Mecanismos para controlar fatores de risco que impedem a obtenção de doses de sêmen de alta qualidade
IntroduçãoUm dos principais objetivos da Central de Inseminação Artificial (CIA) é produzir doses de sêmen de alta qualidade através da combinação de um manejo adequado, da manipulação do sêmen e dos aspectos que envolvem o bem estar do reprodutor, incluindo condições sanitárias ideais.
O ejaculado do reprodutor suíno sofre a ação de vários fatores externos ou ambientais e endógenos (associado ao próprio reprodutor) que interagem e interferem na produção espermática.
A queda da qualidade da dose inseminante somente é reconhecida no final do procedimento, momento em que se avalia a motilidade após a diluição do sêmen, dificultando, portanto, o diagnóstico preciso da causa do problema. A análise dessa causa é via de regra uma averiguação retrospectiva, necessitando de uma anamnese (questionamento clínico com vistas ao diagnóstico) bem conduzida e avaliação do histórico da CIA. Dessa maneira, a má qualidade da dose de sêmen freqüentemente volta-se principalmente para o diluente utilizado, sem avaliar todos os fatores de risco envolvidos.
O objetivo deste artigo é alertar sobre os principais fatores que interferem na qualidade da dose inseminante final e discutir possíveis mecanismos de controle destes fatores de risco.
Fatores externos que afetam a qualidade da dose inseminante
Os fatores de importância que acabam interferindo no ejaculado são:
Temperatura - é um fator que exerce grande influência no ejaculado, manifestando-se nos meses quentes onde a temperatura afasta-se da zona de conforto térmico ou termoneutralidade. Há uma correlação positiva entre o aumento da temperatura e o aumento de alterações morfológicas (patologias), além da diminuição da concentração. O cachaço apresenta uma zona de termoneutralidade que varia de 10°C a 18°C, sendo que quanto mais distante dos limites de temperaturas (tanto inferior quanto superior) menor será a qualidade e a produção (quantidade) do ejaculado;
Nutrição - existem poucas informações do real requerimento nutricional do cachaço, sendo extrapolado em muitas vezes o requerimento de uma fêmea em gestação para o macho. Deve-se disponibilizar uma dieta composta de matérias-primas de excelente qualidade, livres de micotoxinas e com níveis balanceados de vitaminas, minerais, aminoácidos de forma a otimizar o comportamento sexual do reprodutor, a produção e a viabilidade espermática, além da capacidade de fertilização das células espermáticas. Na elaboração da dieta dos reprodutores devem ser levados em consideração a idade do reprodutor, a genética, o peso corporal, as características de alojamento e a freqüência de colheita de sêmen. Alguns cuidados devem ser tomados ao se armazenar as rações, pois devido ao nosso clima tropical muitos ingredientes podem sofrer alterações como por exemplo as vitaminas lipossolúveis (vitamina A, D, E e K) que são sensíveis à ação da luz UV e da umidade;
Enfermidades - lesões no casco, reações vacinais com elevação de temperatura corporal, utilização de alguns antibióticos injetáveis e/ou via ração, antiinflamatórios, utilização de endo e ectoparasiticidas poderão acarretar aumento no percentual de células espermáticas anormais, com queda na resistência do sêmen após diluição;
Alojamentos - é essencial que as baias apresentem metragem apropriada por animal (6 a 9 m2/animal), limpas, elementos vazados, bem ventiladas, água de boa qualidade e pisos não-abrasivos. Estas baias poderão ser providas de lamina d'água, aumentando o conforto térmico dos animais nos meses mais quentes do ano, evitando, assim, o estresse calórico prejudicial ao processo de espermatogênese.
Freqüência de colheita de sêmen - está diretamente relacionada com a formação e a maturação das células espermáticas. O número de espermatozóides tende a diminuir à medida que se reduz o intervalo entre colheitas num determinado período. O ideal é que os reprodutores de até 1,5 ano sejam coletados uma vez por semana, acima desta idade recomenda-se colheitas com intervalo mínimo de 5 dias.
Figura 1 - Colheita de sêmen pela "técnica da mão enluvada". Foto: LPS-FMVZ-USP.
