Introdução
As interações entre nutrição e reprodução têm sido estudadas por muitos anos e em várias espécies animais e há evidências de que a função reprodutiva poderá ser prejudicada sem uma nutrição adequada. E a razão para isto é que quando ocorre a assimilação de energia e nutrientes após a digestão de alimentos, existem determinadas funções no organismo que devem ser supridas primeiro (e.g. manutenção celular, termorregulação e locomoção). Após o suprimento destas funções, o restante dos nutrientes e energia serão, então, direcionados para as funções de menor prioridade para o organismo (e.g. crescimento, reprodução). Portanto, quando a disponibilidade de alimentos é baixa ou quando a demanda energética é elevada e não acompanhada por um aumento compensatório da ingestão de calorias, a fertilidade poderá ser diminuída em mamíferos, incluindo os humanos.
A infertilidade nutricional é comum particularmente em fêmeas, devido às grandes demandas energéticas de um ciclo reprodutivo completo de ovulação, concepção, gestação e lactação. Isto é verdadeiro especialmente para aquelas espécies que criam ninhadas. Como em todo o sistema de produção animal eficiência reprodutiva é uma importante meta econômica, pesquisas têm sido feitas para se entender as interações entre nutrição e reprodução e, consequentemente, melhorar a fertilidade. As marrãs são um componente importante no plantel de reprodução, sendo fundamental o aprimoramento da fertilidade nestes animais, principalmente quanto a genética, nutrição e práticas de manejo. É importante salientar que um manejo ineficiente do plantel de marrãs pode contribuir com cerca de 30% ou mais do número de dias não produtivos em muitas granjas. No entanto, este fato é freqüentemente ignorado. Desta forma, o objetivo desta apresentação é discutir pesquisas que têm contribuído para se entender os mecanismos mediadores dos efeitos nutricionais no momento da cobertura sobre a fertilidade de marrãs.
Estudos desenvolvidos em marrãs pré-púberes
Estudos recentes em marrãs pré-púberes objetivaram o desenvolvimento de um modelo experimental no qual períodos de mudanças na nutrição e estado metabólico relativamente curtos afetariam o eixo reprodutivo, na ausência de maiores alterações na composição corporal. Booth et al. (1996) demonstraram que sete dias de restrição alimentar a níveis de exigência para manutenção inibiram, quase que totalmente, a secreção de LH, mas sem maiores impactos sobre a secreção de FSH. O retorno à alimentação à vontade resultou na imediata restauração da secreção de LH e, após sete dias de alimentação à vontade, aumentou o desenvolvimento folicular ovariano. As mudanças metabólicas que mediaram estes efeitos nutricionais, certamente envolveram mudanças imediatas nos níveis de insulina.
Portanto, estes dados mostram claramente efeitos do consumo de alimento sobre o controle central de secreção de LH. Baseados nos estudos de Cox e colaboradores (1987) em marrãs cíclicas, Cosgrove et. al (1992) desenvolveu um modelo em marrãs submetidas a restrição alimentar para se determinar efeitos gonadotrofinaindependentes a nível ovariano, através do bloqueio da resposta de LH à alimentação à vontade com progestágeno oral Regumate (alil trembolona). Apesar da ausência de resposta de LH à alimentação à vontade, um desenvolvimento folicular significativo foi verificado. Isto indica que, como em outras espécies, mudanças na sensibilidade ovariana à estimulação gonadotrófica pode ser um componente importante da resposta reprodutiva a mudanças no estado metabólico.
Finalmente, a resposta reprodutiva a mudanças nutricionais pode envolver alterações na secreção e metabolização de hormônios esteróides ovarianos. Como os hormônios esteróides exercem um feedback negativo importante sobre a secreção de gonadotrofinas, um aumento no consumo de ração pode resultar indiretamente num aumento de secreção de LH e FSH, através da redução da atividade negativa dos hormônios no cérebro. Além disso, em situações onde os hormônios esteróides produzem efeitos positivos (e.g. progesterona no início da gestação), consumo elevado de ração e portanto, metabolização dos hormônios esteróides, pode ter efeitos deletérios.
