Em 1979, Robert Schuettinger e Eamonn Butler publicaram um livro intitulado “Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários – Como não combater a inflação”1. Nesse livro indispensável e genial, dão exemplos históricos de como não funcionam controles de preços.
Uma edição atualizada do livro poderia elencar uma série de contribuições brasileiras a tal demonstração, como os Planos Cruzado I, Cruzado II, Bresser, Verão, todos estes quando o acadêmico José Sarney ocupava a Presidência da República. A esse período fértil em idéias excêntricas, veio o que já foi considerado como a mais traumática experiência econômica do Brasil contemporâneo - o Plano Collor, uma versão tupiniquim de confisco de ativos monetários, cujos precedentes só podiam ser encontrados nos países socialistas mais radicais.
No Brasil ainda há vozes que pregam controles de preços, assim como estatização de empresas, demonstrando a ilimitada tentação do ser humano em cometer repetidamente “os mesmos erros”, na esperança que tragam resultados diferentes. Entretanto, controle de preços não é uma idéia jabuticaba.
O primeiro exemplo de controle de preços e salários não data do Código de Hamurabi2, como habitualmente propalado. Retroage a 2830 A.C. no Egito, pela consciência dos governantes de então que o controlando alimento controla-se a vida dos súditos. Buscaram então determinar o valor dos cereais. Acredito que alguns exemplos desta prática velha de 48 séculos podem ser encontrados nos dias de hoje em vários países.
Mas toda essa introdução visa o que em relação aos suínos, que, aliás, são mencionados no artigo 8 do Código de Hamurabi? É simples. Tenho recebido de vários suinocultores manifestações de preocupação em relação aos preços do suíno e dos grãos neste início de 2011. Há vozes clamando para que haja um controle dos preços dos grãos. Essas vozes, aliás, não se manifestam só em português, pois no recente convescote internacional chamado de G-20 o governo francês queria introduzir controles de preços das commodities. Espero, portanto que o livro de R.Schuettinger e E.Butler esteja disponível no idioma francês.
Tenho uma amiga inteligentíssima, professora universitária de brilho, mas que não consegue controlar seus ataques de utopia socialista, o que nos leva a grandes discussões sobre se é ou não possível controlar mercados. Sou admirador das idéias de liberalismo de Ayn Rand e acho que mercados podem perfeitamente serem controlados pelo mercado. Diante desta convicção, levantei alguns dados, pois se não é possível controlar preços podemos ao menos analisá-los.
Os dados que serão veiculados neste artigo são da JOX, fonte que uso constantemente nos meus estudos e cujo informativo é minha leitura diária obrigatória há muitos anos. Traduzirá a realidade do mercado de São Paulo, mercado que responde por menos de 6% do plantel de matrizes e abates da suinocultura industrial brasileira, mas que lidera o consumo por ser o estado mais populoso e que tem a 6ª maior ingesta per capita de carnes suínas do Brasil.
Antes que o leitores fiquem curiosos os cinco primeiros em consumo per capita são Sta.Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso.
Observem que na série acima os menores preços (<) ocorrem sempre nos primeiros cinco meses do ano. O ano de 2005 apresenta uma atipicidade na série de números, pois ao contrário de todos os demais anos analisados os preços mais elevados correspondem ao primeiro trimestre. Em todas as demais séries anuais prevalecem preços mais elevados (>) para o produtor nos quatro últimos meses do ano.
Quando tinha que cuidar profissionalmente da área comercial de uma grande empresa brasileira, eu considerava na hora de planejar o orçamento de vendas que suíno sempre caía a partir de 15 de janeiro (se a campanha natalina tivesse sido boa) e parava de cair em torno de 15 de maio, quando os acionistas da empresa estavam começando a pensar em sair da atividade de suínos e me olhando atravessado. Em junho e julho retomava a demanda, que se acelerava a partir agosto e em outubro já estavam os acionistas pensando em expandir a produção. E seguiam me olhando atravessado.
Eu pensava naquela sazonalidade baseado nos dados que tinha das vendas da empresa nos cinco anos precedentes. Na realidade o consumidor brasileiro gasta muito no mês de dezembro e muitos saem em férias nos meses de janeiro e fevereiro, quando então adotam uma dieta diferente da que habitual. Peixe, saladas, lanches, refeições ligeiras figuram com mais freqüência e nossa carne suína continua sofrendo do fato de que muitos ainda a associam aos meses mais frios, esquecendo a maravilha que é um sanduiche de pernil, um lombinho frio com salada ou um filé mignon suíno com qualquer acompanhamento. Quando o nosso consumidor volta para casa encontra as contas do Natal e das férias. E em março enfrenta a matrícula da escola dos filhos acompanhada de uma grande lista de material escolar. E o governo, com a sensibilidade e percepção que o caracterizam, envia então uma enxurrada de impostos (IPVA, IPTU, etc) que nós todos pagamos com a certeza de que vão ser mal aplicados.
Feito este intróito, analisemos a Tabela 1. Ainda que média seja um conceito muito relativo, na última coluna da Tabela 1 verificarão que minha visão de sazonalidade do mercado de carne suína no Brasil, que julgava tão ultrapassado quanto ética na política, ainda dá para ser servida requentada. Observem que os preços ao produtor começam a retomar em junho e julho e aceleram a partir de agosto, sendo setembro a novembro, como regra, os melhores meses do ano. Dezembro fica muito melhor para a cidade do que para o campo, visto que habitualmente as estruturas de distribuição estarão ocupadas em servir a alta de demanda do varejo, ainda que aqui e ali ainda surjam algumas reposições.
