómica, condições habitacionais, de salubridade, aumento da temperatura ambiental, aumento de fluxos populacionais, hábitos comportamentais de higiene, confeção e de consumo e /ou a difícil acessibilidade a serviços de saúde. Espera-se neste contexto dos profissionais de zootecnia uma participação autónoma e multidisciplinar, fomentando sinergias e contribuindo para a operacionalização de uma abordagem One Health, promovendo uma saúde global com base na melhor evidência científica.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, XXIII ZOOTEC – 23o Congresso Nacional de Zootecnia | APEZ. 

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Em humanos, a Salmonella Enteritidis e a Salmonella Typhimurium são os dois serotipos mais frequentemente reportados como causa de infeção de origem alimentar em humanos na Europa (Ethelberg, Mølbak, & Josefsen, 2014).
Autores:
Patricia Alexandra Murtinheira Simão
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