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Modernização e conformação das redes na suinocultura do oeste catarinense

Publicado: 20 de junho de 2024
Por: Alisson Henrique Bavaresco1 Roselí Alves dos Santos 1 Unioeste, Campus de Francisco Beltrão.
Sumário

Este texto objetiva analisar as mudanças decorridas da cadeia produtiva da suinocultura no Oeste de Santa Catarina, especialmente a partir da modernização da agricultura brasileira e da constituição das redes geográficas que viabilizaram o processo produtivo com aumento da produção e a seletividade dos produtores. A escolha da região decorre da importância da suinocultura como uma atividade econômica de expressividade nas dinâmicas territoriais da região e tem na agricultura familiar o seu alicerce, embora o processo que estudamos indica mudanças na forma de produzir e a consequente alteração territorial com a exclusão de agricultores familiares. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica atrelada à investigação empírica, na qual possibilitou resultados mais precisos.

Palavras Chave: suinocultura; modernização da agricultura; redes geográficas

Introdução

A região Oeste de Santa Catarina é resultado de um processo histórico de formação em sua estrutura, que esteve diretamente ligada ao desenvolvimento das atividades agropecuárias e, aqui, destacamos a suinocultura como atividade econômica marcante na dinâmica territorial. Essa marca histórica tem passado por um processo constante de mudanças e renovações, que potencializou a produção e a produtividade. Tal evolução dinamizou a região e provocou mudanças, mas também encontra resistências decorrentes das ações dos principais atores envolvidos no processo.
Neste texto apresentamos a modernização e a conformação das redes na suinocultura na região do Oeste Catarinense. Quando tratamos desta atividade econômica verificamos que ela envolve uma rede para garantir o seu processo de produção que envolve, no caso da região estudado do Oeste catarinense, desde os agricultores familiares à uma rede agroindustrial que se encontra antes e após a produção dos suínos nos estabelecimentos agropecuários até chegar aos consumidores finais. Para a efetivação deste processo produtivo três atores são protagonistas na atuação direta em torno da produção de suínos, sendo eles: os agricultores familiares, as agroindústrias e o Estado.
Diante disso, organizam-se diversas redes de sujeitos, instituições, organizações e empresas que se interligam em torno das atividades econômicas, no caso da suinocultura, atuando direta ou indiretamente, uma sobre as outras, de forma que nos impossibilita realizar uma análise individual de um processo produtivo ou de analisar o meio rural por si só. De fato, a forma como as atividades econômicas foram organizadas na segunda década do século XXI, nos faz realizar um estudo mais amplo que envolve a dinâmica econômica, social, política e cultural dos diversos sujeitos que se organizam em torno de uma determinada atividade. Para isso, faz-se necessário compreender a dinâmica das redes geográficas que estão estruturadas em nossa área de estudo.

Materiais e Métodos

Este artigo tem como objetivo analisar a modernização agropecuária como um dos fatores determinantes para a reestruturação da suinocultura na região, bem como a conformação das redes que foram estruturadas e organizadas favorecendo a articulação do setor e o aumento da produtividade da suinocultura na região Oeste de Santa Catarina. Ademais, buscamos destacar o processo de modernização da agricultura brasileira, que representou e continua representando significativas mudanças estruturais no espaço rural, com a implementação de inovações técnicas e tecnológicas, contribuindo para a formação e/ou ampliação das redes. Na suinocultura, ocorreram mudanças nas técnicas de manejo dos suínos, nas estruturas físicas dos chiqueiros e nos próprios frigoríficos, além de avanços significativos em genética animal, alimentação, medicamentos e automação.
Desta forma, o texto está estruturado em três sessões, além da introdução e das considerações finais: a primeira discutindo a modernização agropecuária, a segunda a conformação das redes e a terceira a relação entre as agroindústrias e as redes na constituição e transformação da suinocultura no Oeste de Santa Catarina.

Resultados e Discussões

A modernização da agricultura brasileira e seus impactos na suinocultura catarinense

