1- INTRODUÇÃO
A eficiência reprodutiva é a principal meta econômica em qualquer sistema de produção animal. No sistema de produção de suínos, é representada pelo número de leitões desmamados por porca por ano (Dial et al., 1996). Dentre os fatores que influenciam a eficiência reprodutiva, a taxa de ovulação apresenta um papel de destaque. Assim, ao longo da última década, o melhoramento genético tem se voltado ao desenvolvimento de fêmeas com taxas de ovulação cada vez maiores, originando as chamadas fêmeas hiperprolíficas. Entretanto, a intensa pressão de seleção para taxa de ovulação tem criado um desequilíbrio entre taxa de ovulação, o número de conceptos que sobrevivem ao período pósimplantação e capacidade uterina.
Na verdade, uma taxa de ovulação maior que o número de fetos que a fêmea suína seja capaz de levar ao término da gestação, aumenta a competição entre os fetos por nutrientes e oxigênio, levando ao nascimento de leitões menores, mais leves e, consequentemente, mais fracos, sinais estes característicos do chamado crescimento intrauterino retardado (CIUR) (Foxcroft et al., 2006). Estes animais, acometidos por uma 2 deficiência nutricional ainda no útero, se adaptam a ela por meio de alterações fisiológicas e metabólicas no intuito de aumentar as chances de sobrevivência após o nascimento. No entanto, estas modificações, que ocorrem a nível de genoma, com alterações na metilação do DNA, podem permanecer ao longo da vida do animal, o que é chamado de programação prénatal (Wu et al., 2006).
O peso ao nascer é uma importante característica econômica para a suinocultura, visto que leitões que apresentam um peso baixo possuem menores taxas de sobrevivência, bem como piores taxas de crescimento (Quiniou et al., 2002). O fenótipo de um leitão recémnascido é resultante de seu desenvolvimento embrionário e fetal. Este, por sua vez, é um processo bastante complexo e altamente integrado, pois depende do suprimento de nutrientes ao embrião/feto e de sua habilidade em utilizar os substratos disponíveis (Rehfeldt & Kuhn, 2006).
Na espécie suína, além da nutrição materna, a competição entre os fetos dentro do útero pelos nutrientes também afetaria o crescimento fetal, visto que já foi demonstrado que o peso ao nascer seria inversamente correlacionado ao tamanho da leitegada (Town et al., 2004). Além disso, a posição do feto dentro do útero poderia determinar diferenças no suprimento de nutrientes (Wigmore &Stickland, 1983). Há evidências de que leitões pequenos ao nascimento também necessitam de mais dias para atingirem o peso de abate e acumulam mais gordura na carcaça que seus irmãos mais pesados. Este fato pode estar relacionado a um desenvolvimento funcional inadequado do trato gastrointestinal. Estudos sugerem que um adequado desenvolvimento funcional do trato gastrointestinal dos leitões neonatos é importante para o desempenho subseqüente de suínos (Cranwell, 1995). Assim, leitões com baixo peso ao nascimento podem apresentar alterações tanto no crescimento quanto na morfologia intestinal, o que está associado a alterações na expressão gênica de proteínas relacionadas ao crescimento. Isto poderá contribuir para um pior desempenho destes leitões (Wang et al., 2005).
Além disso, no recente estudo de Gondret et al. (2006), também foi demonstrado que a qualidade da carne destes animais é pior. Este fato pode ser decorrente de um baixo número de miofibras devido aos danos ocorridos durante a miogênese. O mesmo pode-se dizer quanto às características associadas ao desenvolvimento pós-natal e qualidade de carne que podem ser influenciadas pelo número e tamanho das fibras musculares, às quais são determinadas até os dias 90-95 de gestação. Portanto, o presente artigo tem por objetivo abordar as alterações que ocorrem durante o desenvolvimento pós-natal em leitões de diferentes pesos ao nascimento.
2- CRESCIMENTO INTRA-UTERINO RETARDADO (CIUR)
CIUR pode ser definido como a redução no crescimento e desenvolvimento de embriões e fetos de mamíferos ou de seus órgãos durante a gestação. O peso fetal ou ao nascimento relativo à idade gestacional pode ser usado como um critério prático para se detectar o CIUR, visto que pode ser facilmente medido nas granjas. Os suínos exibem a forma de CIUR, ocorrida naturalmente, mais severa com o peso ao nascimento de 15 a 20% dos recém-nascidos menor que 1,1 kg (Wu et al., 2006). Apesar do crescimento e desenvolvimento fetais serem guiados pelo genoma, a regulação genética do crescimento fetal é influenciada pelo ambiente intra-uterino no qual o feto cresce (Martin-Gronert & Ozanne, 2006). Portanto, qualquer anormalidade no ambiente intra-uterino poderá alterar a expressão do genoma fetal, prejudicando o crescimento do feto, e deixar sequelas irreversíveis no indivíduo. Fatores múltiplos (e.g. genéticos, epigenéticos e ambientais) regulam o crescimento do concepto e contribuem para o CIUR. Entretanto, capacidade uterina insuficiente e nutrição materna inadequada são os dois principais fatores que impedem o crescimento fetal (Wu et al., 2006). 4 Um animal acometido por CIUR possui órgãos menores, com exceção do cérebro; isto é conhecido como "brain sparing effect" ("efeito de poupar o cérebro").
