Novas tecnologias são constantemente apresentadas. O intervalo entre o desenvolvimento e a utilização prática das inovações geralmente é de várias anos. Na primeira etapa estudos laboratoriais demonstram a potencialidade de utilização. A segunda etapa envolve a viabilização de uso prático, com o desenvolvimento de processos industriais economicamente viáveis. As próximas etapas estão relacionadas à divulgação, comercialização e amadurecimento do projeto tecnológico. Atualmente, vários aditivos biotecnológicos têm sido rotineiramente usados na indústria animal. Para uma tecnologia ser adotada ela necessita ser comprovada cientificamente e testada em condições de campo.
Durante muitos anos, grande quantidade de pesquisas e fundos de desenvolvimento disponíveis para a indústria foram direcionados ao estudo de produtos enzimáticos para melhorar a digestibilidade de polissacarídeos não amiláceos (PNAs) em matérias-primas. Uma indicação potencial, para melhorar a densidade dos nutrientes de uma ampla gama de matérias-primas e reduzir consideravelmente os custos por tonelada de ração, pode ser demonstrada na Tabela 1.
Tabela 1 – Conteúdo e digestibilidade de PNA em diferentes matérias-primas
Matérias-primas |
Total PNA |
Digestibilidade (%)* |
Cevada | 15 | 14 |
Trigo | 10 | 12 |
Farelo de soja (48%) | 20 | 0 |
Ervilha | 22 | 18 |
Feijão | 23 | 19 |
Farelo de colza | 24 | 7 |
Trigo de rações | 34 | 9 |
Girassol | 28 | 17 |
Farelo de arroz | 25 | 3 |
Gramíneas | 28 | 5 |
Glúten de milho (20%) | 31 | 17 |
* Medido em pintinhos. | ADAS (1992) |
Os polissacarídeos não amiláceos (PNAs) não podem ser digeridos pelas não são digeridos pelas enzimas endógenas do trato gastrointestinal dos suínos, sendo fermentados pela microflora intestinal e produzindo gases na forma de ácidos graxos voláteis. Além disso, existem evidências de que parte dos PNAs possui atividade anti-nutriticional.
Um alimento é composto por várias substâncias distintas com funções nutricionais específicas. Para muitos desses componentes existem enzimas exógenas que podem melhorar o seu valor nutritivo (Figura 1).
CarboidratosOs carboidratos podem ser quimicamente caracterizados em várias substâncias (Figura 2), cada uma delas com uma estrutura específica e uma função biológica distinta. Portanto, a variabilidade da composição em carboidratos explica as diferenças no valor energético de cada alimento.
Tabela 2 – Conteúdo de carboidratos no farelo de soja
Componente | (%) |
Carboidratos solúveis em H2O | 12,02 |
Sacarose | 5,98 |
Rafinose | 1,07 |
Estaquiose | 4,23 |
Hemicelulose | 9,91 |
Celulose | 7,09 |
(Fonte: Coon et al., 1990) |
O processamento do farelo de soja tem como objetivo reduzir os fatores anti-nutricionais da soja. Entretanto, reduzir não significa eliminar essas substâncias. As Tabelas 2 e 3 mostram a composição em carboidratos do farelo de soja. Para melhor caracterizar tais substâncias, as Tabelas 4, 5 e 6 apresentam uma classificação mais detalhada dos carboidratos, mostrando especificamente como eles são formados.
Tabela 3 – Proporção de carboidratos nos flocos de soja desengordurados
Componente | (%) |
Polissacarídeos acídicos | 30 |
Sacarose | 25 |
Arabinogalactanos | 15 |
Estaquiose | 15 |
Rafinose | 6 |
Material celulósico | 6 |
Verbascose | 1 |
Amido | 2 |
(Fonte: Hancock, 1991 citado por Goldflus, 2001) |
Através da avaliação da porção de carboidratos da soja e sua composição é possível se ter uma melhor visualização de alguns componentes indesejáveis tais como a rafinose e a estaquiose. A diferença estrutural entre elas está no número de carbonos e nas ligações glicosídicas (Tabela 5). Essas substâncias atuam como substratos para o crescimento microbiano intestinal. Além de serem indigestíveis, elas ainda favorecem a flora microbiana intestinal indesejável. A presença de a-galactosidase exógena poderia evitar esses problemas.
As enzimas endógenas produzidas pelos suínos são específicas para carboidratos com ligação alfa, tais como amido, e não são ativas contra carboidratos com ligações beta e oligossacarídeos contendo galactose, encontrados em várias sementes de plantas. Os oligossacarídeos, tais como estaquiose e rafinose, que estão presentes em muitas leguminosas, não são absorvidos no intestino delgado. A utilização destes carboidratos, portanto, depende da mistura de enzimas exógenas que decompõe os oligossacarídeos a outros constituintes monossacarídeos.
A celulose é uma fonte de carboidratos indigestíveis capaz de reter uma série de outros nutrientes em sua estrutura física, evitando o contato de enzimas digestivas endógenas com os alimentos. O uso de celulases pode colaborar para o aumento da disponibilidade de carboidratos no trato digestivo, agindo sinergicamente com outras enzimas endógenas e exógenas (Tabela 6).
ProteínasAs fitases foram as primeiras enzimas utilizadas em condições práticas no contexto da nutrição animal. A partir do sucesso dessa tecnologia, outras enzimas surgiram e também se consolidaram no mercado.
LipídeosAs enzimas lipases podem ser usadas isoladamente ou em associação a outras enzimas em substratos ricos em óleos como o farelo de arroz. A sua utilização depende da oferta da matéria-prima no mercado e da relação econômica envolvida.
