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Mecanismos fisiológicos e bioquímicos envolvidos no turnover protéico: deposição e degradação de proteína muscular

Publicado: 11 de fevereiro de 2014
Por: Carla Heloisa Avelino Cabral, Professora do Curso de Zootecnia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), MT; Daniel Mageste de Almeida e Leandro Soares Martins, Mestrandos em Zootecnia do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG, e Roberta Kely Viana Mendes, Graduando em Zootecnia do Departamento de Zootecnia da UFV, MG.
Sumário

O turnover proteico é a renovação da proteína corporal, integra os processos de síntese e degradação. A síntese proteica é fortemente regulada, de forma que apenas as cópias necessárias para circunstâncias metabólicas correntes são sintetizadas. O sistema calpaína e do proteossomo se destacam na degradação das proteínas miofibrilares. A resposta com a ingestão de proteína é mais expressiva para degradação do que síntese. Os efeitos dos hormônios sobre o turnover de proteína são difíceis de separar, porque muitas vezes se sobrepõem, com efeitos inibidores e sinérgicos. Atuam no turnover proteico a insulina, fator de crescimento semelhante à insulina I (IGF-I), hormônio da tireóide, hormônio do crescimento e glicocorticóides. As metodologias de avaliação da síntese são a infusão contínua de um aminoácido marcado na corrente sanguínea e incorporação do aminoácido marcado na dieta, e da degradação a excreção de 3-metil-histidina na urina é uma técnica amplamente utilizada durante os últimos anos.

PALAVRAS-CHAVE: Calpaína, proteossomo, 3-metil-histidina.

 

INTRODUÇÃO
O turnover abrange a renovação ou substituição de uma substância biológica, bem como a troca de material entre diferentes "compartimentos" (WATERLOW, 2006). Em relação à proteína, o "turnover" é um termo geral para descrever tanto a sua síntese como a degradação (GOLDSPINK & GOLDSPINK, 1977; LOBLEY et al.,1980; BUTTERY, 1981; JONES et al., 1990; LOBLEY, 2003; ATTAIX & RÉMOND, 2005; WATERLOW, 2006; GOLL et al. 2008; BERGEN, 2008). Inicialmente alguns autores usavam turnover como sinônimo de degradação de proteína, mas isto não é mais usual.
A síntese de proteína é um processo não aleatório, uma vez que os aminoácidos são selecionados para a síntese pelo código genético, e há também possibilidades da "degradação não aleatória". Um exemplo são as células epiteliais da mucosa intestinal que, durante um período de cerca de 4 dias, migra da cripta para a ponta do vilo e depois são quebradas pelas enzimas do trato gastrointestinal. A cinética do "tempo de vida" de diferentes tecidos é mais comum do que se pensava, e ocorre principalmente em tecidos com alta taxa de renovação celular, como o sistema imunológico e da epiderme.
Embora o turnover de proteína intracelular pareça ser energeticamente ineficiente, é um processo essencial para a vida. Ele fornece às células aminoácidos entre as refeições ou durante períodos em que nenhuma fonte dietética de aminoácidos estão disponíveis, elimina os polipeptídeos que contêm erros de tradução ou transcrição e que são nocivos para a célula se não forem removidos, degrada as proteínas/isoformas que estão sendo deslocadas durante o desenvolvimento ou em resposta a uma demanda fisiológica (por exemplo, mudanças nas isoformas de miosina), permite a flexibilidade nas respostas das enzimas às condições de mudança, mantém o pool de aminoácidos livres.
A razão mais provável para o turnover de proteína corporal é a necessidade da regulação fina do metabolismo de aminoácidos e proteínas nos animais (BUTTERY, 1981), além de ajudar a garantir a homeotermia em mamíferos (LOBLEY, 2003).
A maioria dos mamíferos tem entre 40 e 50% do peso corporal composto de músculos, independentemente da espécie ou o sexo (Buttery, 1981). A massa muscular é um importante item produtivo em animais domésticos e como ela é determinada pelo balanço entre a síntese e a degradação de proteína muscular, tornou-se necessário desenvolver procedimentos quantitativos para o estudo do seu metabolismo em diferentes condições fisiológicas (GOPINATH & KITTS, 1984).
Objetivou-se descrever o fenômeno de turnover proteico, destacando a influência nutricional e hormonal neste processo, além das metodologias disponíveis para sua avaliação.
 
SÍNTESE PROTÉICA
A expressão da informação em um gene geralmente envolve a produção de uma molécula de RNA transcrita a partir de um DNA molde. Durante a transcrição, um sistema enzimático converte e informação genética de um segmento de DNA de fita dupla em uma fita de RNA com uma seqüência de bases complementares.
Três tipos principais de RNA são produzidos: RNAs mensageiros (mRNAs) codificam a seqüência de aminoácidos de um ou mais polipeptídios especificados por um gene ou conjunto de genes; os RNAs de transferência leem a informação codificada no mRNA e transferem o aminoácido apropriado a uma cadeia polipeptídica em crescimento durante a síntese de proteínas; os RNAs ribossômicos são constituintes dos ribossomos, organelas celulares que sintetizam proteínas. Muitos RNAs especializados adicionais possuem funções reguladoras ou catalíticas ou são precursores das três principais classes de RNA. A seguir será descrito resumidamente o processo de transcrição utilizando como literatura básica NELSON & COX (2006):
Durante a replicação, o cromossomo inteiro é usualmente copiado, entretanto, a transcrição é mais seletiva. Apenas genes particulares ou grupos de genes são transcritos em um determinado tempo, e algumas porções do genoma do DNA nunca são transcritas. A célula restringe a expressão da informação genética à formação dos produtos gênicos necessários em um momento particular. Seqüências reguladoras específicas marcam o início e o fim dos segmentos de DNA a serem transcritos e designam que fita do DNA é para ser usada como molde.
O RNA polimerase dependente de DNA requer, em adição a uma DNA molde, todos os quatro ribonucleosídeos 5'-trifosfatos (ATP, GTP, UTP, CTP) com precursores das unidades nucleotídicas do RNA, bem como o Mg2+ e Zn2+.
A iniciação da síntese do RNA em pontos aleatórios em uma molécula de DNA seria um processo dispendioso. Ao contrário, um RNA polimerase liga-se a seqüências específicas no DNA chamadas de promotores, que direcionam a transcrição de segmentos adjacentes ao DNA (genes).
A via da iniciação da transcrição consiste de duas partes principais, ligação e iniciação, cada uma com múltiplas etapas. Primeiro, a polimerase liga-se ao promotor, formando em sucessão um complexo fechado (onde o DNA ligado está intacto) e um complexo aberto (onde o DNA ligado está intacto e parcialmente desenovelado perto da sequência -27). Segundo, a trasncrição é iniciada dentro do complexo, levando a uma alteração da conformação que o converte a uma forma alongada, seguida pela movimentação do complexo de transcrição para fora do promotor ("desobstrução do promotor").