Assim, uma boa medida para se determinar a existência do CIUR seria a relação entre o peso do cérebro e o peso do fígado. Em animais normais, esta relação é menor que um (Town et al., 2004). A placenta é o órgão que transporta nutrientes, gases respiratórios e os produtos do metabolismo entre as circulações materna e fetal. O desenvolvimento placentário, incluindo o desenvolvimento vascular, é essencial para o crescimento e desenvolvimento fetais (Reynolds et al. 2005). Na verdade, o fluxo sanguíneo útero-placentário é o principal fator que influencia a disponibilidade de nutrientes para o crescimento fetal. Portanto, placentas pouco desenvolvidas podem estar associadas ao CIUR, visto que o peso das placentas e o fluxo sanguíneo placentário estão correlacionados ao peso dos fetos (Town et al., 2004). Fatores que estimulam a angiogênese são essenciais para se manter uma boa eficiência placentária e assim garantir um bom desenvolvimento fetal.
Neste sentido, investigações tem se direcionado ao estudo da arginina, um substrato para a síntese de óxido nítrico (ON) e poliaminas. Por sua vez, o ON é um importante fator vaso-relaxante que regula o fluxo sanguíneo materno-fetal e, portanto, a transferência de oxigênio da mãe para o feto (Bird et al. 2003). Recentemente, verificou-se que o fluido alantóide dos suínos seria rico em arginina aos 40 dias de gestação e esta abundância nos fluidos fetais estaria relacionada à elevada síntese de ON e poliaminas pela placenta suína durante a primeira metade da gestação, quando seu crescimento é mais rápido (Wu et al. 2005). Evidências mostram que IUGR, além de acometer a sobrevida do animal, deixa sequelas permanentes que acometem determinados parâmetros zootécnicos tais como conversão alimentar, composição corporal, qualidade da carne e desempenho reprodutivo. Portanto, possui implicações importantes em qualquer sistema de produção animal.
3- PESO AO NASCIMENTO X DESENVOLVIMENTO PÓS-NATAL
Conforme mencionado anteriormente, a competição entre os fetos dentro do útero pelos nutrientes na espécie suína também afetaria o crescimento fetal. Estudos recentes em nosso laboratório comprovaram que leitões com peso ao nascimento variando entre 0,8 a 1,2 kg, oriundos de fêmeas de 4ª a 6ª ordens de parto e leitegadas formadas por 10 a 15 indivíduos, apresentaram evidências de CIUR. Estas evidências foram comprovadas pelo maior valor das relações entre peso do cérebro e peso dos demais órgãos naqueles animais quando comparados a animais oriundos de leitegadas de tamanhos semelhantes, porém com peso ao nascer de 1,8 a 2,2 kg (Tabela 1). Vale ressaltar que a nutrição pré-natal e o peso ao nascimento podem ser determinantes para o crescimento do tecido muscular esquelético e, consequentemente, afetar o desempenho pós-natal e as características de carcaça (Bee, 2004; Gondret et al., 2006).
Quanto ao desempenho pós-natal, nossos resultados mostraram que os animais mais leves ao nascimento apresentaram pesos menores à desmama, saída de creche e saída de recria (P<0,01). Entretanto, o peso à saída da terminação desses animais foi semelhante ao dos animais mais pesados ao nascimento (Tabela 2). Este fato pode ser devido a um maior acúmulo de gordura corporal ou a uma baixa capacidade de expressão do potencial de crescimento dos animais de alto peso ao nascimento, em decorrência a uma dieta não compatível para tal. Como as análises dos dados de carcaça e qualidade de carne estão em andamento, apenas podemos fazer especulações a esse respeito.
As análises morfológicas e morfométricas de amostras do músculo semitendíneo de animais recém-nascidos e terminados dos diferentes grupos experimentais revelaram que tanto os animais recém-nascidos quanto os terminados mais leves ao nascimento apresentaram um menor número de fibras musculares comparados aos mais pesados (P<0,01; Tabela 3). Estes dados sugerem que animais mais leves podem apresentar uma pior qualidade de carne. As análises morfológicas e morfométricas de amostras do duodeno coletadas em animais recém-nascidos e terminados revelaram que os animais mais leves ao nascimento apresentaram uma menor altura do epitélio intestinal comparados aos animais mais pesados (P<0,01; Tabela 4). Este fato pode estar relacionado a uma pior capacidade absortiva da mucosa intestinal daqueles animais, prejudicando, por conseguinte seu desempenho até o abate.
A análise morfológica dos testículos de alguns animais desses dois grupos experimentais nos revelou um dado de grande interesse comercial. Animais mais leves ao nascimento apresentam um menor número de células de Sertoli e de células germinativas, comparados aos mais pesados (P<0,01; Tabela 5). Como o número de células de Sertoli estabelecido antes da puberdade influencia o tamanho do testículo no animal adulto e sua capacidade espermiogênica, varrões mais leves ao nascimento poderão apresentar pior desempenho reprodutivo (McCoard et al. 2001). Portanto, peso ao nascimento pode ser um importante parâmetro a ser considerado quando da escolha dos reprodutores para as centrais de inseminação.
4- CONCLUSÕES
Diante do exposto, podemos concluir que a capacidade uterina afeta o desenvolvimento fetal, sendo extremamente importante para o nascimento de leitões saudáveis, que terão um bom desempenho pós-natal e que apresentarão carne de boa qualidade. As fêmeas hiperprolíficas merecem atenção especial quanto à nutrição, principalmente na primeira metade da gestação, quando o desenvolvimento placentário é mais rápido.
Um número de fetos maior que a fêmea seja capaz de manter vivos até o parto poderá aumentar a 7 competição entre os fetos por nutrientes e oxigênio, resultando em leitões mais leves ao parto. Assim sendo, os programas de melhoramento genético deveriam se concentrar na seleção para capacidade uterina e eficiência placentária para que menos leitões sejam acometidos de crescimento intra-uterino retardado.
5- REFERÊNCIAS
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