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Diarréias Nutricionais Suinocultura

As diarréias nutricionais na suinocultura

Publicado: 5 de junho de 2012
Por: Gustavo Lima e Nelson Morés, Pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), SC, e Ronaldo Linaris Sanches, Laboratório Nacional Agropecuário em Minas Gerais, MG.
INTRODUÇÃO
Em menos de quatro décadas, a idade de desmame dos leitões foi reduzida de 56 para 21-28 dias, ocorrendo o desmame de leitões com menos de 21 dias em muitas granjas. O principal objetivo de se desmamar os leitões mais cedo foi aumentar a produtividade, possibilitando menor intervalo entre partos e maior número de leitões produzidos por porca/ano. Independente da idade de desmame, os leitões são permanentemente expostos a microrganismos presentes no ambiente desde o nascimento. O desmame antecipado dos leitões amplia as possibilidades de ocorrências de problemas sanitários, constituindo-se em grande desafio para a sua sobrevivência. Isto acontece porque eles são separados do convívio com a mãe, transferidos para um ambiente estranho, sendo muitas vezes reagrupados com animais de outras leitegadas, além de receber uma nova dieta com características muito diferentes do leite. A transição da alimentação à base de leite materno para dieta sólida deve ser iniciada o mais breve possível na maternidade, de maneira que, ao desmame, os leitões sejam capazes de se adaptarem rapidamente à dieta sólida como única fonte de nutrientes. O desmame antecipado dos leitões é frequentemente acompanhado de atraso no crescimento, às vezes até com perda de peso e diarréia. Este processo tem origem multifatorial [25,12]. Contudo, os cuidados com os leitões, principalmente nos primeiros dias após o desmame, são imprescindíveis para evitar diarréia e outras enfermidades, queda no desempenho e mortes.
Diarréia é definida como o sintoma de muitas moléstias, consistindo-se em fezes mais líquidas e mais frequentes do que o normal, podendo ser causada por cinco mecanismos. O primeiro é a diferença em pressão osmótica (diarréia osmótica), a qual é causada pela presença na luz do intestino de quantidades maiores, que o usual, de solutos de baixa absorção e que possuem atividade osmótica, tais como carboidratos da dieta ou substâncias laxativas [5]. Neste tipo de diarréia, os solutos exercem força osmótica através da mucosa intestinal causando aumento no conteúdo de água no intestino grosso. O aumento do conteúdo de água é diretamente relacionado à concentração do soluto. Essa diarréia cessa com a aplicação de jejum nos animais ou quando termina a ingestão do soluto, que tem baixa absorção (carboidrato ou substância laxativa). O segundo tipo é a diarréia secretória, que se refere àquela causada pelo transporte anormal de íons das células do epitélio intestinal ao lúmen, retendo maior quantidade de água na luz intestinal e, consequentemente provocando diarréia [5]. Esta condição não é marcada por diferenças em osmolaridade, mas pode ocorrer simultaneamente com a diarréia osmótica. Doenças infecciosas no trato intestinal podem causar diarréia secretória, cujo exemplo principal é a enterotoxemia causada por amostras de E. coli. O terceiro mecanismo causador de diarréia é a alteração da motilidade intestinal [10]. A aceleração no trânsito intestinal pode promover menor tempo de digestão e absorção do alimento fazendo com que o alimento e os fluídos sejam propelidos em direção à parte final do intestino. Por outro lado, a falta de motilidade pode promover um crescimento bacteriano intenso no intestino delgado causando diarréia. O quarto mecanismo que causa diarréia é a exudação, que ocorre pela inflamação ou ulceração da mucosa intestinal com liberação de muco, fluidos, proteínas séricas e sangue da mucosa intestinal [10]. Esses componentes são depositados na luz do intestino e expelidos através das fezes. Exemplos desse tipo de diarréia são a disenteria suína e a colite ulcerativa. O quinto tipo é a diarréia por má digestão e absorção de nutrientes, cuja causa principal é a hipotrofia das vilosidades provocada por vários agentes, principalmente vírus [4].
