Introdução
Os proprietários rurais frequentemente se defrontam com a necessidade de melhorar geneticamente o plantel de galinhas da propriedade. Normalmente as galinhas disponíveis constituem um rebanho fechado, com a eventual troca de galos com a vizinhança, o que no melhoramento genético significa uma migração de genes. A migração, com o auxílio da seleção subsequente, pode alterar a frequência gênica para algumas características, normalmente tamanho corporal e produção de ovos. Para efeito desta explanação vamos denominar esse método de convencional, isto é, troca do reprodutor com seleção dos melhores descendentes. Esse método de melhoramento pode ser suficiente para os objetivos do produtor rural enquanto criar galinhas para consumo doméstico.
Quando se tratar de criações comerciais, é necessário se elaborar um projeto mais apropriado e com maior controle dos dados de produção para se obter mais eficiência e ganho genético. Denominaremos esse método como método industrial.
Este comunicado técnico visa auxiliar na compreensão dos métodos de melhoramento que podem ser aplicados nas galinhas para as várias aptidões e descreve alguns detalhes dos procedimentos a serem seguidos na seleção e no cruzamento para obtenção dos produtos desejados.
Seleção
A seleção é o processo de escolha dos reprodutores que serão acasalados para produção da próxima geração de galinhas. É uma ferramenta poderosa que tem sido aperfeiçoada pelo homem desde o início da domesticação das galinhas. Na seleção se procura aumentar a frequência dos genes favoráveis para a característica de interesse, com isso, o ganho genético conseguido fica presente na parte genética aditiva do genótipo, sendo passado de geração para geração de forma acumulativa. O processo de seleção pode ser simplificado ou complexo. Logicamente no processo complexo se busca maior ganho genético e maior precisão na escolha dos melhores reprodutores.
Suponha, para simplicidade de raciocínio, que existe um plantel de 30 galinhas e 4 galos de raças desconhecidas e que essa população tem sido reproduzida ao acaso, sem o controle de acasalamentos. Suponha também que o proprietário deseja melhorar a capacidade genética das galinhas para produção de ovos. Para se conseguir tal objetivo, via seleção, existem várias alternativas, das quais listaremos as três mais simples:
1. Seleção de famílias de meio irmãs paternas:
Identificar os galos com anilhas na asa ou na perna e prender cada galo com 7 a 8 galinhas, em cercados confiáveis, por um período de 28 dias para colher separadamente os ovos dos últimos 14 das galinhas acasaladas com cada galo. Os ninhos deverão estar dentro do cercado e poderão ser comuns/coletivos. Esses ovos deverão ser incubados separadamente em cada choca ou na incubadora artificial, popularmente conhecida por chocadeira. Quando eclodirem os pintos, 21 dias após o início da incubação, esses deverão ser criados separados dos pintos das demais famílias e poderão ser pesados individualmente aos 42 dias de idade, as 16 semanas de idade e ao início de produção. Também poderá ser anotada a idade (data) de início de produção. Quando as fêmeas iniciarem a produção deverão ser colhidos separadamente todos os ovos produzidos por cada família até 40 semanas de idade. Com essas informações será possível distinguir entre as quatro famílias de meioirmãs paternas quais as duas melhores, donde serão escolhidos os galos que irão formar as famílias que produzirão a próxima geração. Há de ser tomado o cuidado de não acasalar indivíduos dentro da mesma família para evitar a consanguinidade.
2. Seleção de famílias de irmãs completas:
Nesse caso é necessário identificar individualmente também as galinhas e utilizar um ninho alçapão (que fecha a porta após a entrada da galinha). O produtor deverá liberar individualmente, do ninho, cada galinha e anotar, com lápis, sobre o ovo, o número da galinha que o produziu. Os ovos de cada galinha deverão ser incubados separadamente em chocas ou em cestas individuais dentro da chocadeira. Os pintos também deverão ser identificados ao nascer e anotadas as mesmas informações descritas para o caso 1. Quando as fêmeas iniciarem a produção deverão ser colhidos separadamente todos os ovos produzidos em cada família de mãe. Com essas informações será possível distinguir entre as 30 famílias de mãe, isto é de irmãs completas, quais as quinze melhores, donde serão escolhidas as galinhas e os galos que formarão as famílias que produzirão a próxima geração.
Todas as anotações e cálculos poderão ser feitas com o uso de planilhas de computador.
