Em algumas regiões do País, para suportar a crise tem-se observado a redução do número de matrizes alojadas, a retenção de animais por um período maior na granja (como tentativa de esperar uma recuperação no valor do animal vendido) e em situações extremas a falta de alimento em algumas fases de produção, com conseqüente redução da produtividade e da rentabilidade da atividade.
Diante deste cenário de dificuldades e incertezas, uma das maneiras dos produtores superarem esta fase é através da redução do custo da ração, já que esta participa com a maior percentagem do custo total de produção dos suínos.
Mas a pergunta que fazemos é: Como reduzir o custo das rações com o preço dos insumos tão elevado?
Uma das alternativas que têm se mostrado viáveis é a adição de um complexo de enzimas exógenas na ração para aumentar a disponibilidade dos nutrientes presentes nas fontes de proteína vegetal, especialmente o farelo de soja.
Para que se possa reduzir efetivamente o custo das rações com a adição de complexo de enzimas exógenas, fatores como a relação entre as enzimas utilizadas e os substratos da ração, o aumento da digestibilidade dos nutrientes e aspectos de formulação das rações devem ser considerados.
Este artigo tem como objetivo ressaltar os aspectos da utilização de complexos enzimáticos nas rações de suínos com farelo de soja, sua função, modo de ação, aplicação e a possibilidade de redução do custo das rações.
De maneira simplificada, as enzimas são catalisadores biológicos que aceleram as reações químicas. As enzimas não são organismos vivos, mas sim produtos de organismos vivos como bactérias e fungos.
Nos processos digestivos, os suínos utilizam as enzimas para a digestão dos alimentos, sendo estas produzidas pelo próprio organismo animal. No entanto, o processo de digestão não é 100% eficiente. Diversas pesquisas mostraram que, em média, os suínos são incapazes de aproveitar 15% a 25% dos alimentos consumidos. Desta forma, a suplementação de enzimas nas rações pode aumentar a eficiência da digestão, sendo uma extensão do processo digestivo do próprio animal.
Basicamente, a adição de enzimas nas rações de suínos está associada a algumas substâncias presentes nos alimentos e a características da digestão fisiológica do próprio animal. O conhecimento destas substâncias e das características da digestão dos suínos possibilitarão o uso e escolha das enzimas adequadas, bem como a obtenção dos efeitos esperados sobre os suínos.
Embora o farelo de soja seja considerado um alimento de alta digestibilidade, a presença de fatores antinutricionais e polissacarídeos não amiláceos prejudica os processos digestivos e o aproveitamento dos nutrientes das rações pelos suínos.
Fatores antinutricionaisOs fatores antinutricionais (FA) são fatores gerados nos alimentos in natura pelo metabolismo normal da planta da qual o material se origina e que, por mecanismos específicos, exercem efeitos contrários à nutrição. Nos suínos estes fatores nutricionais afetam os processos digestivos, prejudicando o desempenho animal.
O farelo de soja possui vários fatores antinutricionais que exercem efeitos fisiológicos negativos sobre os animais (Tabela 1) e normalmente não são digeridos pelas enzimas endógenas do trato gastrointestinal dos suínos. Entretanto, a utilização de enzimas exógenas específicas pode promover a redução destes FA, favorecendo a utilização do farelo de soja e melhorando o desempenho animal.
Além dos fatores antinutricionais, o farelo de soja apresenta em sua composição de 17,2% a 20% de polissacarídeos não amiláceos (PNA), compostos principalmente por cadeias de arabinoxilanos, celulose e lignina. Estas substâncias fazem parte da parede celular do grão e, da mesma forma que os fatores antinutricionais, não são digeridos pelas enzimas endógenas dos suínos. Estes PNA exercem efeitos negativos sobre a digestão dos nutrientes, uma vez que reduzem o conteúdo de energia e outras substâncias nutritivas, promovem o encapsulamento de nutrientes como amido, gordura, proteína em seu interior (efeito prisão) e aumentam a viscosidade do lúmen intestinal dos animais, sendo invariavelmente responsáveis pela redução da digestibilidade dos nutrientes.
