Uma real alternativa para modulação de microbioma intestinal
O desempenho animal, a eficiência alimentar e a saúde em geral são altamente dependentes do correto equilíbrio do intestino. Mudanças nos sistemas de produção animal e regulamentos de alimentação que visam reduzir ou banir o uso de antibióticos utilizados como promotores de crescimento (AGP) geraram a necessidade de identificação de novas estratégias visando a otimização da modulação de flora intestinal de maneira eficaz.
Uma revisão interessante foi publicada recentemente pela equipe de pesquisadores da universidade de Alberta no Canadá (
Jha et al., 2019), demonstrando efeitos positivos do uso de fibra na manutenção da saúde intestinal de monogástricos. Estas pesquisas e revisões tratam-se de uma nova geração de estratégias nutricionais que se aplicam muito ao conceito de Nutrologia já escrito em colunas anteriores publicadas pela equipe da Gessulli. Nutrologia refere-se ao termo até então utilizado apenas para a ciência médica humana, onde se caracteriza por uma especialidade da medicina que estuda, pesquisa e avalia os benefícios e malefícios causados pela ingestão dos nutrientes. Este ramo da ciência nutricional, exige um profissional que aplique o conhecimento da nutrição para a avaliação de todas as necessidades orgânicas dos animais, visando não só o desempenho produtivo, mas também a manutenção da saúde e redução de risco de doenças.
De acordo com a equipe de Jha et al. (2019), entre as alternativas aos AGP, a inclusão de fibras dietéticas (FD) em dietas monogástricos tem sido trabalhado recentemente com sucesso. Alimentos alternativos e coprodutos são tipicamente ricos em fibras e podem ser usados nas dietas para reduzir os custos de alimentação e otimizar a saúde intestinal, levando-se em consideração uma nova capacidade analítica destes ingredientes que trazem um grau de segurança aos nutricionistas, em especial quanto a capacidade de performance produtiva.
Até bem pouco tempo, a adição de fibra nas dietas sempre foi avaliada com preocupação por parte dos nutricionistas de monogástricos. Trabalhos publicados na década de 90 traziam o efeito deletério do uso de fibras de forma marcante. Um bom exemplo, refere-se a publicação de
Annison & Choct (1991), com o uso de dietas típicas Européias (base de trigo, cevada e centeio) para frangos de corte e como estas variações no padrão de fibra interferiram no padrão digestivo destes animais. De acordo com os autores, o uso de polissacarídeos não amiláceos (PNA) dos cereais apresentam atividade antinutritiva quando presentes em dietas de frangos de corte, sendo que os altos níveis de pentosanas no centeio e β-glucanos na cevada são responsáveis pelo baixo valor nutritivo desses cereais. Ainda de acordo com os autores, os trigos australianos variam consideravelmente em seu valor nutritivo, com alguns grãos possuindo valores de energia metabolizável aparente muito baixo (EMA < 3000 kcal/kg), sendo que esta variação pode ser devido à variação nos níveis dos PNA solúveis em água (PNAs) que são predominante nas pentosanas. De maneira geral, a regra é: quando as pentosanas isoladas de centeio ou trigo são adicionados às dietas de frangos, ocorrem depressões na digestibilidade e desempenho animal dependendo da dose de PNA utilizado, descrevem os autores. Estes ainda concluem que vários tratamentos demonstraram ser eficazes na melhoria do valor nutritivo dos cereais. A imersão dos cereais em água, além da adição de enzimas que degradam os PNA diminuem a atividade antinutritiva destas frações de fibra. Em uma prática normalmente utilizada na década de 90 (época quando o trabalho foi publicado), os autores também recomendaram a adição de antibióticos às dietas, que também demonstrou aumentar o valor nutritivo de dietas com altos níveis de PNA,
sugerindo que a ação desses materiais é, pelo menos em parte, mediado pela modulação da flora intestinal.
Então o que mudou entre a publicação de 1991 e aquela da equipe de Alberta? A resposta é o conhecimento do padrão de fermentação da fibra dietética, bem como do conhecimento das frações desta fibra mediante ao avanço de metodologias analíticas.