Uma molécula de RNA recém-sintetizada é chamada de transcrito primário, contém seqüências abrangendo um gene, embora as seqüências codificando o polipeptídio podem não serem contíguas. Segmentos não codificadores que interrompem a região codificadora do transcrito são chamados de íntrons, e os segmentos codificadores são chamados éxons. Em um processo chamado de processamento interno, os íntrons são removidos do transcrito primário e os éxons são unidos para formar uma sequência contínua que especifica um polipeptídio funcional.
Os mRNAs são também modificados em cada extremidade. Um resíduo modificado chamado de capacete 5' (resíduo de metilguanosina) é adicionado à extremidade 5'. A extremidade 3' é clivada 80 a 250 resíduos de adenina são adicionados para criar uma "cauda " poli(A). Os complexos protéicos elaborados que realizam cada uma dessas três reações de processamento não operam independentemente. Eles parecem ser organizados em associação com os outros e com o domínio carboxílico terminal fosforilado.
Outras proteínas envolvidas no transporte do mRNA até o citoplasma são também associadas com o mRNA no núcleo e o processamento do transcrito é acoplado a esse transporte. O transcrito primário é processado, transportado para o citoplasma, e entregue aos ribossomos para a tradução.
O destino final de qualquer RNA é sua completa e regulada degradação. A taxa de renovação dos RNAs desempenha um papel crítico na determinação dos seus níveis de equilíbrio dinâmico, bem com a velocidade pela qual as células podem desligar a expressão de um gene em que os produtos não são necessários.
As proteínas são os produtos finais da maioria das vias de informação. Uma célula típica requer milhares de proteínas diferentes a cada momento. Estas precisam ser sintetizadas em resposta às necessidades correntes da célula, transportadas (endereçadas) as suas localizações celulares apropriadas e degradadas quando não são mais necessárias. A síntese de proteína pode utilizar até 90% de energia química usada por uma célula para todas as reações biossintetizadoras.
A síntese de milhares de proteínas diferentes em uma célula é fortemente regulada, de forma que apenas as cópias necessárias são sintetizadas para fazer frente às circunstâncias metabólicas correntes. Para manter a mistura e a concentração de proteínas apropriadas, os processos de endereçamento e de degradação devem manter passo com a síntese.
O processo global da síntese de proteína guiada por mRNA é freqüentemente referido simplesmente como tradução. A tradução ocorre de tal forma que as trincas de nucleotídeos (códons) – que codificam aminoácidos específicos – são lidas de maneira sucessiva não superposta. O primeiro códon especificado na seqüência estabelece a pauta de leitura, onde um novo códon começa a cada três resíduos de nucleotídeos. Não há pontuação entre os códons para resíduos de aminoácidos sucessivos (VOET et al., 2002).
Vários códons desempenham funções especiais. O códon de iniciação AUG é o sinal mais comum para o início de um polipeptídio em todas as células, além de codificar para resíduos de metionina em posições internas dos polipeptídios. Os códons de terminação (UAA, UAG e UGA), também chamados de códon de parada ou códons sem sentido, normalmente sinalizam o fim da síntese polipeptídica e não codificam nenhum dos aminoácidos conhecidos.
A biossíntese das proteínas realiza-se em cinco etapas: ativação dos aminoácidos, iniciação, alongamento, terminação e liberação, enovelamento e processamento pós-tradução.
Durante o primeiro estágio da síntese de proteínas, realizado no citosol, as aminoacil-tRNA sintetases esterificam os 20 aminoácidos aos seus tRNAs correspondentes. Cada enzima é específica para um aminoácido e um ou mais tRNAs correspondentes.
A reação catalisada por uma aminoacil-tRNA sintetase é (VOET et al, 2002):
Aminoácido + tRNA + ATP ↔ aminoacil-tRNA + AMP + PPi
A síntese proteica começa na extremidade terminal amino e prossegue pela adição passo a passo de aminoácidos ao terminal carboxila do polipeptídio crescente. O códon de iniciação AUG especifica um resíduo de metionina no terminal amino.
A iniciação é um processo complexo no qual duas subunidades ribossômicas e Met-tRNA são dispostos a um mRNA apropriadamente alinhado para formar um complexo que pode começar o alongamento da cadeia. Esses processo requer fatores de iniciação (eIF) (VOET et al., 2002). As células eucarióticas possuem pelo menos nove fatores de iniciação e o complexo mais estudado é chamado de eIF4F, que inclui as proteínas eIF4E, eIF4G e eIF4A.
A iniciação da síntese proteica tem dois principais passos de regulação: formação do complexo de pré-iniciação (eIF2 - GTP - Met-tRNA) e ligação do complexo de pré-iniciação à fita de mRNA.
Para que ocorra a ligação do Met-tRNA com a subunidade 40S do ribossomo há necessidade que ocorra fosforilação do eIF2. E para que o complexo de préiniciação reconheça a fita de mRNA e comece a leitura da proteína é necessário que o eIF4E e eIF4G ligue-se ao capacete 5' do mRNA.
Em resumo (VOET et al., 2002):
Etapa 1: mRNA + eIF2 + GTP + Met-tRNA ligam-se à subunidade 40S do ribossomo;
Etapa 2: A subunidade 60S liga-se à subunidade 40S de modo a estimular o eIF2 a hidrolisar seu GTP ligado em GDP + Pi. Essa reação irreversível rearranja a conformação da subunidade 40S e libera os outros fatores de iniciação para participação nas demais reações de iniciação.
Etapa 3: A iniciação resulta na formação de um complexo Met-tRNa – mRNa – ribossomo, em que o Met-tRNA ocupa o "sítio P" do ribossomo, enquanto o "sítio A" é forçado a aceitar um aminoacil-tRNA ingressante.
O alongamento requer o complexo de iniciação descrito acima, os aminoaciltRNA, um conjunto de três proteínas solúveis citosólicas chamadas de fatores de alongamento (eEF1α, eEF1βγ e eEF2) e GTP. Pode ser dividido em 3 etapas:
Etapa 1: Ligação do aminoacil-tRNA - Complexo GTP e eEF1α combinam-se com um aminoacil-tRNA. A ligação do aminoacil-tRNA em um complexo códonanticódon ao sítio A do ribossomo é acompanhado pela hidrólise do GTP em GDP a fim de que eEF1α – GDP e Pi sejam liberados. O complexo eEF1α – GTP é regenerado em um processo envolvendo eEF1βγ e GTP.
