INTRODUÇÃO
A criopreservação do sêmen suíno proporciona a conservação de ejaculados de animais de alto valor genético por tempo indeterminado, maximizando assim o poder reprodutivo do macho e permitindo o uso mesmo após a morte do animal. Ela também permite a redução de custos com manutenção de reprodutores, já que pode ser adquirido sêmen congelado com qualidade comprovada (CASTELO et al., 2008).
Estudos realizados nas últimas três décadas sobre criopreservação de sêmen resultaram em avanços no tocante ao uso de diferentes crioprotetores, embalagens, diluentes e curvas de congelação (WIEBKE et al., 2022). No entanto, o emprego de sêmen congelado na espécie suína ainda apresenta índices reprodutivos insatisfatórios e está associado à redução da taxa de parto e do número de leitões por leitegada (YESTE, 2017).
A diminuição da viabilidade espermática após a descongelação é uma característica bastante comum na espécie suína devido ao estresse térmico e osmótico impostos aos espermatozoides, especialmente à sua membrana plasmática. Se a congelação é lenta, há danos por excessiva desidratação da célula; no caso de ser muito rápida, os espermatozoides não perdem água suficiente, provocando a formação de cristais de gelo no citoplasma e danos irreversíveis, como a ruptura da membrana plasmática. A taxa de congelação deve ser então, suficientemente lenta para permitir a saída de água de dentro da célula por osmose, prevenindo o gelo intracelular, e suficientemente rápida para minimizar os danos pela exposição prolongada à altas concentrações de solutos (YESTE, 2017; NESCI et al., 2020).
Para que o sêmen possa ser conservado, ele deve ser devidamente diluído, visando uma maior durabilidade e transporte. O diluente protege a membrana espermática contra o choque térmico e injúrias mecânicas causadas pelo transporte, além de fornecer nutrientes e estabilizar o pH do meio (VERSTEGEN et al., 2005; WIEBKE et al., 2022).
Na atualidade os diluentes oferecem uma boa proteção à integridade espermática em protocolos de refrigeração. Entretanto, a baixa fertilidade do sêmen congelado pode estar relacionada à composição dos diluentes, que por não ter substâncias capazes de proteger suficientemente a célula durante grandes reduções de temperatura, permitem modificações dos componentes de membrana espermática, provocando uma desestabilização, resultante de problemas na permeabilidade da mesma (SILVA, 2007).
A gema de ovo é um crioprotetor não penetrante, utilizado nos diluentes de criopreservação de sêmen. Ele tem a função de proteger os espermatozoides contra o choque térmico e lesões da membrana citoplasmática (MOUSSA et al., 2002). Essa proteção se dá devido à presença das lipoproteínas de baixa densidade (LDL), que impedem o efluxo progressivo de fosfolipídios, colina e colesterol na membrana (BERGERON et al., 2004).
Por outro lado, ela apresenta um potencial risco microbiológico para os espermatozoides (CRESPILHO et al., 2012) além de favorecer o aumento na peroxidação lipídica (FARSTAD, 2009). Na expectativa de sua substituição, diversos autores têm trabalhado visando encontrar substâncias de origem vegetal para serem utilizadas como crioprotetores (ANTUNES et al., 2014; BRITO et al., 2014; MELO-MACIEL et al., 2015; SOUZA et al., 2016).
Estudos vem sendo desenvolvidos utilizando o Aloe vera, que é uma planta pertencente à família Asphodelaceae, e que já foi utilizado na conservação de espermatozoides refrigerados de carneiros, com bons resultados no tocante aos parâmetros cinéticos espermáticos (ANTUNES et al., 2014). Vários testes já foram feitos utilizando diferentes concentrações do extrato da planta sem nenhum efeito deletério sobre os parâmetros espermáticos (BRITO et al., 2014).
Pelo exposto acima, evidencia-se a necessidade de otimizar o protocolo de congelação, de modo a obter-se uma melhor viabilidade espermática na redução da temperatura até atingir 5 ºC. Desta forma, esse trabalho teve como objetivo testar o Aloevera (BARBOSA et al., 2020), como crioprotetor externo e avaliar a qualidade espermática durante a curva de resfriamento lento do sêmen suíno.
