INTRODUÇÃO
A nutrição animal possui papel relevante nos sistemas de produção de suínos, pois visa melhorar o aproveitamento dos alimentos, gerando menor excreção de nutrientes e possibilitar maior lucro com a atividade (Marcato e Lima, 2005). As crises nos últimos anos e questões referentes à poluição ambiental têm levando suinocultores a procurarem alternativas nutricionais para diminuição dos custos com a criação. Uma das formas empregadas é a substituição de ingredientes tradicionais das rações, como o milho e farelo de soja, por alimentos alternativos como o farelo de algodão (FA), subproduto resultante da moagem do caroço de algodão no processo industrial para a extração do óleo.
O FA é o terceiro dos farelos protéicos mais produzidos no mundo, sendo a maior parte utilizada na alimentação de ruminantes. Embora seu emprego em rações para suínos seja limitado pelo conteúdo de gossipol e baixa digestibilidade de aminoácidos essenciais, além da grande variação na qualidade da proteína (Prawirodigdo et al., 1997), o FA pode ser uma alternativa como fonte de proteína nas rações para suínos (Chiba, 2001).
Os tratamentos térmicos aplicados ao FA favorecem a formação de complexos inertes e indigestíveis entre o gossipol e a lisina. Na forma complexada o gossipol não é tóxico aos animais, pois o complexo não é absorvido no trato gastrointestinal, entretanto ocorre diminuição na disponibilidade da lisina e na digestibilidade da proteína (Ezekiel, 2002). Com relação ao gossipol livre, tóxico para suínos e aves, Chiba (2001) preconiza que a toxicidade pode ser prevenida pela adição de sais de ferro à dieta, como o sulfato ferroso, de forma que para níveis superiores a 100 ppm de gossipol livre a relação entre ferro e gossipol livre deve ser de 1:1 em peso.
O FA comercializado possui de 36 a 41% de PB, variação decorrente da forma pela qual o óleo é extraído, o que também determina proporções diversas de semente, casca, óleo e línter (Tanksley Jr., 1990). Além disso, o FA apresenta baixo teor de energia (2379 kcal de ED/kg) quando comparado ao farelo de soja (Rostagno et al., 2005), isso em função do seu elevado teor de fibra, pois de acordo com o NRC (1998), possui 11 a 13% de FB e 28,4% de FDN. Segundo Decamp et al. (2001), a inclusão de ingredientes fibrosos nas dietas de suínos pode melhorar algumas características dos dejetos, como a presença de nitrogênio nas fezes e a emissão de odores.
Em dietas para suínos nas fases de crescimento e terminação, o FA como única fonte de proteína suplementar determina redução no desempenho, isso quando comparado com dietas cuja fonte protéica é o farelo de soja (Chiba, 2001). Entretanto, alguns estudos (Balogun et al., 1990 e Paiano et al., 2003, 2006) indicam que quando as dietas são formuladas com níveis adequados de proteína e outros nutrientes essenciais, o FA pode ser incluído em até 10% sem afetar o desempenho de suínos nas fases de crescimento e terminação.
Objetivou-se com o estudo avaliar os efeitos da inclusão de FA sobre o desempenho de suínos na fase de crescimentoterminação, aspectos qualitativos dos dejetos e viabilidade econômica.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido nas dependências do Setor de Suinocultura da Fazenda de Ensino, Pesquisa e Extensão da Faculdade de Engenharia, Universidade Estadual Paulista, Campus de Ilha Solteira, localizado na região extremo Noroeste do estado de São Paulo, Brasil. Durante o período experimental as temperaturas médias, mínima e máxima registradas no interior do galpão, foram 24±2,7ºC e 32±3,1ºC, respectivamente.
Foram utilizados 48 suínos, machos castrados e fêmeas, com idade média de 63 dias e peso médio de 23,4±1,3 kg. Os animais foram alojados em baias de alvenaria (dois animais por baia) com piso compacto e equipadas com bebedouro tipo vasos comunicantes e comedouro tipo cocho de concreto.
O delineamento experimental utilizado foi em blocos inteiramente casualizados, com três tratamentos e oito repetições de dois animais (um macho e uma fêmea). Os tratamentos consistiram de três níveis de inclusão de FA (0, 10 e 20%) nas rações experimentais. Os blocos foram utilizados para controlar variações no peso corporal inicial.
O período experimental compreendeu as fases de crescimento e terminação. Os animais receberam dois tipos de rações de acordo com o sistema de arraçoamento por fases: ração de crescimento entre 63 a 106 dias de idade e ração de terminação entre 107 e 147 dias de idade. Em cada uma das fases as rações foram isoenergéticas, isocálcicas, isofosfóricas e isoaminoácidicas, formuladas para atender as exigências nutricionais dos animais, conforme apresentado na tabela I.
