INTRODUÇÃO
A salmonelose é uma das principais causas de gastroenteri-tes em humanos veiculada por alimentos em todo o mundo. Trata-se de um importante problema de saúde pública tan-to em países industrializados como em desenvolvimento (EFSA 2009, EFSA 2010, Loureiro et al. 2010).
Produtos de origem suína merecem atenção como fon-tes potenciais de salmoneloses que acometem humanos. A preocupação aumentou depois que surtos de infecção alimentar ocorridos na Dinamarca tiveram sua origem as-sociada ao consumo destes produtos (Fedorka-Cray 1996). Mais recentemente, Hill et al. (2008) relataram que de 1% a 10% das salmoneloses humanas são atribuídas ao consu-mo de carne suína e que 17% dos suínos em idade de abate podem estar infectados por Salmonella spp. e 4% deles ex-cretando o microrganismo nas fezes.
A maioria dos sorovares de Salmonella spp. que infec-tam suínos não causa doença clínica nesses animais. To-davia, mesmo animais aparentemente saudáveis podem excretar a bactéria de forma intermitente pelas fezes e, assim, contaminar o ambiente e outros animais (Castagna, Schwarz & Cardoso 2004). No caso de suínos, esta situação também pode ocorrer durante o transporte dos animais (Katja & Henrik 2003).
Segundo Rostagno et al. (2003) é amplamente aceito que os animais infectados com Salmonella spp. são as maiores fontes de infecção para outros animais e seres humanos. As-sim, é importante o monitoramento constante com identi cação dos sorovares e estabelecimento da relação epidemio-lógica desses ao longo da cadeia de produção (EFSA 2008).
A epidemiologia da infecção por Salmonella spp. em suí-nos é complexa, apresentando múltiplos fatores determi-nantes na transmissão deste microrganismo. Primariamen-te, as fontes de infecção podem ser animais pertencentes ao próprio grupo, animais de outros grupos da mesma granja ou fatores externos como a ração, os cuidados de manipula-ção pelos empregados ou o próprio ambiente da granja ou frigorían der Gaag et al. 2004).
Ao longo da cadeia de produção é possível observar a amplioblema, geralmente pela rápida transmissão desta bactéria a animais não infect ados. Diante disso, objetivou-se conhecer as espécies, os sorotipos e a
relação e cepas de Salmonella isoladas de amostras ambientais e de fezes de suínos, estabelecendo possíveis vias de infecção, e ainda, se o estresse a que os animais são submetidos durante o transporte in excreção deste microrganismo.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado em uma granja de terminação de suínos e em um frigoríegião do Triângulo Mineiro, MG. Foram analisadas 90 amostras de fezes coletadas por meio de swab retal, seis swabs de arrasto do ambiente dos animais e três amostras de ração, totalizando 99 parcelas.
As coletas foram realizadas nos animais na granja de termi-nação e nestes mesmos animais após o transporte ao frigoríjá alojados na pocilga de espera. Foram amostrados em períodos distintos três lotes subsequentes de suínos em fase de terminação (idade de 138-140 dias) e com peso médio de 90 Kg. Em cada co-leta eram incluídos quinze animais e amostras de ração e swabs de arrasto.
O processamento e análise das amostras foram realizados no Laboratório de Biotecnologia Animal Aplicada da Universidade Federal de Uberlândia (Labio-UFU) e a caracterização antigênica no Setor de Enterobactérias da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro.
O isolamento e a identi Salmonella spp. foram realizados individualmente segundo a metodologia descri-ta por Michael et al. (2003). A identiológica do gênero foi realizada com o antissoro polivalente somático “O” (Biobrás®). A caracterização preliminar dos grupos com os antissoros mono-valentes somáticos B, C e D (Biorad®) foi realizado pela metodolo-gia de aglutinação em placa conforme protocolo recomendado no PNSA - Programa Nacional de Sanidade Avícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Brasil 1994). Os isolados puros em ágar nutriente foram submetidos à sorotipi nitiva na Fiocruz.
