INTRODUÇÃO
Os problemas de casco há tempo são reconhecidos como tal e têm sido associados com a diminuição da fertilidade em fêmeas (Penny, 1980). Porcas com claudicação produzem menos leitegadas do que aquelas sem esse problema (menos de 3,0 leitegadas e 4,5 leitegadas, respectivamente; Grandjot, 2007). Além disso, há também maiores perdas de leitões nas matrizes com manqueira, quando comparadas com fêmeas sadias (27% e 12,4%, respectivamente; Grandjot, 2007).
Os problemas locomotores têm sido identificados como sendo as principais causas de descarte de porcas (Friendship et al., 1986; Jorgensen, 2000). Essas perdas produtivas, em conjunto com o descarte prematuro de matrizes com problemas de casco causam uma perda financeira para o sistema de produção de suínos, estimado em US$ 52/fêmea (Grandjot, 2007).
Assim, a manutenção da produtividade do rebanho, com a remoção e reposição das fêmeas não produtivas, provou ser crucial para o bem--estar e o sucesso do negócio.
O conhecimento e o entendimento das claudicações têm evoluído à medida que novas pesquisas têm sido desenvolvidas.
Tem se mostrado que a manqueira está relacionada com a diminuição significativa da produtividade das fêmeas, bem como com o descarte precoce de porcas (Anil et al., 2008).
Normalmente, as fêmeas removidas do plantel em função da claudicação têm uma idade menor se comparadas com aquelas que são descartadas por outros motivos. A precocidade na remoção das fêmeas tem um impacto negativo no tamanho das leitegadas, na sobrevivência dos leitões e pode levar a um aumento de problemas ligados ao status sanitário do rebanho (Dagorn and Aumaitre, 1979; D'Allaire et al., 1987; Patterson et al., 1997).
Comparando os efeitos da claudicação na performance produtiva e na longevidade de fêmeas, observou-se que fêmeas com problemas de manqueira tiveram leitegadas com menor tamanho e com um número menor de leitões nascidos vivos, sendo ainda descartadas precocemente (Anil et al., 2009).
Porcas com unhas com crescimento excessivo, rachaduras no casco e erosão e sobrecrescimento da almofada plantar têm pior desempenho reprodutico e, ainda, o crescimento desigual das unhas impacta significativamente na incidência de manqueiras (Vestergaard et al., 2006; Anil et al., 2008).
Infelizmente, pouca atenção tem sido dada à questão das lesões de casco na suinocultura brasileira. Estudos americanos têm mostrado que mais de 88% das fêmeas tem pelo menos alguma lesão em uma das patas (Anil et al., 2007). Além disso, constatou-se que menos de 1% das fêmeas não têm alguma lesão no casco em levantamento realizado na Europa (Pluym et al., 2011). Levantamentos realizados no Brasil mostram que 99% das porcas têm algum tipo de lesão e que mais de 46% das fêmeas apresentam algum grau de claudicação (Kramer, 2012 -- dados não publicados). Esses números podem variar de acordo com influências ambientais e comportamentos de agressividade, dependendo se as fêmeas são alojadas em grupos (baias coletivas) ou em gaiolas individuais.
As lesões de maior importância são aquelas que penetram a parede do casco atingindo o córion, promovendo assim reações inflamatórias, dor e claudicação. Lesões como rachaduras profundas da parede e lesões na linha branca incluem-se nesta relação (Figura 1).
Figura 1 - Cascos apresentando inflamação, lesão de linha branca, erosão de sola, sobrecrescimento de unhas e sobre-unhas
DIMINUIÇÃO DA INGESTÃO DE ALIMENTO E PARTICIONAMENTO DE NUTRIENTES
Inflamação, geralmente acompanhada pela dor, é uma das conseqüências mais comuns das claudicações.
Muitas vezes as fêmeas com manqueira são excessivamente magras e têm uma pior condição corporal. Geralmente, em casos de problemas crônicos, há uma diminuição na ingestão de ração. Os ajustes nos hábitos de ingestão das porcas irão levar a complicações posteriores, como as observadas nas mudanças da performance reprodutiva. Geralmente se uma marrã não come o suficiente, ela terá uma diminuição na sua capacidade reprodutiva. Porcas de primeiro parto são mais sensíveis aos efeitos negativos da baixa ingestão de nutrientes durante a lactação, se comparadas a fêmeas mais velhas ou multíparas (Eissen et al., 2003).
A lactação é um dos momentos de maior demanda energética e de atividades desafiadoras que uma fêmea pode passar. Assim, manter a ingestão de alimento é crucial para o bem estar do animal e sua performance geral. Ingestão de alimento, especialmente durante certos estágios do ciclo reprodutivo, influencia muitos dos sistemas corporais de várias maneiras. Por exemplo, a diminuição do consumo de energia e proteína durante a lactação pode perturbar ou mesmo alterar a quantidade de sinalização do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) no hipotálamo. Esse sinal impacta na quantidade de LH e FSH liberado e, consequentemente, afeta a esteroideogênese do ovário. Os efeitos reprodutivos da inadequada ingestão de nutrientes durante a lactação parece ser mediada, ao menos em parte, através da secreção de LH e da mortalidade embrionária (King e Martin, 1989). Alcançar níveis suficientes de energia e proteína através do consumo de alimento é fundamental para a liberação dos hormônios necessários para o funcionamento adequado do aparelho reprodutivo.