O objetivo deste artigo é discutir os fatores nutricionais que interferem na ocorrência das diarréias nos suínos, com ênfase nos animais jovens.
 
SÍNDROME DA DIARRÉIA PÓS DESMAME E DOENÇA DO EDEMA
A síndrome da diarréia pós-desmame é uma doença multifatorial que acomete os suínos nas duas primeiras semanas após o desmame. Trata-se de uma doença de grande perda econômica, podendo chegar a 10 % de mortalidade além de provocar aumento de refugos, atraso no desenvolvimento dos animais e gastos com medicamentos. Esta doença também é conhecida como colibacilose pós-desmame porque cepas de Escherichia coli enterotoxigênicas são os principais agentes. Outros agentes como a Lawsonia intracellularis, Salmonella Typhimurium e S. Choleraesuis podem estar presentes no período pós-desmame causando enterites e confundindo o diagnóstico e tratamento [22].
A doença do edema é uma toxi-infecção produzida por E. coli que pode ou não acompanhar a síndrome da diarréia pós-desmame. Esta enfermidade afeta os leitões no período de 4 a 15 dias após o desmame, caracteriza-se pela ocorrência de sinais de disfunção neurológica, morte súbita e desenvolvimento de edemas e pode ser acompanhada ou não de surtos de diarréia pós desmame. De modo geral, a taxa de morbidade é baixa, mas a de mortalidade é alta [21].
Tanto a síndrome da diarréia pós-desmame como a doença do edema estão relacionadas com a multiplicação exagerada de cepas patogênicas de E. coli no intestino dos leitões e estão associadas à presença de fatores nutricionais, de manejo e ambiente – os fatores de risco.
 
FATORES DE RISCO ASSOCIADOS AOS PROBLEMAS DOS LEITÕES NO PERÍODO PÓS DESMAME
O período de 21 dias após o desmame é considerado uma fase crítica na produção de leitões, devido à ocorrência simultânea de vários fatores estressantes, já citados. Em consequência, problemas sanitários, como a síndrome da diarréia pós-desmame e a doença do edema, podem surgir, ocasionando perdas econômicas pela elevação da taxa de mortalidade e pela redução no ganho de peso dos leitões afetados. Os agentes infecciosos, causadores dessas doenças, exercem seus efeitos nocivos sobre os leitões somente em determinadas circunstâncias, genericamente denominadas de fatores de risco. Logo, a correção de tais fatores constitue-se em ferramenta útil para produtores e técnicos no sentido de estabelecer medidas preventivas para reduzir o uso de medicamentos [9].
Os fatores de risco para a ocorrência dessas doenças são:
  • Redução na idade de desmame – menor que 25 dias;
  • Alta ocorrência de espirro e tosse nos leitões ao desmame;
  • Mistura de leitões oriundos de mais de quatro leitegadas, em uma mesma baia;
  • Lotação excessiva, ou seja, com mais de 3,5 leitões/m2;
  • Mais de 20 leitões por baia;
  • Exposição ao frio ou às amplas variações térmicas diárias (mais de 6ºC);
  • Excesso de umidade (acima de 72-82%) ou de ventilação;
  • Volume de ar/leitão inferior a 1,4 m3;
  • Localização da granja na encosta sul ou em fundo de vale;
  • Uso de sistema de produção contínuo, sem vazio sanitário entre os lotes;
  • Deficiência de higiene e desinfecção das instalações;
  • Uso de mais de mais de 15% de farelo de soja nas dietas dos leitões até as seis semanas de idade;
  • Troca de dieta, com a utilização de ingredientes de difícil digestão para os leitões jovens;
  • Aumento do teor de proteína bruta (acima de 20%) nas dietas;
  • Insuficiência de comedouro para os leitões;
  • Bebedouros inadequados que facilitam a contaminação com fezes e urina.