Neste caso, a adição de enzimas exógenas específicas como as xilanases, alfa- galactosidases e amilases poderão promover a quebra das ligações entre as cadeias destes polissacarídeos, a posterior redução dos seus efeitos negativos e o aumento da digestibilidade dos nutrientes.Para que o uso de enzimas nas rações de suínos seja eficiente, deve-se utilizar enzimas que atuem sobre os substratos que interferem negativamente na nutrição e desempenho animal. A utilização de um complexo de enzimas específicas contendo amilase, xilanase, protease e alfa-galactosidase nas rações de suínos contendo farelo de soja como principal fonte de proteína promoverá a redução dos FA e PNA presentes no alimento. Assim, é possível reduzir os efeitos negativos destes componentes, aumentando a digestibilidade e o aproveitamento dos nutrientes (Figura 1) e, conseqüentemente, proporcionando um melhor desempenho animal.
As enzimas que digerem carboidratos, como a xilanase, alfa-galactosidase e amilase, interagem com as fibras da parede celular do farelo de soja. Já as proteases atuam sobre resíduos de proteína contendo fatores antinutricionais e peptídeos que estavam armazenados na parede celular, reduzindo o “efeito prisão”. Indiretamente, a adição de enzimas promove uma maior digestão de gorduras, uma vez que favorece a microflora benéfica dos animais e reduz a viscosidade da digesta, facilitando os processo digestivos de maneira geral.
Resultados obtidos por Pluske et al. (1998) demostraram um aumento médio de 6,4% na digestibilidade de energia, 5,5% na digestibilidade de matéria orgânica e 2,7% na digestibilidade de proteína bruta presentes no farelo de soja após a adição de um complexo enzimático específico para o farelo de soja, comparando com uma ração controle sem enzimas (Figura 2).
Outras pesquisas demonstraram um aumento expressivo na digestibilidade dos aminoácidos essenciais e não essenciais do farelo de soja após a adição de enzimas exógenas na ração (Tabela 2).
Em média, as digestibilidades de energia, proteína e aminoácidos presentes no farelo de soja aumentam de 5% a 7% com a utilização de um complexo de enzimas exógenas, sendo que o aporte de nutrientes será dependente da concentração do substrato e da atividade enzimática específica.
Diversas pesquisas avaliando o efeito da utilização de complexos enzimáticos sobre o desempenho de suínos têm demonstrado uma melhora consistente na conversão alimentar, nas diferentes fases de produção. Em algumas situações, verificou-se também um aumento do ganho de peso dos animais, como observado por Lindeman et al. (1997) (Tabela 3).
Outra pesquisa, realizada no Instituto de Ciência Animal de Zurich, na Suíça, concluiu que a adição de um complexo enzimático contendo protease com atividade principal e carboidrase com atividade secundária, em ração contendo farelo de soja, proporcionou melhoria da conversão alimentar de suínos dos 32 aos 60 dias de idade. Os resultados foram mais pronunciados nos animais que consumiram ração com menores concentrações de aminoácidos (Tabela 4).
Formulação de rações com enzimas exógenas x custo das rações
Uma vez que o uso de enzimas exógenas proporciona um aumento da digestibilidade dos nutrientes, este aumento deverá ser considerado na formulação das rações de suínos.
Ao contrário, se as rações forem formuladas para atender as exigências nutricionais para máximo ganho de peso, porém os nutrientes disponibilizados pelo uso das enzimas não estiverem sendo considerados, os benefícios do uso das enzimas serão pequenos, não sendo possível também reduzir o custo das rações.
Considerando o aumento da digestibilidade dos nutrientes da ração após a adição do complexo enzimático, será possível fazer um ajuste adequado dos nutrientes na formulação e atender as exigências nutricionais dos suínos de diferentes categorias, sendo também possível reduzir o custo da ração.