Annison & Choct (1991) descreveram de forma correta as bases para avançarmos no aspecto de nutrologia envolvendo o aproveitamento de fibra pelos animais, sendo os principais desafios: evitar a solubilização destas frações de PNA no intestino delgado por uso de enzimas digestivas especialmente desenvolvidas para tal finalidade, bem como gerar um padrão de fermentação de cadeias de PNA em partes corretas do trato gastrintestinal de aves e suínos. De forma geral, o ideal será observar a fermentação na porção distal do intestino delgado e intestino grosso, onde teremos uma maior produção de a ácidos graxos de cadeia curta. Estes compostos possuem um efeito benéfico para o sistema imunológico (Jha et al., 2019). Ainda de acordo com a equipe de Alberta, um mecanismo pelo qual a fibra dietética melhora a saúde intestinal é através da manutenção de um ambiente intestinal anaeróbico que subsequentemente impede a proliferação da microbiota anaeróbica facultativa, frequentemente patogênica (Figura 1).
Figura 01. Corte transversal das vilosidades na presença ou ausência de fibra alimentar. (A)A inclusão de fibra alimentar ajuda a manter a homeostase intestinal e melhora a resiliência a doenças, mantendo um ambiente com baixa concentração de oxigênio. A fibra dietética facilita a expansão de microrganismos produtores AGV (em especial butirato), que subsequentemente aumenta as concentrações de butirato, reduzindo o oxigênio luminal e limitando a expansão de patógenos anaeróbios facultativos. (B)Alternativamente, na ausência de fibra da dieta, os agentes patogénicos anaeróbios facultativos, incluindo certas espécies de E. coli e Salmonella sp., podem expandir as custas dos produtores de butirato. Na ausência de butirato, os enterócitos usam a glicólise anaeróbica para obter energia, um processo que aumenta as concentrações de oxigênio epitelial, criando um nicho favorável para patógenos facultativos, como Salmonela, florescer.
Fonte: Jha et al. (2019)
Estudos com suínos e aves mostraram que as características de fermentação e seus efeitos benéficos na saúde intestinal é variável com base no tipo, forma e as propriedades físico-químicas da fibra dietética. Sobre este aspecto,
Lindberg (2014) descreveu que a fibra dietética tem que ser incluída na dieta para manter funções fisiológicas normais no trato digestivo e que o impacto negativo da fibra dietética está mais determinado pelas propriedades das fibras que podem diferir consideravelmente entre suas frações, ou seja, conhecer estes frações é realmente um fator importante para o uso correto de estratégias nutricionais.
Portanto, é importante ter informações sobre estas diferentes frações. Estratégias confiáveis de identificação do padrão de PNA via uso de
análises NIR, estão ajudando a trazer um entendimento mais preciso e rotineiro para os nutricionistas o que ajuda na escolha de estratégias de formulação cada vez mais direcionadas para os conceitos de nutrologia, que estamos abordando atualmente.
Ainda de acordo com Lindberd (2014), caso esta determinação seja bem realizada e trabalhado de forma a produzir um padrão de fermentação capaz de desenvolver a produção de grupo de bactérias fermentadores de fibra/produtores de butirato (Figura 1), estes efeitos prebióticos geram uma estratégia atraente para estimular a saúde intestinal e, assim, minimizar o uso de promotores de crescimento antimicrobianos. Lindberd (2014) ainda conclui que o consumo de fibras possui um impacto sobre a expressão de Heat-shock proteins para suínos, que possui um importante papel fisiológico no intestino e realizam funções de “limpeza”, a fim de manter a integridade da barreira mucosa. Assim, há evidências crescentes mostrando que a fibra pode ter efeitos prebióticos em aves e suínos devido às interações com o microbioma intestinal e sistema imunológico associado ao intestino.
Vivemos um momento de transição entre estratégias e formulação. Espera-se dos atuais nutricionistas dedicados ao estudo das funções de modulação da flora intestinal dos animais, uma visão cada vez mais abrangente de como podemos transformar componentes das dietas até então esquecidos, em reais ferramentas de melhoria de rentabilidade para esta nova fase de produção de proteína animal.
Parte Integrante da Coluna Mensal da Gessulli (veja mais na Revista)