A suinocultura é uma atividade econômica histórica na região Oeste do estado de Santa Catarina e que vem sofrendo intenso processo de mudanças, especialmente decorrente do seu processo de modernização, que aumenta a produtividade, bem como as dinâmicas territoriais e a organização do espaço.
O Brasil é o quarto maior produtor de suínos do mundo, com cerca de 3,9 milhões de toneladas de carne produzidas ao ano (USDA, 2020), sendo o único país da América do Sul entre os dez maiores produtores de carne suína do mundo (ABCS, 2014). Já o estado de Santa Catarina representa a maior produção do Brasil com 27,9% do total, conforme podemos observar no mapa 1.
Figura 1. Representatividade das Unidades da Federação no abate de suínos no Brasil (2020)
Figura 1. Representatividade das Unidades da Federação no abate de suínos no Brasil (2020)
Além de se destacar na produção de suínos, Santa Catarina é considerada o berço da produção agroindustrial deste setor, que nasceu através das atividades mercantis e da pequena produção rural. Como destaca Santos (2008), o processo de desenvolvimento da atividade agropecuária tem a sua dinamização, especialmente nos moldes agroindustriais, atrelado a modernização tecnológica do setor. No entanto, a autora destaca que no Brasil,
Essa modernização se constituiu a partir de um processo heterogêneo e que se conforma territorialmente de acordo com as condições que encontra, sejam elas políticas, econômicas, culturais ou ambientais e, também, metamorfoseia-se à medida que estas variam. Assim, não se faz referência a um processo uniforme, ao contrário, expressa singularidades territoriais que se manifestam a partir de diferentes ritmos (SANTOS, 2008, p. 28).
Deste modo, o processo de modernização da agricultura e pecuária brasileira resultou em consequências na agropecuária catarinense e gerou significativas transformações nos setores produtivos. Ela está diretamente atrelada à atuação do Estado nesse processo, tanto em nível federal, quanto estadual e municipal, além da formação dos Complexos Agroindustriais, especialmente no Oeste de Santa Catarina.
A suinocultura no Oeste catarinense se constituiu a partir da ação do Estado, por meio dos sistemas de financiamentos, pesquisas e assistência técnica, atreladas a formação das agroindústrias e das cooperativas que vão se conformar a partir da agricultura familiar existente na região. À medida que a modernização vai atingindo o setor ocorre mudanças técnicas na produção resultando no aumento da produtividade, bem como uma seletividade dos produtores que se adequam as novas normas e normativas que vão sendo constituídas.
“A formação de CAIs em Santa Catarina está inserida nesse movimento de constituição dos complexos em nível nacional e só pode ser entendida a partir da modernização conservadora e da industrialização da agricultura do Brasil” (GOULARTI FILHO, 2016, p. 262-263), que igualmente ao processo em nível nacional, não alterou os padrões estruturais da agricultura catarinense. No entanto, é importante ressaltar que Santa Catarina possui uma particularidade na sua estrutura agropecuária, pois sua estrutura fundiária é pautada na pequena propriedade rural, resultado do processo de colonização ocorrido no século XX, organizado pelas Companhias Colonizadoras e pelo Estado.
A industrialização pesada após-1955, com a criação de diversos centros estatais de pesquisa e a consolidação de uma política nacional de crédito rural, permitiu a formação dos complexos agroindustriais em todo o país (GOULARTI FILHO, 2016), especialmente em Santa Catarina. A atuação do Estado na modernização da agricultura em Santa Catarina é resultado das políticas de créditos e subsídios destinados à produção, efetuadas pelos bancos estatais como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), especificamente em Santa Catarina o BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul), além do extinto BESC (Banco do Estado de Santa Catarina), como financiadores do processo. Apesar disso, na maioria das vezes os créditos e subsídios estatais acabavam nas mãos das grandes agroindústrias (GOULARTI FILHO, 2016), que posteriormente designavam os investimentos, através de financiamentos, aos produtores rurais integrados aos seus complexos. Neste sentido,
[...] Os setores mais beneficiados com créditos, subsídios, amparo tecnológico e suporte técnico foram as grandes empresas. O bom desempenho da Sadia, Perdigão, Ceval, Coopercentral, Chapecó e Macedo não pode ser explicado a partir da visão individualista do empresário inovador e da ideologia do trabalho dos Fontana, Brandalise, de Nês, Hering ou Macedo. Em boa medida, a explicação para o “sucesso” dessas empresas reside no longo processo de modernização conservadora e nas benesses da política agrícola (incluindo subsídios e financiamentos), deliberadas pelo Estado (GOULARTI FILHO, 2016, p. 263).
A partir da década de 1960, inicia-se um novo período em Santa Catarina, no qual o capital industrial passa a ser o móvel da acumulação capitalista (GOULARTI FILHO, 2016). A modernização da agricultura, atrelado ao desenvolvimento dos complexos agroindustriais de carnes, consolidam o novo padrão de crescimento de Santa Catarina, comandado pelo Estado e pelas grandes indústrias e agroindústrias (GOULARTI FILHO, 2016). Assim, “a forma como as relações capitalistas penetraram na agricultura está, diretamente, ligada ao papel desempenhado pelas agroindústrias” (PLEIN, 2003, p. 49).
A modernização da agricultura em Santa Catarina modificou a estrutura da produção de suínos, que passou a utilizar novas técnicas de manejo, além de novas e avançadas tecnologias na criação, produção de insumos, além de avanços em medicamentos e genética. Ela se processa no estado pela atuação de dois atores principais. O Estado e as agroindústrias se encarregaram de modernizar a suinocultura catarinense criando políticas públicas de fomento e liberação de crédito agrícola, ainda nos anos 1960 (MIELE; MIRANDA, 2013). A partir dos anos 1970 “viabilizou-se a difusão de um verdadeiro pacote tecnológico a partir de um massivo apoio público por meio de assistência técnica, crédito rural subsidiado, pesquisa agropecuária e a estruturação de um sistema de defesa agropecuária e inspeção sanitária” (MIELE; MIRANDA, 2013, p. 202).
A difusão das novas técnicas de produção no setor ocorre, como nos outros setores, por meio do trabalho dos técnicos, tanto por parte do governo como é o caso dos extensionistas da EPAGRI, como por intermédio das agroindústrias. “Esses profissionais efetivam uma extensão rural com base no discurso ideológico dominante, seguindo a política direcionada pelo Estado de modernizar e desenvolver o espaço, com o objetivo de viabilizar mudanças na base técnica” (SANTOS, 2008, p. 70). Ademais,
Para modernizar a agricultura brasileira, o Estado utilizou-se do crédito agrícola, serviços de extensão rural, pesquisa agropecuária e seguro agrícola. Esses instrumentos funcionavam da seguinte forma: a pesquisa criava novas tecnologias para a agricultura; os serviços de extensão rural levavam essas tecnologias para os agricultores; os agricultores só adotavam uma nova tecnologia em função do crédito disponível para financiar os investimentos necessários; a política de preços mínimos garantia um preço adequado na venda dos produtos e o seguro agrícola tinha a função de evitar prejuízos na safra bem como garantir que o agricultor pudesse pagar seus empréstimos (PLEIN, 2003, p. 94).
Conforme destaca Plein (2003), o processo de modernização da agricultura do Oeste catarinense pode ser dividido em dois principais períodos. O primeiro entre 1965 a 1985, que é caracterizado pela adoção do pacote tecnológico através de fartos financiamentos, além da crescente integração dos agricultores ao mercado, especificamente via as agroindústrias. O segundo, de 1985 a 1995, que está atrelado à dinâmica global da economia, ocorre a diferenciação da agricultura familiar com a diminuição do crédito, sucessivas crises e a intensificação da concentração produtiva promovido pelas agroindústrias (PLEIN, 2003), conforme podemos observar no gráfico 1.