MATERIAL E MÉTODOS
Animais, coleta e avaliação do sêmen in natura
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Ceará, em 15 de janeiro de 2015, processo no 7512525/2015. Foram utilizados varrões com idades entre 08 e 18 meses, em sistema rotineiro de trabalho, pertencentes ao Laboratório de Reprodução Suína e Tecnologia do Sêmen, da Faculdade de Veterinária, na Universidade Estadual do Ceará, e que se encontravam em sistema rotineiro de coleta semanal.
O sêmen de cinco reprodutores foi coletado uma vez por semana durante doze semanas, através da técnica da mão enluvada (HANCOCK e HOVELL, 1959) em recipiente com capacidade de 500mL, coberto por gaze e protegido em copo térmico de coleta. Utilizouse o ejaculado total de cada varrão, ou seja, o ejaculado com suas porções pobre e rica, descartando a porção gelatinosa através da utilização de gaze própria para essa finalidade.
Após a coleta, o ejaculado foi identificado e levado ao laboratório para o seu processamento. A qualidade do ejaculado foi estabelecida através do seu aspecto, temperatura, volume, concentração, total de células, vigor espermático e % de células móveis (motilidade) e a diluição do mesmo foi feita dentro da primeira meia hora após a coleta com sêmen e diluente na mesma temperatura. Os protocolos experimentais foram realizados nas dependências do LRSTS da FAVET/UECE.
O volume de sêmen foi avaliado pesando-se o ejaculado (subtraindo-se o peso do recipiente de coleta) em balança digital de precisão. A concentração espermática foi medida por espectrofotômetro. O número total de espermatozoides foi calculado multiplicando-se o valor da concentração (x106 /mL) pelo volume do ejaculado (mL), e o resultado final expresso em x109 sptz. Para o exame do vigor espermático (0 a 5) e da motilidade (%), uma amostra do sêmen in natura (puro – 15µL) foi colocada entre lâmina e lamínula e processada a leitura com um aumento de 200 vezes em microscopia óptica. Foi avaliado, para cada característica, ao menos três campos de microscópio. Estes exames foram utilizados para a avaliação e controle de cada ejaculado durante o período experimental, sendo utilizado apenas aqueles com valores mínimos de vigor ≥3,5 e de motilidade ≥85%. Para ser utilizado nos protocolos experimentais foi retirado um total de 2,5 x109sptz/ejaculado.
Manejo nutricional dos reprodutores
Os reprodutores eram alimentados com ração de boa qualidade, com os níveis proteicos, energéticos e minerais dentro dos padrões estipulados para a fase de reprodução (3.150 Kcal de energia metabolizável e 14% de PB). O consumo diário por reprodutor era de 2,5kg/dia, em dois arraçoamentos, enquanto a água potável era fornecida ad libitum.
Curva de resfriamento do sêmen
O sêmen coletado foi submetido a uma curva de resfriamento (Fig. 01). Após a coleta, o sêmen foi incubado por 15 minutos a 30 oC e diluído (diluição 1 = 3vol:1vol) no diluente Beltsville Thawing Solution (BTS). Após a diluição o sêmen foi mantido a esta temperatura por mais 45 minutos. Em seguida, o sêmen diluído foi resfriado a 25 oC durante 30 minutos e após esse tempo, em seguida transferido para o escuro por 2 horas a 17 ºC. Posteriormente, foi centrifugado a 800g/15min. a 17 oC. Após centrifugação, desprezou-se o sobrenadante e o pellet (papa de espermatozoides) foi ressuspenso no diluente de resfriamento (diluição 2 = 20% de gema de ovo e 34,23g de glicose em 100mL de água destilada / qsp – tratamento controle), que já se encontrava a 17 ºC, perfazendo uma concentração inicial de 6 x109 células/mL. Em seguida, o sêmen foi transferido para geladeira a 5 oC/60 minutos. Ao final desse tempo, foi adicionado o diluente de congelação (diluição 3 = volume a volume), com a mesma composição do diluente de resfriamento acrescido do glicerol a 6% (2mL:2mL), perfazendo uma concentração final de 100 x106 células/mL.
