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Lawsonia Intracellularis Suinocultura

Infecção por Lawsonia intracellularis: um problema recorrente na suinocultura do Brasil.

Publicado: 25 de abril de 2012
Por: Roberto Maurício Carvalho Guedes
(O trabalho foi originalmente publicado por Acta Scientiae Veterinariae. 36(Supl 1): s77-s80, 2008)
INTRODUÇÃO
A enteropatia proliferativa, ou ileíte, causada pela bactéria intracelular obrigatória, Lawsonia intracellularis, tem distribuição mundial, mas a importância dada a esta enfermidade varia em diferentes países, devido a uma série de peculiaridades. Desta forma, gostaria de iniciar este manuscrito convidando os leitores a conhecer um pouco da realidade da enteropatia proliferativa em outros países, para que possamos fazer uma correlação com a situação atual da enfermidade em nosso meio.
AMÉRICA DO NORTE.
Muito provavelmente, os Estados Unidos da América seja o país onde a enteropatia proliferativa é melhor compreendida e estudada. Isto se justifica por vários fatores. Dentre eles, cita-se a estrutura diagnóstica instalada no país que conta com laboratórios estaduais de referência, muito freqüentemente associados a instituições de ensino superior como o Veterinary Diagnostic Laboratory de Iowa State University, o da University of Minnesota e o de South Dakota State University. Nestes laboratórios de diagnóstico, os casos clínicos e patológicos recebidos são trabalhados em todas suas possibilidades etiológicas. Ou seja, amostras de intestinos de cevados de recria, enviadas por veteriná- rio, são analisadas para a presença de todos os agentes que poderiam estar envolvidos, através de histopatologia, imunoistoquímica (em casos onde esta é indicada), bacteriologia de aeróbios e anaeróbios e técnicas moleculares, como a de PCR. Todos estes exames são compilados pelo patologista que recebeu o caso e um relatório final é elaborado. Outro ponto, relacionado com extensão e educação continuada, são os levantamentos de banco de dados da freqüência de enfermidades diagnosticadas que são freqüentemente publicados em eventos regionais ou nacionais, como a Al Leman Conference e o Encontro Anual da American Association of Swine Veterinarians (AASV), respectivamente. Desta forma, os veterinários tomam conhecimento da freqüência das principais enfermidades presentes em sua região. Além disto, avaliações soroepidemiológicas são conduzidas periodicamente para várias enfermidades pelo USDA (NAHMS – National Animal Health Monitoring System), bem como estudos encomendados por empresas farmacêuticas para enfermidades específicas. Finalmente, as técnicas diagnósticas para a enteropatia proliferativa são amplamente disponíveis, como por exemplo, o teste sorológico de imunoperoxidase em monocamadas de células, que é o padrão ouro entre os testes sorológicos para esta enfermidade. Este teste é realizado na rotina do Veterinary Diagnostic Laboratory da University of Minnesota, e recebe amostras de todo os Estados Unidos e Canadá.
Com base em todas as informações acima listadas, sabe-se que nos Estados Unidos, a enteropatia proliferativa é a doença entérica mais freqüentemente diagnosticada em leitões no período de recria e terminação [4]. Estudo soroepidemiológico recente demonstrou soropositividade para L. intracellularis em mais de 94% dos rebanhos testados [1]. Dentre as formas clínicas que mais são relatadas, citam-se a forma crônica e subclínica, sendo os casos de surtos da forma aguda, cada vez mais raros. Neste último caso, a utilização da vacina viva modificada tem tido grande impacto, principalmente pelo fato de estarem sendo utilizadas em animais a serem vendidos como reprodutores(as) de reposição. Os casos crônicos e subclínicos são relatados mais freqüentemente na recria e a utilização de pulsos ou choque com antimicrobianos eficazes é conduta rotineira. Um programa terapêutico muito freqüentemente utilizado, principalmente nos casos de surto agudo da forma hemorrágica, é a utilização de medica- ção injetável em animais doentes, seguida por medicação na água nos primeiros quatro a cinco dias seguintes ao diagnóstico do problema. Esta conduta propicia grande dinamismo e rapidez no controle do problema. De uma maneira geral, a medicação na água deveria ser mais utilizada no Brasil, não somente para enteropatia proliferativa, mas para todas as enfermidades relevantes.
