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Consequências produtivas do banimento dos antibióticos promotores de crescimento da dieta de frangos de corte

Publicado: 9 de outubro de 2019
Por: Autor: Kátia Maria Cardinal – Zootecnista e Doutoranda em Produção Animal (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Orientadora: Andrea Ribeiro – Professora do departamento de Zootecnia (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Antibiótico é definido pela Organização Mundial de Saúde como toda substância de origem natural, sintética ou semissintética, que em baixas concentrações destrói ou inibe o crescimento de microrganismos, causando pequeno ou nenhum dano ao organismo hospedeiro. Já os antibióticos promotores de crescimento (APC) são definidos como agentes antibióticos utilizados com o propósito de aumentar o ganho de peso diário ou a eficiência alimentar em animais produtores de alimentos (WHO, 2000). Estes últimos aditivos vêm sendo utilizados desde a década de 50, sendo uma alternativa importante para permitir uma produtividade adequada a animais criados sob condições cada vez mais intensivas. Atualmente, os antibióticos promotores de crescimento (APC) são os principais aditivos usados na alimentação animal e estão conectados a melhorias na produtividade animal (Brown et al., 2017).
Os promotores de crescimento são administrados em concentrações relativamente baixas, variando de 2,5 mg / kg a 125 mg / kg (ppm), dependendo do tipo de droga e da espécie animal (WHO, 2003). Em 2015, Boeckel et al. (2015) estimaram que o consumo anual médio global de antimicrobianos por quilograma de frango produzido foi de 148 mg/kg. O maior efeito dos APC é atribuído à melhoria da conversão alimentar, e essa resposta é muito boa em animais geneticamente melhorados, de crescimento rápido e criados em sistemas de produção intensiva. Outros efeitos observados com o uso do APC são taxa de crescimento mais rápida, redução da mortalidade, alta resistência ao desafio promovido por doenças, melhor desempenho reprodutivo e melhor qualidade das fezes e da cama.
Frangos de corte aos 42 dias de idade que não são expostos a desafios sanitários apresentam resultados de ganho de peso contraditórios quanto à retirada de APC da dieta. Nessa situação muitos estudos demonstraram não ocorrer diferença no ganho de peso entre animais recebendo ou não APC, porém também foram encontrados resultados relatando a eficiência do antibiótico como promotor de crescimento, com efeitos positivos no ganho de peso. Da mesma forma, resultados contraditórios também são observados nas variáveis de consumo de ração e conversão alimentar (Peng et al., 2016; Tayeri et al., 2018). Por outro lado, quando há algum tipo de desafio parece ser inequívoca a eficiência dos APC na melhoria da conversão alimentar (Baurhoo et al.,2007, Cho et al.,2014) e do ganho de peso (Mallet et al., 2005; Cravens et al.,2013).
A indústria de alimentação animal tem passado por mudanças significativas, no sentido de adequar-se às novas exigências do mercado. Por parte dos consumidores há o desejo que frangos sejam criados sem o uso de aditivos químicos nas rações, e a classe mais pressionada pela opinião pública é a dos APC. A crescente pressão para proibir o uso destes aditivos como promotores de crescimento em rações animais é baseada na possibilidade de indução de resistência cruzada de cepas bacterianas patogênicas ao homem (Baurhoo et al., 2009), além da idéia persistente , principalmente dos consumidores, que a carcaça esteja contaminada. Países como os da União Européia especificaram legislações que proíbem o uso de antibióticos como aditivos promotores de crescimento (DFVA, 2010). No Brasil, as tetraciclinas, penicilinas, cloranfenicol, sulfonamidas sistêmicas, furazolidona, nitrofurazona e avorpacina já foram proibidas como aditivos de ração (MAPA, 2016). Recentemente (2016), o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento normatizou a proibição do uso do sulfato de colistina como promotor de crescimento para aves, suínos e bovinos, e existe a possibilidade de novos banimentos em um futuro próximo. Deste modo, um estudo utilizando meta-análise e modelagem foi conduzido no Laboratório de Ensino Zootécnico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul com o objetivo de estimar o impacto econômico e de desempenho da retirada dos APC das dietas de frangos de corte que não são expostos a desafios sanitários (Cardinal et al.,2019).
Na meta-análise para avaliar alterações na performance dos frangos, foram compilados 174 artigos científicos, contendo um total de 183 estudos. A maioria dos artigos selecionados (98%) foi publicado entre 1998 e 2018, e estudos foram desenvolvidos no Brasil (14%), Coréia (12%), Canadá (9%), EUA (9%) e outros países (56%), como África, Egito, China, França e Israel. As linhagens mais utilizadas foram Ross (52% dos tratamentos), Cobb (28%) e Arbor Acres (10%). E os antibióticos mais frequentes no banco de dados foram Avilamicina (41%), Flavomicina (19%), Virginiamicina (16%) e Bacitracina (14%). Como resultados de desempenho, o consumo de ração apresentou melhor resultado para frangos recebendo dietas contendo APC na fase inicial (1 a 21 dias), mas nenhum efeito foi observado na fase final (22 a 42 dias) e total (1 a 42 dias) (Tabela 1). O ganho de peso apresentou resultado superior quando as dietas contendo APC foram utilizadas nas fases inicial e total, mas não foi observada diferença entre a utilização de dietas com ou sem APC na fase final. A conversão alimentar apresentou melhores resultados nos frangos recebendo dietas com APC nas fases inicial e total, e, novamente, não houve diferença na fase final.
Tabela 1*. Desempenho – obtido por meta-análise- de frangos de corte recebendo dietas contendo (APC+) ou não (APC -) antibiótico promotor de crescimento
Consequências produtivas do banimento dos antibióticos promotores de crescimento da dieta de frangos de corte - Image 1
 