Figura 01: Curva de resfriamento do sêmen suíno com seus momentos de análises.
Utilização do Aloe vera na curva de resfriamento
No presente trabalho foram avaliadas três diferentes concentrações de Aloe Vera. Este crioprotetor foi adicionado aos diluentes de resfriamento e congelação, em substituição à gema de ovo (GO). A concentração de 20% da GO foi utilizada como tratamento controle. Os esquemas dos tratamentos podem ser vistos na Tab. 01 a seguir:
Tabela 01: Concentrações (%) de Aloe vera utilizadas em substituição a gema de ovo, após a centrifugação, no protocolo congelação (curva de resfriamento) do sêmen suíno.
Avaliação do vigor e da motilidade espermática durante o resfriamento
Para a avaliação da qualidade espermática, foram levadas em consideração as características de vigor espermático (0 a 5 – TONIOLLI, 1996) e a porcentagem de células móveis (0 a 100% - MARTIN RILLO et al., 1996), com análises por 9 exames em momentos diferentes do abaixamento de temperatura. A amostra coletada durante o resfriamento, era incubada em “banho maria” a 37 °C, com leitura feita após 10 minutos de incubação. Para cada ejaculado/tratamento, eram retiradas amostras e avaliadas através da microscopia óptica, com o sêmen (15µL) colocado entre lâmina e lamínula (24x24), em um aumento de 200 vezes. Foram avaliados, para cada análise, ao menos três campos de microscópio.
Cada amostra foi avaliada durante o período de abaixamento da temperatura visando a congelação do sêmen, sendo estas análises feitas em momentos precisos conforme descrito abaixo (exames de A1 até A9):
Exame A1 (0h): a 30 oC logo após a coleta ainda com o sêmen in natura;
Exame A2 (15’): a 30 oC logo após a diluição 3:1 com o BTS;
Exame A3 (1:00h): a 30 oC após o 1º período de estabilização;
Exame A4 (1:30h): a 25 oC após estabilização da temperatura;
Exame A5 (2:30h): a 17 oC após estabilização da temperatura, antes centrifugação;
Exame A6 (3:30h): a 17 oC após o 2º período de estabilização, antes a centrifugação;
Exame A7 (3:45h): a 17 oC após centrifugação + diluente resfriamento;
Exame A8 (4:00h): a 5 oC após estabilização da temperatura;
Exame A9 (4:45h): a 5 oC após 3º período estabilização, antes diluente congelação.
Integridade acrossomal e vitalidade espermática
Exames de integridade acrossomal, vitalidade espermática, foram feitos nos seguintes momentos de análise: A1, A3, A5, A7 e A9. Em todas as análises o sêmen foi previamente reaquecido durante 10 minutos de a 37 oC, para em seguida ser analisado à luz da microscopia óptica em aumento de 200x.
Para este teste foi feito uma avaliação do acrossoma (BORTOLOZZO et al., 2005) e do total de células vivas (MEDEIROS et al., 2006), ambos com resultados expressos em porcentagem. Para este exame, foi utilizada uma alíquota de sêmen (15µL) e uma do corante (15µL), homogeneizadas e procedendo-se em seguida esfregaço, no qual foi analisado um total de 200 células através da microscopia óptica com lente de imersão a um aumento de 1000x. A solução corante utilizada foi o azul de bromo-fenol (0,1g de azul de bromo-feno, 0,4g de citrato de sódio e 10mL de água destilada, 300 a 310mOsm). Segundo a morfologia do acrossoma e vitalidade, os espermatozoides foram classificados em quatro categorias: 01. Vivos com acrossoma íntegro; 02. Vivos com acrossoma danificado; 03. Mortos com acrossoma íntegro; 04. Mortos com acrossoma danificado.