É importante ressaltar que os fatores de risco não devem ser considerados isoladamente, uma vez que existem inter-relações entre eles, aumentando as chances de aparecimento de problemas na fase de creche, quando normalmente se identifica a ocorrência de um conjunto deles.
Com o objetivo de identificar o conjunto de fatores de risco que melhor expliquem os problemas dos leitões na fase de creche, foi realizado um estudo observacional (entre 1995 a 1997) em rebanhos suínos localizados na região Sul do Brasil [9]. Este trabalho envolveu 65 granjas representativas da suinocultura tecnificada das principais integrações existentes na região. Das variáveis explicativas analisadas, foram identificadas 10 que melhor discriminaram os rebanhos quanto a ocorrência dos problemas nos leitões (definidos nas variáveis objetivas), as quais estão descritas nas Tabelas 1 e 2. Essas variáveis formam o conjunto de fatores de risco que, quando presente nos rebanhos, aumenta as chances de ocorrência de problemas na fase de creche, conforme mencionado. Três desses fatores de risco - peso ao desmame, percentual de leitões com onfalite e ocorrência de artrite - são consequências de problemas existentes na fase de maternidade, com reflexos negativos para o período pós-desmame. Portanto, nestes casos, as medidas corretivas deverão ser direcionadas para a fase de maternidade, para que os leitões sejam desmamados sem problemas e com bom peso. Outra variável que deve ser interpretada com cautela é a idade ao desmame, pois a análise indicou que com o desmame realizado com menos de 25 dias de idade são maiores as chances de ocorrer problemas no pós desmame. Variáveis importantes para a fase de creche dos leitões como a lotação, o vazio sanitário e a temperatura ambiental, embora não tenham aparecido como fatores de risco neste estudo, não devem ser negligenciadas. Isto provavelmente ocorreu devido às grandes variabilidades dos tipos de instalações e manejos existentes nas granjas estudadas.
Tabela 1. Relação das variáveis objetivas e suas classes com os respectivos valores para avaliar os problemas dos leitões na fase de creche.
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Tabela 2. Relação das variáveis explicativas e suas classes, associadas com os problemas de diarréias, mortalidade e ganho de peso dos leitões.
As diarréias nutricionais na suinocultura - Image 2
 
PERFIS DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA DE DIETAS PARA SUÍNOS EM FASE INICIAL DE DESENVOLVIMENTO
São poucas as informações disponíveis na literatura brasileira sobre a qualidade das dietas que são utilizadas nessa fase de criação e quais os procedimentos utilizados pelos suinocultores para produzi-las em suas propriedades. Em pesquisa realizada paralelamente ao estudo da EMBRAPA [9], nas mesmas granjas, Lima et al. [17] levantaram os perfis da composição química e do manejo de produção de leitões para identificar aspectos que poderiam ser melhorados. Suinocultores foram entrevistados sobre como produziam suas rações, preenchendo-se um questionário para cada propriedade e coletando-se amostras das dietas nos cochos dos comedouros utilizados pelos animais. As amostras foram analisadas quanto suas características químicas, segundo procedimentos descritos na literatura. Observou-se, na maioria das granjas visitadas, que os leitões continuavam recebendo dietas préiniciais após o desmame, e que grande parte dos produtores utilizava restrição alimentar rotineiramente, mesmo quando não havia ocorrência de diarréia (Tabela 3). Nos casos de surtos de síndrome da diarréia pós desmame e doença do edema recomenda-se a retirada imediata da dieta dos leitões, estendendo por um dia, fornecendo-lhes apenas água medicada ou com eletrólitos, restabelecendo-se o consumo original após um período de fornecimento de dieta em quantidades gradativas e em várias refeições. Entretanto, se os leitões não apresentam problemas, o consumo de ração não deve ser restringido, pois isto