Figura 2. Evolução no número de produtores de suínos e a produção total em Santa Catarina – série histórica
Figura 2. Evolução no número de produtores de suínos e a produção total em Santa Catarina – série histórica
Para Santos (2008) a modernização da agricultura foi um processo contraditório, seletivo e não garantiu a melhoria na qualidade de vida da população e nem mesmo dos agricultores, em especial os familiares. Neste sentido,
A modernização da agricultura implantada no Brasil, a partir da década de 1960, promove mudanças na estrutura fundiária, na saída da população do campo para as cidades, alteração na pauta de produtos entre outras situações. Mas um aspecto notório nesse processo é o aumento da produtividade agrícola, o que comprova um dos objetivos presentes no projeto de desenvolvimento do Brasil, entretanto, contraditoriamente esse aumento da produtividade não representa o saneamento da pobreza, nem no campo e nem nas cidades (SANTOS, 2008, p.111).
A partir de 1995 essa dinâmica é direcionada pelo capital agroindustrial, especialmente oriundo dos lucros no sistema financeiro, que permite e direciona a modernização da produção, através do financiamento público e privado, aos produtores de suínos.
Desse modo, a modernização da agricultura, através de seus impactos socioeconômicos, implicou, de um lado, em um crescente processo de mercantilização da produção da agropecuária, mas por outro lado, houve a exclusão de inúmeras famílias de algumas cadeias produtivas, especialmente da suinocultura, intensificando as migrações rurais-urbanas (PLEIN, 2003).
No caso da produção de suínos, inicialmente, a modernização foi possibilitada, em grande parte, pela integração à agroindústria que garantia a comercialização, atraindo significativa parcela dos produtores (PLEIN, 2003). “Porém, nos anos 1980 em diante, ocorre um processo de concentração e intensificação dessa produção, excluindo mais de dois terços dos produtores num período de dez anos” (PLEIN, 2003, p. 86).
Anterior a esse processo, praticamente todas as propriedades do Oeste catarinense possuíam alguns suínos, (uma ou duas matrizes, e alguns suínos na engorda), sendo a suinocultura uma importante fonte de renda (PLEIN, 2003). Atualmente essa atividade é muito especializada e está concentrada em poucas propriedades. Se comparado o número dos suinocultores e o número de estabelecimentos agrícolas da região Oeste, percebe-se que até os anos 1980, praticamente todas as propriedades produziam suínos (PLEIN, 2003), na década de 2000 essa atividade esteve presente em apenas 17% das propriedades (PLEIN, 2003), e atualmente em cerca de 8,4% do total dos estabelecimentos (IBGE, 2017).
Com os avanços na área de genética animal foi possível criar raças de suínos com maior índice de produtividade em quantidade e em tempo, possibilitando um aumento gradual da produção de suínos. Com a implementação de raças de suínos como a Landrace (de origem dinamarquesa), Duroc (EUA) e Large White (Inglaterra), consideradas as mais utilizadas no Brasil.
Entre as técnicas de melhoramento genético, destaca-se a Inseminação Artificial, a Transferência de Embriões, a micromanipulação e produção in vitro de embriões, e ainda, a clonagem e a produção de animais transgênicos, mais recentemente (ESPÍNDOLA, 2012). Entretanto, de todas essas tecnologias de melhoramento genético a que é mais utilizada no momento é a inseminação artificial.
Diversas tentativas de seleção e melhoramento genético ocorreram no Brasil, ainda na década de 1950, através de importação de diversas raças de suínos europeias e americanas como a Duroc Jersey, a Hampshire e a Large White. No Oeste catarinense, destaca-se a experiência desenvolvida de forma pioneira pelo empresário Atillio Fontana, ainda no início da década de 1940, quando iniciou a empresa Sadia (ESPÍNDOLA, 2012).
Segundo Fontana (1980),
[...] Selecionamos alguns agricultores e nós lhe forneceríamos as três matrizes sem despesa nenhuma por conta dele, a não ser a da ração, fabricada e fornecida por nós, para que introduzisse novas técnicas de manejo e criação”. Os resultados foram surpreendentes, pois “anteriormente, os animais que os lavradores vendiam ao frigorífico eram de doze, quatorze, quinze meses de vida; depois passaram a nos fornecer os exemplares criados dentro da nova técnica com oito meses, e, já nessa idade, com peso superior aos cem quilos (FONTANA, 1980, p. 135).
Dessa maneira, nascia, ainda nos anos 1950, o sistema de integração na suinocultura de forma pioneira, realizado pela empresa Sadia, sendo que nas décadas posteriores o sistema se expandiu de forma acelerada, havendo a necessidade do apoio de várias instituições nesse processo, como, além da Sadia, da Associação Rural de Concórdia, da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS) e da Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina, que começam a colocar em prática um intenso programa de modernização da suinocultura (ESPÍNDOLA, 2012). Neste sentido,
No Sul do país as primeiras iniciativas foram realizadas pelo grupo Sadia, que ainda como parte do Programa de Melhoramento Genético Sadia, foi desenvolvido o programa de erradicação das doenças que infectavam o plantel, o que acabou resultando num plantel de animais SPF (Specific Pathogen Free). O Grupo Chapecó, por sua vez, investiu, em 1988, cerca de US$ 2 milhões num programa de melhoramento genético. Foram construídos dois estabelecimentos pecuários: uma granja-núcleo para 450 matrizes em Vargeão/SC, com área construída de 8.000m², onde três raças foram cruzadas, gerando mil fêmeas matrizes para um plantel permanente. A outra granja fica em Chapecó e produziu 21.850 leitões por ano. Outra empresa que investiu no melhoramento genético de suínos foi a Agroceres, que através de uma joint venture com a PIC (Pig Improvement Company, da Inglaterra) passou a desenvolver, em suas fazendas localizadas em Minas Gerais, suínos com menor espessura de toucinho (ESPÍNDOLA, 2012, p. 7)
Além dos avanços nas áreas de genética animal, a modernização possibilitou uma completa reestruturação das estruturas físicas de alojamento de suínos, com a adoção de equipamentos automatizados responsáveis pelo trato dos animais, não necessitando de mão de obra humana, conforme podemos observar na figura 2.
Figura 3. Estruturas de gestação de matrizes automatizada
Figura 3. Estruturas de gestação de matrizes automatizada
A alimentação dos animais passa a ser realizada pela mistura de cereais como o milho, sendo o principal cereal o farelo2 de soja e o de trigo, além de medicamentos destinados à prevenção de doenças nos animais. Com essa alimentação controlada, passa a se reduzir o tempo de produção de um suíno, melhorando a produtividade do rebanho. Essa alimentação se difere totalmente da realizada no passado, quando utilizavam legumes, raízes e folhagens, gerando uma produtividade baixa e levando em torno de dois anos para estarem no ponto de abate, resultando em um suíno com grande quantidade de banha (PLEIN, 2003), sendo que, na maioria das vezes, era a maior parcela do animal, na qual além de produzir muita banha, possuía baixa produtividade pelo tempo que levava até estar pronto para o abate.
Conforme destacado, a modernização da agricultura brasileira transformou e continua a transformar significativamente a cadeia produtiva de suínos, inserindo modernas técnicas e tecnologias que aumentam a produtividade dos rebanhos. Além disso, intensifica-se a organização em redes do setor em que se tornam cada vez mais complexos, fazendo com que atualmente se impossibilite analisar a suinocultura por si só, mas nos faz necessário compreender uma enorme gama de setores e sujeitos envolvidos em torno da atividade.

