1. Introdução
Existem diversas estratégias nutricionais que podem ser empregadas na fase de termi nação dos suínos com objetivo de melhorar a taxa de crescimento, a eficiência alimentar e a qualidade da carcaça. Dentre as estratégias, pode-se citar a utilização da restrição alimentar ou a suplementação das dietas com aditivos como a ractopamina e/ou cromo. A restrição alimentar na terminação tem por objetivo melhorar a eficiência alimentar e também a quali dade de carcaça por meio da redução de gordura depositada e, por conseqüência, aumento da porcentagem de carne (1,2,3).
A restrição alimentar pode ser realizada de forma quantitativa ou qualitativa. A redução do consumo energético pode ser por meio da restrição quantitativa de alimento, controlan do-se a quantidade de ração fornecida ao animal. Partindo desse pressuposto, considera-se que quanto menor a oferta de alimento, menor será a produção de dejetos. Outra forma de restrição alimentar a fim de reduzir o consumo energético pelos animais, é a inclusão de ingredientes com menor valor calórico, denominada restrição alimentar qualitativa (4).
Por sua vez, o cromo é um mineral componente do fator de tolerância à glicose, que atua aumentando a fluidez da membrana celular, permitindo a ligação do receptor de insu lina que aumenta a captação de glicose (5). O cromo participa do metabolismo lipídico, pro teico e síntese de ácidos nucleicos (6), e quando suplementado corretamente pode promover o aumento do ganho de peso, consumo de ração e o percentual de carne magra da carcaça dos suínos (7,8).
A inclusão de ractopamina na alimentação de suínos na fase de terminação promove efeitos positivos no desempenho (9), aumento da massa magra da carcaça e reduz a quan tidade de gordura da carcaça (10, 11). A ractopamina é um composto sintético que apresenta estrutura e propriedades químicas e farmacológicas similares às das catecolaminas naturais (12), que atua através de receptores β-específicos, resultando na diminuição da lipogênese e no aumento da massa muscular (13).
Com base nesses conceitos, pode-se sugerir que animais alimentados com dietas com menor densidade energética resultará na produção de dejetos com taxa reduzida de po luentes. No mesmo ponto de vista, outras estratégias nutricionais indicadas são as dietas suplementadas com ractopamina ou cromo, podem melhorar o desempenho e reduzir a quantidade de gordura depositada na carcaça.
Entretanto, informações sobre os efeitos da ractopamina, restrição alimentar e cromo nas características dos dejetos e seus impactos ao meio ambiente ainda não são bem escla recidos, e informações voltadas a esse assunto são escassas na literatura. Portanto, consi derando a necessidade de informações relacionadas à composição dos dejetos, realizou-se este estudo com o objetivo de caracterizar os dejetos e avaliar a digestão anaeróbia destes resíduos provenientes de suínos em terminação alimentados com dietas contendo ractopa mina, cromo ou sob restrições alimentares quantitativas ou qualitativas.
2. Material e Métodos
O experimento foi realizado no Laboratório de Resíduos de Origem Animal da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. O município apresenta duas estações bem definidas: verão chuvoso e inverno seco. Durante a condução do experimento a temperatura média observada foi de 29,4ºC.
Os dejetos foram provenientes de 50 suínos machos castrados, em fase de terminação, com ± 154 dias de idade, com peso inicial de 99,0 ± 4,4 kg e final de 117,2 ± 5,8 kg. Os animais foram alojados em galpão de alvenaria, distribuídos em cinco grupos de 10 animais, sendo que em cada baia foram alocados dois animais. O ambiente era coberto com telha de cerâ mica, piso de concreto, laterais teladas e equipadas com cortinas. As baias com dimensão de 1,15 x 2,86 m, foram equipadas com comedouros, bebedouros do tipo nipple e lâminas d’água localizadas com dimensões de 1,15 x 0,30 x 0,10 m.
As dietas foram formuladas à base de milho e farelo de soja, suplementadas com vitami nas e minerais, de modo a atender as exigências nutricionais estabelecidas por Rostagno et al. (14), sendo: controle (dieta convencional); restrição qualitativa (redução de 7,5% de energia líquida em relação à dieta controle); restrição quantitativa (redução de 15% no fornecimento de ração); cromo (0,8 mg); e ractopamina (10 ppm).
