Introdução
A retirada da ração (jejum alimentar) pré-abate é considerada uma etapa importante na criação de frangos de corte porque influencia na qualidade e no rendimento da carne. Tal procedimento tem por objetivo diminuir a contaminação com resíduos do trato gastrintestinal no abatedouro, evitando que carcaças sejam desperdiçadas, e melhorando assim a eficiência na produção (Duke et al., 1997; Northcutt et al., 1997). Períodos prolongados de jejum devem ser evitados porque permitem o consumo pelas aves de materiais disponíveis ao seu redor, como excretas e resíduos da cama, que aumentam o potencial de contaminação das carcaças no abatedouro (Rasmussen & Mast, 1989; Lyon et al.,1991). No início da avicultura industrial, muitos estudos foram feitos para se definir um período de tempo suficiente para atingir esses objetivos, mas sem afetar o peso das aves e o rendimento de carcaça. Na ocasião, vários pesquisadores definiram o período de 8 a 12 horas sem alimento como o tempo ótimo para se reduzir a incidência de contaminação e não afetar o rendimento de carcaça (Smidt et al., 1964; Wabeck, 1972; Veerkamp, 1986; Lyon et al., 1991). A contaminação ocorre quando há rompimento das vísceras do trato digestório ou quando as fezes que ficam aderidas às penas, pele e pernas durante o transporte, entram em contato com a carcaça das aves durante o seu processamento. O transporte é uma causa importante de estresse no pré-abate. Em um lote contaminado, o estresse das aves determina um aumento na eliminação de material fecal (Delazari, 2001). Delazari (2001) constatou que após o transporte, ocorreu uma elevação de dez vezes no nível de Escherichia coli na superfície do peito dos frangos, em um período de apenas cinco horas. Pode-se afirmar que ao se falar em contaminação em nível de abatedouro, estamos falando da presença de conteúdo intestinal, tanto dentro como fora da carcaça eviscerada. Portanto, deve-se tentar diminuir a contaminação do trato gastrintestinal das aves visando a diminuição da contaminação da carcaça e causando um menor risco ao consumidor desta. O objetivo desse experimento é testar a eficiência do uso de cloro na água de frangos de corte desde o início da restrição alimentar até o fim do período de jejum e início da apanha, para a diminuição de Escherichia coli no conteúdo cecal das aves, diminuindo a possibilidade da contaminação da carcaça e representando assim, um menor risco para a saúde pública.
Materiais & Métodos
Foram utilizadas 40 aves de corte da linhagem Cobb alimentadas com rações comerciais da Purina do Brasil®, sendo que foi fornecida ração inicial (Inicina®) até os 21 dias de idade e a ração de crescimento (Nutriengorda®) até o abate, conforme as recomendações do fabricante. Água e rações foram fornecidas ad libitum. Quando faltavam 12 horas para o abate das aves, que foi realizado aos 42 dias de idade, foram coletadas amostras de conteúdo do inglúvio para análise microbiológica após a eutanásia de 10 aves. Esta mesma análise foi repetida ao final do período de jejum e dieta hídrica, sendo que foram eutanasiadas mais 10 aves de cada tratamento para a colheita das amostras. O delineamento utilizado foi o inteiramente casualizado com quatro tratamentos (sem jejum no início do período pré-abate, 12 horas de jejum sem adição de cloro na água, 12 horas de jejum com adição de cloro na água e sem jejum durante o período pré-abate) e 10 repetições por tratamento. Os métodos de análise estatística foram a Análise de Variância pelo Teste F e a comparação de médias pelo teste de Tukey a 1% e a 5% de probabilidade. Foi utilizado o programa computacional Agroestat para as análises estatísticas. As amostras do conteúdo cecal foram colhidas de maneira asséptica e com material esterilizado, diretamente do ceco das aves abatidas. As amostras de 25 g do conteúdo cecal foram acondicionadas em frascos contendo 225 mL água peptonada a 1% tamponada obtendo-se assim a diluição 10-1. A partir dessa diluição foram realizadas diluições decimais consecutivas, utilizando-se a mesma proporção. O teste presuntivo foi feito a partir das diluições 10-1 a 10-5 das amostras de conteúdo cecal e foram inoculados com 1 mL, respectivamente, três tubos de caldo lauril sulfato triptose com tubo de Durham invertido. Após a inoculação, estes tubos foram incubados a 35oC por 24 a 48 horas e considerados positivos aqueles que apresentaram crescimento bacteriano caracterizado por turvação do meio e produção de gás. A partir de cada tubo de caldo lauril sulfato triptose com resultado positivo no teste presuntivo, foram inoculados com uma alça, tubos correspondentes contendo caldo Fluorocult® e tubo de Durham invertido. A incubação foi realizada a 35ºC por 24 horas e considerados positivos os tubos que revelaram crescimento bacteriano, presença de gás e fluorescência após se incidir luz ultravioleta (366nm). Os resultados foram obtidos por comparação dos números de tubos positivos com os dados da tabela de Hoskins, sempre considerando três diluições consecutivas a partir da maior diluição com três tubos positivos. De acordo com o número de tubos positivos e, empregando a tabela de Hoskins, foi determinado o NMP de E.coli por grama de conteúdo cecal (APHA, 2001). O sal do ácido dicloro isocianúrico da Hidroall do Brasil Ltda. (Aviclor choqueâ) foi utilizado na água de bebida das aves do tratamento correspondente ao jejum e dieta hídrica com cloro. Para determinar a concentração de cloro residual livre nas amostras de água, medida no momento da colheita foi utilizado o reagente NN Dietil Parafenileno Diamino (DPD) e colorímetro eletrônico (1HI93710C-Hanna Instruments), inicialmente zerado com 10 mL da amostra de água sem o reagente DPD, e a leitura foi realizada após adição do reagente na cubeta com 10 mL da amostra, homogeneizando a mistura, e procedecendo-se a leitura que foi dada em mg.L-1.