implicará em menor taxa de ganho de peso. O uso de restrição alimentar rotineira demonstra o temor que o produtor tem com as diarréias, mesmo quando não há o problema, acabando por limitar o potencial máximo de ganho de peso dos animais. Um número expressivo de produtores (64,6%) relatou que não usava o óxido de zinco no controle da diarréia dos leitões. Entretanto, ao se analisar as dietas, verificou-se que 83,1% das amostras apresentaram teores de zinco acima de 300 ppm, sendo que a exigência nessa fase é de 80 ppm. Isso está relacionado com o fato de que em todas as granjas eram utilizados núcleos comerciais, dos quais a composição não era de conhecimento do produtor. Observou-se que 70,8% das dietas apresentaram níveis inadequados de zinco, sendo 64,6% entre 300 e 1750 ppm e 6,2% acima de 3200 ppm. Em 4 granjas o óxido de zinco, como medida preventiva contra o aparecimento de diarréia, foi adicionado simultaneamente através do núcleo e de outro produto, atingindo níveis considerados tóxicos. Com relação à composição química das dietas, observou-se que um número considerável de amostras apresentou altos teores de fibra bruta (33,8%), cobre (64,6%) e ferro (83,1%), além do zinco que já foi discutido. Esses níveis de minerais nas dietas vem aumentar as preocupações com o potencial poluidor dos dejetos produzidos pelos animais.
Tabela 3. Características de manejo dos animais e composição química das dietas utilizadas na recria de suínos em 65 propriedades da Região Sul do Brasil.
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Em um estudo realizado no Brasil [27], através da aplicação de um questionário a nutricionistas independentes ou funcionários de grandes empresas brasileiras, verificou-se que nas dietas pré-inicias e iniciais são adicionados maior número de aditivos, comparadas às dietas das outras fases de produção de suínos. Os antibióticos, promotores de crescimento, óxido de zinco, sulfato de cobre, acidificantes, aromatizantes e antioxidantes apareceram como amplamente utilizados naquelas dietas. Verificou-se, ainda, o uso reduzido de probióticos, minerais orgânicos, mananoligossacarídeos, leveduras e enzimas. Na Tabela 4 são apresentados os valores, obtidos através dos questionários, dos percentuais de nutrientes utilizados pelos nutricionistas das integrações e independentes em rações pré-iniciais e iniciais. Observou-se que os níveis de proteína bruta e fósforo total apresentaram variação acima de 30% entre os respondentes. Embora tenha sido constatado que as dietas eram formuladas para nutrientes digestíveis, como fósforo disponível e aminoácidos digestíveis, verificou-se a preocupação de alguns nutricionistas em fixar níveis mínimos de proteína bruta e cálcio, que podiam chegar a 25% e 0,90%, respectivamente, o que, de certa forma, confirma a tendência verificada anos antes [17]. No mesmo levantamento [27], os autores estimaram a composição nutricional das dietas utilizando os valores de fórmulas fornecidas pelas empresas para as granjas comerciais. Essas fórmulas foram compiladas em um programa computacional, utilizando uma matriz única, obtendo- se, os valores de energia metabolizável, proteína bruta, aminoácidos, cálcio, fósforo, sódio e outros nutrientes, possibilitando uma avaliação entre as diferenças das matrizes e dos níveis nutricionais utilizados atualmente (região sudeste do Brasil). Os resultados são apresentados nas Tabelas 5, 6 e 7. Os autores, à semelhança de Lima et al. [17], verificaram que havia dietas pré-iniciais e iniciais com níveis inadequados de proteína bruta, cálcio e zinco.
Tabela 4. Valores máximos, mínimos e a variação em percentagem dos nutrientes, vitaminas e minerais utilizados pelos nutricionistas das integrações e independentes em rações pré-iniciais e iniciais.
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Tabela 5. Níveis nutricionais de rações pré-iniciais I (7 a 35 dias) de nove empresas comerciais, segundo suas formulações para região sudeste do Brasil.