As redes geográficas da suinocultura

A modernização da suinocultura é substanciada por uma série de agentes públicos e privados, constituindo uma rede que age localmente, mas também em escala nacional, internacional e de forma dinâmica.
Como afirma Santos (2008), evidenciando uma dinâmica com redes de relações convergentes e/ou conflituosas, a partir das mudanças e/ou permanências na exploração da produção desde as unidades de produção agropecuárias as relações definidas pela lógica do sistema de mercados, nos quais o uso da tecnologia contribui para aumentar a produtividade e integração mercados e capitais. A modernização da suinocultura potencializa a formação das redes para a produção, comercialização a partir das circulações de capitais, pessoas e serviços. As tecnologias fomentam a velocidade das redes e estas do processo de produção e comercialização, dinamizam os espaços e os reestruturam para atingir os objetivos do processo produtivo, o que provoca uma seletividade das unidades de produção e dos suinocultores.
As redes possibilitam a abertura de novos mercados consumidores e de relações comerciais e produtivas na obtenção de tecnologias e inovações, bem como se inserem num instrumento metodológico na compreensão dos processos produtivos e do desenvolvimento capitalista.
As redes rompem com a separação campo-cidade, integra os espaços, embora não ocorra a homogeneização destas. Elas possuem um papel importante na formação territorial brasileira, pois estão associadas aos processos de urbanização e de integração do mercado nacional, eliminando as barreiras de todas as ordens que separavam as regiões produtivas (DIAS, 2017) interligando as regiões e formando um único mercado nacional.
Desse modo, consideramos as redes como sendo forma de ordenação das relações de poder nas sociedades da atualidade, por serem precursoras de uma nova dinâmica social em que o capitalismo se encontra. A estrutura social globalizada e a economia mundial, com base no sistema financeiro, se organizam em torno de uma infinita gama de redes de informações, comunicação, bens e serviços. Diante disso, as redes se tornam de significativa importância na análise das estruturas produtivas, neste caso, a suinocultura.
Com as transformações ocorridas nas últimas décadas no mundo, e com significativos avanços tecnológicos e inovações nos transportes e comunicações, alteraram-se significativamente as relações sociais e econômicas entre as sociedades localizadas geograficamente em longas distâncias. Cada vez mais a distância geográfica deixa de ser um empecilho ao desenvolvimento e passa a ser apenas mais uma característica cartográfica. A ampliação das navegações no século XVI, as estradas de ferro no século XIX, bem como as rodovias e a aviação no século XX foram fundamentais para ligar territórios distantes, possibilitando cada vez mais a circulação de mercadorias, pessoas e informações.
Esses avanços nas redes de comunicações e transportes, desenvolvidos principalmente no século XX, além de redesenhar o mapa do mundo, dos países e das regiões, organizaram cada vez mais processos de múltiplas ordens, de integração produtiva, de integração de mercados, de integração financeira e de informação (DIAS, 2017). Mas, da mesma forma que geraram processos de integração entre regiões e setores, geraram também “processos igualmente de desintegração, de exclusão de vastas superfícies do globo [...]” (DIAS, 2017, p. 147).
Na cadeia produtiva da suinocultura do Oeste Catarinense é possível destacar diversas redes que atuam sobre o processo produtivo. Dentre elas, as redes de transportes, que atuam tanto na fase primária da produção, levando os insumos até as propriedades, como a ração animal e o destino dos animais para o abate até as agroindústrias. Além disso, as redes atacadistas e mercados exportadores também estão relacionados à comercialização.
Ainda encontramos as redes de comunicação e informação, que ocorrem através da atuação dos técnicos e profissionais da área, e atuam em nome das empresas agroindustriais ou até mesmo do governo, levando até os suinocultores informações de técnicas de manejo, qualidade sanitária e de bem-estar animal, melhorando assim a produtividade e, por consequência, a rentabilidade dos produtores.
Ademais, podemos destacar as redes de circulação financeira que são características da atuação dos bancos, tanto estatais como de iniciativa privada, além das cooperativas de crédito que atuam através do financiamento da produção, principalmente na manutenção do capital depredado ou na realização de novos investimentos, tanto nas propriedades como nas agroindústrias.
Na região, podemos destacar, de acordo com Mior (2010), a existência de pelo menos dois tipos de redes de desenvolvimento atuando de forma simultânea, sendo elas: as redes verticais e as redes horizontais (MIOR, 2010). A principal diferença entre elas é que as redes verticais se caracterizam tradicionalmente dentro de um recorte setorial, a partir da abordagem da cadeia de commodities, já as redes horizontais têm sido abordadas num recorte territorial, a partir da noção de redes sociais de inovação e aprendizagem (MIOR, 2010).