No Canadá a apresentação da doença não é diferente dos Estados Unidos, valendo a pena salientar a conduta executada pela Geneticpork com relação a vacinação de suas fêmeas de reposição. Da mesma maneira, as formas clínicas mais freqüentes são as crônicas e subclínicas e os programas de controle adotam freqüentemente a associação de vacinação e utilização de pulsos medicamentosos na recria e terminação. A semelhança dos Estados Unidos, também existe um programa nacional de avaliação soroepidemiológica. No Canadá, o teste sorológico utilizado é o Ileitest, realizado pelo laboratório do Dr. Marcelo Gottschalk, na University of Montreal.
No México, o cenário já é distinto dos dois anteriormente comentados, e se assemelha às dificuldades e limitações que encontramos no Brasil com relação ao diagnóstico da enteropatia proliferativa. São três as principais áreas produtoras de suínos no México. Ao norte na região de Sonora, na Península de Yucatan e na porção central, na província de Jalisco, onde se localiza a cidade de Guadalajara. Enquanto que na região central existem ainda problemas remanescentes com Doença de Aujeszky, Peste Suína Clássica, nas regiões de Sonora e Yucatan as granjas gozam de boa condição sanitária, exportando carne suína ao Japão. De uma maneira geral, os problemas sanitários no México são grandes, principalmente pelo fato de serem positivos para PRRS, terem problemas sérios com PCV2, Salmonella Choleraesuis e ainda com a doença do olho azul. Outro limitante é a capacidade diagnóstica no país e, conseqüentemente, a dificuldade de estudos completos com relação a etiologia das doenças. Neste sentido, se assemelha muito a realidade brasileira. De qualquer forma, dentre os problemas entéricos na recria e terminação, a enteropatia proliferativa é a enfermidade mais freqüentemente relatada, sendo tanto a forma aguda (hemorrágica) quanto as formas crônica e subclínica diagnosticadas com freqüência. A utilização da vacina viva modificada é pouco freqüente.
EUROPA.
Poderíamos citar quatro ou cinco diferentes cenários da enteropatia proliferativa na Europa. Comecemos pela Dinamarca. A cinética da infecção por L. intracellularis modificou-se totalmente após o banimento dos promotores de crescimento naquele país. O problema que anteriormente era semelhante ao observado em países das Américas, que se concentra principalmente na recria e terminação, após o banimento, passou a ser observado com grande intensidade na fase de creche. Até mesmo os casos da forma aguda da enfermidade que eram relatados em animais próximo da idade de abate, deixaram de existir, e começou a predominar a forma crônica grave da enfermidade, na fase de creche. Estudo de prevalência de rebanhos afetados, baseado em PCR para L. intracellularis em amostras de fezes, demonstrou positividade em 93% dos rebanhos [7]. Foram testadas uma série de possíveis substitutos para os agentes antimicrobianos para o controle da infecção por L. intracellularis, como acidificantes, enzimas, prebióticos, probióticos, simbiontes e neutracêuticos. Entretanto, em nenhum dos casos foram observados resultados nem próximos aos obtidos com o uso de promotores de crescimento. Desta forma, o problema de diarréia pela forma crônica de enteropatia proliferatia permanece, mas vem sendo contornado pela utilização de medicação estratégica nas fases em que, historicamente, a enteropatia proliferativa vem sendo observada. Na verdade, não deixa de ser um programa preventivo, utilizando pulsos de medicação, muito freqüentemente na água, por um período de 5 a 7 dias. O problema na creche foi considerado tão sério, que os casos de colibacilose pós-desmame foram colocados em segundo plano. Interessante mencionar um trabalho recentemente publicado [5] onde foram avaliados em detalhe 80 casos diagnosticados como sendo ileíte em leitões de creche na Dinamarca. Destes, somente 64 animais realmente apresentavam enterites. Em 34 destes casos, foi observada combinação entre L. intracellularis e PCV2 em amostras de intestino delgado. Nos demais 30 casos somente foi detectada lesão pelo PCV2, demonstrando que pode haver associação entre os dois agentes, e enfatizando a importância do PCV2 como causa de diarréia em animais de creche.
O diagnóstico de enfermidades é feito em toda sua plenitude, principalmente pelo Danish Institute of Agriculture and Animal Diseases, em Copenhagem. Instituto este que desenvolveu teste sorológico de ELISA específico para L. intracellularis, somente utilizado naquele instituto. Outro aspecto que vale a pena discutir na Dinamarca, são as tentativas de erradicação da L. intracellularis, sempre utilizando a medicação intensa de animais de reprodu- ção, lavagem dos animais e desinfecção das patas, e transporte para instalações novas, seguidas por novo período de medicação. Resultados bem sucedidos em algumas granjas tem sido relatados, com manutenção do status negativo por período de até dois anos. Neste período de negatividade, tem sido relatado ganho de peso médio diário, entre 30 a 100 kg p.v., de até 100 gramas a mais que granjas positivas para L. intracellularis. Além disto, redução significativa dos casos de colibacilose, o que sugere a ação de "abridor de portas" da L. intracellularis [6].
