Introdução
No manejo pré-abate os suínos são submetidos a situações que podem promo-ver estresse motor, térmico, mecânico, hídrico, digestivo e emocional e esse é resultado do medo provocado por situações desconhecidas. A síndrome do medo promo-ve a liberação de epinefrina e norepinefrina. A epinefrina contribui principalmente para a degradação do glicogênio armazenado no fí-gado e nos músculos, promovendo um incre-mento na concentração de glicose sangüínea e de ácido láctico. Se o animal é abatido nesse momento, ocorre aumento na veloci-dade de queda do pH post mortem, prejudi-cando desta maneira a qualidade da carne. Assim, o tempo de jejum, a que os suínos são submetidos no manejo pré-abate, ao promover a redução do nível de glicogênio do fígado e dos músculos tem papel funda-mental na qualidade da carne.
O jejum pré-abate é caracterizado pela retirada de alimento sólido (ração) por um determinado número de horas. Entretanto, os animais devem ter livre acesso a água de boa qualidade. Esta prática é de grande importância para o criador de suínos e para os abatedouros, pois através da redução da temperatura corporal, das reservas de glico-gênio, da taxa metabólica e do conteúdo estomacal, pode contribuir para o bem-estar, a redução da taxa de mortalidade, aumento da segurança dos alimentos, maior velocida-de e facilidade no processo de evisceração dos animais, redução do volume de dejetos que chega no frigorífico e uniformização das carcaças.
No manejo pré-abate, os suínos são submetidos a estresse devido ao embarque, transporte e desembarque no frigorífico o que pode promover uma elevação dos níveis sangüíneos e musculares de ácido láctico, elevação da temperatura corporal e acelera-ção da taxa metabólica. Assim, esses animais precisam eliminar o excesso de ácido láctico acumulado nos músculos e restabe-lecer o seu equilíbrio homeostático, o qual somente pode ser alcançado com adoção de períodos de descanso adequados. Portanto, o período de descanso no frigorífico é funda-mental para que esses animais se recuperem do estresse ao qual foram expostos.
A mistura de lotes durante o manejo pré-abate é uma prática freqüente e tem por objetivo obter lotes homogêneos (peso e nú-mero de animais) para serem transportados no mesmo box da carroceria. Esse procedi-mento promove alterações na hierarquia so-cial do grupo de animais, que induz a um incremento nos níveis de agressões (brigas) e elevação nos níveis de epinefrina, podendo resultar em mortes, lesões nas carcaças e prejuízo ao bem-estar e qualidade da carne. Se a mistura de lotes for inevitável, esta dever ser realizada no embarque, pois os suínos tendem a brigar menos durante o transporte e tem mais tempo para descanso no frigorífico após as brigas.
O embarque dos suínos pode ser consi-derado como um dos pontos críticos do ma-nejo pré-abate, em função da forte interação homem-animal e da mudança brusca de am-biente (retirada dos animais da baia e embarque), e essa interação pode ser maior quando as propriedades não possuem mão-de-obra qualificada, equipamentos apropria-dos (tábua de manejo, embarcadores) e modelos de carrocerias adequados. Os mo-delos de carrocerias disponíveis para o trans-porte de suínos podem causar prejuízo ao bem-estar e a qualidade da carne. Essas carrocerias são construídas com diferentes materiais (madeira, metálica), tipos de pisos (madeira, metálico e borracha), número de pisos (simples, duplo ou triplo) e sistema de embarque (rampa, piso e plataforma hidráuli-ca) que podem facilitar ou dificultar o embar-que, afetando o bem estar dos suínos e dos responsáveis por esta atividade e a qualida-de da carne.
O presente trabalho teve como obje-tivo estudar os efeitos do tempo de jejum na granja, do período de descanso no frigorífi-co, da mistura de lotes, do modelo de carro-ceria e posição do box dentro da carroceria sobre alguns indicadores de estresse e do metabolismo em suínos.
Material e Métodos
No presente estudo realizaram-se qua-tro experimentos:
1. Tempo de jejum na granja: os suínos foram submetidos a jejum de 9, 12, 15 ou 18 horas;
2. Período de descanso dos suínos no frigo-rífico: os suínos desse experimento fica-ram em descanso no frigorífico por 3, 5, 7 ou 9 horas;
3. Mistura de lotes: os suínos foram mistu-rados na granja e no frigorífico, somente na granja, somente no frigorífico ou não foram misturados;
4. Os suínos foram transportados em três modelos de carrocerias: Simples de ma-deira e simples ou dupla metálicas mode-los TRIEL-HT.
