INTRODUÇÃO
Uma das alternativas para a melhora na produtividade da suinocultura tem sido a utilização de aditivos que são substâncias adicionadas intencionalmente às dietas com o objetivo de conservar, intensificar ou modificar as propriedades químicas dos alimentos, melhorando a qualidade da alimentação, a saúde animal e a qualidade final das carcaças e da carne. Dentre as alternativas está a ractopamina, aditivo beta-adrenérgico que vem sendo utilizado como repartidor de energia em dietas dos suínos em terminação, com o propósito de melhorar a qualidade das carcaças.
Tem-se constatado que dentre os benefícios da utilização de ractopamina estão o aumento da retenção de nitrogênio, aumento da proteína e a redução da gordura das carcaças (ARMSTRONG et al., 2004). Contudo, para a expressão máxima da ractopamina, é necessário realizar ajustes nutricionais da dieta, principalmente de proteína e aminoácidos, devido ao aumento progressivo da necessidade de nutrientes para suportar o aumento da deposição de proteína muscular (JACELA et al., 2009).
Para se avaliar o teor energético da alimentação dos suínos, tem-se a determinação da energia líquida, definida como a diferença entre a energia metabolizável e o incremento calórico, geradas no processo de fermentação e metabolismo dos produtos absorvidos da fermentação/digestão. Obtendo-se a estimativa da energia líquida, a formulação das dietas tornam-se mais precisas em relação às necessidades energéticas, influenciando o desempenho e o padrão de deposição de tecidos na carcaça em suínos. As mudanças na distribuição de energia podem resultar no aumento do ganho diário de peso e melhora da conversão alimentar, bem como redução do consumo de ração diário (MORENO et al., 2008).
As gorduras adicionadas na dieta animal possuem dentre outras funções, o fornecimento de ácidos graxos essenciais e de vitaminas lipossolúveis. Algumas pesquisas demonstram que as gorduras melhoram a utilização da energia e a digestibilidade de outros componentes das rações por interações ainda não conhecidas (PUPA, 2004). Portanto, considerando-se a carência de informações relacionadas as possíveis interações entre ractopamina e energia, realizou-se este estudo com o objetivo de avaliar os efeitos dos níveis de energia líquida, a suplementação de ractopamina e suas interações nas características qualitativas da carne de suínos por meio da avaliação do pH, determinação da cor, da capacidade de retenção de água, da força de cisalhamento e da oxidação.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no setor de suínos, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e na EMBRAPA Gado de Corte, em Campo Grande/MS. Foram utilizados 100 suínos híbridos comerciais, machos castrados, de alto potencial genético, com peso médio inicial de 73,62 ± 4,76kg e peso médio final de 97,31 ± 1,12kg. O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso em esquema fatorial 5x2, composto por cinco níveis de energia líquida (2.300; 2.425; 2.550; 2.675; 2.800kcal/kg de ração) e dois níveis de ractopamina (0 e 10 ppm/kg de ração). O critério de bloqueamento adotado foi o peso inicial dos animais.
As dietas experimentais (Tabela 1) foram preparadas à base de milho e farelo de soja, suplementadas com minerais e vitaminas, sendo formuladas de acordo com Rostagno et al. (2011). A ractopamina foi inclusa nas dietas em substituição ao caulim, na concentração de 10ppm/kg de ração. As rações e água foram fornecidas à vontade aos animais durante todo o período experimental.
O período experimental teve duração de 30 dias. Ao término do período experimental, os animais permaneceram em jejum de sólidos por 8 horas, sendo posteriormente transportados ao frigorífico, onde foram alojados em baias coletivas de espera, com livre acesso a água, por 12 horas. Posteriormente, foram abatidos de acordo com normas vigentes pelo Serviço de Inspeção Municipal. Após a insensibilização, seguiram-se as etapas de sangria, escaldagem, depilação e evisceração. As carcaças foram serradas longitudinalmente ao meio, pela coluna vertebral, dividindo-se em duas metades, e em seguida, realizou-se a lavagem.
Foram retiradas amostras do músculo Longissimus dorsi de uma das meiascarcaças, à altura da 12ª costela, sendo submetidas ao resfriamento lento e posterior congelamento. O descongelamento somente ocorreu nos laboratórios de carnes da EMBRAPA Gado de Corte, em temperatura de refrigeração, para a determinação da cor, da capacidade de retenção de água, do pH, da força de cisalhamento e da oxidação. O desenvolvimento das análises laboratoriais foi em laboratório com ambiente refrigerado.
O pH intramuscular foi determinado em profundidade. A leitura foi realizada em aparelho medidor de pH DMPH – 2 (Digimed, São Paulo) com eletrodo para carnes (modelo DME-CF1), após a calibração do equipamento (pH 4,0 e 7,0). O pH intramuscular e a cor foram avaliados em triplicata antes da realização dos demais testes.
A cor (valores L*, a* e b*) foi avaliada tomando-se seis pontos de leitura sobre o músculo, nas duas faces da amostra, com uso do colorímetro Minolta CR-10 previamente calibrado.