Sempre que se eleva a digestibilidade da dieta existe a redução da excreção de nutrientes nas fezes. Uma vez que toda produção animal intensiva tem potencial poluente, o uso de enzimas individuais ou na forma de complexos enzimáticos apresenta-se como uma alternativa ecologicamente correta.
O argumento ecológico para utilização de uma tecnologia deveria ser, preferencialmente, associado a uma vantagem econômica. As enzimas podem ser consideradas como um dos poucos aditivos que podem, potencialmente, reduzir o custo da tonelada de ração produzida.
Em momentos de crise, a economia no custo da ração pode significar a viabilidade econômica da atividade. Durante os períodos de bons ganhos econômicos a redução da poluição ambiental, o aumento dos ganhos econômicos e a melhoria na saúde dos animais justificam o uso das enzimas.
Uma vez que as enzimas são específicas para cada substrato, a seleção da enzima adequada depende dos alimentos incluídos na dieta e da disponibilidade no mercado (Tabela 7).
Tabela 7 – Alimentos comumente usados em rações e enzimas potencialmente utilizáveis
Alimento | Substrato | Enzima |
Soja | Vários | Complexo multienzimático |
Girassol | Vários | Complexo multienzimático |
Cevada | ß-glucano | ß-glucanase |
Trigo | Pentosana | Pentosanase |
Arroz | Lipídeos | Complexo multienzimático contendo Lipase |
Fontes de fósforo | Fitato | Fitase |
A ração corresponde a uma importante parcela do custo de produção das granjas. A decisão de se utilizar enzimas ou qualquer outro aditivo na dieta deverá ser sustentada por parâmetros econômicos objetivos. A enzima deverá ser escolhida conforme o substrato, as oportunidades de preço e a disponibilidade no mercado. Isso varia conforme a região, época do ano, alterações climáticas e preço das matérias-primas.
A primeira etapa do processo decisório envolve conhecer e estudar os princípios básicos da tecnologia, obtendo as matrizes nutricionais recomendadas pelo fabricante e detalhando como a tecnologia deverá ser empregada.
A segunda etapa corresponde ao processo de simulação no computador. Os nutricionistas são os profissionais encarregados dessa tarefa. Duas dietas devem ser calculadas e comparadas: uma dieta referência, que corresponde à fórmula normalmente usada na propriedade, será comparada à dieta contendo enzimas.
A redução no custo final da dieta vai depender do custo local das matérias-primas. Algumas enzimas podem ser utilizadas sem alterar a formulação da dieta, com o objetivo de melhorar a performance.
Na terceira etapa é feita a utilização prática na granja. O acompanhamento dos testes de campo colabora para aumentar a confiança da equipe e assegurar que a tecnologia esteja sendo empregada corretamente.
Utilização prática
Na suinocultura as enzimas podem ser utilizadas de várias formas. Na maioria das vezes o objetivo é a redução do custo da tonelada de ração produzida. Quando o objetivo é aumentar a performance animal é feita a inclusão da enzima sem alterar a formulação original, esperando-se com isso aumento do ganho de peso, redução da conversão alimentar e melhoria da saúde dos animais.
Existem no mercado enzimas líquidas e em pó. O desenvolvimento de equipamentos de aspersão de enzimas com boa precisão e baixo custo viabilizou o uso de enzimas líquidas, mesmo em pequenas fábricas de ração. Os equipamentos precisam ser dimensionados e aferidos para cada planta individualmente.
Na produção de suínos, o desmame precoce é uma prática de manejo comum nas granjas, permitindo uma melhor utilização das instalações. A alimentação dos suínos, principalmente na fase de creche, requer atenção especial por parte dos criadores. O fornecimento de ração que estimule o consumo de alimento pós desmame e que forneça quantidade significativa de aminoácidos em proporções adequadas reduz o estresse e aumenta a taxa de crescimento.
A utilização de enzimas exógenas surgiu como uma alternativa para aumentar a digestibilidade dos ingredientes, minimizando problemas de má absorção e proliferação microbiana no intestino de leitões e, conseqüentemente, melhorando a performance produtiva.Toda atividade econômica vive momentos de crescimento que são intercalados com crises e situações difíceis. Isso deve ser encarado como um ciclo contínuo que, especialmente no Brasil, acontece com intervalos irregulares.
Durante os períodos de intenso crescimento os criadores ampliam suas instalações, constroem novas fábricas e conquistam mercados. Durante a crise elaboram estratégias, testam novas tecnologias e usam a criatividade para permanecerem no mercado e superarem as dificuldades.
A opção de se utilizar enzimas nas dietas de suínos com o objetivo de reduzir o custo da tonelada de ração produzida, sem interferir na performance animal, é muito adequada para a atual conjuntura econômica.
Paulo Fernandes (D.Sc.) - Andréa Malaguido (M.Sc.)
Referências Bibliográficas
Barnett, G.M. 1994. Phosphorus forms in animal . Metab. Clin. Exp. 49:139-147.
Coon, C.N. et al. Effect of oligosaccharide-free soybean meal on true metabolizable energy and fiber digestion in adult roosters. Poultry Science, 69: 787-793, 1990.
Goldflus, F. Ingredientes derivados do processamento da soja aplicados na nutrição animal. In: Simpósio sobre manejo e nutrição de aves e suínos e tecnologia da produção de rações. Anais. Campinas: 2001, p.97-188.
Trabalhos. Gentility de Alltech de Brasil