Os dejetos foram colhidos nos três últimos dias da fase experimental, logo após a excre ção, segundo as dietas experimentais as quais os animais foram submetidos. Nos dias ante riores às coletas foi realizada a limpeza total das lâminas d’água e o registro d’água das lâmi nas foi desligado por um período de 24 horas. Passado esse período, o dejeto de cada baia foi coletado, por meio de raspagem do piso. O material coletado foi pesado e armazenado no congelador em sacos plásticos devidamente identificados. Os dejetos gerados e colhidos em cada baia eram identificados por baia, e tratamento e armazenadas até o momento do processamento em laboratório para obtenção de parâmetros de caracterização. Em seguida, para que se pudesse obter um material homogêneo para os abastecimentos dos digesto res anaeróbios, os dejetos foram homogeneizados para obtenção de amostra uma amostra composta referente a cada tratamento adotado.
A produção de dejetos foi expressa em kg de sólidos totais (ST) animal-1 dia-1, e calculada com os dados da pesagem diária dos dejetos (kg) e teor de ST dos dejetos em que: produção de dejetos (ST animal-1 dia-1) = dejeto, kg x ST, %. O coeficiente de resíduo (CR) foi calculado a partir dos dados de produção de dejetos (na MS) e do ganho de peso durante o período do confinamento para cada animal, conforme a equação: CR= quantidade de dejetos, kg na MS / ganho de peso, kg.
Foram utilizados 10 digestores cilíndricos semicontínuos de bancada, construídos em po licloreto de polivinila (PVC), com volume útil de 7,5L de substrato em fermentação (Figura 1). Os digestores foram constituídos de duas partes distintas, uma câmara de fermentação e o gasômetro, o qual era composto por duas estruturas de PVC, interna e externa, cujo objetivo era armazenar e permitir a quantificação do gás gerado. A conexão entre câmera de fermen tação e o gasômetro era feita por meio de mangueira de silicone.
Os afluentes de partida foram formulados para conter aproximadamente 3% de ST. O tempo de partida foi de 30 dias e nesse período verificou-se a queima do biogás em todos os digestores. Após o tempo de partida, os digestores foram operados com cargas diárias por 90 dias; dentro desse período, os digestores foram abastecidos diariamente com afluente que variaram conforme os tratamentos, com a adição de bicarbonato de sódio (NaHCO₃), utilizado com o objetivo de auxiliar na formação e manutenção da alcalinidade, correção de pH e, com isso, proporcionar um meio adequado para maior redução de SV, promovendo maior produção de biogás acompanhada de melhor qualidade do biofertilizante.
Figura 1 Representação esquemática do digestor anaeróbio experimental utilizado.
Durante o ensaio foram coletadas amostras diárias do afluente e efluente, para deter minação dos teores de ST e SV, e semanais para mensuração dos valores de pH por meio de potenciômetro digital. O nitrogênio amoniacal (N amoniacal) foi determinado segundo a meto dologia descrita por APHA (15), e os valores de alcalinidade parcial (AP), alcalinidade intermediá ria (AI) e alcalinidade total (AT) conforme Ripleyet et al. (16) e Jenkins et al. (17). A concentração de nitrogênio total (N) foi determinada pelo método Kjeldhal, conforme Silva & Queiroz (18).
Para a concentração de fósforo total (P total) quinzenalmente foram realizadas análises dos afluentes e efluentes, utilizando a digestão via seca por espectrofotometria (725 nm). A digestão via seca consiste na calcinação das amostras moídas em mufla a temperatura de 600°C por 3 horas; adição de 2 mL de ácido clorídrico concentrado; calcinação por mais 3 ho ras; digestão em bloco digestor com banho de areia a 200°C com adição de ácido clorídrico diluído em água (1:1) por aproximadamente 30 minutos; diluição e estocagem das soluções.
O método calorimétrico consiste na formação de um composto amarelo do sistema va nodomolibdo fosfórico em acidez de 0,2 a 1,6 N (19). A cor desenvolvida foi medida em espec trofotômetro, determinando a concentração de P das amostras, com a utilização de uma reta padrão traçada previamente a partir de concentrações conhecidas, entre 0 e 52 μg de P mL-1. Os padrões foram preparados conforme metodologia descrita por Malavolta (20).
As produções de biogás foram calculadas com base no deslocamento do gasômetro me dido com uma trena de 50 cm. Após a leitura do volume produzido, foi verificada a tempera tura com o uso de um termômetro digital colocado na saída do biogás, até a estabilização do mesmo. Após cada leitura, os gasômetros foram zerados realizando-se a descarga do biogás. Para a correção do volume de biogás, foi utilizada a expressão resultante da combinação das leis de Boyle e Gay-Lussac.