Teste de resistência osmótica (TRO)
Os exames de TRO foram feitos nos seguintes momentos: exames 1, 3, 5, 7 e 9. Em todas as análises o sêmen foi previamente reaquecido durante 10 minutos de a 37 oC, para emseguida ser analisado à luz da microscopia óptica de contraste de fase em aumento de 1000x. Este teste permite fazer a avaliação da funcionalidade da membrana do espermatozoide. Para tanto foi colocado em um tubo de ensaio 0,5mL de sêmen ressuspenso acrescido com 7,5mL de água destilada mantido por 15 minutos a 37 oC (solução A). Posteriormente, foi retirado 1mL da solução A e colocado em outro tubo de ensaio contendo 0,5mL de Formol salina a 1% (solução B). Em seguida foi retirado 15µL da solução B e colocada entre lâmina e lamínula. Foram avaliados 200sptz/lâmina (GRAHAM e MOCÉ, 2005), de acordo com a proporção de espermatozoides com cauda enrolada (reagentes) ou cauda reta (não reagentes).
Análise estatística
O delineamento experimental utilizado foi o de Blocos ao Acaso, conduzido sob um delineamento experimental inteiramente casualizado. A análise estatística foi feita através da avaliação das médias e desvios padrões, aos quais foram aplicados testes de análise de variância. As variáveis paramétricas foram submetidas à análise de variância por meio do procedimento General Linear Models do programa Statistical Analysis System (GLM do SAS 6.03) e as médias foram comparadas entre os grupos por meio dos testes de Tukey e o Teste do Qui-quadrado corrigido para valores em porcentagem. As variáveis não paramétricas foram comparadas entre os grupos por meio do teste de Mann-Whitney. Para a significância estatística foi utilizado um intervalo de confiança 5% (p< 0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores médios do vigor espermático e da motilidade espermática do sêmen in natura (Fig. 02) dos ejaculados dos varrões usados nos experimentos foram 4,3 e 92%, respectivamente. Estes valores estão dentro dos padrões aceitos pelo CBRA (2013) para reprodutores suínos, e permitem a diluição, conservação e utilização dos ejaculados com essa qualidade na inseminação artificial. Para o experimento em questão, os ejaculados foram considerados aptos à utilização nos protocolos experimentais, uma vez que se encontrassem dentro dos padrões mínimos exigidos pela metodologia do trabalho.
Figura 02: Vigor e motilidade espermática do sêmen in natura, dos ejaculados de suínos.
Os valores do vigor espermático (Fig. 03) reduziram gradativamente durante o período de abaixamento da temperatura (curva de resfriamento), após a diluição (1:3) em BTS. Uma queda dos valores já era esperada, pois durante períodos de incubação em temperaturas decrescentemente mais baixas, há uma queda concomitante do metabolismo celular, além da possibilidade, dos espermatozoides consumirem os nutrientes disponíveis no meio, excretarem produtos tóxicos, como os radicais livres, resultantes de seu próprio metabolismo, mesmo que de uma forma gradativamente menor. A redução na temperatura tem sido um efetivo método de eleição para prolongar a viabilidade dos espermatozoides ejaculados, devido ao seu efeito de desaceleração dos processos metabólicos celulares (YESTE, 2017). Entretanto, após a centrifugação a 17 ºC e diluição com Gema de ovo ou Aloe vera, o tratamento controle apresentou um pequeno aumento do valor do vigor, seguido de uma queda posterior, entretanto, ainda ficando em patamares superiores aos dos outros tratamentos.
Figura 03: Vigor espermático durante a curva de resfriamento do sêmen do varrão em diferentes tratamentos após a centrifugação, visando a congelação.
Já nas amostras tratadas com o Aloe vera, os valores de vigor espermático sofreram uma queda continua até o último momento de avaliação. O vigor espermático, é uma importante característica pois representa a força do movimento dos espermatozoides, o qual influencia a velocidade com que estes se deslocam (CORRÊA et al., 2001). Com a centrifugação das amostras, os metabólitos presentes no meio foram retirados, melhorando assim a qualidade do ambiente para o espermatozoide, particularmente após a adição do novo diluente, gema de ovo glicose, comprovando-se essa melhoria pela análise A7, e resultados finais de vigor espermático mais altos do que os outros tratamentos.