Estudos em marrãs cíclicas
O estudo de Armstrong e Britt (1987) foi de extrema importância para o estabelecimento de alguns conceitos sobre os mecanismos mediadores das interações entre nutrição e reprodução. Estes autores relataram a supressão da atividade reprodutiva e mudanças endócrinas associadas em marrãs cíclicas submetidas a restrição alimentar severa, chegando ao ponto destes animais se tornarem acíclicos. Eles, então, monitoraram o retorno à atividade cíclica através do aumento do consumo de ração.
Este fato forneceu evidências marcantes do papel dos fatores metabólicos como mediadores dos efeitos nutricionais sobre a secreção de gonadotrofinas e sobre a resposta ovariana às gonadotrofinas. Posteriormente, Cox e colaboradores (1987) usaram marrãs cíclicas tratadas com progestágenos e marrãs diabéticas como excelentes modelos experimentais para descrever os efeitos de insulina e outros hormônios metabólicos como reguladores da função ovariana. Estudos recentes desenvolvidos em porcas lactantes primíparas (Zak et al., 1997) investigaram períodos críticos no ciclo estral onde efeitos nutricionais afetariam a fertilidade. Neste modelo experimental, procurou-se estudar os efeitos da nutrição no início e meio da fase de crescimento folicular sobre a fertilidade, em comparação com os estudos mencionados anteriormente nos quais a manipulação da nutrição e estado metabólico ocorreu no período tardio de crescimento folicular, próximo à ovulação.
Os resultados destes estudos sugeriram que alterações sofridas pelos folículos no início de seu desenvolvimento poderiam ter conseqüências duradouras sobre a fertilidade. Posteriormente, estudos realizados por Almeida et al. (2000) procuraram estabelecer um modelo experimental, tomando como base os estudos de Zak et al. (1997) em porcas primíparas, para se estudar as interações entre nutrição e reprodução em marrãs cíclicas. Neste estudo, marrãs de mesma leitegada foram agrupadas segundo taxa de crescimento e submetidas a três padrões diferentes de consumo de ração durante o ciclo estral (Figura 1).
Figura 1. Desenho experimental do modelo de marrã cíclica de Almeida et al.(2000).
Um grupo de marrãs (HH) foi alimentado com 2.8 x requerimento energético para manutenção (em torno de 5% abaixo do seu consumo voluntário de ração) ao longo do ciclo estral. Para comparação, suas irmãs foram restritas a 2.1 x manutenção do dia 1 ao 7 (RH) ou do dia 8 ao 15 (HR) do ciclo. Os três grupos foram alimentados com 2.8 x manutenção do dia 16 até a cobertura, sendo o arraçoamento reduzido para 1.5 x manutenção até dia 28 de gestação, quando os animais foram sacrificados. Amostras de sangue para análise de progesterona foram coletadas 36, 48, 72, e 96 h após o início do cio. Os resultados deste estudo estão mostrados na Tabela 1.
Tabela 1. Características reprodutivas aos 28 dias de gestação e níveis de progesterona plasmática 48 e 72 horas após o início do cio em marrãs cíclicas submetidas a diferentes regimes alilmentares antes da cobertura (LSM ± SEM).
Como demonstrado nos estudos de Zak et al. (1997) em porcas lactantes, o período médio da fase de crescimento folicular (ocorrendo nos dias 8 a 15, e equivalente à última semana antes da desmama em porcas lactantes) é mais vulnerável à redução do consumo de ração que estágios mais precoces de desenvolvimento folicular (dias 1 a 7, e equivalente ao início da lactação).
Em um estudo subsequente (Almeida et al., 2001), as mudanças metabólicas e endócrinas associadas com os dois padrões de restrição alimentar (HR e RH) foram estudadas novamente. Além disso, baseados nos dados de Cox et al. (1987) mencionados anteriormente, a habilidade de insulina para superar os efeitos negativos causados pela restrição alimentar do dia 8 a 15 do ciclo nas marrãs HR foi investigada (HR+I; Figura 2). Estudos endócrinos detalhados foram conduzidos em um sub-grupo de marrãs de cada tratamento no último dia do tratamento experimental (dia 15) e no dia seguinte (dia 16). O estado endócrino destas marrãs foi também monitorado durante o período do estro.