Considerando a pressão atmosférica média em Aquidauana no período experimental de 10293 mm de H2 O, tem-se como resultado a seguinte expressão para correção do volume de biogás:
V0 = volume do biogás corrigido, m3;
P0 = pressão do biogás corrigida (mm H2 O);
T0 = Temperatura do biogás corrigida (297.7525 K);
V1 = Volume do biogás no gasômetro;
P1 = Pressão do biogás no momento de leitura (mm H2 O);
T1 = Temperatura do biogás no momento de leitura K:
Foram realizados testes de queima do biogás por meio de um bico de Bunsen acoplado à saída de biogás com o intuito de monitorar a estabilidade do processo, visto que as sobre cargas dos digestores podem levar ao acúmulo de ácidos voláteis e excessiva quantidade de dióxido de carbono no biogás, condição na qual o mesmo não queima. Os potenciais de produção de biogás foram calculados utilizando-se os dados de produção diária de biogás de cada tratamento e as quantidades de SV adicionados durante o processo. Os valores foram expressos em mL de biogás por grama de SV adicionados.
Os dados de monitoramento do processo de digestão anaeróbia foram submetidos à análise de variância por meio do delineamento em blocos ao acaso, sendo que as semanas de análises foram consideradas como blocos (cofator). Os dados de produção de dejetos fo ram analisados estatisticamente pelo teste de Scoot Knott, utilizando-se 5% de probabilida de. Os dados de características químicas de afluentes e efluentes (%) foram analisados pelo teste de Scoot Knott à 1% de probabilidade.
3. Resultados e Discussão
Não foram observadas diferenças significativas entre as dietas nas produções de dejetos na matéria natural (MN), matéria seca (MS) e matéria orgânica (MO) (Tabela 1), no entanto, houve diferença entre as dietas para o coeficiente de resíduos (CR).
Tabela 1 Produção de dejetos com base na material natural e material seca e coeficiente de residues de suínos em terminação alimentados com diferentes dietas
Os animais alimentados com a dieta controle apresentaram maior CR (1,12) em relação às demais dietas, que por sua vez não apresentaram diferença entre si. Os dados indicam que a maior quantidade de resíduos por kg de carne produzida foi gerada com o fornecimen to da dieta basal, ou seja, o fornecimento dessa dieta pode causar maior impacto ambiental com relação às demais, uma vez que, a mesma quantidade de carne seria produzida em de trimento a maior geração de dejetos. Numa perspectiva do tratamento dos dejetos, sistemas com maiores volumes seriam necessários para mesma unidade de carne produzida com o fornecimento das demais dietas.
As concentrações de N amoniacal e alcalinidade (Tabela 2), como parâmetros indicado res do equilíbrio e da estabilidade do processo, apresentaram-se satisfatórias, sem oferecer riscos de falência do processo de digestão anaeróbia (21, 22, 23). O N amoniacal é benéfico para o processo de digestão anaeróbia, serve como fonte de nitrogênio e como tamponante, evi tando mudanças de pH (24). A concentração de N amoniacal nos efluentes variaram de 525 a 771 mg L, abaixo dos níveis de inibição do processo que, de acordo com Agyeman et al. (25), são superiores a 1.070 mg L.
Tabela 2 Concentrações médias de nitrogênio amoniacal e alcalinidade (parcial, intermediária e total) de afluente e efluente de dejetos de suínos em terminação alimentados com diferentes dietas
As menores concentrações de N amoniacal podem ser explicadas pela composição dos dejetos que depende do aproveitamento dos nutrientes dos alimentos consumidos pelos animais. A formação de N amoniacal ocorre principalmente em meio anaeróbio e este per manece dissolvido na fase líquida dos dejetos e, no caso dos dejetos de suínos, as concen trações são elevadas já que os animais recebem altas quantidades de N orgânico nas dietas, também é mais prontamente transformado em N amoniacal (23).
O teor médio de ST dos afluentes foi de 2,53% e o de N total, de 1,27%. Como não houve diferença nos teores de N total, mas houve nos teores de SV, é possível que tivesse havido diferença na relação C:N dos afluentes.
As dietas com cromo e ractopamina apresentaram maiores valores de SV nos afluentes, o que aumentariam as chances desses afluentes produzirem maior quantidade de biogás em relação às demais dietas. A dieta com restrição qualitativa apresentou o menor valor de SV no afluente e o maior teor de SF. Esse afluente apresentou o menor teor de P total. Os dois últimos parâmetros indicam que o perfil de minerais desse afluente foi diferente às demais dietas, não sendo possível, no entanto, concluir se sua qualidade foi superior ou inferior. Os minerais presentes nos afluentes de biodigestores podem favorecer o crescimento de microrganismos e melhorar seu metabolismo, inclusive a eficiência de uso dos precursores metano (26, 27).