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O PROBLEMA DO BAIXO CONSUMO DE ALIMENTO PELOS LEITÕES RECÉM DESMAMADOS
A alteração na estrutura do intestino delgado constitui-se em importante mecanismo para o aparecimento de diarréias nos leitões. O baixo consumo de ração verificado após o desmame pode levar a alterações morfológicas (encurtamento e mudança da forma das vilosidades, hiperplasia das células da cripta e aumento da mitose no epitélio celular) e funcionais no intestino [25]. Essas mudanças podem acarretar em declínio da função intestinal com redução nas atividades enzimática e absortiva, resultando em diarréia e baixo desempenho nos leitões desmamados [32]. Assim, é extremamente importante aumentar o consumo de alimento nos animais desmamados para que a ocorrência de diarréia seja reduzida e o ganho de peso aumentado. O baixo consumo de ração, após as primeiras 48 horas do desmame, desencadeia mudanças morfológicas no intestino do leitão. Isto faz com que o epitélio tornese mais permeável aos antígenos presentes no lúmen acarretando, eventualmente, em respostas hipersensíveis a esses antígenos, tendo o baixo consumo de ração como causa primordial para essas alterações morfológicas.
Tabela 6. Níveis nutricionais de rações pré-iniciais II (22 a 35 dias) de nove empresas comerciais, segundo suas formulações para região sudeste do Brasil.
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Tabela 7. Níveis nutricionais de rações iniciais I (36 a 50 dias) de nove empresas comerciais, segundo suas formulações para região sudeste do Brasil.
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O baixo consumo de alimento após o desmame afeta as exigências de nutrientes e energia. Em geral, a exigência de energia do leitão para manutenção não é atendida até o quinto dia após o desmame e o consumo calórico anterior ao desmame só é atingido cerca de duas semanas após o desmame [13]. A exigência média em energia metabolizável para atender as demandas de mantença na primeira semana após a desmama (461 kj kg-0,75 ou 110 kcal kg-0,75) é maior do que na quinta semana (418 kj kg-0,75 ou 100 kcal kg-0,75) o que pode explicar a maior atividade do leitão para se adaptar às mudanças ambientais e sociais após o desmame [3]. Assim, a alta demanda por energia para mantença e o baixo consumo de alimento, verificados nessa fase, afetam a saúde e o crescimento dos suínos. A seguir são apresentados alguns fatores que afetam o consumo de alimento pelos leitões desmamados:
  • Fatores ambientais (luz, temperatura, ventilação, etc.);
  • Exposição a doenças e resposta imune;
  • Idade de desmame;
  • Mistura de leitões de diferentes origens;
  • Balanceamento dos ingredientes na fórmula e níveis nutricionais das dietas;
  • Palatabilidade das dietas;
  • Forma física das dietas e tipo de arraçoamento;
  • Qualidade e fornecimento de água.
Para se garantir um consumo adequado de nutrientes e energia, promovendo a manutenção da integridade intestinal do leitão desmamado e, por conseqüência, reduzindo as chances de ocorrência de diarréia, é imprescindível que sejam tomadas as seguintes medidas:
  • Utilização de ingredientes de excelente qualidade (alta digestibilidade, alta densidade em nutrientes, sem micotoxinas e outros compostos nocivos);
  • Formulação balanceada das dietas visando especialmente a alta densidade em nutrientes, redução dos níveis de proteína bruta, e cálcio e adequada suplementação com vitaminas e minerais;
  • Utilização de um programa de uso de antimicrobianos que seja efetivo para promover o crescimento e auxiliar na prevenção de problemas sanitários.