As cepas foram submetidas à análise gênica por RAPD (Ran-dom Ampliolymorphic DNA ). O protocolo utilizado foi o des-crito por Oliveira et al. (2007). Para análise dos resultados foi feita comparação das cepas antigenicamente identi tencentes ao mesmo sorovar.
O DNA foi extraído por lise térmica de um volume de 5mL de um cultivo de 24 horas em BHI (brain heart infusion) (Difco®) e centrifugado a 12.000g por dois minutos; o sobrenadante foi des-prezado. Foram adicionados 800μL de água ultrapura ao pellet e centrifugado novamente a 12.000g por dois minutos. O sobrena-dante foi descartado e o pellet ressuspendido em 200μL de água ultrapura e aquecido a 95º C por 10 minutos, resfriado e, por congelado para posterior utilização. A quantioi realizada em espectrofotômetro (Nanodrop®).
Foi utilizado o primer P1254 (5’ CCGCAGCCAA 3’). O volume a a reação de amplioi de 25μL, composto por: 100 mmol Tris HCl, 750mmol KCl pH 8 do tampão, 10mmol dNTPs (5 mmol de cada dATP, dCTP, dGTP e dTTP), 50mmol MgCl2, 40 pmol do primer, 1 U de Taq DNA Polymerase 5 U/μL (Invitrogen®), 15,3μL de água ultrapura estéril e 30ng de DNA. A ampliermociclador (Eppendorf®) obedeceu aos seguintes ciclos: um ciclo de 95ºC por 5 minutos, seguido de 40 ci-clos de 95ºC por 1 minuto, 30ºC por 1 minuto, 72ºC for 1 minuto, e extensão os. Os produtos ampli (5μL) foram submetidos à eletroforese em gel de agarose a 1,5%, utilizando como padrão de peso molecular o marcador de 100pb (Invitrogen®). A reação foi realizada em paralelo com a cepa ATCC 13076 de Salmonella Enteritidis e incluiu um controle negativo composto de água ultrapura em substituição ao DNA alvo. Além disso, foram realizadas três repetições a drões das bandas.
Os resultados obtidos com a tipioram tabulados e submetidos à estatística descritiva. Para comparar as dife-rentes proporções de positividade dos lotes e avaliar a incidência de Salmonellaspp. antes e após o transporte foi utilizado o teste de McNemar com signiyres 2000). As análises do RAPD foram realizadas utilizando o coee de similaridade de Dice, com tolerância de 1,5% na comparação da posição de bandas e o dendograma formado com base no método UPGMA (Unweighted Pair Group Method with Arithmetic Mean - agrupa-mento pareado não ponderado baseado na média aritmética) com otimização do gel de 0,80%. Os procedimentos foram realizados com o software BioNumerics.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No total foram isoladas 50 cepas de Salmonella spp. (Qua-dro 1). Destas, 25 (50,0%) foram isoladas de fezes e duas (4,0%) de ração, ambas na granja de terminação; 22 (44,0%) nas fezes dos mesmos animais na pocilga de espe-ra do frigoríe ambiente, uma (2,0%) recuperada por meio de swab de arrasto.
Quadro 1. Salmonella spp. isoladas de suínos, discriminadas por lote, tipo de amostra e local de colheita
A sorotipio O con lados como Salmonella spp. A análise com os antisoros B, C e D apresentou resultados concordantes com os obtidos na identiealizada no Laboratório de Entero-bactérias da FIOCRUZ (Quadro 2).
Não houve aumento signivo (Quadro 3) nos isola-mentos de Salmonella spp. após o transporte dos animais, indicando que o transporte não inluenciou na porcentagem de isolamento (p=0,6625 e p=0,5403). O decréscimo no número de excretores de Salmonella spp. observado nas fezes ao abate, não deve minimizar a importância dos animais provenientes de lotes positivos que chegam ao frigoríico. Estudos realizados anteriormente (Rostagno et al. 2003) demonstraram a importância da contaminação cruzada de animais negativos que chegam ao frigoríico, a partir de animais portadores que estão excretando Salmonella spp. nas fezes.
