Introdução
A linfadenite granulomatosa dos suínos, causada por micobactérias atípicas, não provoca qualquer sintoma no animal e nem afeta o seu desenvolvimento. Os prejuízos que a doença causa aos produtores e agroindústrias são basicamente aqueles decorrentes do destinodado à carcaça dos animais afetados por ocasião do abate. Tomando-se por base o ano de 1999, na região sul do Brasil, a freqüência de suínos com lesões de linfadeniteno abate foi de cerca de 0,9%. Considerando um abate inspecionado de suínos nesta região em 1999 de 12,6 milhões de cabeças, o prejuízo total aos produtores, causado pela linfadenite, foi estimado em 6,9 milhões de reais. O diagnóstico da infecção por micobactérias em suínos apresenta dificuldades, não existindo ainda um teste prático e eficiente para dar suporte aos estudos epidemiológicos e às estratégias de comtrole. As características das lesões macro e microscópicas não são suficientes para diferenciar a infecção causada, por agentes do Complexo M. avium (MAC) daquela por M. bovis. O isolamento das micobactérias a partir de linfonodos com lesões é extremamente trabalhoso, lento e caro. Apresenta ainda baixa sensibilidade, devido aos procedimentos de descontaminação dos tecidos. Nos suínos vivos, para diagnóstico, tradicionalmente, utiliza-se o teste de tuberculinização, com tuberculina aviária e/ou bovina. Este teste, porém, apresenta sensibilidade e especificidade baixas para identificar animais infectados, dificultando a interpretação dos resultados obtidos. A relação entre a reação ao teste de tuberculina e a observação de lesões no abatedouro depende de alguns fatores, principalmente do período decorrido entre a infecção e a realização do exame macroscópico. As lesões macroscópicas podem levar mais de 90 dias para aparecerem, enquanto que a reação à tuberculina pode ocorrer a partir de 24 dias após a infecção com o MAC. De modo geral, um resultado positivo no teste de tuberculina é um bom auxílio ao diagnóstico para identificar rebanhos infectados. Dúvidas persistem sobre quais critérios usar para definir uma reação como positiva. Em função dessas dificuldades na interpretação das reações ao teste de tuberculina, foram desenvolvidas pesquisas com o objetivo de responder aos seguintes questionamentos:
1. A tuberculinização é um bomteste para identificar rebanhos suínos infectados por MAC?
2. Pode-se usar a tuberculinização pareada com PPD aviária e bovina para diferenciar rebanhos infectados com MAC daqueles com o M. bovis?
3. Qual o melhor método de medição da reação: o aumento da espessurada dobra da pele ou diâmetro da reação?
Trabalhos executados pela Embrapa Suínos e Aves
Foram realizados três experimentos:
O experimento 1 foi realizado em seis rebanhos suínos comerciais infectados com MAC. O teste de tuberculina foirealizado em lotes de suínos com peso de abate entre 100 e 120 kg. Os suínos que apresentavam qualquer reação às tuberculinas, e alguns sem reação alguma, foram abatidos em menos de sete dias após a aplicação, para avaliação de lesões nos linfonodos e colheita de amostras para exames laboratoriais. O experimento 2 foi realizado no isolamento do Laboratório de Sanidade da Embrapa Suínos e Aves, com suínos livres de infecção por micobactérias, inoculados experimentalmente com uma amostra patogênica de MAC, entre 30 a 40 dias de idade. O teste de tuberculina foi realizado com aproximadamente 160 dias de idade, sendo que em seguida os animais foram abatidos para avaliação de lesões nos linfonodos e colheita de amostras para exames laboratoriais.
O experimento 3 foi realizado da mesma forma que o experimento 2, mas utilizando-se como inóculo uma amostrade M. bovis. Nestes suínos a tuberculinização e o abate foram realizados com 40 dias pós inoculação.
Aplicação das tuberculinas: cada suíno dos três experimentos recebeu por via intradérmica 0,1ml de tuberculina aviária (0,05mg de PPD-TECPAR) na face dorsal de uma orelha e 0,1 ml de tuberculina bovina (0,05mg de PPDTECPAR) na face dorsal da outra orelha. Para aplicação das tuberculinas utilizou se seringas e agulhas de insulina (Figura1).
Leitura das reações às tuberculinas: a leitura foi realizada cerca de 48 horasapós a aplicação. Dois métodos foram usados:
a) medição do diâmetro maior da reação, utilizando se uma régua milimétrica (Figura 2);
b) aumento da espessura da dobrada pele, realizada com cutímetro, representada pela diferença entre a medida da espessura da dobra da pele no local da aplicação antes e 48 horas após a aplicação das tuberculinas.
Exames laboratoriais: No abate, os suínos foram avaliados macroscopicamente quanto à presença de lesões granulomatosas (Figura 3). Amostras de linfonodos da cabeça e do mesentério foram colhidas para exames histopatológico e de imunoperoxidase (experimentos1 e 2). No teste de imunoperoxidase utilizou-se anticorpo monoclonal produzido com extrato celular de M. avium (QED Bioscience Inc., Cat. 18104), para confirmação da infecção por agentes do complexo M. avium (Figura 4).