Etapa 2: Transpeptidação - a cadeia peptídica nascente é estendida na porção Cterminal em um resíduo e transferida para o tRNA do sítio A em uma reação (transpeptidação) que ocorre sem a necessidade de cofatores ativadores como o ATP, pois a ligação éster entre o polipeptídio nascente e o tRNA no sítio P do ribossomo é uma ligação de alta energia.
Etapa 3: Translocação – É o estágio final do ciclo de alongamento, no qual o peptidil-tRNA junto com o seu RNA ligado move-se inteiramente para o sítio P e o tRNA descarregado é expelido diretamente do sítio P. O processo de translocação requer um fator de alongamento, eEF2, que se liga ao ribossomo junto com GTP e é liberado somente na hidrólise em GDP + Pi.
A terminação da síntese polipeptídica requer uma sinalização especial. O fator de liberação eRF reconhece os três códons de terminação ( UAA, UAG e UGA). A ligação dos fatores de liberação, em vez dos aminoacil-tRNA, ao códon de terminação induz à peptidil-transferase-ribossômica a transferir o grupo peptidil à água. Os produtos da reação são polipeptídios livres e um tRNA não carregado, o qual se dissocia do ribossomo. Os fatores de liberação são expelidos com a hidrólise concomitante do GTP.
O código genético universal quase idêntico em todas as formas de vida especifica apenas 20 aminoácidos-padrão. Entretanto, muitos outros aminoácidos são componentes de certas proteínas. Em quase todos os casos, tais aminoácidos incomuns resultam da modificação específica de um resíduo de aminoácido após a cadeia polipeptídica ter sido sintetizada (modificações pós-tradução) (VOET et al., 2002). Um caso típico no estudo do turnover proteico é a modificação (metilação) pós-tradução de alguns aminoácidos histidina na cadeia polipeptídica da actina e miosina do músculo esquelético formando o 3-metil-histidina. A importância deste processo será descrito adiante.
A atividade do complexo de iniciação afeta a tradução de todos os mRNAs que estão presentes em qualquer momento, controlando assim, a taxa global de síntese protéica. Em algumas condições, tais como a fome, a quantidade de RNA ribossomal pode variar, mas essas mudanças ocorrem mais lentamente do que mudanças na eficiência da tradução, isto é, a iniciação (WATERLOW, 2006).
A diminuição da atividade de RNA com o aumento da idade em frangos de corte promoveu diminuição da taxa de síntese fracional (MORGAN et al., 1989), ocorrendo o mesmo em ratos em crescimento. Este declínio pode ser atribuído à diluição de RNA dentro do músculo e os autores concluíram que, para manter uma alta taxa de síntese a taxa de degradação também deve ser elevada para impedir diluição do RNA por acúmulo rápido de proteínas.
A síntese da proteína corporal é distribuída entre os vários tecidos e órgãos com taxas diferentes, por exemplo, o trato gastro-intestinal e fígado em conjunto representam cerca de 8-14% da massa protéica corporal nos ruminantes e nãoruminantes, no entanto, eles são responsáveis por 25-45% de toda a síntese de proteína corporal. A taxa de síntese de proteína por 100 g de proteína é muito maior para órgãos esplâncnicos (exemplo: fígado - 44% d-1 em suínos, 22% d-1 em ovinos; duodeno - 117% d-1 em suínos, 50% d-1 em ovinos) que os tecidos periféricos, como músculo (3-12% d-1 em suínos, 3-4% d-1 em ovinos) (LOBLEY, 2003).
 
DEGRADAÇÃO PROTÉICA
Com base em recentes avanços na compreensão do turnover da proteína intracelular, parece que as proteínas miofibrilares primeiro devem ser desmontadas da miofibrila antes de serem degradadas e renovadas. Não está claro como esta dissociação ocorre, mas pode ser pela liberação de um grupo de "miofilamentos facilmente liberáveis", ou pode envolver a troca direta de proteínas miofibrilares com os seus homólogos no citoplasma da célula, ou ambos os mecanismos podem ser utilizados (GOLL et al., 2008).
O músculo esquelético possui três grupos de proteínas, classificadas de acordo com a sua solubilidade e localização no tecido muscular: proteínas sarcoplasmáticas (30 a 35% da proteína muscular), proteínas miofibrilares (55 a 60% da proteína muscular), proteínas do estroma (10 a 15% da proteína muscular). As proteínas miofibrilares além de serem a maior classe de proteínas do músculo esquelético, são responsáveis pelas propriedades contráteis do mesmo, e portanto, estudos sobre o crescimento e turnover muscular se concentram sobre as proteínas miofibrilares.
Propôs-se mais de 30 anos atrás que as proteínas miofibrilares podem ser renovadas pela liberação de filamentos da superfície da miofibrila pela ação das calpaínas que clivam as proteínas que estão envolvidas na manutenção dos miofilamentos anexados à miofibrila (titina e nebulina) e também dissociaria ligação em ponte cruzada da miosina e actina na presença de ATP (GOLL et al., 2008). A clivagem da tropomiosina e troponina, e da proteína C facilitaria a desmontagem do filamento fino e grosso, respectivamente. Assim, a actina e a miosina estariam suscetíveis à degradação pelo proteassomo.
As calpaínas não decompõe as proteínas em aminoácidos, mas faz clivagens seletivas deixando grandes fragmentos. Dessa maneira elas catalisariam o primeiro passo do turnover pela decomposição das proteínas que estão envolvidas na manutenção da estrutura miofibrilar.
ETLINGER et al. (1975) descobriram que aproximadamente 10 a 15% da proteína total do músculo esquelético e cardíaco pode ser dissociada da miofibrilas intactas sob a forma de miofilamentos pela leve agitação em uma solução contendo ou não ATP. Estes miofilamentos facilmente liberáveis não continha α actinina, desmina, titina e nebulina - as proteínas que são degradadas ou liberadas das miofibrilas pelas calpaínas - mas possuía actina e miosina, as proteínas que não são degradadas ou são degradadas de forma muito lenta por calpaínas.
Embora não seja certo que o mecanismo ou a rota utilizada pelas células musculares para remover proteínas miofibrilares durante períodos de perda de massa muscular rápida é a mesma que a utilizada para turnover de proteínas miofibrilares durante o crescimento muscular, a evidência mostra que os tratamentos que induzem a perda de massa muscular também aumenta a quantidade de miofilamentos facilmente liberáveis no músculo (GOLL et al., 2008).
Por outro lado, há indicações de que as proteínas nas miofibrilas podem trocar com os seus homólogos (GLACY, 1983; McKENNA et al., 1985; JOHNSON et al., 1988; SWARTZ, 1999) no pool de monômeros de proteínas no citoplasma da célula ou no meio circundante, podendo este mecanismo estar envolvido no turnover das proteínas miofibrilares da musculatura estriada.