Quadro 2. Resultados da sorologia preliminar e da identificação oicial deSalmonella sp. isolados das amostras ambientais e de fezes de suínos
Quadro 3. Comparação do isolamento de Salmonella sp. das fezes de suínos na granja de terminação com o isolamento da bactéria nas fezes dos mesmos animais, na etapa de pré-abate no frigoríico pelo teste de McNemar
O Quadro 4 demonstra os sorovares identiicados separadamente por suíno analisado. S. Agona foi o sorovar mais frequente, seguido por S. Typhimurium. Todos os sorovares foram isolados tanto na granja quanto no frigoríico, com exceção de S. Panama que não foi encontrada em amostras de fezes coletadas na granja de terminação (Quadro 5).
A diversidade de sorovares identiicados em fezes suínas também foi observada em outros estudos. Bessa, Costa & Cardoso (2004), no Rio Grande do Sul, identiicaram 26 sorovares diferentes em 226 isolados de 300 suínos abatidos em três frigoríicos. Os sorovares mais prevalentes foram: Typhimurium (24,3%), Agona (19,9%), Derby (13,2%) e Bredeney (12%). S. Panama e S. Infantis também foram identiicados, porém com menor freqüência (5,75% e 0,88%, respectivamente). Weiss et al. (2002) encontraram oito diferentes sorovares de Salmonella em amostras de fezes coletadas por swab retal. As amostras foram colhidas na granja de terminação e num frigoríico no Rio Grande do Sul. Os sorovares identiicados foram Agona, Bredeney, Lexington, London, Mabandaka, Panama e Schwartzengrund.
Os sorovares Typhimurium, Agona e Infantis foram os mais isolados neste estudo. De acordo com Weiss et al. (2002) e Loureiro et al. (2010), estes sorovares são os mais associados a casos de salmonelose humana no Brasil. O alto índice de S. Agona atenta para o risco relacionado à doença clínica, junto a S. Derby, que têm aumentado signiicativamente, principalmente nos Estados Unidos (Oliveira & Carvalho 2003). Também, S. Typhimurium, o segundo sorovar mais isolado, tem sido relatado em casos de enterocolite no rebanho, já que este sorovar juntamente com S. Cholerasuis são os mais incriminados em doença clínica (Hurd et al. 2001). Porém, durante as coletas não foi observada ou relatada pelos criadores sintomas de salmonelose nos animais em terminação.
De forma geral, a incidência de um mesmo sorovar pôde ser associada ao lote. Somente os sorovares S. Agona e S. Infantis foram detectadas em lotes diferentes sugerindo possível negligência a normas de biosseguridade, que pode contribuir para a manutenção do microrganismo no ambiente. Assim, é possível que os animais amostrados já estivessem infectados com esses sorovares em etapas de criação anteriores como desmame e creche. Esta hipótese concorda com Muller et al. (2009), que relataram que as fontes mais importantes de contaminação por Salmonella na produção de suínos são o alojamento de animais portadores que sofreram a infecção na fase de creche e a contaminação residual das instalações.
Das 33 amostras provenientes dos animais analisadas na primeira colheita, Salmonella spp. foi isolada em 17 (51,51%) ocasiões, sendo 16 provenientes das fezes e uma da ração. S. Typhimurium representou 76,47% (13/17) dos isolamentos e S. Agona, 23,53% (4/17) das cepas. Na segunda colheita, a positividade para Salmonella foi de 54,54% (18/33). Destas, 61,11% (11/18) foram identiicadas sorologicamente como S. Agona, 33,33% (6/18) como S. Infantis e 5,56% (1/18) como S. Panamá. Salmonella sp. foi isolada em 45,45% (15/33) amostras na terceira colheita, sendo 80,0% (12/15) identiicadas sorologicamente como S. Minnesota e 20,0% (3/15) como S. Infantis.
Quadro 4. Identiicação antigênica dos sorovares de Salmonella por suíno amostrado, de acordo com o local de isolamento e com a coleta
Quadro 5. Sorovares de Salmonella isolados em granja de terminação e pocilga de espera
A homologia nos isolados de um mesmo sorovar foi comparada pelo coeiciente de similaridade de Dice e os dendograma estão ilustrados na Figura 1.