Resultados e comentários
Para fins de análises estatísticas, no cálculo da média das reações por granja, foram considerados todos os suínos que apresentaram reação igual ou maior que 0,50 cm de diâmetro para qualquer uma das tuberculinas (Figura 5). Os valores médios das reações por granja, obtidos no experimento 1, com os dois métodos avaliados, estão na Tabela 1. Nos seis rebanhos avaliados, as médias das reações obtidas com a tuberculina aviária, tanto com o método do diâmetro maior como com o aumento da espessura da dobra da pele, foram maiores que as médias das reações à tuberculina bovina. Isto pode ser visualizado nos gráficos 1 (diâmetro maior) e 2 (aumento da espessura da pele).
Gráfico 1 - Valores médios por granja do diâmetro maior da reação às tuberculinas aviária e bovina em suínos (somente os reagentes) de rebanhos infectados naturalmente por MAC.
Gráfico 2 - Valores médios por granja do aumento na espessura da pele (medição com cutímetro) na reação às tuberculinas aviária e bovina em suínos (somente os reagentes) de rebanhos infectados naturalmente por MAC.
As médias das reações, pelos dois métodos avaliados, foram maiores (P<0,05) para a tuberculina aviária, comparativamente à tuberculina bovina, tanto nos suínos das granjas infectadas naturalmente (Tabela 2) como naqueles inoculados experimentalmente com MAC (Tabela 3). Os suínos inoculados com M. bovis (experimento 3) reagiram às duas tuberculinas aplicadas, mas as reações foram sempre maiores à tuberculina bovina, tanto na medida do diâmetro maior (Figura 6), como no aumento da espessurada pele (Tabela 3). Dos sete suínos inoculados, seis apresentaram lesões tuberculosas nos pulmões (Figura 7), uma característica não verificada nos suínos infectados naturalmente (experimento 1) ou experimentalmente (experimento 2) com MAC. Com o objetivo de obter uma indicação sobre o ponto de corte das reações à tuberculina aviária, na interpretação individual das reações, os dados dos dois métodos testados foram divididos em três categorias e comparados, através de teste de concordância, com os resultados macro e/ou microscópicos de linfadenite granulomatosa. Isto foi realizado tanto com o método de medição do diâmetro maior, com os suínos infectados naturalmente (Tabelas 4) e experimentalmente (Tabela 5), como com o método de medição do aumento na espessura da pele, também com os suínos infectados naturalmente (Tabela 6) e experimentalmente (Tabela 7). Nos suínos infectados naturalmente, na medição do diâmetro maior, a concordância observada com o exame patológico foi praticamente a mesma, quando considerou-se como positivos os animais com reação superior a 0,5 cm (concordância de 79,7%) ou 1,0 cm (concordância de 78,7%). Entretanto, com os suínos inoculados experimentalmente a concordância foi um pouco maior (86,4%), quando considerou-se como positiva a reação superior a 1,0 cm de diâmetro. Com relação ao método de medição do aumento da espessura da dobra da pele em suínos infectados naturalmente, a concordância observada foi de 76,2%, quando considerou-se como positivos valores maiores de 0,20 cm e de 75,0%,quando acima de 0,30 cm (Tabela 6). Porém, a concordância observada foi bem maior (95,0% para reação maior de 0,20 cm e 85,0% para a reação maior que 0,30 cm) nos suínos inoculados experimentalmente (Tabela 7). Os melhores resultados de concordância observada, obtidos com os suínos inoculados em relação àqueles infectados naturalmente, com dois métodos de medição avaliados, provavelmente, deve-se ao fato de que em condições naturais não se conhece a dose infectante e nem o tempo decorrido após a infecção. As lesões macroscópicas podem levar mais de 90 dias para aparecer, enquanto que a reação à tuberculina pode ocorrer a partir de 24 dias após a infecção com o MAC. Também, suínos infectados com doses baixas de MAC produzem reação mínima e, geralmente, não são capazes de produzir lesões progressiva. Um problema que pode ocorrer quando o teste de tuberculina pareadofor aplicada em um rebanho infectado por MAC, é que, eventualmente, em alguns animais de uma amostragem a reação à tuberculina bovina pode ser maior do que a reação à tuberculina aviária. Este fato ocorreu nos seis rebanhos em que o experimento 1 foi realizado. As possíveis causas envolvidas nesta aparente "incoerência" de resultado são:
a) Local incorreto da aplicação da tuberculina (fora da derme).
b) Quantidade de tuberculina aplicada (problema de refluxo ou dose incorreta).
c) Falta de atenção na aplicação das tuberculinas, com troca involuntária de orelha. O mesmo não ocorreu com os suínos infectados com M. bovis em que as reações à tuberculina bovina sempre foram maiores que as reações à tuberculina aviária (Tabela 3). Para fins de interpretação individual dos testes de tuberculina sugere-se usar os critérios que constam nas tabelas 8 (pelo método da medição do diâmetro maior) e 9 (para o método de medição do aumento da espessura da dobra da pele).