A composição da proteína das miofibrilas muda ao longo da vida embrionária (exemplo: isoformas de miosina embrionárias para maduras) e mesmo na maturidade muscular mudam em resposta à demanda fisiológica, sendo que esta mudança deve ocorrer com o contínuo funcionamento muscular.
Dessa forma, não há evidências de que as proteínas sendo incubadas com miofibrilas são incorporadas no interior da miofibrila ao invés de simplesmente estar ligado à sua superfície. Mas parece claro que o espaçamento da malha miofibrilar não irá permitir o intercâmbio de proteínas ou polipeptídeos maior do que aproximadamente 200 kDa com outras proteínas no interior da miofibrila (GOLL et al., 2008).
Quanto aos tipos de enzimas proteolíticas, há quatro classes nas células que estão presentes em quantidades suficientes para catalisar o turnover de proteínas intracelulares: os sistemas lisossomal, caspase, calpaína e proteossomo. Entretanto, dos quatro principais sistemas de protease no músculo esquelético, os dados disponíveis indicam que apenas dois, o sistema calpaína e do proteossomo, têm um papel importante no turnover metabólico das proteínas miofibrilares, como será descrito a seguir.
1. Sistema Lisossomal: as proteases neste sistema (catepsinas) estão localizadas dentro de estruturas lisossômicas e têm pH ótimo ácido que varia de 3,5 a 6,5. Devido ao seu baixo pH ótimo, as catepsinas não estão ativas no pH do citoplasma da célula, e portanto, o seu papel no turnover da proteína muscular teria que ocorrer dentro dos lisossomos. Além disso, as células musculares contêm cistatina (potente inibidor da cisteína proteases), as miofibrilas (0,5-3,0 μm de diâmetro) são grandes demais para serem englobadas pelos lisossomos (que poderia resultar na ruptura da miofibrila e perda da função) e contêm muito poucos lisossomos, especialmente em comparação com órgãos como o fígado ou o baço.
2. Sistema Caspase: As caspases são cisteína proteases responsáveis pela degradação das proteínas durante a apoptose, mas não se sabe no momento se podem degradar eficientemente miofibrilas porque elas são ativadas por eventos que dão início a apoptose, sendo pouco provável que elas tenham uma atividade significativa nas células musculares em funcionamento normal, embora possam ser ativadas durante períodos de perda de massa muscular.
3. Sistema Calpaína: O sistema calpaína inclui 14 diferentes membros mais a calpastatina. O músculo esquelético contém quantidades significativas de 2 calpaínas (proteases Ca2+-dependentes) bem caracterizadas, μ-calpaína e mcalpaína, e seu inibidor específico, a calpastatina.
Muitos estudos indicam que o sistema calpaína tem um papel importante tanto na perda de massa muscular, que ocorre em diversas distrofias musculares, como no turnover metabólico das proteínas miofibrilares. Concentrações intracelulares de Ca2+ livre estão elevados na distrofias musculares e patologias do músculo, e esta elevação intracelular, evidentemente, estimula a atividade da calpaína (GOLL et al. 2003).
O sistema calpaína também está envolvido no crescimento do músculo esquelético. Trabalhos com agonistas β-adrenérgicos (FORSBERG et al., 1989; KRETCHMAR et al., 1989, 1990; BARDSLEY et al., 1992; PARR et al., 1992, 2000; citados por GOLL et al., 2008) demostraram que o aumento da taxa de crescimento do músculo esquelético ocorreu, principalmente, pela diminuição da taxa de degradação protéica muscular e que esta diminuição é devido, principalmente, a um aumento na atividade de calpastatina. Estudo com ovelhas com gene calipígio mostraram que a hipertrofia muscular ocorreu devido um aumento de 100 a 125% da calpastatina nestes animais em comparação aos normais, desta forma diminuiu a degradação muscular (KOOHMARAIE et al., 1995).
As calpaínas possuem como características: não degradar os polipeptídios em aminoácidos ou mesmo em grandes peptídeos, mas faz clivagens pouco seletivas nas proteínas; não degradam actina desnaturada e degrada a miosina desnaturada somente muito lentamente e; não catalisam a degradação em massa de proteínas sarcoplasmáticas no músculo, embora elas degradem quinases e fosfatases que estão presentes no sarcoplasma (GOLL et al., 2003).
Portanto, o papel das calpaínas no turnover da proteína miofibrilar deve limitarse a liberação de filamentos de actina e miosina das miofibrilas, ou seja, a liberação dos miofilamentos facilmente liberáveis, e assim, fornecer substratos protéicos para o proteossomo, aumentando assim a sua atividade.
4. Proteossomo: tem um papel importante na degradação de proteínas intracelulares em todas as células, incluindo células musculares e suas propriedades indicam que não poderia degradar miofibrilas intactas.
O proteossomo 26S é um complexo multiprotéico onde as proteínas ubiquitinadas são degradadas em um processo dependente de ATP. Ele é constituído por um centro cilíndrico oco, conhecido como proteossomo 20S, o qual é coberto em cada terminação (nas suas extremidades laterais) por uma "tampa" (complexos regulatórios) 19S. O proteossomo 20S é formado por 28 subunidades agrupadas em 2 classes, α e β subunidades (14 genes; sendo 7 α-tipo (anéis externos) e 7 β-tipo (anéis internos) com duas cópias de cada) (VOET et al., 2002). As subunidades dos tipos α e β são estruturalmente semelhantes, mas somente as subunidades β têm atividade proteolítica (apenas as subunidades β1, β2 e β5 têm sítios catalíticos funcionais, portanto, seis sítios catalíticos em um proteassoma 20S) (GOLL et al. 2008).
Os sítios ativos estão localizados dentro do cilindro do proteossomo 20S, impedindo assim, que tal máquina desmontadora de proteínas hidrolise indiscriminadamente as proteínas a sua volta (VOET et al., 2002). A cavidade central é protegida pelas proteínas que constituem a partícula 19S regulatória, e esta é responsável pelo desdobramento dos polipeptídeos e reconhecimento do substrato.
O complexo regulador 19S pode ser dividido em uma "tampa" e uma base. A tampa contém 8 polipeptídeos diferentes que estão envolvidos na ligação de cadeias poliubiquitinadas. A base contém 6 homólogos ATPases e 3 polipeptídeos que não são ATPases. As ATPases usam a energia do ATP para desdobrar o polipeptídeo para entrar na câmara do proteossomo.