Desse modo, as redes verticais são representadas pela organização das grandes agroindústrias convencionais que atuam na região, já as redes horizontais caracterizam-se por representarem as agroindústrias familiares (MIOR, 2010). As redes horizontais se encontram em um considerável processo de transformação na região Oeste catarinense (MIOR, 2010), pois são consideradas como uma alternativa à organização das redes verticais que acabam submetendo os agricultores familiares nas mãos das grandes agroindústrias, apesar disso, “é a ação estratégica da agroindústria convencional que acaba influenciando o padrão de desenvolvimento da agroindústria familiar do Oeste catarinense’’ (MIOR, 2010, p. 10). Assim,
Explorar o contexto da mudança agroindustrial na região Oeste catarinense exige, portanto, uma análise do inter-relacionamento entre as estratégias de ação destes agentes nas diversas escalas espaciais. Na região co-existem agroindústrias convencionais que estão ligadas ao mercado europeu de carnes (com a tendência pósfordista) e, ao mesmo tempo, ao mercado brasileiro, que estaria em transição. Existe ainda uma série de agroindústrias de pequeno porte ligadas à produção de derivados de leite (queijos, iogurte, requeijão) voltada para mercados de nicho (produtos coloniais e artesanais) mas também para o mercado tradicional de commodities, como é o caso de queijo para pizzarias (MIOR, 2010, p. 7).
A implementação das agroindústrias rurais tem sido uma alternativa adotada pelos agricultores familiares do Oeste de Santa Catarina no intuito de evitar a subordinação ao modelo convencional de produção desenvolvido e fomentado pelas grandes agroindústrias, criando assim, novas redes de desenvolvimento rural (MIOR, 2010). Apesar disso, a maior parte dos agricultores e a população em geral, vem igualando desenvolvimento à intensa capitalização das propriedades (MIOR, 2010), na qual os agricultores acabam tendo a tendência a integrar-se ao mercado de commodities e, por consequência, tornando-se subordinados ao capital industrial.
Nesse quesito, tanto os produtores de suínos integrados quanto os independentes estão subordinados, até os dias atuais, a esses processos de “desenvolvimento”. A atuação das redes horizontais em torno da suinocultura, é bastante restrita no Oeste catarinense, cabendo apenas a alguns pequenos e médios frigoríficos. Devido às características do setor, ela acaba abarcando outras atividades, especialmente a produção de leite e hortifrúti.
Esses diferentes padrões de articulação entre agricultura, agroindústria e território, refletem um processo onde co-existem pelo menos dois padrões de desenvolvimento rural e organização da produção (MIOR, 2010). Primeiro aquele influenciado pelos modelos internacionais de organização da produção e consumo alimentar e, em segundo, padrões diferenciados de produção e de desenvolvimento associados à tradição e culturas alimentares locais (MIOR, 2010).
As redes convencionais de desenvolvimento rural que desenharam e desenham o modelo da produção suinícola da região Oeste catarinense começaram a ser tecidas ainda nos anos de 1940 (MIOR, 2010). No início, eram redes de pequeno alcance que envolviam um reduzido número de produtores e intermediários, com poucos produtos derivados dos suínos, com destaque para a banha de porco que era o principal produto comercializado (MIOR, 2010).
Com o desenvolvimento das agroindústrias na região, a organização em redes da suinocultura passou a ser cada vez mais complexa, abarcando nos dias atuais centenas de atores, desde produtores primários a intermediários, como comerciantes, transportadores, frigoríficos, além de uma gama de outros serviços e setores que se inserem nas mesmas redes.
Figura 4. Redes da produção de suínos no Oeste Catarinense
Figura 4. Redes da produção de suínos no Oeste Catarinense
As redes que envolvem a produção de suínos no Oeste Catarinense são, na sua maioria, classificadas como redes verticais de desenvolvimento rural, pois se caracterizam por um modelo de desenvolvimento pautado nos moldes internacionais, organizados em setores produtivos e direcionados pelos grandes conglomerados agroindustriais, conforme destaca MIOR (2010), tornando a atividade suinícola cada vez mais subordinada ao capital industrial, fazendo da lógica da acumulação capitalista, como padrão no desenvolvimento rural da região.
A organização em redes geográficas na suinocultura surge ainda nos primórdios da ocupação capitalista da região, mesmo que tímida, a simples estrutura de compra e venda dos suínos pelos comerciantes nos anos de 1940 e 1950 já se considerava uma organização em rede. O desenvolvimento industrial e a posterior modernização da agricultura brasileira tornaram as redes geográficas mais complexas e abrangendo um considerável número de sujeitos e setores econômicos que se envolveram direta e/ou indiretamente na cadeia produtiva da suinocultura.
Atualmente, as redes geográficas da suinocultura são tão complexas que praticamente nos impossibilitam calcular um número exato de sujeitos que participam do processo produtivo, mas que pelos números do Produto Interno Bruto - PIB agropecuário regional, podemos considerar como sendo uma atividade de alto valor econômico no desenvolvimento da região, gerando empregos antes, dentro e depois da porteira, sendo uma situação característica do sistema capitalista moderno.
Conforme observamos no organograma 1, a produção de suínos abarca em sua atividade inúmeros outros setores em seu território de atuação, desde os produtores de suínos até comerciantes, transportadoras, bancos, indústrias de vários segmentos, desde as mais simples como a produção de ração animal até as de alto valor tecnológico, como as produtoras de genética, medicamentos e tecnologias, até os produtos chegarem aos consumidores finais.