As inflamações não apenas levam à redução do consumo de alimentos, mas promovem a liberação de citocinas em resposta à inflamação, o que provocará uma alteração em como e com qual prioridade os nutrientes serão utilizados pelo corpo.
Quando uma resposta inflamatória é sinalizada, o animal irá alterar o destino dos nutrientes, priorizando órgãos do sistema imune, fígado, pulmões e cérebro, enquanto sistemas não prioritários para a sobrevivência, como o reprodutivo, receberão uma quantidade menor de nutrientes (Spurlock, 1997).
Assim sendo, os efeitos da inflamação no consumo de ração e partição de nutrientes impacta negativamente a composição e condição corporal da fêmea durante a lactação.
CONDIÇÃO CORPORAL
A condição corporal de uma porca é classificada de acordo com uma escala de 1 a 5, sendo 1 um sub-condicionamento e 5 um sobre-condicionamento.
Frequentemente as porcas ou leitoas com baixo consumo de ração durante a lactação têm escore 1. Estes animais com baixos escores geralmente apresentam baixo desempenho reprodutivo. Isto foi evidenciado em trabalho que demonstrou que fêmeas com um escore de condição corporal (ECC) de 1 têm uma frequência maior de ovários acíclicos se comparadas com fêmeas com o ECC de 4 (Knauer et al., 2007).
A baixa ingestão de ração durante a lactação pode levar a uma perda excessiva de peso corporal que, por fim irá resultar na diminuição da longevidade da porca (Gaughan et al., 1995) e da performance reprodutiva (Quesnel, 2005).
Além disso, restrição protéica durante a lactação altera a concentração e circulação de hormônios somatotróficos e insulina ao final do período de lactação. Essas baixas concentrações impactam negativamente a taxa de ovulação após a desmama (Mejia-Guadarrama et al., 2002).
Vale destacar que o desenvolvimento folicular limitado e a recuperação incompleta do trato reprodutivo à desmama parece ser a principal causa da diminuição da sobrevivência embrionária no segundo parto de fêmeas com desmame precoce (Willis et al., 2003).
A prevenção e o tratamento precoce das manqueiras e lesões de casco ajudarão a manter o consumo de ração e o apetite, diminuindo assim as complicações reprodutivas devido às claudicações.
ESTADO INFLAMATÓRIO
Quando ocorrem processos inflamatórios, todos os sistemas corporais são alterados.
Lesões nos cascos promovem reações inflamatórias crônicas e agudas, causando uma dramática alteração no sistema reprodutivo.
A liberação de citocinas que acompanha as lesões leva, por fim, a complicações na reprodução das fêmeas, que incluem aumento nos abortos, absorções embrionárias, diminuição do tamanho das leitegadas e aumento das fêmeas retornando ao cio quando apresentam-se com manqueira severa.
Porcas com abcessos nas patas traseiras podem apresentar ovários acíclicos (P<0,01; Knauer et al., 2007).
Da mesma forma, animais que apresentam lesões nos cascos podem não manifestar cio, mesmo estando ciclando normalmente.
É importante compreender que a inflamação devido às manqueiras manifesta-se da mesma forma que respostas inflamatórias consequentes à desnutrição, mastite e disfunções da barreira imune.
A IMPORTÂNCIA DA NUTRIÇÃO
Os nutrientes de maneira geral são fundamentais para a saúde dos cascos. No entanto, microminerais e vitaminas têm uma importância significativa na produção e manutenção da integridade dos tecidos queratinizados (Mulling et al., 1999).
Neste sentido, aumentar a biodisponibilidade dos nutrientes, especialmente dos microminerais, melhora seu aproveitamento e, por consequência, a integridade dos tecidos queratinizados (Ballantine et al., 2002).
Zinco, Manganês, Cobre e Selênio desempenham um papel importante no processo de queratinização dos cascos (Tomlinson et al., 2004).
A suplementação de complexo Zinco, Manganês e Cobre-Aminoácido Quando Zn, Mn e Cu para fêmeas alojadas em gaiolas de gestação resultou em uma diminuição nas lesões de cascos (Anil et al., 2009).
Resultados indicaram que as porcas que receberam os microminerais na forma de complexo com aminoácido tiveram menos lesões (P<0,05) nos membros posteriores que os animais controle, além de menor prevalência de claudicação (P<0,05) para as fêmeas alimentadas com complexos metal-aminoácido do que em fêmeas alimentadas com minerais inorgânicos (34% e 51%, respectivamente) e melhor performance reprodutiva: verificou-se mais (P<0,05) leitões nascidos vivos (11,07 ± 0,21 e 10,44 ± 0,22, respectivamente) e o peso da leitegada ao nascimento mostrou uma tendência (P<0,07) de ser maior (16,99 ± 0.31 e 16,16 ± 0,33 kg, respectivamente; Anil et al., 2010).
CONCLUSÃO
A saúde dos cascos é indispensável para o bem estar geral das matrizes e bons desempenhos produtivos e reprodutivos.
Se não tratadas adequadamente, as condições negativas dos cascos podem levar a claudicação e outras complicações, que incluem perdas na performance reprodutiva e da longevidade das porcas.
Com o entendimento e intervenção sobre os fatores que contribuem para a manqueira e os processos inflamatórios espera-se melhorar os desempenhos produtivos, reprodutivos e financeiros da produção suína.
Esse artigo técnico foi originalmente publicado na "NT A revista da produção animal".