Uma amostra de FA foi enviada para o laboratório Labtec, Campinas/SP, para determinação das quantidades de gossipol. Os valores determinados foram de 385 ppm de gossipol livre e de 863 ppm degossipol condensado. Para prevenir problemas causados pelo gossipol, foi utilizado sulfato de ferro na proporção de 1:1 (ferro:gossipol livre).
Foram avaliados os dados médios de consumo diário de ração, ganho diário de peso e conversão alimentar nos períodos de 63 a 106 dias de idade (período de 43 dias) e de 63 a 147 dias de idade (período de 84 dias), bem como as características qualitativas dos dejetos dos suínos, coletado semanalmente de cada baia.
Após a coleta cada amostra de dejetos foi acondicionada em saco plástico identificado por repetição e congelada. Ao término do período experimental, para cada repetição, foi feita uma amostra composta utilizandose as amostras coletadas semanalmente. A partir da amostra composta, aproximadamente 500 g do material foram levadas à estufa de ventilação forçada a 55°C, por 72 horas, a fim de proceder a pré-secagem, para determinar a amostra seca ao ar. A seguir as amostras foram moídas em moinho tipo faca, com peneira de 1 mm e enviadas ao laboratório, junto com as amostras das dietas, para determinação dos teores de matéria seca, nitrogênio e fósforo, de acordo com a metodologia descrita Silva e Queiroz (2002).
Os resultados de desempenho e análise qualitativa dos dejetos foram analisados utilizado o seguinte modelo matemático:
Yijk= μ+ ni + bj + eijk
em que:
Yijk= variáveis observadas;
μ= média geral;
ni= efeitos dos níveis de inclusão do FA (i= 0, 10 e 20%);
bj= efeito do bloco;
eijk= erro aleatório associado a cada observação.
Em caso de significância foi realizada a regressão polinomial de acordo com o modelo estatístico:
Yij= μ + b1(Ni-N) + b2(Ni-N) + eij,
em que:
Yij= valor observado das variáveis estudadas, relativo a cada parcela j, recebendo o nível i de FA;
μ= constante geral;
b1= coeficiente de regressão linear do nível de FA sobre a variável Y;
b2= coeficiente de regressão quadrático do nível de FA sobre a variável Y;
Ni= níveis de FA nas rações, sendo i= 0, 10 e 20%;
N= nível médio de FA nas rações;
eij= erro aleatório associado a cada observação.
As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa SAEG (2007).
Em cada um dos períodos (fase de crescimento e fases de crescimento e terminação) a viabilidade econômica foi avaliada por meio da estimativa do custo da ração por quilograma de suíno produzido, do índice de eficiência econômica e do índice do custo médio utilizando-se as fórmulas descritas por Bellaver et al. (1985) e Gomes et al. (1991). Entre os parâmetros econômicos, apenas o custo/kg de suíno produzido foi submetido à análise de variância, a qual seguiu o mesmo modelo utilizado para os parâmetros de desempenho. Os custos dos ingredientes (em dólares/kg) foram obtidos em março de 2010, na região noroeste do Estado de São Paulo.
Tabela I. Composição percentual e níveis nutricionais das rações experimentais. (Percentual composition and nutritional levels of experimental diets).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os parâmetros de desempenho avaliados na fase de crescimento e nas fases de crescimento e terminação (período total) não foram afetados (p>0,05) pelos níveis de FA adicionados às rações de crescimento e terminação (tabela II). Resultados semelhantes foram relatados por por Moreira et al. (2006), quando utilizaram 12% de inclusão de FA na dieta inicial de suínos (15 a 30 kg). No mesmo estudo, foi avaliado ainda o efeito da adição de sulfato ferroso como forma de evitar o efeito tóxico do gossipol, sendo que mesmo na ausência do sulfato ferroso o maior nível de inclusão do FA não comprometeu o desempenho dos animais, o que foi justicado pela baixa concentração do gossipol. No presente estudo o nível de gossipol livre no FA (385 ppm) também foi inferior ao limite máximo de 400 ppm, sugerido por Ezequiel (2002).
Paiano et al. (2006), avaliando quatro níveis de FA (0, 4, 8, 12 e 16%) não observaram efeitos dos níveis sobre o consumo diário de ração, porém observaram efeito quadrático sobre o ganho de peso diário e aumento linear na conversão alimentar, indicando que a piora na conversão alimentar decorreu do aumento nos teores de fibra. Em estudo anterior, avaliando níveis crescentes de FA (0, 5, 10 e 20%) na alimentação de suínos, Li et al. (2000) também observaram que o aumento no teor de fibra das rações comprometeu a conversão alimentar e o ganho de peso dos suínos tanto na fase de crescimento quanto na fase de terminação, indicando que o nível máximo de inclusão de FA é de 8%.