Para manutenção da qualidade nutricional das dietas dos leitões é imprescindível o controle laboratorial e a redução da variabilidade na composição química das partidas de um mesmo ingrediente. Essa variabilidade demanda seleção de fornecedores e vigilância constante, através das análises químicas, físicas e biológicas, uma vez que podem acarretar prejuízos para a saúde intestinal e perdas econômicas importantes. Uma técnica conhecida há anos, mas ainda pouco utilizada, é a microscopia dos alimentos. Através da observação dos ingredientes com o uso de uma simples lupa, ou mesmo de um microscópio, podem-se verificar contaminações, adulterações, qualidade do processamento e estimar a composição química do ingrediente. Através da microscopia, pode-se facilmente verificar o grau de uniformidade das partículas que compõem os ingredientes, que certamente afetam a digestibilidade dos ingredientes. Nas Figuras 1 e 2 são apresentados detalhes microscópicos de duas farinhas de peixe, sendo uma de alta qualidade (Figura 1 – farinha de peixe A) e outra de pior qualidade (Figura 2 – farinha de peixe B). Nesta última, é possível observar a maior quantidade de escamas, que pioram a digestibilidade e o valor biológico do ingrediente.
Figura 1. Fotografia da farinha de peixe A (alta qualidade).
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Figura 2. Fotografia da farinha de peixe B (baixa qualidade).
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Figura 3. Fotografia do plasma suíno spray dried.
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Figura 4. Fotografia do leite em pó desnatado.
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Por outro lado, as Figuras 3 e 4 correspondem ao plasma spray dried e o leite em pó desnatado, respectivamente. Essas figuras ressaltam a homogeneidade e o pequeno tamanho de partícula dos dois ingredientes, o que explica a alta digestibilidade desses alimentos para os leitões. Detalhes e características dos alimentos que são de difícil identificação através de análises químicas e físicas podem ser facilmente observados com o uso da microscopia.
O plasma spray dried, por exemplo, constitui-se em um excelente ingrediente para promover rápido crescimento e adequada saúde intestinal aos leitões. Alguns autores [7,31] realizaram revisões de literatura sobre o uso desse ingrediente e concluíram que o consumo de ração é aumentado em 21%, em média, quando comparado a dietas contendo derivados de soja, de leite ou peixe. Entretanto, as grandes vantagens do plasma sobre o desempenho dos animais não são atribuídas somente ao aumento no consumo de ração. Outros autores [6,30], por exemplo, verificaram vantagens quando os suínos foram criados em ambientes com maior carga patogênica do que em ambientes mais limpos. A principal explicação para isso é a presença de quantidades significativas de imunoglobulinas no plasma, constituindo-se em ferramenta importante para reduzir a ocorrência de problemas sanitários como a circovirose suína e doenças associadas [23]. Coletivamente, os resultados sugerem que as proteínas do plasma spray dried reduzem a ligação, adesão e replicação dos microrganismos – interações antígeno-anticorpo – facilitando a cicatrização de tecidos lesados e diminuindo a resposta inflamatória local e sistêmica [28].
 
O EXCESSO DE PROTEÍNA BRUTA COMO FATOR DE PREDISPOSIÇÃO A OCORRÊNCIA DE DIARRÉIAS
Após a ingestão de colostro, quando imunoglobulinas intactas sofrem fagocitose e são absorvidas, os animais passam a necessitar de aminoácidos e não mais de proteínas. Os tempos de formulação de dietas com base no teor de proteína bruta deveriam ter acabado quando se abandonou a formulação com base no Quadrado de Pearson, quando a calculadora de quatro operações matemáticas foi substituída pelo computador. Entretanto, mesmo atualmente, quando se recomenda a formulação com base em aminoácidos digestíveis e energia líquida, ainda é comum encontrar nutricionistas que não deixam de impor um nível mínimo de proteína bruta em suas dietas. Esse fato faz com que a dieta tenha um teor maior de aminoácidos (nitrogênio) do que o necessário. Essas dietas com elevado teor de proteína bruta desempenham papel importante para o estabelecimento de diarréia pós-desmama por E. coli [26]. Morés et al. [20] observaram que dietas com 16% de proteína bruta, suplementadas com lisina e 2% de ácido cítrico preveniram a ocorrência de diarréia pós desmama por E. coli, com desmame dos leitões realizado aos 35 dias de idade. O excesso de proteína no estômago associado à imaturidade do sistema digestivo do leitão jovem promove a elevação prolongada do pH gástrico acima de 3,0 o que pode acarretar na proliferação exagerada de E. coli. A redução da proteína bruta da dieta promove melhora na saúde intestinal através da redução do pH e aumento da população de lactobacilos no cólon proximal [24,34,35].