Os resultados mostraram uma clara conexão entre suplementação de APC e o desempenho dos frangos de corte, o que foi particularmente evidente na conversão alimentar e ganho de peso nas fases inicial (1 - 21 dias) e total (1 - 42 dias) e consumo de ração na fase inicial. Uma infinidade de fatores pode influenciar os resultados de desempenho, incluindo o ambiente, o estresse e as características da dieta. Diferentes mecanismos de ação foram propostos para os APC para explicar o efeito promotor de crescimento no organismo dos frangos, como por exemplo, o APC estar associado à modificação de algumas características intestinais na primeira semana de vida dos frangos (Milles et al., 2006) e que o uso de APC diminui os custos catabólicos de manter uma resposta imune frente a estresses, permitindo que mais recursos sejam dedicados aos processos de ganho de peso (Niewold, 2007).
Os dados de performance dos frangos, obtidos na meta-análise, foram utilizados em uma modelagem que estimou a retirada do APC nos custos de produção, principalmente os custos de alimentação no cenário brasileiro. A simulação considerou a taxa anual de abate, relatada em 5.840.000.000 de frangos de corte em 2017 (IBGE, 2017), o ganho de peso alvo e a conversão alimentar para cada fase, a variação na conversão alimentar (obtida a partir da meta-análise), bem como como custos de alimentação e APC (informações fornecidas por uma fábrica de ração local). Como resultados da simulação de impacto econômico, a retirada do APC na fase inicial e no período total aumentariam o custo de produção em R$ 0,03 e R$ 0,11 por animal, totalizando um montante de R$ 14.606.521.875,00 na fase inicial e R$ 688. 350. 870,00 na fase total, por ano no Brasil.
Alguns custos associados ao sistema de produção são difíceis de medir e não foram incluídos nos cálculos econômicos. Diferentes autores relatam que o impacto econômico afetará os produtores de maneira diferente, pois há uma variação nos fatores considerados na caracterização do cenário produtivo, como tamanho da fazenda, acordos de contratação e práticas de produção (McBride et al., 2008; McDonald e Wang, 2011). Por outro lado, o custo da alimentação é estimado como sendo mais do que 70%, e o impacto produtivo considerado neste estudo foi focado na alimentação dos frangos de corte. Embora seja baseado em uma abordagem simples, o modelo e os resultados podem fornecer informações relevantes para nutricionistas e produtores, facilitando o processo de tomada de decisão.
Para complementar o estudo, uma análise de sensibilidade foi realizada usando as variáveis-chave “conversão alimentar” e “preço do APC”. Uma análise de sensibilidade indica se uma ou mais variáveis podem ter impacto nos resultados econômicos de um sistema de produção e influenciar sua lucratividade (Saltelli et al. 2000). Para definir os cenários em que a retirada do APC teria um impacto econômico negativo, a diferença entre a conversão alimentar nos tratamentos com e sem APC na dieta foram aumentados de 0,0% até 5,0%, e o preço do APC foi reduzido pela metade ou aumentado em até cinco vezes (Quadro 1).
Quadro 1*. Análise de sensibilidade da retirada do antibiótico promotor de crescimento (APC) das dietas de frango de acordo com a variação do preço do aditivo e na diferença da conversão alimentar com ou sem APC.
Variação na conversão alimentar (%)
 