No presente estudo, a inclusão de 10 e 20% de FA determinou aumento no teor de fibra de, respectivamente, 43,75% e 84,37%, na ração de crescimento e de 61,04% e 110,39% na ração de terminação, isso em relação à ração isenta de FA, porém os aumentos não afetaram (p>0,05) a conversão alimentar. A ausência de efeito dos níveis de FA sobre o consumo diário de ração, pode ter ocorrido em função das rações possuírem os mesmos níveis energéticos, o que também foi observado por Balogun et al. (1990), Li et al. (2000) e Paiano et al. (2006).
Entre os parâmetros qualitativos dos dejetos (tabela III), na fase de crescimento os níveis de FA afetaram apenas o teor de nitrogênio (p<0,05) e fósforo (p<0,01) e na fase de terminação o teor de matéria seca (p<0,01). O teor de nitrogênio nos dejetos apresentou comportamento quadrático (%N= 3,85 + 0,036.FA – 0,0022.FA2, R2=0,98) indicando redução a partir de 8,18% de FA (o máximo valor foi de 3,99% de nitrogênio). Para o teor de fósforo nos dejetos foi observado efeito linear decrescente (%P= 1,5771 – 0,0156.FA, R2= 0,98), com o aumento de inclusão do FA. Esses resultados indicam que a inclusão de FA causa redução dos teores de nitrogênio (a partir de 8,18% de FA) e fósforo nos dejetos de suínos na fase de crescimento, porém esse comportamento não se repete para os dejetos analisados na fase de terminação.
Tabela II. Desempenho de suínos alimentados com diferentes níveis de farelo de algodão nas rações. (Performance of swine feeding with different cottonseed meals in the diets).
Tabela III. Características qualitativas de dejetos de suínos nas fases de crescimento e de terminação com base na matéria seca. (Qualitative characteristics of the of swine manure in the growth and finishing phase, with base in the dry matter).
Na fase de terminação o aumento no nível de FA determinou aumento linear no teor de matéria seca dos dejetos (%MS= 30,478 + 0,0153.FA, R2= 0,76), o que pode ter sido influenciado pelo aumento no teor de fibra, semelhante ao relatado por Decamp et al. (2001), que observaram que o aumento na inclusão de alimento fibroso na dieta de suínos pode determinar aumento no teor de matéria seca dos dejetos.
A inclusão de FA em substituição ao farelo de soja nas rações determinou a necessidade de adicionar diferentes níveis de óleo de soja e de L-lisina (tabela I) para que as mesmas permanecessem isonutritivas, o que acabou elevando o custo médio do quilograma das rações na fase de crescimento e no período total (tabela IV). O aumento no custo das rações contribuiu para o aumento no custo de produção para os tratamentos contendo FA, o que determinou índice de eficiência econômica e índice econômico inferiores.
Em relação à eficiência econômica da utilização de FA, Polinutri (2003) afirma que, em situações práticas, seu uso torna-se viável economicamente, quando seu preço representa 55% ou menos do preço do farelo de soja, o que não foi observado no presente estudo, onde o valor do FA representou 65% do preço do farelo de soja.
Na avaliação de um ingrediente alternativo na alimentação de suínos, muitas vezes a intenção não é necessariamente determinar se há vantagem nutricional, mas sim, determinar se o ingrediente suporta resultado compatível com a dieta referência (Lindemann et al., 2004). Dentro deste contexto, os resultados do presente estudo indicaram que animais alimentados com rações contendo FA apresentaram desempenho comparável àqueles alimentados com a dieta controle, entretanto, o custo do quilograma da ração aumentou, elevando assim o custo médio de produção do quilograma de suíno produzido em 2,51 e 5,34%, respectivamente, para os animais alimentados com rações contendo 10 e 20% de inclusão do FA na fase de crescimento, e no período total o aumento foi de 1,53 e 6,02% para esses mesmos níveis de inclusão.
Tabela IV. Avaliação econômica da utilização de farelo de algodão em rações para suínos na fase de crescimento e crescimento-terminação. (Economic evaluation of the use of cottonseed meal in swine diets at growing and growing-finishing phases).
CONCLUSÃO
O FA pode ser utilizado em até 20% nas rações para suínos nas fases de crescimento e terminação sem afetar o desempenho, entretanto, é necessária a inclusão de Llisina, óleo de soja e sulfato de ferro nas rações, o que determina aumento no custo/ kg de suíno produzido.
AGRADECIMENTOS
FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo.
FEPE – Fazenda de Ensino Pesquisa e Extensão – FE/UNESP – Ilha Solteira.
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Esse artigo técnico foi originalmente publicado na Revista Archivos de Zootecnia.