Na Espanha e Alemanha, as propriedades variam muito em tamanho e fluxo de produção, o que propicia uma apresentação clínica variada da enfermidade, desde problemas subclínicos a casos de forma aguda. Estudos soroepidemiológicos demonstraram positividade maior que 90% dentre as granjas estudadas, em ambos países. O teste sorológico antigamente utilizado era o Ileitest, que vem sendo substituído pelo teste de Elisa de competição, desenvolvido na Alemanha, e que lentamente vem sendo difundido para outros países. Apesar de ser um teste disponível comercialmente, este tem custo elevado. O controle da enteropatia proliferativa nestes países vem sendo feito com a associação de choques de medicamentos e vacinação.
Na Suíça, que possui rebanhos pequenos de criação familiar, com média de 30 a 60 matrizes, os problemas com enteropatia proliferativa são esporádicos e de pouca importância. Já em rebanhos italianos, onde os animais são mantidos nas granjas por períodos de até oito a nove meses, com freqüência em sistemas de produção de fluxo contínuo de animais, o problema relacionado a formas crônicas clínicas de diarréia, bem como surtos da forma aguda são freqüentes, e controlados com o uso de antimicrobianos.
Em países do leste europeu como República Tcheca, Hungria, Polônia e Romênia, onde a produção de suínos vem crescendo rapidamente, principalmente com investimentos externos, a confusão entre casos de disenteria suína e a forma aguda de enteropatia proliferativa é bastante freqüente. Existe uma grande limitação de laboratórios diagnósticos e, os que estão presentes não oferecem condições amplas de diagnóstico de agentes a serem considerados no diferencial.
BRASIL.
A enteropatia proliferativa no Brasil se assemelha a maioria dos países de expressiva produção suinícola. Os poucos estudos soroepidemiológicos publicados, basicamente em anais de eventos, caracteriza os rebanhos brasileiros com mais de 94% de positividade. Ainda sofremos bastante com a baixa disponibilidade de testes sorológicos, no passado representado pelo Ileitest e atualmente pelo ELISA de competição desenvolvido na Alemanha. Em ambos os casos, o teste foi e tem sido disponibilizado por programas subsidiados por empresas farmacêuticas ou de produtos biológicos. Assim sendo, com a exceção dos Estados Unidos, o restante dos países sofre grande limitação para utilização de medicação estratégica ou vacinação em idades mais adequadas, devido a não disponibilidade destes testes e, conseqüentemente, impossibilidade de realizar perfis sorológicos dos rebanhos.
Com a diversidade de sistemas de produção presentes no Brasil, as apresentações clínicas da enfermidade são as mais variadas possíveis, variando desde quadros subclínicos, com pouco impacto no desempenho, até surtos agudos e fortes da forma hemorrágica em animais próximo a idade de abate ou em animais de reposição. Estes surtos da forma hemorrágica têm se tornado cada vez mais esporádicos, muito possivelmente pela grande divulgação dada a respeito da necessidade de utilização de janelas sem medicação de pelo menos três semanas entre os choque ou pulsos de medicação em níveis terapêuticos, focado problemas entéricos ou a combinação de problemas entéricos e respiratórios. A justificativa desta janela sem medicação, ou com níveis de promotor de crescimento de algumas drogas, é permitir o contato dos animais em crescimento com a L. intracellularis, e conseqüentemente, o desenvolvimento de resposta imune protetora. A escolha do momento de utilização destes pulsos de medicação é muito variável e depende da cinética de infecção em cada rebanho, que por sua vez é dependente do tipo de manejo, instalações, fluxo de animais, entre outros fatores. Neste sentido, o perfil sorológico do rebanho é extremamente útil, mas como dito anteriormente, de disponibilidade limitada. Em alguns casos, onde a diversidade de fontes de leitões presentes nos terminadores em sistemas de integração, mesmo utilizando soroperfis, torna-se bastante difícil extrapolar os resultados obtidos em um ou mais sistemas, para o restante das unidades.
Vale a pena salientar a grande variedade de drogas eficazes contra a L. intracellularis presentes no mercado, algumas com dupla aptidão e ação eficiente também contra problemas respiratórios. Desta forma, a escolha de antimicrobianos para uso preventivo, mas em doses terapêuticas, deve ser baseada em eficácia comprovada do produto, no preço, presença de doenças respiratórias intercorrentes e tempo de retirada das drogas. Revisão de literatura publicada recentemente trata sobre esta diversidade de moléculas já estudadas para o controle da enteropatia proliferativa [3].