A ubiquitina é uma proteína monomérica de 76 resíduos, cujo nome se refere a sua ubiqüidade e abundância. As proteínas são marcadas para degradação pela sua ligação covalente com a ubiquitina. Esse processo ocorre em três etapas: em uma reação dependente de ATP, o grupo carboxi-terminal da ubiquitina é conjugado, por meio de uma ligação tioéster, a uma enzima ativadora de ubiquitina (E1); a ubiquitina é, então, transferida a um grupo sulfidrila específico em uma das inúmeras proteínas homólogas, denominadas enzimas conjugadoras de ubiquitina (E2); a ubiquitina proteína ligase (E3) transfere a ubiquitina ativada de uma E2 para o grupo ε-amino da Lys48 de uma proteína previamente acoplada, formando assim, uma ligação isopeptídica. E3 parece ter um papel chave na seleção da proteína a ser degradada. Contudo, o grande número de diferentes E2 em uma célula sugere que essas proteínas também funcionam na seleção de proteínas-alvo (VOET et al., 2002).
Para ser reconhecida pelo proteossomo, a proteína-alvo deve ser marcada com uma cauda que contenha pelo menos quatro moléculas de ubiquitina. As moléculas de ubiquitina que são adicionadas após a ubiquitina inicial usam a mesma série E1, E2, E3 de enzimas e anexam a segunda ubiquitina (terceira, etc) no grupo ε-amino da Lys48 da primeiro (segunda, terceira, etc) ubiquitina (GOLL et al., 2008).
Os produtos de degradação do proteossomo são peptídeos que vão de 3-23 aminoácidos (a maioria são 6-10 aminoácidos) com uma média de 8 aminoácidos. Estes peptídeos são então degradados para AA por diferentes di-e tripeptidases na célula. Assim, a degradação pelo proteossomo é irreversível.
As características pelas quais ao menos as proteínas nativas são selecionadas para destruição parece ser notavelmente simples. A meia-vida de uma proteína citoplasmática varia com a identidade dos seus resíduos N-terminais por meio da chamada "regra do N final". Proteínas com resíduos N-terminal de Asp, Arg, Leu, Lys e Phe tem meias-vidas de somente 2 a 3 minutos, ao passo que aquelas com resíduos de Ala, Gly, Met, Ser e Val tem meias-vidas de maiores que 20 horas. Evidentemente, E3 interage com o resíduo N-terminal de uma proteína ao selecionála para ubiquitinação. Contudo, está claro que outros sinais mais complexos são também importantes na seleção de proteínas para a degradação. Por exemplo, proteínas com segmentos ricos em resíduos de Pro (P), Glu (E), Ser (S) e Thr (T) são rapidamente degradadas. A eliminação desses segmentos – conhecidos como PEST – prolonga o tempo de vida das proteínas, ainda que a maneira como eles são reconhecidos seja desconhecida (VOET et al, 2002).
Muitos efetores nutricionais e hormonais influenciam a taxa de degradação, mas ainda existe lacunas na compreensão da via de sinalização pelo qual eles produzem os seus efeitos. Seria simplificar, ao nível fisiológico, as condições em que a degradação é estimulada ou inibida a apenas um ou dois efetores, como a insulina e os glicocorticóides. No entanto sabe-se que a proteólise é mais sensível que a síntese à pequenas mudanças nos níveis de insulina plasmática dentro de sua faixa fisiológica, mas é desconhecido onde diverge no sistema de sinalização de insulina da via para a regulação da síntese e degradação (WATERLOW, 2006).
A síntese e degradação envolve um grande número de proteínas. E a questão mais importante na cinética de proteína é como síntese e degradação são coordenadas. Sabe-se que o ribossomo não conecta-se ao proteossomo, mas é lógico que se dois processos opostos devem ser coordenados, deve haver alguma ligação funcional entre eles. Segundo WATERLOW (2006) este "link" são os aminoácidos, o substrato para um processo e o produto do outro. A insulina e os aminoácidos desempenham um papel fundamental na síntese e degradação protéica.
 
EFEITO DA ALIMENTAÇÃO NO TURNOVER PROTÉICO
O mecanismo primário do crescimento muscular pós-natal em gado de corte é o acréscimo de proteína e o estado nutricional tem um impacto importante sobre a taxa de turnover de proteína muscular (JONES et al., 1990).
Waterlow (2006) afirmou que com alimentação contínua não houve mudança na síntese de proteína corporal, mas em média uma queda de quase 50% na degradação.
Pode parecer paradoxal, mas o baixo consumo de proteína promove uma redução na síntese abaixo do nível de jejum. A razão é que a baixa ingestão de alimentos estimula a produção de insulina que reduz a degradação protéica e a diminuição de aminoácidos disponíveis sinaliza para diminuição da síntese. Mas a variação das respostas com a ingestão de proteína é mais expressiva para degradação do que síntese ou oxidação (WATERLOW, 2006).
JONES et al. (1990) em estudo para determinação das alterações na taxa de degradação e síntese de proteínas miofibrilares em bovinos em restrição alimentar e realimentação subsequente observaram que o ganho médio diário e a excreção urinária de 3-metil-histidina foram maiores para os animais alimentados à vontade do que os que tinham dieta restrita. Contudo, após a realimentação o segundo grupo de animais igualaram nas duas variáveis citadas anteriormente. Sendo importante destacar que a excreção de 3-metil-histidina é um indicativo de degradação de proteína muscular. O grupo com alimentação restrita teve menor degradação e síntese de proteína muscular em períodos de restrição de nutrientes, mas com resposta inversa aos 118 dias de experimento, durante a avaliação do período de realimentação (> 80 dias).
O aumento da degradação e síntese de proteína muscular durante a realimentação de animais com alimentação inicial restrita indica que as taxas de turnover de proteína foram altas conjuntamente com o aumento da taxa de crescimento, corroborando com os resultados de MILLWARD et al. (1975) em ratos.
REEDS et al. (1980) investigando a relação entre a deposição e síntese de proteínas sugeriram que quando ambas variáveis são alteradas pela variação na ingestão diária de alimentos em um peso corporal fixo, cada unidade de aumento na deposição de proteína está associada com um aumento de 2,17 na síntese de proteína e, portanto, presumivelmente, um aumento de 1,17 na degradação de proteína corporal.
Estimativas de síntese de proteína corporal em dietas com diferentes balanços de N e energia em animais mais pesados são menos comuns pelo alto custo. No entanto, comparações entre espécies de animais adultos ou de animais em crescimento restrito sugerem que existe uma relação fixa entre a síntese protéica e peso metabólico. Se essa constância é assumida e a taxa de síntese de proteína para os suínos de 30 kg é aplicada para aqueles de maior peso corporal, então, após atendidas as exigências de manutenção, a relação deposição:síntese cairia para 0,36 em 60 kg e 0,31 em 90 kg em comparação com o valor de 0,46 para 30 kg de peso corporal (REEDS et al., 1980).
 
EFEITO DE HORMÔNIOS NO TURNOVER PROTÉICO
Os efeitos dos hormônios sobre o turnover de proteína são difíceis de separar, porque muitas vezes se sobrepõem, com efeitos inibidores e sinérgicos. Eles também podem interagir com os alimentos, especialmente no caso da insulina, pois a alimentação estimula a secreção de insulina.