Resultados & Discussão
Tabela 1. Número mais provável (NMP) de Escherichia coli [y=log (x+5)] no papo (NMP . mL-1 de solução conservadora do suabe) de frangos de corte 12 horas antes do abate e submetidos ao jejum, jejum e adição de cloro na água de bebida e sem jejum durante o período pré abate (12 horas)
Médias com letras diferentes diferem significativamente a 5%. A quantidade de cloro residual livre do box jejum e cloro logo após sua adição era 52 ppm. O cloro residual livre após 12 horas era 43 ppm.
A velocidade de passagem do alimento pelo intestino é influenciada pelo tempo de jejum, temperatura ambiente, nível de atividade das aves e padrão de consumo antes da retirada da ração. A passagem do alimento pelo intestino é relativamente rápida em frangos e perus (Hillerman et al., 1953); e segundo Sibbald (1979), os fluidos têm passagem mais rápida pelo intestino do que os sólidos, carreando os microrganismos presentes no conteúdo cecal. Entretanto o NMP de Escherichia coli não apresentou diferença significativa comparando-se os frangos de corte submetidos somente ao jejum àqueles 12 horas antes do abate (sem jejum), provavelmente por causa dos fatores de virulência que fazem com que a E. coli tenha uma maior capacidade de manter-se no ambiente intestinal, como as adesinas, pili ou fímbrias (Sussman, 1997). Também não foi encontrada diferença significativa comparando-se os conteúdos cecais das aves submetidas apenas ao jejum (sem adição de cloro na água) com aqueles provenientes de aves submetidas ao jejum com adição de cloro na água; provavelmente pelo mesmo motivo mencionados anteriormente relacionados aos mecanismos de virulência da E. coli (Sussman, 1997). Como já era esperado, não houve diferença significativa comparando-se as aves 12 horas antes do abate (sem jejum) com as aves que não foram submetidas ao jejum e nem ao tratamento com cloro na água durante as 12 horas do período pré-abate. Apesar desses resultados já serem esperados, esses dados foram coletados, pois a velocidade de passagem de alimentos, e conseqüentemente o perfil de microrganismos, são influenciados por vários fatores como a temperatura ambiente, diminuição da atividade das aves causada pela diminuição da quantidade de luz, entre outros (May et al., 1988).
Conclusões
A adição de cloro na água de bebida de frangos de corte durante o período do jejum pré-abate não alterou a quantidade de Escherichia coli no ceco de frangos de corte, provavelmente devido aos mecanismos de virulência que as E. coli patogênicas possuem para manterem-se no ambiente intestinal e porque o cloro pode não ter chegado na quantidade ativa suficiente para manter a capacidade de desinfecção até esse segmento do trato gastrintestinal.
Bibliografia
APHA - American Public Health Association. 2001. Committee on Microbiological Methods for Foods; Compendium of methods for the microbiological examination of foods. 4a. ed. Washington: American Public Health Association. 676 p.
Delazari I. 2001. Abate e processamento de carne de aves para garantia de qualidade. Em: Conferência Apinco de Ciência e Tecnologia Avícola, Campinas, Brasil. pp. 191-204.
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Hillerman JP, Kratzer FH, Wilson WD. 1953. Food passage through chickens and turkeys and same regulating factors. Poult Sci. 32:332-337.
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Sussman M. 1997. Escherichia coli: mechanisms of virulence. United Kingdom: Cambridge University, 639p.
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Wabeck CJ. 1972. Feed and water withdrawal time relationship to processing yield and potential fecal contamination of broilers. Poult Sci. 51:1119-1121.
Agradecimento
À Fundação Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão da bolsa de mestrado e pelo auxílio à pesquisa.