Em estudos preliminares com a formulação de rações à base de milho e farelo de soja, para suínos de 30 kg a 90 kg de peso vivo, foi possível reduzir de 0,5% a 1,8% do custo das rações quando se considerou o aumento da digestibilidade dos nutrientes do farelo de soja após a adição de um complexo de enzimas exógenas.
Resumo
A adição de enzimas exógenas em rações contendo ingredientes com alta porcentagem de polissacarídeos não amiláceos e/ou fatores antinutricionais melhora a digestibilidade dos nutrientes e, conseqüentemente, exerce um efeito positivo sobre o desempenho de suínos. A consideração do aporte de nutrientes adicional possibilita a otimização adequada das rações, garantindo o mesmo desempenho com um menor custo de produção.
Tabela 1 – Fatores antinutricionais presentes no farelo de soja e seus efeitos fisiológicos.
Fator antinutricional | Efeito fisiológico |
Inibidor de protease | Redução da atividade da tripsina Retardo no crescimento animal Hipertrofia/hiperplasia pancreática |
Danos à parede celular da mucosa Estímulo à resposta imune Aumento da perda de nitrogênio endógeno | |
Inibidor de amilase | Problemas na digestão do amido |
Proteínas antigênicas | Resposta imune Alteração na integridade da mucosa intestinal |
Saponinas | Alteração na permeabilidade intestinal |
Fitatos | Formação de complexos com minerais e proteínas, redução da absorção de minerais |
Fonte: Wryawan et al. (1997)
Tabela 2 – Efeito da adição de um complexo enzimático sobre a digestibilidade dos aminoácidos presentes no farelo de soja.
Aminoácidos | Digestibilidade (%) | Aminoácidos | Digestibilidade (%) |
Treonina | + 3,0 | Tirosina | + 0,8 |
Valina | + 1,8 | Fenilalanina | + 2,18 |
Metionina | + 6,9 | Histidina | + 0,75 |
Isoleucina | + 1,87 | Lisina | + 0,34 |
Leucina | + 2,56 |
Fonte: Pluske (1998).
Tabela 3 – Efeito da adição de um complexo enzimático em rações à base de milho e farelo de soja sobre o desempenho de suínos.
Rações com alta e baixa energia | Melhoria | ||
Sem enzima | Com enzima | ||
Fase de crescimento | |||
CA | 2.74 | 2.53 | + 7,6% |
Ração com alta energia | |||
Fase de crescimento | Sem enzima | Com enzima | |
GDP (g/dia) | 771 | 837 | +8,5% |
CA | 2.57 | 2.29 | +10,8% |
Fase de crescimento e terminação | |||
GDP (g/dia) | 799 | 855 | +7,0% |
Ração com alta energia | |||
Fase inicial | Sem enzima | Com enzima | |
GDP (g/dia) | 771 | 837 | +8,5% |
CA | 2.57 | 2.29 | +10,8% |
Fase de crescimento e terminação | |||
GDP g/dia | 799 | 855 | +7,0% |
Fonte: Lindeman et al. (1997)
Tabela 4 - Efeito da adição de um complexo enzimático em rações contendo farelo de soja com menor concentração de aminoácidos sobre o desempenho animal.
Ração Padrão | Ração com menos aminoácidos | |||
Sem enzimas | Com Enzimas | Sem enzimas | Com enzimas | |
Ganho peso, g/dia | 414 | 408 | 406 | 420 |
Consumo ração, g/dia | 708 | 672 | 695 | 703 |
CA | 1,71 | 1,65 | 1,71 | 1,68 |
Ração com menos aminoácidos | Ração com 2x menos aminoácidos | |||
Sem enzimas | Com Enzimas | Sem enzimas | Com enzimas | |
Ganho peso, g/dia | 303 | 330 | 306 | 307 |
Consumo ração, g/dia | 543 | 597 | 617 | 574 |
CA | 1,79 | 1,79 | 2,04 | 1,86 |
Fonte: Spring et al. (1998)
Figura 2 – Efeito da adição do complexo enzimático sobre a digestibilidade dos nutrientes do farelo de soja.
Fonte: Pluske et al. (1998)
Trabalhos. Gentility de Alltech de Brasil