O tempo de jejum na granja nos experi-mentos 2, 3 e 4 foi de 12 horas. O tempo de descanso no frigorífico nos experimentos 1, 3 e 4 foi de 3 horas. Nos experimentos 1, 2 e 4 os suínos não foram misturados e nos experimentos 1, 2 e 3 o transporte foi feito em carroceria metálica dupla modelo TRIEL-HT.
Foram utilizadas 378 fêmeas oriundas de cruzamentos industriais com peso vivo médio de 131,00 ± 11,25 kg e um período de alojamento médio de 144 dias, para as fases de crescimento e terminação. As gran-jas tinham capacidade média para alojar 550 suínos. Os suínos eram alojados em baias coletivas, com capacidade média de 10 ani-mais/baia.
No frigorífico os suínos foram desem-barcados com o auxílio de uma plataforma móvel, conduzidos até as baias de descanso coletivas, com acesso à água, mantendo-se os grupos originais. No deslocamento dos suínos (embarque e desembarque) não foram utilizados choques elétricos, sendo que os animais foram conduzidos com o auxílio de tábua de manejo.
No abate, foram coletadas amostras de sangue de 16 suínos/tratamento, nos experi-mentos 1 e 2, 32 suínos/tratamento no
experimento 3 e 40 suínos/tratamento no experimento 4, para análise das concentra-ções de Creatina-Fosfo-Quinase (CPK-méto-do enzimático - Kit Wiener CK-NAC, Labora-tório Wiener), ácido láctico (pelo método enzimático - Kit Rolsgreiner) e glicose (pelo método enzimático - Kit Ebram-70-05-Labo-ratório Ebram).
Os dados referentes à concentração sangüínea de lactato e CPK foram transfor-mados para o logaritmo natural (LN) e na análise da variância das três variáveis dos experimentos 1 e 2 foi utilizado o modelo estatístico onde foram incluídos os efeitos de bloco (estação do ano - inverno e verão), do manejo (tempo de jejum dos suínos na granja antes do embarque ou período de descanso dos suínos no frigorífico) e da posição do animal na carroceira (frente, meio e atrás), piso da carroceria (inferior e supe-rior), lado da carroceria (direito e esquerdo) e da interação entre bloco e manejo. No estu-do 3, foram incluídos os efeitos de estação do ano (inverno e verão), granja dentro de estação do ano, manejo (mistura de lotes), da posição do animal na carroceria (frente, meio e atrás), piso da carroceria (inferior e superior), lado da carroceria (direito e es-querdo) e da interação entre estação do ano e manejo. No experimento 4, foram incluídos os efeitos de modelos de carroceria (simples de madeira ou metálicas modelos TRIEL-HT simples ou dupla), estação do ano (inverno e verão), condições das estradas (boa e ruim) e das interações entre as fontes de variação estudas.
Resultados e Discussão
A CPK é uma enzima intracelular cuja presença nos fluidos extracelulares indica danos às paredes celulares dos tecidos mus-culares. No músculo esquelético os danos às paredes celulares podem ser causados, entre outros fatores, por baixo pH resultante de estresse e/ou exercício físico. O exercício físico e a liberação de adrenalina, presentes no período pré-abate, estimulam a degrada-ção de glicogênio muscular e hepático, contribuindo para uma elevação dos níveis de glicose sangüínea. Além disto, o exercício físico intenso em animais de vida sedentária induz ao metabolismo anaeróbico da glicose, produzindo grandes quantidades de ácido láctico em curtos períodos de tempo, o qual acumula-se nos músculos e no sangue, cau-sando redução do pH proporcional à intensi-dade do esforço. Desta forma, os níveis san-güíneos de CPK, glicose e ácido láctico podem servir como indicadores do grau de estresse e/ou esforço físico a que o animal é submetido no manejo pré-abate.
Neste estudo, os mecanismos de regu-lação metabólica foram suficientes para manter os níveis de glicose sangüíneos simi-lares independente do tempo de jejum utili-zado (Tabela 1). Da mesma forma, os níveis de CPK e de lactato não foram afetados, pois os mesmos são dependentes principal-mente de estresse agudo e exercício físico e não de estresse crônico como o causado pelo jejum.
Com relação ao período de descanso no frigorífico, a única variável afetada foi o nível de lactato, o qual foi superior com 5 e 7 horas de descanso do que com 3 e 9 horas (Tabela 2). A significância biológica deste resultado é de difícil definição, uma vez que não houve mistura de lotes em ne-nhum momento. Além disto, mesmo no menor tempo de descanso (3 horas) havia tempo suficiente para que o lactato poten-cialmente produzido durante o carregamen-to, transporte e descarregamento fosse me-tabolizado e os níveis sangüíneos reduzidos aos valores basais ou próximo deles.