A capacidade de retenção de água foi medida utilizando-se a diferença de peso antes e depois da centrifugação. Pesou-se 1g de amostra, sendo submetido a centrifugação refrigerada (40C) por quatro minutos. Em seguida, foi realizada a pesagem da amostra, sendo submetido à secagem em estufa, por 12 horas. Posteriormente, foi realizada a pesagem da amostra seca, sendo os dados aplicados em uma fórmula. Os resultados foram expressos em porcentagem.
Para avaliação da força de cisalhamento, utilizou-se o texturômetro TA.XT plus (Stable Micro Systems), calibrado para 2,0kg. As amostras foram submetidas ao cozimento (72 a 750C), sendo resfriadas como auxílio de gelo. Posteriormente, as amostras foram refrigeradas a 50C por 12 horas. Três amostras foram retiradas, no formato de paralelepípedos com 1×1×4cm (altura, largura e comprimento, respectivamente), as quais foram colocadas com as fibras orientadas no sentido perpendicular à lâmina, no aparelho, sendo os resultados expressos em kgf/g.
A oxidação foi determinada pesando 10g da amostra, sendo adicionado 25mL de TCA a 75%. A homogeneização foi realizada através de um aparelho denominado STOMACHER, por um minuto. Realizou-se a filtração, sendo destinados 4mL a um tubo de ensaio contendo 1mL de TCA a 7,5% e 5 mL de TBA a 0,02M. O filtrado foi submetido ao aquecimento por 40 minutos, sendo feita a leitura em espectofotômetro a 538nm.
Tabela 1. Composições nutricionais das dietas experimentais
1Conteúdo por quilograma do produto: Vit. A - 1.250.000 UI; Vit. D3 - 250.000 UI; Vit. E - 6.250 UI; Vit. K3 - 750mg; Vit. B1 - 375mg; Vit. B2 - 1.000mg; Vit. B6 - 375mg; Vit. B12 - 4.500mcg; niacina - 4.500mg; Ácido pantotênico - 2.300mg; Ácido fólico - 125mg; ferro - 25g; cobre - 3.750mg; manganês - 12.5g; zinco - 31.25g; iodo - 250mg; selênio - 75mg e excipiente q.s.p. - 1000g. 2Cloridrato de ractopamina na concentração de 10ppm. 3Valores calculados com base na composição nutricional das matérias-primas, conforme Rostagno et al. (2011).
Os resultados foram submetidos à análise de variância utilizando o programa estatístico SAS, considerandose o nível de 5% de significância. Foram avaliados os efeitos entre a suplementação da ractopamina e os ajustes nutricionais da dieta. Posteriormente, efetuou-se o desdobramento das interações e as médias do fator ajuste das dietas foram avaliadas pelo teste F e as médias dos planos de suplementação de ractopamina foram comparadas pelo teste de Tukey, ao nível de 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não se observou (P> 0,05) interação entre os níveis de energia líquida e a suplementação de ractopamina na dieta para as variáveis força de cisalhamento, capacidade de retenção de água, oxidação e pH da carne (Tabela 2).
Não houve efeito (P> 0,05) dos níveis de energia líquida e da ractopamina na força de cisalhamento da carne dos suínos. Os resultados obtidos para a força de cisalhamento, no presente estudo, estão de acordo com os resultados de Agostini et al. (2011), que também não observaram efeito da suplementação de 10 ppm de ractopamina na dieta de suínos machos em terminação sobre essa variável. Porém, essses pesquisadores, como também no presente estudo, verificaram valores de força de cisalhamento superiores aos considerados por Silveira (1997) como valores normais (2,24 a 3,01kgf/g), para a carne suína.
Tabela 2. Níveis de energia líquida em dietas contendo ractopamina para suínos em terminação na força de cisalhamento, capacidade de retenção de água, oxidação e pH
Não foi observado efeito (P> 0,05) dos níveis de energia líquida e da ractopamina na capacidade de retenção de água da carne dos suínos no presente estudo. Considerando-se a variação da capacidade de retenção de água na carne de suínos, pode-se inferir que o valor médio de 45,75%, obtido no presente estudo, pode ser considerado como normal. Essa variável também pode sofrer variações de acordo com o aumento do diâmetro das fibras musculares devido a maior síntese de proteínas ocasionada pela ractopamina. O aumento do conteúdo proteico da carcaça nos suínos eleva os índices de força de cisalhamento, ou seja, ocorre a redução na maciez da carne (ALVES et al., 2005).
Não houve efeito (P> 0,05) dos níveis de energia líquida e ractopamina na oxidação da carne de suínos. São escassos os trabalhos osbervados na literatura relacionados à utilização de ractopamina e a oxidação lipídica. Em geral, valores acima de 1,59mg de malonaldeído/kg de amostra podem causar danos à saúde do consumidor (TERRA et al., 2006). O malonaldeído é um composto formado pela decomposição dos hidroperóxidos lipídicos, e sua concentração é utilizada para avaliar a intensidade da peroxidação lipídica em tecidos.