As agroindústrias e a formação de novas redes no Oeste de Santa Catarina

A mesorregião do Oeste Catarinense representa a maior parcela territorial do estado, contando com 118 municípios, em sua maioria de pequeno e médio porte, tendo como centralidade regional a cidade de Chapecó.
Figura 5. Mesorregiões de Santa Catarina com destaque para o Oeste Catarinense
Figura 5. Mesorregiões de Santa Catarina com destaque para o Oeste Catarinense
Como temos afirmado, a suinocultura representa uma das mais importantes atividades agroindustriais da mesorregião, sendo a maior produtora do estado, conforme podemos observar nos dados do gráfico 2.
Figura 6. Participação das mesorregiões de Santa Catarina no abate de suínos – 2018 (Mil de cabeças)
Figura 6. Participação das mesorregiões de Santa Catarina no abate de suínos – 2018 (Mil de cabeças)
Ao longo da história, diversas pequenas agroindústrias processadoras de carnes surgiram no Oeste de Santa Catarina, principalmente nas décadas de 1940 e 1950. Na sua maioria empresas familiares, que através da acumulação de capital oriunda da atuação comercial, passaram a expandir os negócios, via aquisições de outras empresas, até se tornarem grandes grupos industriais. “A região abriga o maior complexo de produção, abate e transformação de carne suína e de aves do Brasil e América Latina” (MIOR, 2010, p. 5), se notabilizando nacionalmente e mundialmente “[...] por ser pioneira no estabelecimento de um bem sucedido sistema de integração agroindustrial entre grandes agroindústrias e a agricultura familiar [...] (MIOR, 2010, p. 5).
As agroindústrias regionais trilharam o caminho da concentração de capital, formando grupos com atuação nacional e internacional, como é o caso da Sadia e Perdigão, atuando em diferentes segmentos, além do beneficiamento de suínos, o de aves, bovinos, lácteos e grãos. Essa dinâmica de concentração da produção se insere nas intensas transformações da produção do setor alimentício mundial. Esse movimento de concentração produtiva “[...] ocorre paralelamente a uma multiplicação de fusões e aquisições, que modificam as estruturas produtivas e fazem crescer a parcela do mercado ocupada pelas grandes empresas” (COLETTI; LINS, 2011, p. 342). Neste sentido,
Em poucas décadas, um conjunto de empresas com origem quase que contemporânea da colonização da região passa a ocupar posições de liderança no mercado nacional de abate, processamento e industrialização de carnes. O processo de ocupação dos espaços econômicos regional, nacional e, agora, internacional, por parte da agroindústria convencional da região, é memorável (MIOR, 2005, p. 123).
A concentração agroindustrial da região encontra-se em um estágio avançado, na qual se confirma pelo fato de apenas quatro empresas dominam o setor de abate de suínos na região, sendo elas: a BRF, união entre Perdigão e Sadia, a Cooperativa Central Aurora (ambas oriundas da própria região), além de duas de capital externo, sendo a Bunge e a Cargill (COLETTI; LINS; 2011), além da JBS, que adquiriu a Seara Alimentos em 2016.
Foram inúmeras agroindústrias que surgiram na região Oeste, na primeira metade do século XX, além de outras regiões do país. Surgiram não por acaso, mas em um momento que se fazia necessário, e era economicamente viável a industrialização dos produtos agropecuários da região, por consequência a criação dos frigoríficos. Desse modo, a abertura de novos mercados exportadores cada vez mais exigentes fez com que um número considerável de agroindústrias não conseguisse competir, levando-as a se integrarem a empresas maiores. Além disso, vale destacar que a concentração da produção é um movimento característico do sistema capitalista, e a partir dos anos 2000 foi ainda mais intensa.
Até a década de 1990, as empresas Sadia, Perdigão, Ceval, Chapecó e Aurora incorporaram mais de 50 unidades de produção e abate de suínos, bovinos e aves, além de empresas da área de grãos. Cinco agroindústrias passaram a concentrar a maior parte da produção da região, não só de suínos, mas possuindo atuação em praticamente todos os setores da agropecuária.
A partir dos anos 2000, essa concentração se torna ainda maior, onde apenas quatro agroindústrias comandam o processo produtivo de suínos da região, conforme podemos observar no quadro 1.
Quadro 1. Centralização agroindustrial no período 1998-2016
 Quadro 1. Centralização agroindustrial no período 1998-2016
São empresas de grande porte que possuem unidades produtivas e comerciais em diversos estados do país, atuando em vários segmentos alimentícios, além da carne suína, com produção de carne bovina, de frango e lácteos. Elas coordenam a cadeia produtiva por meio dos contratos de integração, produzindo os insumos e beneficiando os produtos finais. Assim, As mudanças estruturais na suinocultura podem ser discernidas temporalmente nos seguintes estágios da organização produtiva das propriedades, conforme podemos observar no quadro 2.
Quadro 2. Mudanças estruturais na cadeia produtiva
Quadro 2. Mudanças estruturais na cadeia produtiva
De acordo com MIOR (2010) até por volta da década de 1980 existia um padrão bastante homogêneo de desenvolvimento rural. A maioria dos agricultores familiares produtores de suínos estava integrada ao mercado, cujo processo produtivo ainda se encontrava sob seu controle, gozando de certa autonomia decisória da produção, já que lhe cabia organizar o processo de acordo com suas necessidades e convicções (MIOR, 2010). Essa autonomia foi sendo dilacerada pouco a pouco pelas mudanças estruturais no setor alimentício mundial, e principalmente pelas mudanças na organização industrial e produtiva das agroindústrias. “A presença de poderosas empresas agroindustriais, profundamente ligadas à dinâmica dos circuitos globalizados de produção e consumo corresponderia a uma típica rede vertical de desenvolvimento rural [...]” (MIOR, 2010, p. 6). Desse modo,