O uso da vacina viva modificada no Brasil vem apresentando uma lenta mais progressiva utilização. E se enganam aqueles que pensavam que a vacina seria usada somente em animais de reposição em rebanhos multiplicadores, devido o maior valor agregado. O maior crescimento no uso deste produto biológico tem sido observado em animais de crescimento, em combinação com o uso de agentes antimicrobianos. Uma grande limitação do uso mais amplo desta vacina tem sido o intenso uso de medicação na ração, principalmente no período de creche. Lembrando que o uso da vacina exige retirada de qualquer tipo de medicação por pelo menos uma semana, por se tratar de uma vacina com bactérias apatogênicas vivas, e conseqüentemente, susceptíveis à ação antimicrobiana dos antibióticos. Uma alternativa que vem sendo utilizada é a vacinação individual de leitões na maternidade, quando estes animais não estão recebendo nenhum tipo de medicação. Resultados parciais deste procedimento a campo têm-se mostrado promissores.
Depois de toda esta discussão e comparação com o quadro de enteropatia proliferativa em diferentes países, voltamos a pergunta original sobre a freqüência e importância da enteropatia proliferativa dentre os problemas entéricos que afetam animais de crescimento e terminação. Em realidade, existe um único trabalho brasileiro, publicado pelo grupo da USP [2], sobre a prevalência de diferentes enteropatógenos causadores de diarréia em leitões de recria e terminação. Neste estudo foi utilizada a técnica de PCR em amostras de fezes de 541 suínos diarréicos e foi demonstrada presença de L. intracellularis em 13 % dos casos, seguidos por Salmonella em 4.8 %, B. hyodysenteriae em 1,4 % e B. pilosicoli com 1 %. Trabalho semelhante está sendo desenvolvido por nosso grupo no Estado de Minas Gerais. Dessa forma, podemos afirmar que também no Brasil, a L. intracellularis é o agente mais freqüente responsável por diarréia em animais na fase crescimento. De qualquer forma, mais estudos são necessá- rios para reconhecer, de forma dinâmica, a real importância e impacto destes agentes nos rebanhos nacionais.
CONCLUSÕES.
Pode-se notar que as infecções por L. intracellularis são os principais problemas causadores de diarréia em animais de crescimento e terminação, não só no Brasil, mas em todos os países de produção suinícola relevante. Particularmente no Brasil, são necessários esforços conjuntos para o aprofundamento e divulgação de informa- ções relevantes relacionadas à freqüência de detecção de diferentes agentes infecciosos, em como trabalhos de diagnóstico mais amplos, na tentativa de se detectar todos os agentes possíveis causadores de diarréia. Temos de nos conscientizar que apresentamos limitações claras, sendo imperativos trabalhos e estudos direcionados a um melhor reconhecimento dos problemas mais freqüentes.
REFERÊNCIAS.
Armbruster G.A., Deen J., Gebhart C.J., Pelger G.A., Keffaber K.K. & Parks C.W. 2007. Review of Lawsonia intracellularis seroprevalence screening in the United States, June 2003 to July 2006. In: Proceedings of 38 th American Association of Swine Veterinarian (Orlando, U.S.A). pp.231- 233.
Baccaro M.R., Moreno A.M., Shinya L.T. & Dotto D.S. 2003. Identification of bacterial agents of enteric diseases by multiplex PCR in growing-finishing pigs. Brazilian Journal of Microbiology. 34: 225-229.
França S.A. & Guedes R.M.C. 2008. Antimicrobianos para o controle da enteropatia proliferativa suína. Ciência Rural. 38: 288-296.
Highlights of NAHMS Swine. 2005. Part II: Information sheet, Veterinary Services, United States Department of Agriculture, Animal and Plant Heal th Inspect ion Service (APHIS) . Avai lable in: . Acessed in: 04/2005.
Jensen T.K., Vigre H., Svensmark B. & Bille-Hansen V. 2006. Distintion between porcine circovirus type 2 enteritis and porcine proliferative enteropathy caused by Lawsonia intracellularis. Journal of Comparative Pathology. 135: 176-182.
Nielsen E. 2006. Attempt to eliminate Lawsonia intracellularis. In: Proceedings of the Elanco International Symposium (Swinevet, Denmark). p.30.
Stege H., Jensen T.K., Moller K., Baekbo P. & Jorsal S.E. 2000. Prevalence of intestinal pathogens in Danish finishing pig herds. Preventive Veterinary Medicine. 46: 279-292.
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Autores:
Roberto Maurício Carvalho Guedes
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
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