Além disso a centrifugação do sêmen, pode atuar como uma capacitação celular induzida através da retirada do plasma seminal, e consequentemente, um aumento no vigor espermático. Já os tratamentos com Aloe vera não apresentaram um aumento do vigor espermático na espécie suína corroborando com Nunes et al. (2019), diferentemente do que foi relatado por diversos autores em outras espécies (BRITO et al., 2014; GUTIÉRREZ et al., 2006; MELO-MACIEL et al., 2015; BOONKONG et al., 2019; BARBOSA et al., 2020; SINGH et al., 2020).
Os resultados da motilidade espermática (Fig. 04), apresentaram a mesma tendência encontrada nos padrões do vigor espermático. Foram diminuindo gradativamente ao decorrer da curva de resfriamento, tendo um ponto crítico maior, após a centrifugação e diluição com os variados tratamentos. Essa diminuição pode ser explicada pelo processo de resfriamento do sêmen, que nesta faixa de temperatura pode fazer com que os lipídeos da membrana plasmática passem por uma fase de transição do estado líquido-cristalino para o estado gel (GRAHAM, 1996; GUIMARÃES et al., 2018), induzindo com que neste ponto da curva as cadeias de ácidos graxos que estavam aleatoriamente distribuídas ordenem-se paralelamente, produzindo uma estrutura rígida e tornando essas áreas fracas e suscetíveis a rupturas e a fusões, podendo causar uma rápida queda na motilidade espermática (HAMMERSTEDT et al., 1990).
Figura 04: Motilidade espermática durante a curva de resfriamento do sêmen do varrão.
Além disso, o processo de peroxidação lipídica pode estar diretamente ligado a diminuição da motilidade espermática, pois nesse ponto da curva pode estar havendo uma produção excessiva de metabólitos do oxigênio, que induz extensivas modificações biofísicas e bioquímicas na membrana plasmática do espermatozoide (BUCAK et al., 2010).
As amostras diluídas em gema de ovo tiveram uma pequena diminuição, entretanto, as que foram tratadas com as diferentes concentrações de Aloe vera, diminuíram seus valores de forma significativa pela metade. Assim como em outros estudos (NUNES et al., 2019; ARTEAGA et al., 2022), o uso de Aloe vera como protetor de células espermáticas para criopreservação apresentou efeito limitado e pouca eficácia para a espécie suína.
Arteaga et al. (2022) relataram resultados satisfatórios em sêmen suíno conservado a 17 °C em diluente acrescido de 20% de A vera, no entanto observou diminuição drástica da motilidade pós-congelamento no primeiro dia, tanto no tratamento Aloe vera a 17% + 3% de glicose como no Aloe vera 20%, obtendo-se 0,3% e 5,3% de motilidade respectivamente, valores inadequados para fertilização. Uma possível causa para isso foi provavelmente pelo fato de que o Aloe vera possui consistência viscosa podendo dificultar o movimento da célula, tornando o sêmen impróprio para o uso na Inseminação Artificial (IA), visto que é necessária uma motilidade espermática superior a 50% para o uso nos programas de IA (FIGUEIRÔA et al., 2001). Melo et al. (2015) levantaram a hipótese de que espermatozoides diluídos com A. vera requerem um tempo maior para adaptação devido a essa característica mucilaginosa que o extrato da planta apresenta.
A motilidade espermática está diretamente relacionada com a fertilidade em suínos, sendo um atributo importante para o deslocamento espermático no trato reprodutivo e para a penetração do mesmo no oócito (GADEA, 2005). A queda abrupta nos parâmetros de vigor e motilidade se dá principalmente graças a característica de extrema sensibilidade do sêmen suíno às alterações de temperatura (BORTOLOZZO et al., 2005), além disso durante o resfriamento, o desequilíbrio iônico intra e extracelular influenciam diretamente na redução da motilidade espermática, podendo haver também aumento do cálcio citosólico e colápso da membrana mitocondrial (JÄKEL et al., 2021), assim como também a formação de radicais livres podem ocasionar queda de motilidade, vigor espermático e de integridade do DNA espermático (MELO-MACIEL et al., 2015).