As mudanças tecnológicas e organizacionais introduzidas na produção suinícola começam a minar a tradicional forma de inserção da produção familiar, com maior especialização e concentração da produção. Essas transformações ocasionam a exclusão de significativo número de suinocultores familiares (MIOR, 2010, p. 6).
Até os anos 1980 as políticas de suporte para a agricultura eram, em sua maioria, oriundas de iniciativa estatal, resultado do período político que o Brasil vivia até então, em que o modelo econômico nacional se baseava na forte atuação do Estado na economia. Com o fim do regime militar, ocorreram consideráveis mudanças no modelo econômico do país, além do mais, o Brasil se desenvolvia de forma lenta nesse período, pois ainda não havia se recuperado das sucessivas crises. Esses fatores alinharam a política econômica nacional em viés liberal, ocorrendo o início da abertura econômica que seria ainda mais intensa nos anos de 1990.
Com essas mudanças estruturais no plano nacional, o desenvolvimento industrial no interior do país passou por certo “abandono” por parte das políticas estatais, fortalecendo a iniciativa das agroindústrias, em especial do Oeste catarinense, a organizarem a gestão do território em que atuavam. Os interesses dos grupos agroindustriais, como a ampliação da produção, do número de produtores integrados, e da política de crédito, adoção de inovações tecnológicas, ampliação do emprego com inclusão social e do crescimento regional, atendiam aos requisitos do desenvolvimento regional (MIOR, 2005). “Existia um processo de incorporação de suinocultores, com incremento subsequente na produção, juntamente com o alcance de novos mercados” (MIOR, 2005, p. 85).
Com as mudanças vivenciadas nesse período, começam a ocorrer disparidades sociais e elevada diferenciação no desenvolvimento dos estabelecimentos rurais, pois inúmeros produtores acabaram sendo excluídos da atividade suinícola. Os suinocultores mais capitalizados conseguiram aderir ao modelo agroindustrial ou se desenvolver por iniciativa própria, apesar disso, os menos capitalizados acabaram por abandonar a atividade iniciando outras como, por exemplo, a atividade leiteira, ou tiveram de migrar para as cidades. Aliás, vale ressaltar que esse modelo de desenvolvimento rural, organizado pelas agroindústrias, gerou e continua gerando concentração produtiva em algumas propriedades com alta produção e com elevado número de animais, ocasionando consideráveis problemas ambientais, especialmente no descarte dos dejetos suínos (MIOR, 2005).
A partir dos anos de 1990 se intensificam as transformações no modelo de produção, iniciadas ainda na década anterior, com o esgotamento do modelo de financiamento agrícola com subsídios estatais e a internacionalização dos mercados agrícolas impuseram novas restrições e padrões à cadeia produtiva (MIELE; MIRANDA, 2013). Além disso, os anos 1990 marcam a transferência do controle acionário das empresas agroindustriais para fundos de pensão, como o que aconteceu com a Perdigão em 1994. Houve nesse período a financeirização das empresas no mercado das bolsas de valores. Com a globalização da economia mundial a produção agropecuária passa por um intenso processo de reestruturação produtiva, com fusões, aquisições, incorporações, internacionalização e/ou desnacionalização das empresas (MIOR, 2005).
Esse dinamismo agroindustrial realizou profundas transformações socioeconômicas e ambientais no espaço rural regional, com variações no espaço e no tempo, sendo constante ao longo das relações entre os diversos atores ligados diretamente às cadeias produtivas de suínos e aves, empresas agroalimentares e produção agrícola familiar e, entre esses e o estado, nos seus vários níveis (MIOR, 2005), “mas sempre no sentido de fortalecer a ampliação deste complexo de atividades ligadas à produção, transformação, distribuição e consumo de proteínas animais” (MIOR, 2005, p. 85).
Com relação ao seu alcance espacial da produção de suínos no Oeste catarinense, existe um processo de desterritorialização ao longo do tempo com a progressiva nacionalização e internacionalização das empresas (MIOR, 2005), como pode ser visto na trajetória de crescimento da Sadia e da Perdigão. “Do ponto de vista técnico produtivo existe uma contínua busca por diversificação e sofisticação de produtos, enquanto em relação ao mercado existe uma busca crescente pelo mercado externo, como fonte de dinamismo” (MIOR, 2005, p. 120).
Após esse período de progressiva desterritorialização da produção de carnes, conferese a partir dos anos 1990, um processo de reespacialização da estrutura produtiva da indústria de carnes suínas e de aves na região Sul do Brasil e, sobretudo, no Oeste catarinense (MIOR, 2005). “Por processo de desterritorialização entende-se o progressivo aumento da ocupação de espaços nacionais e, mais recentemente, internacionais, de produção e mercado por parte dessas empresas” (MIOR, 2005, p. 131). O processo de reespacialização faz parte de um movimento mais geral de reposicionamento que está influenciado pela pressão competitiva internacional, de um lado, e pela oportunidade ampliada do mercado externo, de outro (MIOR, 2005).
A estratégia das grandes empresas convencionais foi, e continua sendo, a busca dos mercados globais, e se estruturam visando atender de forma competitiva os mercados consumidores (MIOR, 2005). Dessa forma, interessa às empresas avançar no processo de desenvolvimento tecnológico, rumo à intensificação produtiva, em que o aumento da produtividade é o objetivo maior a ser alcançado. A indústria de carnes suínas se reestruturou assim ao longo das últimas décadas no Oeste de Santa Catarina e, posteriormente, em boa parte do Brasil.