De acordo com Zhang et al. (28), o pH em condição ideal para bactérias anaeróbias pode variar de 6,0 a 8,0 portanto, esses valores encontram se em uma faixa ideal para o desen volvimento microbiano, sendo o valor 7,0 considerado o ideal. Nessa faixa, evita-se com prometer a fase metanogênica, visto que as bactérias atuantes se desenvolvem melhor em condições neutras (29, 30, 31, 32, 26, 27).
Os efluentes dos biodigestores não diferiram com relação aos teores de ST, SF e N total (Tabela 3). A média do teor de ST dos efluentes foi de 2,65, 0,99 de SF e 1,26% de N total. Esses valores foram próximos àqueles observados nos afluentes, não aparentando redu ções. Houve diferença nos teores de SV, P total e no pH dos efluentes.
Dietas com restrição quantitativa e com ractopamina apresentaram maiores teores de SV, com média de 2,03%. A dieta com restrição qualitativa apresentou o maior valor de pH nos efluentes (7,39), o que implica que o meio foi diferenciado em nutrientes, e sua utilização pode ter proporcionado o desenvolvimento de uma população de microrganismos diferente daquelas encontradas nos demais digestores. As dietas com restrição qualitativa e com rac topamina apresentaram os menores teores de P total, com média de 1,90%.
A dieta com restrição qualitativa levou a maiores produções semanais de biogás e maio res potenciais de produção de biogás por unidade de SV (Tabela 4). Não houve diferença entre as produções acumuladas semanais de biogás entre digestores operados com dejetos de animais que receberam as dietas controle e com restrição quantitativa que foram supe riores àquelas produções obtidas pelas dietas com cromo e ractopamina. SANTOS et al. (33), observaram maiores produções de biogás, a partir de 14 dias de tempo de suplementação de ractopamina, em detrimento ao não fornecimento e ao fornecimento por 7 dias.
Tabela 3 Características químicas, em percentagem, dos afluentes e efluentes de digestores operados com dejetos de suínos em terminação alimentados com diferentes dietas
ST: Sólidos Totais; SV: Sólidos voláteis; SF: Sólidos fixos; pH: potencial hidrogeniônico; N Total: Nitrogênio total; P total: Fósforo total.
Letras minúsculas na coluna diferem entre si pelo teste de Scoot-Knott, a 0,05 de probabilidade.
Tabela 4 Produção acumulada semanal e potencial de produção de biogás de digestores operados com dejetos de suínos em terminação alimentados com diferentes dietas
Há de se considerar, no entanto, que a dosagem de ractopamina utilizada pelos autores foi de 20 ppm, enquanto no presente trabalho foi de 10 ppm (por 16 dias), sugerindo que a concentração possa ser mais importante que o período de suplementação. O segundo maior potencial de produção de biogás (em mL g-1 de SV adicionados), 47% inferior, foi dos biodi gestores operados com dejetos de animais que receberam a dieta controle. As dietas com restrição quantitativa, com cromo e com ractopamina apresentaram os menores potenciais de produção de biogás, média de 130 mL g-1 de SV adicionados.
As dietas fornecidas aos animais foram isoproteicas, o que pode ter ocasionado seme lhantes teores de N total nos afluentes e efluentes dos biodigestores. A dieta com restri ção qualitativa foi elaborada com teor energético reduzido em aproximadamente 7%, o que pode ter contribuído para que essa dieta apresentasse maiores produções de biogás em relação às demais. Esse fato pode ter contribuído para que o perfil de nutrientes nos dejetos fosse diferente e o pH dos efluentes acima da neutralidade pode ter favorecido o processo de digestão anaeróbia (34, 35, 31).
4. Conclusão
A dieta controle apresentou maior coeficiente de resíduo em relação as demais dietas, podendo causar maior impacto ambiental pelo fato de produzir maior quantidade de resí duos. A restrição alimentar qualitativa proporciona maior rendimento de biogás (mL g SV¹ adicionados), seguida das dietas controle, restrição alimentar quantitativa, cromo e ractopa mina. As restrições qualitativa ou quantitativa, assim como a suplementação de cromo ou ractopamina reduzem a produção de dejetos por quantidade de carne produzida.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NA REVISTA CIÊNCIA ANIMAL BRASILEIRA, EM JULHO DE 2024. DOI: 10.1590/1809-6891v25e-77719P
e-ISSN 1809-6891
Zootecnia | Artigo científico
ACESSO DISPONÍVEL EM: https://revistas.ufg.br/vet/article/view/77719