O percentual de espermatozoides vivos (Fig. 05) durante a curva de resfriamento foi aquém do que o normalmente encontrado na literatura, onde normalmente a vitalidade dos espermatozoides na temperatura de 17 ºC se manteve entre 60 a 81 % (TONIOLLI et al., 2007; SILVA e GUERRA, 2011), sendo que nestes trabalhos, mesmo com 48 horas de conservação, o percentual de espermatozoides vivos ainda estavam acima de 40 %. Em todos os passos da curva de resfriamento, seguindo o mesmo padrão de diminuição da temperatura, com pequenas alterações até 17 ºC, tiveram uma variação de apenas 0,9 pontos percentuais. Após a centrifugação e diluição, os espermatozoides tratados com Aloe vera e gema de ovo, tiveram uma queda mais acentuada da vitalidade.
Figura 05: Total de espermatozoides vivos (%), durante a curva de resfriamento do sêmen do varrão.
Segundo Torres et al. (2019) o sêmen suíno não pode ser criopreservado imediatamente, ele precisa ser mantido em espera a 17 °C antes da criopreservação, pois o tempo de espera permite uma interação prolongada entre os espermatozoides e os componentes do plasma seminal. Dessa forma, um tempo de espera de 24 horas aumentam a motilidade total e progressiva, e integridade do plasma e do acrossoma, embora não seja capaz de controlar a quantidade de ânion superóxido nem a peroxidação lipídica da membrana e não tenha efeitos sobre a fluidez da membrana.
O que chamou a atenção nesses resultados, foi o percentual de células espermáticas vivas do sêmen in natura foi de apenas 11,8%, o que inviabilizou uma possível utilização do sêmen em inseminação artificial. Uma queda natural na porcentagem de células vivas é explicada por alterações de pH e osmolaridade do meio, já que com o decorrer do tempo, há o consumo do substrato energético e a produção de metabólitos. A produção de radicais livres durante o período de incubação, também contribui para o decréscimo da sobrevivência espermática, uma vez que em ambiente aeróbio ou parcialmente anaeróbio a produção de espécies reativas de oxigênio (ROS) e de nitrogênio (RNS) é inevitável (TORRES et al., 2019; SINGH et al., 2020; PEZO et al., 2021). No presente estudo, não foi possível identificar com exatidão a causa que levou o sêmen in natura à essa grande queda da porcentagem de células vivas.
Com relação à integridade acrossomal (Fig. 06), os espermatozoides de suínos são mais susceptíveis a danos durante a diminuição da temperatura que os de outras espécies (WIEBKE et al., 2022), provavelmente devido à composição da membrana plasmática. Como apresentado no gráfico acima, durante a curva de resfriamento, o percentual de espermatozoides com membrana íntegra foi muito baixo, tendo apresentado uma queda mais acentuada após a centrifugação e diluição a 17 ºC com os diferentes tratamentos. A concentração de 30% de Aloe vera apresentou a menor porcentagem de acrossomas íntegros entre diferentes os tratamentos. Esses resultados foram bem inferiores aos encontrados por Nunes et al. (2019) pós-congelação.
Figura 06: Total de espermatozoides com acrossoma intacto (%), durante a curva de resfriamento do sêmen do varrão.
O decréscimo no número de espermatozoides com acromossa intacto pode ter acontecido, graças a mudanças que ocorrem na composição e estrutura da membrana plasmática de espermatozoides de suínos devido ao choque térmico a 17 ºC (WIEBKE et al., 2022). A criopreservação promove fenômenos de translocação de fosfolipídios entre o lado externo e interno da bicamada lipídica e reação acrossômica prematura, diminuindo a viabilidade de espermatozoides criopreservados quando comparados a espermatozoides in natura (SILVA e GUERRA, 2011). Outra possibilidade para explicar essa queda nos valores é a relação colesterol: fosfolipídio da membrana plasmática do espermatozoide suíno, que é mais baixa (0,12) do que em bovinos (0,38) e ovinos (0,36). Essa relação pode explicar, ao menos parcialmente, a maior sensibilidade do espermatozoide suíno ao frio (WIEBKE et al., 2022), fato esse que favorece uma ação mais direta do mesmo sobre a integridade espermática.