Considerações finais

A região Oeste Catarinense tem sua identidade marcada pela agricultura familiar e pela suinocultura que vem sendo modificada pela dinâmica econômica brasileira e internacional, as quais têm alterado o processo de produção e aumentado a produtividade da atividade, em paralelo ao processo de seletividade dos produtores, promovendo mudanças na dinâmica territorial. O que observamos neste processo é a integração da produção e o seu crescimento, especialmente a partir do desenvolvimento das redes e das tecnologias para a produção.
Trata-se de transformações na organização das redes da suinocultura como uma das principais mudanças ocorridas nas últimas décadas na cadeia produtiva, já que nos primórdios essas redes se organizavam de forma mais simples e envolvendo poucos sujeitos. Dessa forma, conseguimos ainda analisar que, apesar das mudanças na intensidade e na complexidade das redes, além do aumento no número de sujeitos envolvidos na produção, a suinocultura do Oeste catarinense apresenta ainda características que permaneceram intactas ao longo do tempo, ou seja, em nenhum momento a cadeia produtiva da suinocultura foi uma atividade exclusivamente desenvolvida dentro do estabelecimento agropecuário, mas sempre dependeu e continua a depender de outros atores para se produzir e reproduzir, sendo, desde sua gênese, uma produção organizada em redes, com maior ou menor integração de acordo com o processo de integração ao mercado.
Ademais, consideramos a organização em torno da propriedade familiar como uma característica que permaneceu e que desempenha importante papel no desenvolvimento da suinocultura na região em estudo. Apesar desta relevância, no uso da estrutura da mão-de-obra familiar e das bases materiais das unidades de produção, denota-se que a concentração produtiva tem sido forte nos últimos anos, podendo provocar mudanças para além da seletividade dos produtores conforme apontamos.
As redes nos mostram e comprovam que a região Oeste de Santa Catarina é eminentemente agroindustrial. A economia regional, como um todo, depende direta ou indiretamente da produção agrícola, principalmente da agropecuária e da produção de suínos. As redes que se organizam em torno da suinocultura apresentam grande dinamismo e integram, ao mesmo tempo que excluem de seu processo, diferentes atores e territórios.
Diante disso, a modernização da agricultura que ocorreu no Brasil, na segunda metade do século XX, trouxe consigo significativas transformações na organização da atividade suinícola em Santa Catarina. As mudanças nas técnicas de manejo e principalmente na incorporação de tecnologias avançadas possibilitaram uma considerável diminuição na mão de obra ocupada, além do aumento da produção e da produtividade. Entretanto, em paralelo ao aumento da produtividade, se estabeleceu a seletividade de produtores, excluindo os que não tiveram condições de se adequarem ao processo de modernização, o que resultou na exclusão de inúmeros suinocultores da atividade, os quais migraram para outras atividades agrícolas ou acresceram o êxodo rural.
Publicado originalmente na Revista Pantaneira, Pantaneira, V. 23, UFMS, Aquidauana-MS, 2024.

Acesso disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/revpan/article/view/20952 

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COLETTI, Tomé; LINS Hoyêdo Nunes. A suinocultura no vértice das relações entre agroindústria e agricultura familiar no oeste de Santa Catarina. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 32, n. 2, p. 339-360, nov. 2011.

DIAS, Leila Christina. Redes: Emergência e Organização. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA; Roberto Lobato. Geografia: Conceitos e Temas.17ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017.

ESPÍNDOLA, Carlos José. Mudança Técnica na cadeia mercantil de carne suína no Brasil. Cadernos do Núcleo de análises urbanas, v. 5, p. 29-34, 2012.

FONTANA, Attilio. História da minha vida. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1980.

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MIOR, Luiz Carlos. Agricultores Familiares, Agroindústrias e Redes de Desenvolvimento Rural. Chapecó: Argos, 2005. 338p

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Perguntas relacionadas

Para modernizar a agricultura brasileira, o Estado utilizou-se do crédito agrícola, serviços de extensão rural, pesquisa agropecuária e seguro agrícola.

Conforme destaca Plein (2003), o processo de modernização da agricultura do Oeste catarinense pode ser dividido em dois principais períodos. O primeiro entre 1965 a 1985, que é caracterizado pela adoção do pacote tecnológico através de fartos financiamentos, além da crescente integração dos agricultores ao mercado, especificamente via as agroindústrias. O segundo, de 1985 a 1995, que está atrelado à dinâmica global da economia, ocorre a diferenciação da agricultura familiar com a diminuição do crédito, sucessivas crises e a intensificação da concentração produtiva promovido pelas agroindústrias.

Na região, podemos destacar, de acordo com Mior (2010), a existência de pelo menos dois tipos de redes de desenvolvimento atuando de forma simultânea, sendo elas: as redes verticais e as redes horizontais (MIOR, 2010).

As redes horizontais se encontram em um considerável processo de transformação na região Oeste catarinense (MIOR, 2010), pois são consideradas como uma alternativa à organização das redes verticais que acabam submetendo os agricultores familiares nas mãos das grandes agroindústrias, apesar disso, 'é a ação estratégica da agroindústria convencional que acaba influenciando o padrão de desenvolvimento da agroindústria familiar do Oeste catarinense’’ (MIOR, 2010, p. 10).
Autores:
Alisson Bavaresco
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