 
O CONFLITO CUSTO X PRATICIDADE X QUALIDADE
A formulação de dietas para leitões requer o uso de ingredientes palatáveis com alta disponibilidade de nutrientes. Além disso, as dietas necessitam atender as exigências nutricionais dos suínos.
Devido aos problemas de disponibilidade de ingredientes de alta digestibilidade e palatabilidade, problemas de logística e pressão constante para produção de dietas de baixo custo para serem mais competitivas, é comum observarem-se produtos para leitões que necessitam ser acrescidos de milho e farelo de soja. Existem diferenças entre as escolas norte-americana (dietas mais baratas) e européia (dietas mais complexas e que estimulam a resposta imunológica), quanto aos padrões de nutrição dos leitões. Exemplos das duas escolas podem ser observados também no Brasil.
Na Tabela 8 é apresentado um exemplo prático com informações coletadas de um núcleo de 5% de inclusão em dietas para suínos dos 45 aos 63 dias de idade. Como pode ser observado nesta tabela, a simplicidade deste tipo de formulação busca atender à condição de falta de insumos nas propriedades rurais, como por exemplo, o óleo de soja ou de aminoácidos industriais, constituindo-se em um núcleo de baixo preço e que é mais atrativo do ponto de vista comercial. Entretanto, os resultados de desempenho esperados não podem ser maximizados devido à deficiência de energia (Dieta 1). A partir do mesmo núcleo foram elaboradas quatro fórmulas alternativas de dietas que variaram em complexidade e em composição química. Assim, conseguiu-se formular dietas com menor percentual de farelo de soja e menor teor de proteína bruta que, embora possam ser consideradas dietas simples em comparação a outros exemplos, permitem a redução da ocorrência de diarréias e outros problemas nos leitões. Além disso, estas dietas possibilitam uma melhor relação entre os aminoácidos e uma transição mais amena para dietas contendo apenas farelo de soja como fonte protéica principal.
 
O PAPEL DO CÁLCIO E O ZINCO NA OCORRÊNCIA DE DIARRÉIA EM LEITÕES
O zinco (Zn), quando adicionado na forma de óxido e em doses farmacológicas, por duas a três semanas, promove o aumento do ganho de peso e reduz a ocorrência de diarréia de leitões após o desmame [1,11,14,15,16]. Sabe-se que a maior parte do Zn suplementado é eliminada nas fezes [8].
São vários os mecanismos que o zinco exerce sobre o desenvolvimento de E. coli. O fornecimento de altas doses de óxido de zinco aumenta a síntese de Ig A no intestino e reduz a translocação de bactérias tanto anaérobicas como produtoras de ácido láctico nos linfonodos mesentéricos [2]. Por outro lado, doses farmacológicas de zinco durante quinze dias após o desmama aumentaram a expressão do gene do peptídeo antimicrobiano PR-39 na medula óssea de leitões [33]. In vitro, o óxido de zinco reduz a expressão de genes ligados a citocinas antinflamatórias que são estimuladas por E. coli enterotóxicas. O zinco também protege a integridade da membrana intestinal através da redução da adesão e invasão de E. coli enterotóxicas [29].
A absorção de Zn ocorre, principalmente, no intestino delgado dos suínos, após esse mineral se combinar especificamente com a prostaglandina E2 ou um de seus metabólitos no lúmen [19]. Vários componentes dietéticos podem afetar a absorção desse mineral tais como níveis altos de cálcio (Ca), fósforo, cobre, cádmio e cromo, além de fitato e fibra [19].