Pensei ao começar este estudo que de 2003 para cá as coisas tinham mudado muito, mas a sazonalidade da atividade não mudou tanto assim.
Como um grande amigo diz que confundo as pessoas com muitos números e gráficos, estes por demais elaborados, segue-se o Gráfico I que espero esteja franciscanamente despojado. Nele constataremos as oscilações dos pontos que correspondem aos preços de cada mês e teremos a sensação de estar examinando um eletrocardiograma de um enfartado.
Entretanto, esse sobe e desce mostra que ao longo do período de janeiro de 2004 a janeiro de 2011 a tendência do preço do suíno vivo é de alta, o que fica difícil para o produtor perceber e assentir depois de estar sofrendo com perdas de preço neste mês de janeiro e nos primeiros vinte dias de fevereiro. Assim como em vários momentos de euforia do setor eu preguei prudência, neste momento em que o produtor está desanimado, e com justiça, cumpre-me alertar que a tendência dos preços da carne suína no Brasil é de alta, seja numa visão de médio quanto de largo prazo.
Sei que para o produtor que vê diariamente o sapato apertar é difícil raciocinar em médio e largo prazo. Pois bem, vou arriscar a uma previsão de curto prazo: há uma série de fatores que me levam a indicar que este ano a recuperação de preços se verificará antes do mês de maio.
O produtor de suínos sente sua situação agravada, pois à queda dos preços do suíno confrontam-se preços firmes dos grãos. A Jox tem elementos informativos que permite construir uma correlação entre quantos quilogramas de milho e de farelo de soja o produtor consegue adquirir com o preço de venda do suíno vivo.
Desobedecerei à recomendação do meu amigo no sentido de ser mais econômico na apresentação de dados e colocarei as tabelas mensais dessa correlação para o período de 2004 a 2010, deixando aos editores a decisão de publicar todas ou só algumas a título exemplificativo.
Quando transformamos todos essas correlações em gráficos (cf.Gráficos II e III) podemos entender a justiça dos queixumes dos produtores pois a tendência da relação de troca quilograma de suíno vivo vendido versus quilogramas de milho e farelo de soja obtidos, é declinante em ambos esses macro elementos que respondem por pelo menos 2/3 dos custos.
Entretanto, o exame detalhado das tabelas anteriormente apresentadas permite que detectemos vários momentos em que essa correlação foi até mesmo mais severa para o produtor. Não é motivo para celebração, e só trago este fato à baila para que saibam que mesmo em condições difíceis do passado foi possível sobreviver e acordar para pelear mais um dia.
Há algo de positivo que celebro mais neste momento da história da suinocultura brasileira. Estamos crescendo de forma mais sustentável graças aos progressos que temos experimentado no consumo das carnes suínas pelos brasileiros. Estima-se que o ano de 2010 tenha levado o consumo a 14,5 kg per capita e creio que esse número pode mesmo ser maior, já que os primeiros resultados do Censo Demográfico 2010 indicam que a população brasileira cresceu menos do que as projeções anteriores indicavam.
Em outros momentos da história recente da suinocultura brasileira celebramos crescimentos calcados em expansão de exportações e ficamos ao sabor dos humores dos poucos mercados que estão abertos para o Brasil, obrigando à concentração de nossas vendas ao exterior. Esse aspecto submetia todo o setor a bruscas perdas de preço e a excessos de ofertas sempre que se fechavam as portas de um desses mercados por fatores os mais variados, a maioria tendo por origem o protecionismo.
O crescimento do setor calcado na expansão do mercado interno é sólido. Não estaremos mais na dependência de fatores que escapam à nossa ação e não poderemos atribuir a terceiros se deixarmos essa oportunidade escapar. Promover o consumo da carne suína não é obrigação exclusiva dos abatedouros e das indústrias. É dever de toda a cadeia – genética, nutrição, saúde animal, fornecedores, campo, indústria, distribuição e mesmo da academia.
Unam-se, pois o momento é positivo dado ao aumento de preços da carne bovina, tradicional na dieta do brasileiro. Desde fevereiro de 2010 que alerto e anuncio que os preços da carne bovina subiriam como subiram e que digo que essa tendência é irreversível. Reitero que carne bovina tende a largo prazo a se tornar artigo de luxo, acessível a poucos sob a forma dos cortes tradicionais e que a maior acessibilidade ao consumo estará em produtos transformados.
O brasileiro já come 44,52 kg per capita de carne de frango. Há ainda espaço para o aumento dessa demanda, mas já estamos mais próximos dos níveis de saturação do que estávamos há dez anos.
Com a ingesta de meros 14,5 kg/capita de carne suína ainda há muito espaço para crescer e a possibilidade de capturar parcelas de consumo da carne bovina na medida em que esta se torne crescentemente inacessível a bons segmentos da nossa população.
Acabar com os preconceitos e idéias carregadas por anos e que não correspondem à realidade da saudabilidade da carne suína. Levar essa mensagem aos profissionais de saúde e nutrição humana; estimular a novas apresentações da carne suína que tornem seu preparo fácil, atraente e diversificado, fazendo com ela vá à mesa do brasileiro de forma rotineira; buscar alianças na distribuição e entre os varejistas para mais e melhores espaços para as carnes, são alguns dos exemplos onde união de toda a cadeia é mais do que necessária. É um dever que beneficiará a cada e a todos os elos da cadeia.