Figura 2.Desenho experimental do modelo com marrã cíclica revisado, no qual um grupo de marrãs foi injetado com insulina de longa duração na fase lútea tardia durante restrição alimentar. As análises hormonais revelaram que não houve mudanças na secreção de gonadotrofinas, hormônios esteróides (estrógeno e progesterona) ou nos hormônios metabólicos insulina, IGF-1, tri-iodotironina livre e total e leptina nas marrãs HR comparadas às suas irmãs RH no dia 15 do ciclo. Como era esperado, as marrãs HR+I, tratadas com insulina durante a restrição alimentar do dia 8 ao dia 15, apresentar elevados níveis plasmáticos de insulina e baixos níveis sangüíneos de glicose durante o tratamento. Entretanto, seu estado metabólico não se diferenciou das marrãs RH e HR no dia 16, o primeiro dia em que todas as marrãs receberam o nível elevado de arraçoamento, e nenhum outro tratamento. Efeitos duradouros do tratamento foram, no entanto, estabelecidos no período de peri-estro (Figura 3).
Comparadas com as marrãs RH, a restrição alimentar no grupo HR na fase lútea tardia do ciclo estral parece ter afetado a maturação folicular, resultando em um menor aumento no estradiol plasmático durante a fase folicular tardia. Por sua vez, isto parece ter resultado na redução da amplitude do surgimento do LH pré-ovulatório, e na elevação mais lenta de progesterona plasmática após a ovulação. Todos os três efeitos negativos da restrição alimentar na fase lútea tardia do ciclo nas marrãs HR foram recuperados pelo tratamento com insulina nas marrãs HR+I.
Em um estudo complementar, Mao e colaboradores (2001) demonstraram que as diferenças nas concentrações plasmáticas de progesterona após a ovulação entre os tratamentos foram devidas a diferenças na função lútea, medidas através da produção de progesterona por tecido luteal in vitro e pela expressão de genes que codificam enzimas chaves que controlam a esteroidogênese. Portanto, estes resultados evidenciaram que mesmo restrições modestas de ração em estágios críticos do desenvolvimento folicular podem ter implicações duradouras para a função reprodutiva. Eles também ajudam a definir este período crítico, e explicam o por quê da prática do “flushing” deve cobrir o período de 10 a 12 dias antes da cobertura para assegurar que os benefícios do “flushing” sejam atingidos.
Figura 3. Perfis hormonais no peri-estro das marrãs de acordo com o tratamento, mostrando diferenças significativas em a,b amplitude de elevação de estradiol plasmático no proestro, c,d amplitude do surgimento do LH préovulatório e g,h FSH, e e,f na elevação de progesterona plasmática após a ovulação.
Além dos efeitos que nutrição e estado metabólico podem ter sobre a função endócrina dos folículos pre-ovulatórios em desenvolvimento e do corpo lúteo resultante, há também a possibilidade de se afetar a qualidade do oócito em processo de maturação dentro do folículo pre-ovulatório. Até o momento, temos somente evidências indiretas que suportam esta sugestão em marrãs cíclicas, porém evidências concretas obtidas em estudos com porcas lactantes e desmamadas são apresentadas na revisão de Foxcroft (1997).
Portanto, nutrição poderá afetar a fertilidade subsequente através de seus efeitos sobre a qualidade do folículo em maturação. Por sua vez, isto poderá afetar tanto mudanças hormonais críticas no momento da ovulação e no início da gestação, e a capacidade do oócito de ser fertilizado e se desenvolver normalmente. Esta seqüência de eventos está representada na Figura 4.
Figura 4. Resumo da seqüência de eventos que mediam os efeitos da nutrição prévia sobre a fertilidade subsequente. Baseado em dados de Almeida et al. (2000) e apresentação da tese de Almeida (2000).