O procedimento exemplificado foi para melhorar a produção total de ovos que é uma característica de baixa herdabilidade (h2= 15% aproximadamente) e que não se manifesta no sexo masculino. O termo herdabilidade significa a porcentagem das diferenças em produção que são herdáveis. Nesse caso os outros 85% da variação na produção são decorrentes do meio ambiente (alimentação, clima, manejo, doenças, etc.) e não da genética do indivíduo.
3. Seleção massal:
Quando se tratar de característica de herdabilidade mais alta, como peso corporal (h2=40% aproximadamente) poderá ser utilizado a seleção com base na informação do próprio indivíduo. Nesse caso, pesa-se individualmente cada frango na idade de 42 dias e escolhe-se 1% dos melhores machos e 15% das melhores fêmeas. O porcentual de seleção é um dos principais determinantes do ganho genético, cuja fórmula é:
R=h2.i.sp, onde: h2= herdabilidade da característica; i= intensidade de seleção (dada numa tabela); sp= desvio padrão fenotípico da característica (calculado dos dados). O conjunto de dados mostrado na Tabela 1 permite exemplificar o cálculo.
Média dos machos= (1500+1450+1400+1350)/4= 1425 sp=64,55
Média das fêmeas= (1400+1350+1300+1250+1200)/5= 1300 sp=79,05
Num exemplo com poucos dados, h2.i.sp para uma seleção de 25% dos machos e 40% das fêmeas o ganho genético esperado será de : 0,40 X 1,271 x 64,55= 32,8 g nos machos e de 0,40 x 0,253 x 79,05 = 8,0 g nas fêmeas, com um ganho genético médio de (32,8+8,0)/2= 20,4 g e a média da geração seguinte será de (1425+1300)/2 + 20,4 g = 1382, 9 g.
Cruzamento
Existe, entretanto outra forma mais simples de se buscar o melhoramento genético, que é por meio do cruzamento de raças ou de linhagens da mesma raça. Nesse caso não necessariamente se necessita de separação das famílias e nem de anotação dos dados individualmente, basta apenas adquirir o número de galos necessários e acasalá-los em conjunto, sem separação.
O cruzamento é utilizado para passar parte do potencial genético de uma raça para outra, formando híbridos inter-raciais ou mestiços, os quais podem formar uma população base para depois se proceder a seleção e se formar uma raça diferente. No cruzamento se procura combinar genes de frequência distinta nas duas populações para se obter indivíduos intermediários para as características de interesse. A diversidade entre as raças de galinhas existentes pode fornecer combinações genéticas desejáveis para uma variedade de situações de produção, de manejo e de mercado. Entretanto, para utilizar eficientemente os recursos raciais é necessário se planejar os cruzamentos com base no nível de desempenho esperado dos vários sistemas alternativos de cruzamentos. Existem modelos de predição do desempenho dos indivíduos cruzados desenvolvidos por Dickerson (1973) e por Sheridan (1981) que relacionam a quantidade de vigor híbrido do cruzamento com os desvios de dominância e de epistasia. O ganho genético conseguido via vigor híbrido fica presente na parte genética de dominância (que contém os efeitos favoráveis dos desvios de dominância e sobredominância) e da epistasia (que contém os efeitos favoráveis das combinações epistáticas) do genótipo, isto é, não passa de geração para geração, não sendo, portanto, acumulativo. Essa parte é chamada de vigor híbrido ou heterose (VH).
VHAB= (F1-(A+B)/2) / (A+B)/2
Sendo: F1 a média da progênie cruzada e A e B as médias das raças paternas utilizadas no cruzamento.
O cruzamento F1 é heterozigoto em cada loci com respeito as raças de origem, se uma for homozigota dominante e a outra homozigota recessiva para a característica de interesse. Entretanto, devido à associação ao acaso dos genes na formação dos gametas, o cruzamento F2 (F1xF1) é esperado ser heterozigoto em apenas metade de todos os seus loci. Assim o cruzamento F2 retém apenas metade do vigor híbrido do cruzamento F1 como exemplificado para um par de genes na Tabela 2.
As predições baseadas apenas no modelo de dominância já foram provadas ser imprecisas. Dickerson (1973) sugeriu que pode existir uma perda na superioridade epistática das raças puras devido a recombinação dos gametas produzidos por matrizes híbridas, ao que foi chamado de perdas por recombinações epistáticas.