A posição dos animais dentro da carro-ceria teve pouca influência sobre as variá-veis avaliadas (Tabelas 1, 2 e 3). Exceto pelo efeito do tipo de piso sobre os níveis de glicose no experimento 1 e o efeito da posição do box (frente, meio ou atrás) sobre os níveis de CPK no experimento 3, não houveram outros efeitos significativos. A diferença entre os níveis de glicose entre os animais do piso superior e inferior, apesar de significativa, foi de baixa magnitude e prova-velmente de baixa significância biológica. Estes dados revelam pouca consistência do efeito da posição dos animais dentro do caminhão sobre estes indicadores de estres-se e do metabolismo, e indicam que o grau de esforço/estresse foi similar independente da posição dos animais na carroceria.
Com relação à mistura de lotes, obser-vou-se que a mistura na granja e no frigorífico ou somente na granja causou uma ele-vação nos níveis de CPK sangüíneo compa-rado com a mistura somente no frigorífico ou a não mistura, evidenciando o efeito das interações agressivas causadas pela mistura de animais (Tabela 3). É provável que o mês-mo tenha ocorrido com os animais mistu-rados somente no frigorífico, mas como o tempo necessário para elevação dos níveis de CPK no sangue após o início da aplicação do estímulo é de aproximadamente 3 a 6 horas, pode não ter havido tempo suficiente para detecção de uma elevação nos níveis de CPK com 3 horas de descanso.
Os animais apresentaram maiores níveis de glicose (experimento 4), lactato (experimento 3) e CPK (experimentos 3 e 4) no inverno do que no verão (Tabelas 3 e 4). Como houve um efeito de granja dentro de estação do ano para CPK, é provável que este efeito esteja mais relacionado com o manejo aplicado aos animais provenientes destas granjas do que com as condições climáticas, com um manejo mais agressivo sobre os animais das granjas A e B, avalia-das no inverno.
Os níveis de glicose sangüínea também foram influenciados pelo modelo de carroce-ria e pela condição das estradas, onde os animais transportados com a carroceria Triel-HT simples e os transportados em estrada ruim apresentaram menores níveis de glicose (Tabela 4). Não houve efeito sobre os níveis de lactato e CPK. Era esperado um efeito contrário sobre os níveis de glicose, uma vez que os animais transportados em carroceria dupla e em estradas com boas condições teriam, teoricamente, mais conforto durante o transporte.
Conclusões e Considerações Finais
O aumento do tempo de jejum de 9 para 18 horas e do período de descanso dos animais no frigorífico de 3 para 9 horas não afetou os indicadores de estresse e de meta-bolismo avaliados.
A mistura de lotes alterou os níveis de CPK, indicando que as interações agressivas resultantes desta prática resultam em estres-se, embora os indicadores do metabolismo não tenham sido afetados.
Embora as alterações nos níveis san-güíneos de glicose, lactato e CPK com a es-tação do ano indiquem um maior nível de estresse no inverno, provavelmente este efeito esteja mais relacionado a um efeito de granja do que às condições climáticas.
O efeito da posição dos animais dentro da carroceria, do modelo de carroceria e da condição das estradas foi inconsistente quanto ao nível de ocorrência de estresse ou alteração do metabolismo considerando-se as variáveis avaliadas.
Como o objetivo de se minizar os problemas de estresse durante o manejo pré-abate dos suínos, recomenda-se que durante essa etapa da produção os mesmos não se-jam misturados.
Tabela 1 - Efeito do tempo de jejum na granja antes do carregamento e da posição dos suínos dentro da carroceria, sobre os níveis sangüíneos de glicose, CPK e lactato no momento do abate
Na coluna, para cada grupo de fatores de variação, as médias seguidas de letras distintas, diferem significativamente pelo teste T (p< 0,05).
Tabela 2 - Efeito do período de descanso no frigorífico e da posição dos suínos dentro da carroceria, sobre os níveis sangüíneos de glicose, CPK e lactato no momento do abate
Na coluna, para cada grupo de fatores de variação, as médias seguidas de letras distintas, diferem significativamente pelo teste T (p< 0,05).
Tabela 3 - Efeito da estação do ano, granja dentro de estação do ano, mistura de lotes e posição dentro da carroceria sobre os níveis sangüíneos de glicose, CPK e lactato no momento do abate
Na coluna, para cada grupo de fatores de variação, as médias seguidas de letras distintas, diferem significativamente pelo teste T (p< 0,05).
Tabela 4 - Efeito do modelo de carroceria, estação do ano, condições das estradas e posição dos suínos dentro da carroceria sobre os níveis sangüíneos de glicose, CPK e lactato no momento do abate
Na coluna, para cada grupo de fatores de variação, as médias seguidas de letras distintas, diferem significativamente pelo teste T (p< 0,05).