Foram discriminados dois grupos clonais diferentes em S. Typhimurium, ambos oriundos de animais do mesmo lote. O primeiro peril é composto por clones presentes nas fezes dos animais quando estavam na granja e o segundo, no frigoríico. A similaridade de 88,5% entre os grupos denota uma alta proximidade genética, podendo ser originados de um mesmo ponto crítico. Dois isolados apresentaram peril distinto, porém com similaridade maior que 75% com os demais (Fig.1A).
S. Agona apresentou um padrão diferenciado: ambos os grupos clonais apresentaram isolados de dois lotes diferentes e em fezes presentes tanto na granja quanto no frigorífico. A homologia de 78,7% também indica baixa variabilidade gênica entre as estirpes (Fig.1B).
As altas porcentagens de similaridade encontradas nas amostras de ração para S. Typhimurium e S. Agona, 92,3% e 100% respectivamente, indicam que possivelmente esta foi a fonte primária que deu origem à infecção dos animais na granja (Fig.1A,B). A importância da ração como veículo de infecção para os suínos concorda com resultados de estudos de vários pesquisadores (Stärk et al. 2002, Lo Fo Wong et al. 2004, Kich et al. 2005, Silva et al. 2006).
S. Minnessota apresentou um grupo clonal com 10 estirpes, todos oriundos do terceiro lote. Dois isolados revelaram peris distintos dos demais (Fig. 1C). A cepa isolada em swab de arrasto da pocilga no frigoríico exibiu similaridade de 80% com o grupo principal. Portanto, é provável que a infecção anterior dos animais deu origem à contaminação do ambiente do frigoríico.
A maior similaridade foi observada para S. Infantis, sendo todos os isolados classificados como clones (Fig. 1D). É possível que este sorovar tenha sua origem associada à contaminação ambiental ou à uma infecção dos animais em etapas anteriores à terminação, como o desmame e a creche, já que os isolados do segundo e terceiro lote pertencem ao mesmo grupo clonal. Esta analogia entre isolamento em amostra ambiental e nos animais deve ser analisada levando-se em consideração que somente uma amostra foi coletada, podendo não refletir com segurança a ausência do microrganismo no ambiente.
O baixo isolamento de S. Panama indica que provavelmente está presente no ambiente do frigoríico, porém em baixos números, de forma que só foi recuperada em uma amostra.
Deve-se considerar a importância da contaminação cruzada entre os animais. De acordo com Hurd et al. (2001), a presença de um suíno infectado caracteriza uma possível fonte de transmissão para os demais que adquirem o microrganismo durante o transporte ao frigoríico ou mesmo nas baias de descanso, indicando risco de contaminação das carcaças e, consequentemente, do produto final.
Fig.1. Dendrogramas dos 50 isolados de Salmonella discriminados por sorovar. (1A) Isolados de S. Typhimurium. (1B) S. Agona. (1C) S. Minnesota. (1D) S. Infantis. (1E) S. Panama. (S) suíno, (C) coleta, (FG) isolados de fezes dos animais na granja, (FF) isolados de fezes dos animais no frigoríico.
CONCLUSÕES
A análise ilogenética denotou a inluência de diferentes fatores, como a contaminação cruzada entre os suínos e o ambiente e a ração contaminada, na existência e permanência de Salmonella spp. nos animais. A diversidade de espécies e as diferentes fontes de infecção identiicadas no presente estudo reforçam a importância de um monitoramento rigoroso que permita a promoção de controles adequados de Salmonella spp. no processo produtivo de suínos.
Agradecimentos.- À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pelo inanciamento deste estudo.
Esse artigo foi originalmente publicado em Pes q. Vet. Bras. 31(12):1039-1044, dezembro 2011 | https://www.scielo.br/j/pvb/a/qFDtTFf6vw6JfynPVbHwTXq/?format=pdf&lang=pt. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.