Os cruzamentos podem, ser efetuados sistematicamente (de maneira específica ou rotacional) entre duas raças, entre três raças ou entre quatro raças, ou inter se, para formar raças compostas. Nos cruzamentos contínuos se obtém diversos graus de sangue entre duas raças, como pode ser visto na Tabela 3. A eficiência dos vários métodos para utilizar a diversidade genética entre raças é determinado principalmente por fatores tais como:
1) taxa reprodutiva da espécie, isto é, no excesso necessário para reposição disponível para uso em acasalamentos comerciais;
2) magnitude da heterose do cruzamento em termos de desempenho individual, materno e paterno (hI, hM e hP) e da perda da superioridade epistática das raças puras, devido a recombinação nos gametas produzidos por pais cruzados (rI, rM e rP);
3) tamanho das diferenças raciais em desempenho do indivíduo e das raças paternas versus maternas (g I e gP vs. gM) e
4) importância das interações dos componentes genéticos com manejo e sistemas de marketing.
É possível se efetuar uma previsão do desempenho dos indivíduos resultantes do cruzamento antes de realizá-los, basta se conhecer as médias das raças ou linhas puras, e o porcentual de vigor híbrido entre elas. A estimativa de desempenho dos indivíduos cruzados pode ser efetuada pela seguinte fórmula: Dcruzamento=(1+VHcruzamento) x (Média ponderada das médias das raças puras) Onde: VHcruzamento= de todos os pares de raça (da fração de loci esperados conduzir um gene de uma raça e um gene da outra raça, vezes o vigor híbrido das duas raças). O ganho médio esperado no desempenho sobre a média ponderada (Xn) das raças puras, de n raças paternas correspondentes, é mostrado na fórmula a seguir e também mostrado na Tabela 3.
2-Raças ou F1(Am x Bf) = h I AB +1/2(g M BgM A + gP A- gP B)
onde, m e f representam macho e fêmea.
3-Raças, C m x(ABf) = ½(hI CA+hI CB) + hM AB+1/4rI AB+1/2(gM A,B-gM C+gP C-gP A,B)
4-Raças, (CD m)(ABf) = hI+ hM AB+ hP CD +1/2rI +1/2(gM A,B-gM CD+gP CD-gP A,B)
Rotacional com n raças paternas= (2n - 2)/(2n - 1)[ hI+ hM+1/3(rI +rM)] C m X Rotacionalf = hI C(Rot)+ (2n - 2)/(2n - 1)[ hM+1/3(rI +rM)]Rot+1/2(gM Rot-gM C+gP C-gP Rot)
Sintéticas com n raças = (n-1)/n (hI+ hM+ hP +rI+rM+rP) ou = (1-1 n q2 i) ((hI+ hM+ hP +rI+rM+rP) onde, qi = fração de cada uma das n raças na porcentagem.
g, h ou r significa uma média para as raças indicadas no subscrito, incluindo Rot=n raças usadas no cruzamento rotacional. Os parâmetros r significam uma
medida do desvio da associação linear entre heterose e heterosigose. Em cada caso, o coeficiente rI descreve a fração média de pares de loci segregando independentemente nos gametas oriundos de ambos os pais, que espera sejam combinações não paternas. Os coeficientes de rM e rP são aqueles para os pais da mãe e do pai, respectivamente.
Fonte: Adaptado de Dickerson (1973)
Onde: g, h ou r significa uma média para as raças indicadas no subscrito. O parâmetro r significa uma medida do desvio da associação linear entre heterose e heterosigose. Em cada caso, o coeficiente rI descreve a fração média de pares de loci segregando independentemente nos gametas oriundos de ambos os pais, que espera sejam combinações não paternas. Os coeficientes de rM e rP são aqueles para os pais da mãe e do pai, respectivamente.
No exemplo a seguir se mostra como estimar a produção de ovos de frangas oriundas do cruzamento entre galos de uma raça selecionada para produção de ovos, como a Rhode Island Red, com galinhas não selecionadas de uma raça caipira. Suponha que a média do total de ovos produzidos no primeiro ciclo para uma raça de galinha caipira seja de 80 ovos, mas que na raça Rhode Island Red esse total seja de 300 ovos. Suponha também que o vigor híbridodesse cruzamento para produção de ovos é de 9%. O desempenho esperado das futuras frangas F1, produzidas do acasalamento de galos Rhode Island Red e galinhas caipira será:
D=(1+0,09) x [(1/2(300)+1/2(80)] = 207,10 ovos no ciclo.
A Tabela 4 mostra a porcentagem de vigor híbrido esperado de acordo com o modelo de predição da heterose e a Tabela 5 resume predição do vigor híbrido (h), da perda por recombinação (r) e do desempenho paterno e materno diferencial das raças paternas e maternas.