Desta forma, como a integridade da membrana espermática exerce um papel fundamental na sobrevivência do espermatozoide no trato genital da fêmea e na manutenção de sua capacidade fertilizante (PARKS e GRAHAN, 1992), a escolha de um crioprotetor eficiente é fundamental. Seja ele intra ou extra-celular, é necessário que confira uma melhor proteção a membrana plasmática do espermatozoide, e mantenha em patamares mais altos a porcentagem de espermatozoides com acrossoma íntegro, após a sua criopreservação.
Os resultados da reatividade de membrana (Figura 07) se mostraram bem promissores nas análises A1, A3 e A5 feitas durante a curva de resfriamento, entretanto, após a centrifugação e diluição nos variados tratamentos, ocorreu uma queda mais acentuada na porcentagem total de espermatozoides reativos, indicando uma diminuição na integridade da membrana dos espermatozoides. As diferentes concentrações de Aloe vera apresentaram comportamento relativamente parecido entre si, caindo mais de 50% após a diluição e centrifugação a 17 ºC.
Figura 07: Total de espermatozoides reativos ao teste hiposmótico, durante a curva de resfriamento do sêmen do varrão.
No tratamento controle com gema de ovo, a variação dos resultados das análises na curva foi menor, provavelmente porque a inclusão do diluente de resfriamento também contribuiu para essa manutenção, protegendo o espermatozoide contra o estresse provocado pelo frio, em uma faixa de temperatura conhecidamente lesiva para o espermatozoide, abaixo dos 17 oC até os 5 oC. Jäkel et al. (2021) sugerem que as membranas (plasmática e acrossômica) dos espermatozoides que sobrevivem ao estresse de resfriamento inicial a 5 °C resistem ao armazenamento de longo prazo, como é o caso do espermatozoide que passa pelo armazenamento convencional a 17 °C. A gema de ovo tem como característica apresentar em sua composição o LDL, que é uma lipoproteína de baixa densidade, que pode agregar-se à membrana plasmática durante o processo, evitando a perda de fosfolipídios da membrana e diminuindo as lesões provocadas pela ação do frio e da crioinjúria (SIEME et al., 2016). Enquanto que a interação dos polissacarídeos de A. vera com os componentes da membrana, são pouco eficazes em protegê-los contra crioinjúrias (BARBOSA et al., 2020).
Já nas amostras tratadas com as diferentes concentrações de Aloe vera, as alterações provocadas pela diminuição da temperatura, do pH e produção excessiva de compostos reativos de oxigênio, podem ter desestabilizado a estrutura fluida da membrana plasmática, ocasionando diversas alterações na sua função e integridade (JOHNSON et al., 2000). Além disso, o resfriamento pode ocasionar uma produção ineficiente de ATP, graças a dimuição dos processos metabólicos, o que pode culminar na abertura de canais de cálcio na membrana plasmática do espertazoide que vão causar posteriormente a hidrólise dos fosfolipídeos de membrana e consequentemente alterações na sua integridade (AMANN e PICKETT, 1987).
CONCLUSÕES
Conclui-se que, na espécie suína, o extrato de Aloe vera não apresentou bons resultados na manutenção ou melhoria da motilidade, do vigor e da viabilidade espermática, quando adicionado como diluente de resfriamento a 17 ºC. Ele não apresentou ação crioprotetora em nenhuma das concentrações empregadas neste estudo. Dessa forma, entendese que novos estudos devem ser estruturados a fim de encontrar uma concentração ideal dessa substância em meios de conservação para utilização em protocolos de criopreservação do sêmen do varrão.