Introdução
Existem dois padrões distintos de apresentação clínica da síndrome da necrose de orelha. Uma é a forma mais branda, porém mais frequente, em que as lesões iniciam com exsuda- ção e dermatite superficial com localização na ponta da orelha ou no bordo ventral, causando pouco desconforto e sem manifestação sistêmica no animal. A outra forma é mais severa, ocorre esporadicamente, envolvendo boa parte da extremidade da orelha (Figura 1), causando cianose, exsuda- ção, ulceração e necrose irregular, em resposta a um processo inflamatório agudo, geralmente, sistêmico.
Figura 1 – Infecção bacteriana sistêmica com cianose e inicio de necrose de extremidades das orelhas
Apesar da síndrome não ser um fator responsável pelo aumento da mortalidade do rebanho, a alta frequência da síndrome pode gerar prejuízos econômicos aos proprietários, provocados pela queda do desempenho.
Manifestação clínica
Clinicamente, o processo inicia-se com edema, hiperemia, eritema, cianose intensa com limites pouco nítidos, entre o tecido normal e a parte alterada (Figuras 2 e 3). Posteriormente, segue-se necrose da região afetada e na fase final da evolução do quadro clínico, a porção necrosada cai e a orelha perde sua forma característica (Figuras 4 e 5). Em algumas ocasiões ocorre de forma concomitante com necrose caudal (Figura 6).
O problema ocorre, predominantemente, em animais jovens, com maior frequência em leitões de creche e início de crescimento. Neste caso, as lesões localizam-se na ponta e ao redor da borda do pavilhão auricular e podem ser unilaterais ou bilaterais.
A necrose da orelha ocorre em qualquer sistema de produção. Na baia em que se manifesta, atinge entre 15% a 90% dos leitões, independentemente do sexo e da estação climática. Está claro que a superlotação das baias no período de creche está intimamente relacionada com maior frequência devido ao aumento das lesões causadas por arranhões e mordidas na mistura dos lotes.
Causas associadas à necrose de orelha
Para a manifestação aguda da necrose de orelha, o fator principal envolvido é o estresse e/ou a imunossupressão. As causas específicas ainda não são bem esclarecidas, pois a síndrome não tem sido reproduzida experimentalmente. Entretanto, relatos de observações a campo e estudos epidemiológicos apontam várias causas associadas a essa síndrome.
Figura 2 – Lesão inicial com exsudação e formação de crosta na extremidade da orelha
1. Epidermite exsudativa: A necrose primariamente pode ser devido a uma deficiência na irrigação sanguínea da orelha por alteração vasomotora. Embora a patogenia da doen- ça ainda não esteja clara, especula-se que o canibalismo possa ser uma das principais causas, associado ou não ao desenvolvimento de um processo bacteriano por Staphylococcus hyicus ou Streptococcus ß-hemolítico. Porém, para o desenvolvimento destas bactérias, é necessária haver uma solução de continuidade na pele, como lesões por mordedura, pois se sabe que essas bactérias são comensais na flora epitelial dos suínos, mas não são capazes de penetrar no tecido sadio.
2. Circovirose: A necrose auricular pode também ser decorrente da circovirose suína, e nesses casos, as lesões são resultados de uma vasculite generalizada causada por uma reação de hipersensibilidade imunomediada. As lesões geralmente são bilaterais e avermelhadas, começam na extremidade da orelha e estendemse ventralmente. Nesse caso, concomitante à lesão auricular, ocorrem sinais clínicos e lesões sistêmicas de circovirose em vários leitões do lote e o diagnóstico pode ser confirmado por exames laboratoriais.
3. Intoxicação por ergot: Outra possível causa de necrose de orelha pode ser devido a ingestão de grãos contaminados com fungo Claviceps purpúrea, os quais produzem uma toxina denominada ergot. Esse fungo é parasita de grãos, principalmente o centeio, aveia e trigo. Quando ingerido, produz uma toxina alcalóide que causa gangrena e problemas reprodutivos, especialmente hipogalaxia/agalaxia e leitegadas pequenas. Os sinais clínicos surgem após dias à semanas do consumo da ração contaminada. A melhora da gangrena tende ocorrer após 2 semanas da substituição do alimento contaminado. Nesse caso a gangrena que ocorre nas extremidades é do tipo seca e não exsudativa, e deve-se à combinação de uma vasoconstrição e danos endoteliais. Os principais sintomas sistêmicos incluem: depressão, diminuição no consumo de ração, pulso acelerado, laminite e, em alguns casos, sendo estes os mais severos, é visível a necrose de orelha e cauda e queda das unhas. Estes sinais tendem a ser mais exacerbados no período de inverno. O tratamento é de suporte, com limpeza local e uso de antibiótico pra controlar infecções secundárias.
4. Eperitrozoonose: É possível ainda verificar a ocorrência de necrose da orelha a partir de infecções por Mycoplasma suis, causador da eperitrozoonose. Uma vez presente no plasma sanguíneo, o organismo desenvolve anticorpos que podem provocar microaglutinações, principalmente nas extremidades das orelhas, com consequentes distúrbios circulatórios, manifestados por cianose, exsudação e necrose. Os suínos afetados apresentam também manifestações sistêmicas como anemia, icterícia e febre, mais comumente observados em leitões de cinco a seis dias de idade ou na fase de desmame. 5. Doenças sistêmicas: Existem outras doenças sistêmicas como a salmonelose e a erisipela que, quando ocorre septicemia, em casos raros e em reações tardias, um dos sinais clí- nicos pode ser a cianose, exsudação e necrose das extremidades das orelha.