Insulina: Muitos trabalhos tem sido feitos para determinar as funções distintas de insulina e alimentação na regulação do turnover de proteína. Ambos trabalham na mesma direção, pois o alimento deprime as concentrações plasmáticas de aminoácidos, presumivelmente como resultado da produção de insulina, que é estimulado pela alimentação causando uma diminuição na degradação de proteínas e um aumento na síntese.
A proteólise é mais sensível que a síntese diante de pequenas mudanças nos níveis de insulina plasmática, dentro da faixa fisiológica. Pequenos aumentos nos níveis de insulina plasmática diminuem a proteólise muscular e corporal, mas maiores níveis são necessários para estimular a síntese (WATERLOW, 2006). Aceita-se há muito tempo que a insulina reduz a degradação de proteínas e estimula a síntese quando os aminoácidos estão disponíveis.
Fator de crescimento semelhante à insulina I (IGF-I): uma propriedade particularmente interessante de IGF-I é que ele é muito sensível ao estado e suprimento nutricional. O IGF-I aumenta a taxa de síntese com pouca ou nenhuma mudança na degradação, mas pode atuar diminuindo os efeitos catabólicos dos glicocorticóides.
Hormônio da tireóide: aumenta síntese e degradação protéica e existe divergência nos dados quanto em que processo o aumento é mais expressivo.
Hormônio do crescimento: um aumento na síntese protéica com uma diminuição substancial na oxidação nos estados alimentados e em jejum. A queda na oxidação e excreção de uréia promove um balanço positivo de nitrogênio.
Glicocorticóides: produz um balanço nitrogenado negativo, a degradação protéica aumenta, enquanto a síntese não é alterada.
 
METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO DE SÍNTESE E DEGRADAÇÃO PROTÉICA
Síntese de proteína total do corpo (BUTTERY, 1981): A técnica mais utilizada para a medição da síntese de proteína corporal envolve a infusão contínua de um aminoácido marcado para a corrente sanguínea de um animal e acompanhamento (monitoramento) do atividade específica do aminoácido no plasma. A atividade específica tende a estagnar depois de várias horas. O tempo necessário depende de vários fatores, são exemplos, o aminoácido utilizado e o estado nutricional do animal. A partir da atividade específica no platô, o fluxo pode ser calculado como segue:
Fluxo = taxa de infusão do isótopo/atividade específica no platô
Normalmente, um aminoácido é selecionado por não ser sintetizado no corpo como a leucina.
Síntese protéica nos tecidos: A técnica de infusão constante também pode ser usada para determinar as taxas de síntese protéica nos tecidos (WATERLOW, 2006). Os cálculos são baseados na suposição de que a atividade específica do aminoácido marcado no pool precursor para a síntese de proteína sobe para um platô e que a taxa de ascensão pode ser descrita por uma única função exponencial (BUTTERY, 1981):
Si = Si max (1 - e-Kt)
Onde: Si é a atividade intracelular específica e K é uma taxa constante que depende do animal a ser estudado e aminoácidos usado.
Uma variante da técnica de infusão contínua envolve a incorporação do aminoácido marcado na dieta. E uma abordagem alternativa para medir a taxa de síntese fracionada é injetar uma grande dose de aminoácido marcado e em seguida medir a atividade específica do pool precursor e o pool da proteína ligada em vários intervalos durante os próximos 30 minutos. Enquanto o método é aplicável a maioria dos tecidos, a necessidade de usar quantidades relativamente grandes de aminoácidos marcados torna o seu uso em animais de grande porte impraticável.
Não pode haver afirmação definitiva de qual o melhor aminoácido marcado para ser usado no metabolismo das proteínas em estudos com animais vivos. A escolha será ditada pelas mensurações que se deseja fazer, os animais a serem utilizados, os recursos financeiros disponíveis e quaisquer requisitos legais em matéria de eliminação dos resíduos. Entre os aminoácidos que tem sido utilizados estão a lisina, tirosina, leucina e glicina.
É importante salientar que existe uma discussão quanto ao estudo de turnover protéico utilizando metodologias que infundem aminoácidos de forma intravenosa, ou fornecem por alimentação via oral. Com aplicação de correções nas metodologias, os aminoácidos pela veia, embora levando a grandes aumentos nas concentrações plasmáticas, produzem uma estimulação significativa da síntese e uma inibição muito menor da degradação do que o alimento por via oral (WATERLOW, 2006).
Uma possível interpretação é que pequenas quantidades de comida em intervalos freqüentes - o protocolo habitual - produzem apenas pequenas elevações nas concentrações plasmáticas de aminoácidos, mas um aumento significativo nos níveis de insulina, enquanto que os aminoácidos pela veia produzem maiores aumentos na concentração, mas pouco ou nenhum aumento de insulina.
Degradação de proteínas (BUTTERY, 1981): O monitoramento da perda do marcador na proteína, em teoria, dá uma excelente maneira de determinar a taxa de degradação, no entanto, vários problemas tornam muito difícil a obtenção de resultados precisos. O principal deles é a reutilização do aminoácido marcado, ou seja, com a hidrólise da proteína o aminoácido liberado é incorporada na nova proteína.
Especialmente em animais de maior porte o turnover de muitas proteínas é relativamente lento e isso exigiria experimentos longos (3 vezes expectativa de meia-vida), especialmente quando as tentativas são feitas para levar em conta a heterogeneidade das proteínas dos tecidos. Além disso, quando o uso de animais maiores a quantidade de isótopos necessário torna-se proibitiva.
Uma técnica amplamente utilizada durante os últimos anos para a avaliação do catabolismo de proteínas miofibrilares é a excreção de 3-metil-histidina na urina. O aminoácido 3-metil-histidina origina-se da actina e certas espécies de cadeia pesada da miosina e durante o catabolismo de proteínas miofibrilares, ele é liberado e excretada na urina e não é reutilizado para a síntese protéica nem metabolizado oxidativamente (GOPINATH E KITTS, 1984).
O 3-metil-histidina é um constituinte normal das cadeias de actina e miosina e é formado por doação pós-translacionais de um grupo metil da metionina a histidina. Depois de degradação dessas proteínas, a histidina metilada liberada não é reutilizada, mas quantitativamente excretada na urina dos animais (D'MELLO, 2003).
Assim, sua excreção foi sugerida como um índice in vivo válido da degradação protéica muscular. Mas a validade deste método tem sido questionada, foi sugerido que os outros tecidos, além do músculo esquelético, podem contribuir com uma parcela considerável de 3-metil-histidina urinária.
Este método tem sido utilizada no homem, ratos, coelhos e foi validado para bovinos ( McCARTHY et al., 1983). No entanto, tem sido relatado como um índice inválido de degradação da proteína muscular em ovinos e suínos (GOPINATH E KITTS, 1984).