Um estudo foi realizado para avaliar se o efeito de altos níveis de Zn suplementar na dieta sofre influência do nível dietético de Ca [18]. Nele, foram testados os efeitos de níveis de Zn (0 e 2400 ppm), na forma de óxido, em dietas contendo 0,80% (adequado) ou 1,20% de Ca. As dietas experimentais foram fornecidas aos animais durante duas semanas, sendo que nos 14 dias restantes do experimento todos os animais foram alimentados com uma única dieta contendo 150 ppm de Zn e 0,80% de Ca. Seis animais morreram por enterite, sendo que todos receberam dietas sem Zn suplementar: dois do grupo alimentado com a dieta com 0,80% Ca e os demais com 1,20% Ca. A adição de Zn promoveu uma redução significativa na freqüência de animais com diarréia. Observou-se que dietas contendo maior nível de Ca ocasionaram maior ocorrência de diarréia nos leitões. Considerando-se o período total de experimento, o consumo diário de ração foi maior nos animais que receberam dietas contendo maior nível de Zn e nível adequado de Ca. A suplementação das dietas com 2400 ppm de Zn promoveu um aumento no ganho diário de peso dos leitões no período de suplementação e no período subsequente. Ao contrário, o maior nível de Ca na dieta reduziu o ganho diário de peso dos leitões nos primeiros 14 dias de experimento, talvez devido à redução da digestibilidade dos nutrientes resultante da elevação do pH e à formação de quelatos com outros nutrientes no intestino. Verificou-se interação entre níveis de Zn e Ca para o ganho diário de peso no período total de experimento, sendo que os animais que não receberam Zn suplementar na dieta apresentaram respostas similares, independente do nível de Ca dietético. Em contrapartida, os leitões que consumiram dietas com 2400 ppm de Zn apresentaram menor ganho diário de peso quando o nível de Ca foi de 1,20%. Isto demonstra que a ação do Zn é maior quando o nível de Ca na dieta é adequado. Considerando-se o período total de experimentação, o uso de altos níveis de Zn na dieta acarretou melhor conversão alimentar, ao passo que esta variável não foi afetada pelo nível de Ca na dieta. Concluiu-se que a suplementação de 2400 ppm de Zn nas dietas de leitões após o desmame foi eficiente no controle da diarréia e no aumento do consumo diário de ração e ganho diário de peso. Altos níveis de Ca deprimem o desenvolvimento dos leitões, aumentando a ocorrência de diarréia e reduzindo a ação benéfica de doses farmacológicas de Zn na dieta.
Tabela 8. Valores calculados de dietas para suínos (45 aos 63 dias de idade) a partir de um núcleo comercial de minerais e vitaminas com 5% de inclusão na fórmula
As diarréias nutricionais na suinocultura - Image 12
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diarréias nos leitões podem acontecer devido a diversas causas, mas os nutrientes presentes no intestino certamente possuem um papel importante para sua ocorrência, desde a alteração da pressão osmótica na luz do intestino até como fator importante para a modificação do equilíbrio da população microbiana. Este trabalho foi preparado com o objetivo de enfatizar a importância de princípios básicos de prevenção da sua ocorrência como, por exemplo, o controle dos fatores de riscos até o emprego de conceitos básicos de formulação das dietas, como redução dos níveis de proteína bruta e cálcio, por exemplo. Finalmente, a diarréia é uma doença multifatorial e sua prevenção passa pelo controle de variáveis ambientais que interagem com as outras, causando muitas vezes confundimentos difíceis de serem interpretados. Entretanto, uma dieta formulada com cuidado e com ingredientes de alta digestibilidade certamente auxilia em muito a evitar o problema.
 
REFERÊNCIAS
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Autores:
Gustavo Lima
Embrapa Suínos e Aves
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