Figura 3 – Lote em final de creche com surto de necrose de orelha
Figura 4 – Fase avançada da necrose bilateral das orelhas no inicio de crescimento
Na prática um surto de necrose de extremidades de orelhas pode estar relacionado a mais de uma das causas acima relacionadas. Observase que o problema ocorre com maior frequência quando, num mesmo lote, há problemas de palatabilidade de ra- ção, fatores de risco relacionados ao conforto (superlotação, desconforto térmico, higiene ruim) brigas acentuadas devido à misturas de leitões e concomitante infecção por agente(s) acima relacionados.
Diagnóstico
O diagnóstico da síndrome é clínico. Já o diagnóstico etiológico é mais difícil e depende de apoio laboratorial, porém muitas vezes não se consegue chegar a uma conclusão final da etiologia envolvida em determinada granjas. Primeiramente devese analisar a presença de outros sinais clínicos concomitantes à necrose de orelha, que seja indicativo da presen- ça de doença de cunho infeccioso ou não. Quando a suspeita for da participação de doenças infecciosas, exames de laboratório (histopatológico e bacteriológico) direcionados para a(s) suspeita(s) auxiliarão na definição do diagnóstico final.
Histopatologicamente, no iní- cio da lesão não se observa nenhum agente, mas quando a lesão torna-se exsudativa, é possível a identificação de S. hyicus, tanto em lesões recentes quanto em antigas. Já o S. ß-hemolítico só é visível nas lesões ulcerativas. A proliferação de S. hyicus no local do trauma e a liberação de toxinas epidermolíticas permitem a prolifera- ção de S. ß-hemolítico, que não é bem adaptado para sobreviver em tecidos normais. Uma hipótese a considerar é que o padrão clínico desta doença depende do tipo e da patogenicidade dos organismos para invadir o tecido lesado. O problema é saber se esses agentes foram os que ocasionaram as lesões primárias ou estão aí apenas como agentes secundários.
Quando a suspeita recai sobre a circovirose suína, o diagnóstico envolve a ocorrência de sinais clínicos, de lesões macro e microscópicas e a demonstração do agente nos tecidos lesados.
Se a suspeita for a participação do Mycoplasma suis (Eperythrozoon suis) a confirmação pode ser feita por exame de esfregaços de sangue corados por técnicas especiais, porém é importante que o sangue seja colhido da orelha de leitões que apresentam febre (acima de 40°C), além de sinais de anemia/icterícia.
É importante também, verifi- car minuciosamente se a ração fornecida está suficientemente balanceada para suprir as exigências nutricionais dos animais e, principalmente, excluir a existência de fungos, ou toxinas de Claviceps purpúrea. Recomenda-se que sejam realizados testes específi- cos para a detecção desses fungos e suas toxinas na ração
Controle
Tanto na recuperação do animal, quanto para o controle de novos surtos, o ponto limitante é a retirada de fatores estressantes e o fornecimento de ração palatável para os suínos. Devem-se evitar a superlotação e a formação de lotes muito grandes. Na formação dos lotes/baias, tanto na creche quanto no crescimento, quando for necessário misturar leitegadas, limitar ao mínimo possível, para diminuir a ocorrência de brigas entre os leitões. Quando houver necessidade de junção de mais de uma leitegada/ baia, alojá-los por tamanho, para evitar que animais maiores iniciem brigas com os menores, por disputa de território.
Figura 5 – Perda da ponta da orelha devido à necrose – fase de cura.
Figura 6 – Lote com necrose caudal e auricular de creche
Embora, às vezes, os antimicrobianos não exerçam efeito direto sobre algumas causas da necrose da orelha (canibalismo auricular, intoxicação por ergot...), quando o problema atinge vários suínos num mesmo lote, sempre é recomendável o uso oral de um antibiótico de largo espectro, durante 8 a 10 dias. Individualmente, dependendo do caso, alguns leitões necessitam de tratamento com antiin- flamatório e soluções tópicas. Em outros casos, quando o problema ocorre somente em alguns suínos, apenas a separação do animal em baia hospital é suficiente para recuperação espontânea. Evidentemente, caso a necrose de orelha esteja associado a uma doença (eperitrozoonose, circovirose) medidas específicas devem ser direcionadas para o agente envolvido.
Ademais, é importante manter comedores e bebedouros suficientes para o número de animais da baia, para que eles não sejam impelidos a competir pela nutrição.
Considerações finais
A síndrome da necrose de orelha é uma patologia que pode acometer animais de todos os rebanhos, independendo do sistema de produção adotado. Não há dúvida que fatores estressantes, como a superlotação das baias e disputas entre os animais, aumentem as brigas e, consequentemente, provoquem lesões auriculares iniciais. Essa situação, na presença concomitante de determinados agentes infecciosos podem desencadear o surgimento de quadros clínicos de necrose auricular, principalmente em animais de creche e início de crescimento.
O diagnóstico específico da causa que está desencadeando a ocorrência de necrose auricular em um lote de suínos lote, geralmente é difícil. Então, se deve agir prioritariamente na eliminação dos fatores de risco, proporcionando conforto e bem estar aos animais e fornecer alimento com formulação adequada e de alta palatabilidade.
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