Nos bovinos mais de 93% do total de 3-metil-histidina nos tecidos analisados ocorreu na proteína do músculo esquelético (McCARTHY et al, 1983). Assim, com base em evidências disponíveis na literatura, assume-se que, em bovinos, uma parte importante de 3-metil-histidina da urina é derivada do músculo esquelético e esta excreção representa um índice in vivo da degradação proteica muscular.
Há modelos de três compartimentos de cinética de 3-metil-histidina, com base no conhecimento de que existe pools deste aminoácido no plasma, em fluidos extracelulares, dentro do músculo e em outros tecidos. Nos ovinos e suínos há um pool de balenine (dipeptídeo composto de beta-alanina e 3-metil-histidina em quantidades equimolares) no músculo.
A miosina cardíaca e fetal não contêm 3-metil-histidina, e este aminoácido está presente em menor concentração no músculo com predominância de fibras vermelhas do que com fibras brancas, devido ao conteúdo variável de miosina nos músculos. Em contraste, a concentração de 3-metil-histidina na actina permanece o mesmo em diferentes tipos de fibras musculares e numa grande variedade de espécies (YOUNG et al., 1972).
Em estudos in vitro do mecanismo de metilação de músculo de ave demonstrou-se a inserção do grupo metil da S-adenosilmetionina, não só em histidina, mas também em resíduos de lisina após a formação de polipeptídeos da miosina, actina e proteínas sarcoplasmáticas (YOUNG et al., 1972). E a ligação in vitro do aminoácido marcado ao tRNA muscular demonstrou que há histidil-tRNA prontamente disponível, mas não há similar aminoacil-tRNA formados a partir de 3-metil-histidina.
Torna-se importante lembrar que em trabalhos onde o índice de degradação muscular utilizada será a excreção de 3-metil-histidina, a dieta deve ser desprovida deste aminoácido (exemplo: farinha de peixe ou farinha de carne).
 
TURNOVER DE PROTEÍNA EM DIFERENTES CONDIÇÕES FISIOLÓGICAS
A deposição de proteína durante o crescimento, obviamente, exige um aumento na taxa de síntese acima do nível de manutenção, contudo, isso normalmente é acompanhado por um aumento da taxa de degradação.
Não se sabe se as alterações na taxa de deposição de proteína durante o crescimento surgem principalmente de mudanças na síntese proteica, na degradação, ou em ambos , nem é conhecido, por exemplo, se há uma relação fixa de um para o outro (REEDS et al., 1980).
Em ensaio com músculo de ratos as taxas de degradação protéica foram maiores nos ratos de crescimento mais lento, sendo que a capacidade e eficiência de síntese protéica dos animais estabeleceu-se após o primeiro mês a um nível que permaneceu constante até o fim do trabalho (BATES & MILLWARD, 1981).
O mesmo padrão foi observado quando a hipertrofia muscular foi induzida por suspensão de um peso sobre o músculo latissimus dorsi anterior de uma ave, com um grande aumento na taxa de síntese, e um paralelo, mas menor aumento da degradação (Waterlow, 2006).
Este fenômeno é bem conhecido pelos atletas onde o uso contínuo ou repetido dos músculos leva a um aumento em seu tamanho e força em um fenômeno reconhecido como hipertrofia muscular caracterizado por elevadas taxas de síntese e degradação de proteínas (GOLDSPINK E GOLDSPINK, 1977).
Tanto a síntese quanto a degradação de proteínas são altas durante a fase inicial da vida de um animal, o que contribui para a adaptação e remodelação dos tecidos que ocorre durante esta fase da vida, contudo há uma maior síntese em relação à degradação. No diafragma de um hamster com 30 dias de idade, por exemplo, há uma síntese protéica 5 vezes maior que em um animal de 100 dias de idade e 7,5 vezes em relação a outro animal de 230 dias. A degradação, no entanto é apenas 2,5 vezes maior (GOLDSPINK E GOLDSPINK, 1977). Em aves de corte a taxa fracional de síntese do músculo do peito e músculo da perna diminuíram rapidamente com o aumento idade (MORGAN et al., 1989).
Em estudos com humanos prematuros e recém-nascidos encontraram correlação linear entre o ganho líquido de proteína e os consumos de energia e proteína, mas destaca-se que houve também uma correlação entre a percentagem de degradação de proteínas derivadas do músculo, ilustrando o rápido desenvolvimento do músculo no feto, nesta fase. A síntese protéica em prematuros sadios é de cerca de 2,5 vezes a dos adultos, e está de acordo com a diferença em suas taxas metabólicas. Trabalhos com crianças com faixa etária de 6 meses a 2 anos mal-nutridas em realimentação houve um aumento na síntese e degradação protéica, mas o aumento foi mais expressivo na síntese. À medida que aumenta o desenvolvimento e antes da puberdade a taxa de crescimento é inferior ao dos recém-nascidos, mas superior aos adultos (WATERLOW, 2006).
No trabalho de GOPINATH & KITTS (1984) houve um aumento gradual na quantidade de 3-metil-histidina excretado até os 56 dias do estudo (comparado com 28 dias), seguido por uma diminuição aos 63 dias. A rápida taxa inicial de degradação de proteína miofibrilar exibida pela animais poderia ser devido a eventos como a separação miofibrilar e remodelação que ocorrem durante o crescimento acelerado.
Em geral, a eficiência de síntese de proteína diminui com a idade (Lobley, 2003) e é uma característica peculiar dos estudos de turnover de proteína que os experimentos com suínos tendem a utilizar animais mais jovens, enquanto que aqueles com ruminantes se concentraram bastante em fase mais tardias (engorda) dos animais. Assim, as comparações trans-espécies precisam ser cuidadosamente acompanhados quanto ao consumo e idade fisiológica.
Os experimentos descritos neste trabalho (REEDS et al.,1980) foram realizados para estimar as quantidades de proteína sintetizada em suínos em crescimento e relacionar essas estimativas com balanço de N e energia. Os estudos foram feitos em animais de diferentes pesos e idades que receberam a mesma quantidade de alimentos por unidade de peso metabólico, e em uma segunda etapa ocorreu o fornecimento da mesma dieta mas em dois níveis diferentes.
No período de crescimento acelerado houve um aumento expressivo da síntese e degradação protéica. A síntese de proteína (expresso em gN/kg0,75) diminuiu progressivamente à medida que os animais se desenvolveram, sendo significativamente inferior a 90 kg (3,52) que em 60 kg (4,36) e 30 kg (4,73). Em contraste a degradação de proteína por kg0,75 mudou pouco com o peso corporal, sendo 3,44, 3,69 e 3,26 aos 30, 60 e 90 kg, respectivamente.