Considerações práticas para o período pré-cobertura
Do ponto de vista prático, os estudos com restrição alimentar por curtos períodos e o retorno a elevados níveis de arraçoamento demonstram que as respostas ao consumo de ração e estado metabólico podem ser muito rápidas. Portanto, efeitos importantes sobre a reprodução podem ocorrer em algumas horas ou dias após as mudanças no manejo alimentar. Além disso, mecanismos a longo prazo também existem, podendo ter uma importância particular sobre a sensibilidade ovariana e o número de folículos que eventualmente irão ovular. Ambas as respostas podem ser contornadas com o uso da estratégia de elevado consumo de ração (“flushing”) no período que antecede a cobertura para maximizar a taxa de ovulação e o potencial de tamanho da leitegada. Como enfatizado no estudo de Beltranena et al. (1991), “flushing” assegura que marrã e porcas porcas expressem seu potencial de taxa de ovulação; não se trata de resposta superovulatória. Concluindo, por pelo menos 10 dias antes da cobertura de marrãs e porcas, elas deverão ser alimentadas à vontade e deverão estar atingindo consumos elevados de ração para assegurar fertilidade máxima. É imprescindível evitar práticas de manejo que previnam isto. Por exemplo, mistura de lotes de marrãs e porcas em curto período antes da cobertura poderá resultar em brigas e uma queda significativa no consumo de ração nos animais mais submissos.
Literatura Citada
ALMEIDA F.R.C.L. 2000. Nutrition reproduction interactions in cyclic gilts. Ph.D. Thesis. University of Alberta, Edmonton, Canada. ALMEIDA F.R.C.L., R.N. KIRKWOOD, F.X. AHERNE and G.R. FOXCROFT. 2000. Consequences of different patterns of feed intake during the estrous cycle in gilts on subsequent fertility. J. Anim. Sci. 78:1556-1563. ALMEIDA F.R.C.L., J. MAO, S. NOVAK, J.R. COSGROVE and GR.R. FOXCROFT. 2001. Effects of different patterns of feed restriction and insulin treatment during the late luteal phase on metabolic, reproductive and endocrine parameters in cyclic gilts. J. Anim. Sci. 79:200-212. ARMSTRONG, J.D. and J.H. BRITT. 1987. Nutritionally-induced anestrus in gilts: metabolic and endocrine changes associated with cessation and resumption of estrous cycle. J. Anim. Sci. 65:508-523. BELTRANENA, E., G.R. FOXCROFT, F.X. AHERNE and R.N. KIRKWOOD. 1991. Endocrinology of nutritional flushing in gilts. Can. J. Anim. Sci. 71:1063-1071. BOOTH, P.J., J.R. COSGROVE, and G.R. FOXCROFT. 1996. Endocrine and metabolic responses to realimentation in feed-restricted prepubertal gilts: association among gonadotropins, metabolic hormones, glucose, and uteroovarian development. J. Anim. Sci. 74:840-848. COSGROVE, J.R., J.E. TILTON, M.G. HUNTER, and G.R. FOXCROFT. 1992. Gonadotropic-independent mechanisms participate in ovarian responses to realimentation in feed-restricted prepubertal gilts. Biol. Reprod. 47:739-745. COX, N.M., M.J. STUART, T.G. ALTHEN, W.A. BENNET, and H.W. MILLER. 1987. Enhancement of ovulation rate in gilts by increasing dietary energy and administering insulin during follicular growth. J. Anim. Sci. 64:507-516. FOXCROFT, G.R. 1997. Mechanisms mediating nutritional effects on embryonic survival in pigs. J. Reprod. Fertil. Suppl. 52:47-61. MAO, J., B.K. TREACEY, F.R.C.L. ALMEIDA, S. NOVAK, W.T. DIXON and G.R. FOXCROFT. 2001. Feed restriction and insulin treatment affect subsequent luteal function in the immediate post-ovulatory period iin pigs: Progesterone production in vitro and messenger ribonucleic acid expression for key steroidogenic enzymes. Biol. Reprod. 64:359-367. ZAK L.J., J.R. COSGROVE, F.X. AHERNE, and G.R. FOXCROFT. 1997. Pattern of feed intake and associated metabolic and endocrine changes differentially affect postweaning fertility in primiparous lactating sows. J. Anim. Sci. 75:208-216.