Nos cruzamentos normalmente se busca tirar proveito dos seguintes efeitos:
a) genéticos:
Efeito de raça: (devido ao efeito genético aditivo dos genes, passa de geração a geração)
Efeito da heterose: (devido aos desvios de dominância dos alelos e dos desvios da epistasia entre loci) pode existir no indivíduo, na mãe e no pai do mesmo, mas não passa para a geração seguinte.
Efeito recíproco: é a diferença de desempenho entre os produtos de um cruzamento e do seu recíproco. Por exemplo A x B é diferente de B x A. Na nomenclatura de melhoramento genético se convenciona que a primeira letra representa a raça do pai e a segunda a raça da mãe.
b) não genéticos:
Efeito da complementariedade: é a vantagem que se obtém por exemplo ao se cruzar galinhas de maior produção de ovos com galos de potencial genético para maior ganho de peso. O recíproco desse cruzamento dá um custo de produção maior.
Quando se obtém os indivíduos meio sangue (F1) e se permite o acasalamento entre eles, parte da heterose ou vigor híbrido conseguido (50%) é perdido devido a recombinação dos gametas como pode ser visto na Tabela 2 onde apenas 50 % dos produtos do cruzamento F1 x F1 que resulta na F2 são heterozigotos e então o desempenho dos produtos F2 não é interessante. Para se prosseguir nessa linha de melhoramento se eliminam os indivíduos de menor desempenho, que provavelmente serão os homozigotos, como demonstrado na Tabela 2, para características determinadas apenas por um par de genes. Entretanto, as características de produção normalmente são determinadas por vários pares de genes (A1, A2, B1, B2, C1, C2, D1, D2...)
Alguns sistemas de cruzamento geralmente são mais efetivos do que o cruzamento absorvente na utilização das diversidades raciais, porque eles podem explorar os benefícios da heterose no desempenho do indivíduo, da mãe e do pai e possivelmente também diferenças raciais no efeito materno, versus efeito transmitido no indivíduo (Moav, 1966a).
Cruzamentos específicos maximizam o uso das diferenças raciais na superioridade quando em pais macho vs fêmea, mas o seu uso é limitado quando a taxa de reprodução é baixa. A máxima utilização da heterose e das diferenças raciais, em desempenho paterno e materno, é obtido no cruzamento específico de três raças de um macho de raça superior com galinhas híbridas F1 do cruzamento de duas raças fêmeas superiores. O cruzamento de quatro raças utiliza completamente a heterose no desempenho do indivíduo, do pai e da mãe, entretanto, existe o dobro de oportunidade para perda por recombinação dos gametas.
Os cruzamentos rotacionais requerem apenas a substituição do galo de linha pura e utiliza uma alta proporção do potencial máximo de heterozigose, com as perdas por recombinação mantidas baixas, porque apenas as galinhas produzirão recombinação de gametas. Entretanto, existe menor uniformidade entre as gerações e portanto, menor oportunidade para adaptação à ambientes particulares, uma vez que os genótipos da progênie e das mães são determinados pela raça do galo utilizado por último. As raças compostas oferecem praticamente as mesmas oportunidades dos cruzamentos rotacionais para reter heterose individual e materna, mais alguma heterose no desempenho reprodutivo dos galos nos acasalamentos comerciais. Entretanto, os compostos são sujeitos ao efeito máximo das perdas por recombinação, se eles forem importantes, e por outro lado não permitem utilizar genótipos diferentes para linha macho e para linha fêmea.
Referências Bibliográficas
DICKERSON, G. E. Inbreeding and heterosis in animals. In: ANIMAL BREEDING GENETICS SYMPOSIUM, 1973. Champaign, Proceedings... Champaign: American Society of Animal Science, 1973. p.54-77.
SHERIDAN, A. K. Crossbreeding and heterosis. Animal Breeding Abstracts, v. 49, p.131, 1981.
MOAV, R. Specialized sire and dam lines. I. Economic evaluation of crossbreds. Animal Production, v.8, n. 2, p. 193-202, 1966a.
MOAV, R. Specialized sire and dam lines. II.The choice of the most profitable parental combination when component traits are genetically additive. Animal Production, v.8, n.2, p. 203-211, 1966b.
MOAV, R. Specialized sire and dam lines. III. The choice of the most profitable parental combination when component traits are genetically non-additive. Animal Production, v.8, n. 3, p. 365-374, 1966c.
MOAV, R.; W.G. HILL. Specialized sire and dam lines. IV. Selection within lines. Animal Production, v.8, n. 3, p. 375-390, 1966.