Conclusões e recomendações
1. É possível, através do teste de tuberculinização pareada com PPD aviária e bovina, diferenciar rebanhos suínos infectados com MAC daqueles com M.bovis.
2. Os dois métodos de medição da reação às tuberculinas testados, o diâmetro maior e o aumento da espessurada pele, foram eficientes no diagnóstico da infecção por micobactérias, mas por razões práticas e econômicas é recomendávela utilização do método da medição do diâmetro maior da reação.
3. Toda medida acima de 0,5 cm no diâmetro maior da reação deve ser considerada como positiva no cálculo da média para um determinado rebanho.
4. Quando a média do diâmetro maior dos reagentes no rebanho for maior à PPD aviária, trata-se de infecção por MAC.5. Quando a média do diâmetro maior dos reagentes no rebanho for maior à PPD bovina, trata-se de infecção por M. bovis.
Tabela 1 - Diâmetro maior e aumento da espessura na dobra da pele das reações as tuberculinas aviária e bovina em suínos (somente os reagentes) de granjas infectadas naturalmente com MAC - experimento 1.
*Medição feita com régua no diâmetro maior da reação.**Diferença entre as medidas (posterior-anterior) feita com cutímetro dobrando-se a pele no centro da reação. Médias na mesma coluna com letras diferentes diferem entre si (P<0,05) pelo teste Tukey.
Tabela 2 - Valores médios da reações às tuberculinas aviária e bovina, 48 horas após a aplicação, em suínos (somente os reagentes) de rebanhos infectados naturalmente ou experimentalmente com MAC.
*Medição feita com régua no diâmetro maior da reação. **Diferença entre as medidas (posterior-anterior) feita com cutímetro dobrando-se a pele no centro da reação. Médias na mesma coluna com letras diferentes diferem entre si (P<0,05) pelo teste Tukey.
Tabela 3 - Resultados individuais das reação às tuberculinas aviária e bovina e lesões macroscópicas, em suínos inoculados com M. bovis (40 dias pós-inoculação)
*Medição feita com régua no diâmetro maior da reação.**Diferença entre as medidas (posterior-anterior) feita com cutímetro dobrando-se a pele no centro da reação. Médias na mesma linha, com letras diferentes, diferem entre si (P<0,05) pelo teste Tukey.MD= linfonodos mediastínicos; BR= linfonodos bronquiais.
Tabela 4 - Teste de concordância entre o teste com PPD aviária, pela medição do diâmetro maior (com régua), com diferentes pontos de corte e o exame patológico (macro e/ou micro), em suínos infectados naturalmente com MAC.
Tabela 5 - Teste de concordância entre o teste com PPD aviária, pela medição do diâmetro maior (com régua), com diferentes pontos de corte e o exame patológico (macro e/ou micro), em suínos infectados experimentalmente com MAC.
Tabela 6 - Teste de concordância entre o teste com PPD aviária, pela medição do aumento na espessurada pele (com cutímetro), com diferentes pontos de corte e o exame patológico (macro e/oumicro), em suínos infectados naturalmente com MAC.
Tabela 7 - Teste de concordância entre o teste com PPD aviária, pela medição do aumento na espessurada pele (com cutímetro), da reação com diferentes pontos de corte e o exame patológico(macro e/ou micro) em suínos infectados experimentalmente com MAC.
Tabela 8 - Interpretação do teste de tuberculinização pareada em suínos com PPD aviária (TA) e PPD bovina (TB), através da medição do diâmetro maior da reação feita com régua milimétrica.
* Leitura feita 48 horas após a aplicação da tuberculina.** Média dos animais reagentes com mais de 0,50 cm no diâmetro maior da reação.
Tabela 9 - Interpretação do teste de tuberculinização pareada em suínos com PPD aviária (TA) e PPD bovina (TB), através da medição do aumento da espessura da dobra da pele, feita com cutímetro.
* Leitura feita 48 horas após a aplicação da tuberculina.** Média dos animais reagentes, com aumento da espessura da dobra da pele (medida posterior menos medida anterior)
Figura 1 - Aplicação intra-dérmica da tuberculina (formação de lentilha) em suíno, usando agulha e seringa de insulina.
Figura 4 - Reação positiva (grumos de cor marrom) ao teste de imunoperoxidase em linfonodo de suíno com linfadenite.
Figura 2 - Suíno com reação à tuberculina aviária-medida da reação com régua, 48 horas após à aplicação.
Figura 5 - Suíno infectado com MAC. Reação positiva às tuberculina aviária (orelha direita) e bovina (orelha esquerda). Note que a reação à tuberculina aviária é maior e mais grave (necrose).
Figura 3 - Linfonodos mesentéricos de suíno abatido apresentando lesões granulomatosas de linfadenite.
Figura 6 - Suíno infectado com M. bovis. Reação positiva às tuberculina aviária (orelha esquerda) e bovina (orelha direita). Note que a reação à tuberculina bovina é maior e mais grave (necrose).
Figura 7 - Suíno infectado com M. bovis. Lesões tuberculosas no parênquima pulmonar.