O processo de oxidação da carne determina a vida de prateleira tanto da matéria-prima como do produto industrializado, sendo que a principal alteração sensorial é o desenvolvimento de odor rançoso (DEGÁSPARI & WASZCZYNKYJ, 2004). Os ácidos graxos insaturados são tidos como componentes altamente instáveis, sendo que a carne suína é mais suscetível à oxidação devido a presença da grande quantidade desses ácidos graxos o que pode comprometer a qualidade da carne in natura e dos produtos processados, resultando em alterações indesejáveis em relação aos aspectos sensoriais.
Os níveis de energia líquida e de ractopamina na dieta não influenciaram (P> 0,05) o pH da carne de suínos. A determinação do pH é a metodologia mais comum e universalmente aceita como indicador da qualidade final da carne. As alterações dessa variável no músculo ocorrem em decorrência das mudanças bioquímicas associadas com a glicólise anaeróbica, levando a maior ou menor produção de lactato nos processos bioquímicos post mortem. O pH das carnes sofre variação entre 5,2 a 7,0. Por sua vez, o pH da carne suína varia entre 5,7 e 5,9, sendo reduzido devido à formação ácida (ORDÓÑEZ, 2005).
A queda do pH abaixo de 5,8 na primeira hora após o abate, concomitante com a temperatura alta do músculo, torna possível a existência de uma carne com característica pálida, flácida e exsudativa. Suas características englobam uma maior palidez, o aparecimento da flacidez e redução na capacidade de retenção de água da carne, tornando a carne exsudativa (MAGANHINI et al., 2007). Por outro lado, Minatti & Sá (2006) citam que a carne seca, firme e escura, possui pH final mais elevado, acima de 6,0, aumentando a capacidade de retenção de água, porém, sua aparência é firme, escura, apresentando a superfície seca. Todavia, o valor médio de 5,67 para o pH da carne, observado no presente estudo, pode ser considerado como valor normal.
Não se observou interação (P> 0,05) entre os níveis de energia líquida e ractopamina sobre a luminosidade, teor de vermelho e teor de amarelo (Tabela 3). Da mesma forma, não houve (P> 0,05) efeito dos níveis de energia líquida e de ractopamina sobre a luminosidade, teor de vermelho e teor de amarelo.
Tabela 3. Níveis de energia líquida em dietas contendo ractopamina para suínos em terminação sobre a luminosidade, o teor de vermelho e o teor de amarelo
A cor é o índice de frescor e qualidade das carnes mensurada de forma subjetiva pelo consumidor, sendo determinada pela mioglobina. A coloração indica a sua concentração e seu estado de oxigenação ou oxidação na superfície do músculo, determinado pela pressão de oxigênio presente no meio e, minoritariamente, por entidades oxidantes como radicais livres. Os radicais livres são produzidos pela oxidação dos lipídeos presentes na carne. Assim, estratégias que minimizem a formação de radicais livres podem melhorar a coloração da carne (LIMA JUNIOR et al., 2011).
Além disso, tem-se constatado que a perda da cor da carne pode estar relacionada com a oxidação de vitaminas e proteínas, que podem diminuir o valor nutritivo da carne e que estão relacionados as alterações que ocorrem nas fibras musculares (CHANG et al., 2003). Algumas pesquisas têm avaliado a importância desses grupamentos presentes na carne como catalizadores de processos oxidativos de lipídeos (FAUSTMAN et al., 2010).
Valores de L* entre 49 e 60, são considerados dentro do padão de qualidade da carne suína, pela American Meat Science Association (AMSA, 2001). Para Ramos & Gomide (2007), esses valores se situam entre 45 e 53. O valor médio de 47,23 obtido no presente estudo está dentro dos valores normais. Valores de vermelho (a*) para a carne de suínos situam-se entre 5,50 a 5,94 (SILVEIRA, 1997). Entretanto, o valor médio de 6,95 observado no presente estudo foi superior. Em relação ao valor médio de amarelo (b*) de 14.89 obtido no presente estudo, está acima daqueles citados por Silveira (1997), cujos valores variam de 5,80 a 6,53. Uma provável hipótese para os valores elevados de amarelo (b*) observados no presente estudo podem estar relacionados ao aumento de pigmentos carotenóides depositados na gordura dos animais (GARBOSSA et al., 2013). Dessa forma, pode-se concluir que níveis de energia líquida entre 2.300 e 2.800kcal/kg de dieta e níveis de 10 ppm de ractopamina não alteram a força de cisalhamento, a capacidade de retenção de água, a oxidação, o pH e a coloração da carne de suínos.
Esse artigo foi originalmente publicado em Rev. Bras. Saúde Prod. Anim., Salvador, v.15, n.2, p.484-492 abr./jun., 2014 http://www.rbspa.ufba.br ISSN 1519 9940 | https://www.scielo.br/j/rbspa/a/YJKL4ZTPLnf4nTN7GttGKxF/?format=pdf&lang=pt. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.