A interpretação dos resultados da relação entre o peso e a síntese de proteína corporal é complicada pelo fato de que, como os animais cresciam, a ingestão diária de energia e proteína foi aumentada. Acima da faixa de peso corporal do Experimento I (30 kg), a ingestão de proteína aumentou por um fator de 2,2 e, uma percentagem cada vez menor da proteína consumida foi depositada no tecido destes animais mais velhos.
Como a ingestão de proteínas manteve-se, essencialmente, uma proporção constante do fluxo de N- amino total (0,37, 0,40 e 0,38 nos grupos de 30, 60 e 90 kg, respectivamente), era de se esperar que o catabolismo da leucina, como proporção do fluxo de leucina, foi significativamente maior nos animais mais pesados.
Apontamentos de WATERLOW (2006) destacam que durante a gravidez há um aumento modesto em síntese de todo o corpo (cerca de 15%), sendo no terceiro trimestre que o crescimento da massa protéica fetal é mais rápido. A partir de experimentos em ratos, observou-se que no segundo trimestre a fêmea estoca proteína no músculo, que no terceiro trimestre é utilizada para suportar o crescimento do feto. Outra adaptação na gestação é a diminuição da oxidação de aminoácidos e síntese de uréia, especialmente no primeiro e segundo trimestres.
No início da lactação há expressivo aumento da síntese de proteínas na glândula mamária. Este enorme aumento na síntese precisa ser apoiado por um influxo de aminoácidos a partir de outros tecidos, principalmente dos músculos. No entanto, em um estudo com mulheres no estado alimentado, aquelas que estavam em lactação apresentaram taxas significativamente inferiores de síntese e degradação do que as controles, mas com taxas mais elevadas de retenção de N (MOTIL et al. , 1996) porque a redução da degradação era maior do que a síntese. Em animais em crescimento e lactação, a diferença entre síntese e degradação representa ganho líquido e reflete a divisão de aminoácidos entre os destinos anabólicos e catabólicos (LOBLEY, 2003).
Há vários fatores, fisiológicos e não fisiológicos, que podem afetar o metabolismo de proteínas, sendo muito difícil descobrir qual é a taxa do turnover de proteína em uma determinada espécie. Vários características podem ser imediatamente destacadas (Lobley, 2003).
 
CUSTO ENERGÉTICO DO TURNOVER
A síntese de uma proteína autêntica à informação especificada no seu mRNA requer energia. A formação de cada aminoacil-tRNA usa dois grupos fosfatos de alta energia. Um ATP adicional é consumido cada vez que um aminoácido incorretamente ativado for hidrolisado pela atividade de deacilação de um aminoaciltRNA sintetase, como parte da sua atividade revisora. Um GTP é clivado em GDP e Pi durante a primeira etapa de alongamento, e um outro durante a etapa de translocação. Dessa forma, em média, a energia derivada da hidrólise de mais de quatro NPTs a NDPs é requerida para a formação de cada ligação peptídica de um polipeptídio. Então, pelo menos 4 x 30,5 kj/mol = 122 kj/mol de energia da ligação fosfodiéster para gerar uma ligação peptídica (NELSON & COX, 2006).
A melhoria da conversão da proteína dietética (ou outras formas de N) em produto vendável exige que menos aminoácidos digeridos sejam catabolizados com mais disposição para o anabolismo. No entanto, a sobrevivência e evolução dos mamíferos é uma conseqüência de sua capacidade de manter uma temperatura interna quase constante. O turnover protéico, juntamente com muitos outros processos, é um dos mecanismos correlacionados com produção de calor corporal. Através de uma ampla gama de espécies e dados transformados para animais adultos alimentados para manutenção encontrou-se 15-20 MJ de calor produzido por kg de proteína sintetizada. Na verdade, a estequiometria bioquímica da síntese de polipeptídeos sugere um custo de 2,8-3,2 MJ kg-1, aproximadamente 15% do valor supracitado. Na prática, as poucas medidas diretas dos custos de energia do turnover de proteína produziram valores maiores que os previstos teoricamente (LOBLEY, 2003).
Ao balancear entradas e saídas de energia, a produção de calor representa um componente importante do orçamento energético dos ruminantes e as fontes metabólicas destas despesas, tanto a nível celular como de órgãos incluem a manutenção da estrutura celular e integridade funcional e processos, como transporte de íons e turnover de proteína (BULLE et al.,2007).
Com base na correlação positiva entre EMm e taxa fracional de degradação protéica BULLE et al. (2007) examinaram a relação por meio de regressão linear e a equação indicou que EMm aumentaria em 0,0166 Mcal/kg0,75/dia para cada unidade percentual de aumento na taxa fracional de turnover de proteína miofibrilar. Portanto, é razoável concluir que o animal com maior taxa de turnover da proteína do músculo esquelético, como refletido pela sua taxa de degradação, terá uma maior exigência de energia para mantença e, consequentemente, menor eficiência de ganho.
Análise de regressão múltipla da relação entre a produção de calor, deposição de proteína e deposição de gordura sugeriu que a produção de calor está intimamente relacionada à deposição de proteína, e isso levou a afirmação de que o processo de deposição de proteína é energeticamente ineficiente (REEDS et al., 1980).
Deve-se considerar no cálculo do custo energético de deposição de proteína que há o catabolismo obrigatório ligado às necessidades específicas e perdas associadas com a função metabólica aumentada ou taxa de turnover dentro dos tecidos. Além disso, pode ter remoção dos aminoácidos em excesso às necessidades do corpo pela oferta superior à capacidade de ganho de proteína bruta (limitado pelo potencial genético ou restrições em outros componentes da dieta, como a energia) ou um padrão de desequilíbrio de oferta dos aminoácidos (LOBLEY, 2003).
O catabolismo de aminoácidos gera nitrogênio que, a não ser que seja utilizado em reações biossintéticas (por exemplo, síntese de purinas e pirimidinas), precisa ser excretado na forma de uréia. O custo total de ATPs para a síntese de uréia é de 4 ATP/mol de uréia sintetizado, contudo o custo energético líquido depende do grau em que a amônia entra no ciclo da uréia via glutamato desidrogenase, uma reação que gera redutores equivalentes e, portanto, potencialmente ATPs.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tecido muscular é um importante produto comercializável dos animais de produção e o entendimento dos aspectos bioquímicos e fisiológicos do turnover proteico muscular é importante para melhoria da eficiência biológica e econômica da cadeia produtiva da carne. A análise de 3-metil-histidina tem contribuido para o detalhamento do metabolismo proteico animal e balanço de nitrogênio.
 
REFERÊNCIAS
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***O trabalho foi originalmente publicado por ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer, Goiânia, v.8, n.15; p. 2012.
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Autores:
Carla Heloisa Avelino Cabral
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Daniel Mageste De Almeida
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