Colheita de sêmen - é um fator que pode comprometer a qualidade do ejaculado se realizada de maneira inadequada, principalmente à falta de higiene. Deve-se levar em consideração alguns pontos críticos como o "esgotamento" e a limpeza do prepúcio com água de boa qualidade e a secagem antes da colheita, o técnico deve usar luvas apropriadas descartáveis (preferencialmente de silicone) e realizar a colheita através da "técnica da mão enluvada" (Figura 1). Evitar o trânsito do funcionário da área de colheita para a sala de análise do sêmen. Desprezar as primeiras frações do ejaculado, evitar o contato do sêmen com substâncias espermicidas como a água, a urina, a secreção prepucial ou o sangue. Utilizar copos térmicos para a colheita, de modo a manter a temperatura constante durante todo o procedimento, manter a sala de colheita sempre limpa e desinfetada;
Refrigerador - deverá manter a temperatura entre 15°C a 18°C, devendo ser monitorado pela manhã e à tarde, certificando-se de que não houve oscilações de temperatura fora dos parâmetros ideais.
Diluidor de sêmen - é composto basicamente por nutrientes para as células espermáticas como a glicose, antibióticos e tampões como o citrato de sódio, que previnem alterações de pH à medida que se acumulam resíduos metabólicos. A função do diluidor é manter a viabilidade das células espermáticas por alguns dias após a colheita, fornecer substratos necessários ao metabolismo dos espermatozóides, proteger o sêmen contra choque térmico, aumentar o volume do sêmen, manter o pH e inibir o crescimento bacteriano.
É importante que seja adquirido de empresas idôneas e que seja bem armazenado na CIA de modo a manter as suas características físico-químicas. No Brasil contamos com várias empresas que fabricam e distribuem diluidores de média e longa duração, devidamente registrados no Ministério da Agricultura (MAPA), e contam com tecnologia de fabricação e controle de qualidade do produto de modo que todas as partidas são previamente testadas, assegurando assim a eficiência do produto na conservação espermática. É importante que estes produtos sejam bem armazenados e preparados conforme recomendações técnicas do fabricante, utilizar água Deionizada-Destilada ou Osmose Reversa para a sua solubilização, nas proporções indicadas conforme recomendações contidas na bula.
O diluente não deve ser preparado com antecedência superior a 24 horas à sua adição ao sêmen, pois os antibióticos presentes podem perder sua ação. O acondicionamento pode ser feito em refrigerador a 4-5°C e nunca em temperaturas superiores a 20°C. Quando o diluente for armazenado, deve-se verificar o pH antes de sua utilização.
Concentração espermática - não deve ultrapassar 8 bilhões de espermatozóides viáveis / dose (100ml), pois compromete a sua conservação.
Choque osmótico - pode levar ao aumento de alterações morfológicas (patologia) e diminuição na resistência dos espermatozóides, devido à proporção errônea na diluição (conforme a recomendação da bula);
Fatores endógenos que afetam a qualidade da dose inseminanteConforme mencionado anteriormente, os fatores endógenos também são responsáveis por interferirem no sêmen, como:
Tamanho dos testículos - é um fator importante que contribui na variabilidade da produção de espermatozóides
(Figuras 2 e 3). Durante o exame andrológico, é imprescindível a verificação da higidez dos testículos, identificando sinais de processos inflamatórios causados por traumatismo ou infecção, como: aumento de volume (edema), aderências, vermelhidão (rubor), calor e dor.
Figura 2 - Assimetria dos testículos. Foto: LPS-FMVZ-USP
Figura 3 - Suíno com aumento de volume escrotal
Ultrasonografia do testículo e cabeça do epidídimo evidenciando acúmulo de líquido entre as túnicas, sugestivo de hidrocele. Foto: LPS-FMVZ-USP.
Comprometimento da motilidade - pode estar relacionado com a idade dos animais, aclimatação do reprodutor, mudanças de temperaturas bruscas durante a colheita, contaminação bacteriana e presença de substâncias estranhas ao sêmen, mistura brusca do sêmen com o diluente e com diferenças de temperatura superior a 1 oC, problema na preparação do diluente (erro na medida de água e diluente), uso de água deionizada e/ou destilada de baixa qualidade, demora excessiva entre a colheita e diluição do sêmen, deficiências vitamínicas e nutricionais, problemas de ordem infecciosa e lesões no casco.
Considerações finaisCom vista a todos estes fatores descritos anteriormente que afetam a qualidade da dose inseminante é necessário, portanto, a revisão de todas as etapas envolvidas, desde a aquisição dos reprodutores até o momento da inseminação artificial. Assim, o controle dos principais fatores de risco associado aos programas de treinamento técnico e motivação dos funcionários das Centrais de Inseminação Artificial continuam sendo a melhor maneira de se reduzir as possíveis perdas.