Variação no preço do APC
 
X/2
X1
2X
3X
4X
5X
0
AVOID2
AVOID
AVOID
AVOID
AVOID
AVOID
0.15
USE3
AVOID
AVOID
AVOID
AVOID
AVOID
0.3
USE
USE
AVOID
AVOID
AVOID
AVOID
0.5
USE
USE
USE
AVOID
AVOID
AVOID
1
USE
USE
USE
USE
USE
USE
2
USE
USE
USE
USE
USE
USE
*Quadro adaptado de Cardinal et al.(2019)
1X: preço atual do promotor de crescimento de antibióticos.
2AVOID: situação em que é possível criar frangos sem APC sem perdas econômicas.
3USE: situação em que é indicado o uso de APC para não haver perdas econômicas.
É possível observar que com o preço atual do APC e os resultados de diferença na conversão alimentar encontrados na meta-análise (2,64% na fase Inicial, 1,50% na fase Final e 3,48% no período Total), haverá perdas econômicas na retirada da APC. No entanto, se forem utilizadas técnicas para reduzir para perto de zero a diferença na conversão alimentar de frangos recebendo ou não APC, será possível criar frangos sem APC, sem perdas econômicas.
A pressão para reduzir o uso de APC na pecuária é um processo crescente e irreversível, e vários países estão aderindo às restrições e proibição do uso de APC. O Brasil, como um dos principais produtores e exportadores, terá que se adequar as novas exigências e formas de produção. Para conseguir criar frangos de corte sem o uso de APC e com menor impacto no desempenho e, consequentemente, menor impacto econômico, será necessário implementar um novo manejo, usando a biossegurança como ferramenta para reduzir doenças (Gelaude et al., 2014) e vacinação para melhorar o estado geral de saúde, reduzindo o risco de infecções secundárias (M'Sadeq et al., 2015). Além disso, a otimização da ambiência e das condições das instalações, assim como estratégias nutricionais serão necessárias para sermos capazes de produzir frangos de corte sem o uso dos APC

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Cho, H., Uehara, T., & Bernhardt, T. G. 2014. Beta-lactam antibiotics induce a lethal malfunctioning of the bacterial cell wall synthesis machinery. Cell, 159: 1300-1311.

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Autores:
Andréa Machado Leal Ribeiro
Universidad Federal Do Rio Grande do Sul UFRGS
Kátia Cardinal
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Juarez Donzele
Universidade Federal de Viçosa - UFV
1 de abril de 2020
Andreia Ribeiro , estudo em que se propõe avaliar a retirada de antibióticos , como promotores de crescimento, nas rações dos frangos de corte , tem mérito científico alem de ser um assunto bem atual. Apos leitura do artigo original publicado , mais especificamente , nos itens que foram utilizados para excluir os trabalhos pre selecionados , não constam aqueles que utilizaram aditivos nutricionais com potencial de efeito positivo sobre o desempenho dos frangos.. Faço essas considerações por entender que a pura retirada de antibiótico como promotor de crescimento , sem a utilização de alguns aditivos que possam ter efeito no sistema de defesa imunológica dos frangos é por demais arriscado para ser implementado..É um ponto de vista , considerando a realidade da produção de campo.
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Matheus Henrique Valeriano
Vetpharm
22 de octubre de 2019
Muito interessante esse estudo baseado em meta-análise. Vejo o caminhar para a retirada de APC um pouco mais lento em algumas regiões, pois enquanto não for algo "compulsório" o produtor continuará a utilizar os aditivos que ainda estão liberados visando manter um maior controle sobre os custos e resultados até então obtidos. A primeira linha de ação é realmente o investimento em prevenção e biosseguridade.
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Paulo Sérgio Félix Ribeiro
10 de octubre de 2019
E´um assunto polêmico, mais acredito que é uma ida sem voltar, só fico imaginando quanto,isto vai custar para o produtor que já não é bem renumero. Vai ter que investir mais ainda para adequar os galpões já existentes. "Toda vez que alguém impõe mudanças as soluções não caminha junto".
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