Após um 2008 excepcional temos agora que trabalhar com um 2009 mais acomodado e que exigirá tomadas de decisão de contenção da produção.
O ano de 2008 foi marcado pelos extremos. O suporte proveniente da demanda mundial, com o melhor ritmo de crescimento econômico dos últimos 30 anos e altíssima liquidez internacional, ofereceu lugar a uma das maiores crises econômico-financeira já registradas em nível mundial. Uma demanda acentuada, exportações recordes, preços mundiais de commodities sem precedentes e dólar desvalorizado ajudaram o Brasil a encontrar um excelente ritmo de crescimento econômico e saltos nas exportações em alguns segmentos do agronegócio. O setor carnes foi fortemente beneficiado com o quadro, alcançando volumes e receitas recordes na exportação, além da demanda interna sólida - a qual refletiu o quadro mundial. A estrutura de liquidez financeira mundial se rompeu; as linhas de crédito e de alavancagem financeira tornaram-se restritas; a economia mundial desenha uma forte recessão para 2009 e o perfil para o agronegócio mundial deverá acompanhar a trajetória externa, com reflexos naturais e evidentes para o Brasil. O agronegócio brasileiro e o setor carnes precisarão de ajustes na produção para o próximo ano. Ao que tudo indica, o setor deve se preparar para o pior e aguardar que ao longo do ano alguns indicadores melhorem e proporcionem uma visão de recuperação para 2010.
O ano de 2008 representou o máximo grau de volatilidade em todos os segmentos da economia mundial. Não se pode afirmar que 2008 foi um ano ruim para o agronegócio mundial, tão pouco que o setor não conseguiu aproveitar o movimento expressivo de demanda gerada a partir do melhor ritmo de crescimento econômico dos últimos 30 anos. A demanda mundial superaquecida, uma liquidez de crédito alavancada e oferecendo suporte ao comércio internacional e fundamentos de oferta e demanda sólidos ofereceram um ano de recordes em fluxo de negócios, de exportações, de receita cambial e de preços em vários segmentos.
Grãos X Energia
O ano confirmou a séria expectativa em relação ao mercado de energia, ou seja, a demanda em crescimento elevado exige ofertas proporcionais de energia, nos quais os biocombustíveis continuaram, e continuarão, tendo reflexos diretos nos preços das commodities agrícolas e refletindo sobre os custos do setor carnes mundial. Os preços do petróleo atingiram US$ 147/barril, sendo o recorde dos recordes. O milho e a soja acompanharam o petróleo, a desvalorização do dólar e os naturais movimentos especulativos sobre os dados fundamentais, entre eles o clima. O milho atingiu máximas próximas a US$ 8.00/bushel, contra uma média histórica de US$ 2.00/bushel. A soja atingiu US$ 16/bushel, contra uma média histórica próxima a US$ 6.00/bushel. Com a forte valorização do dólar, fuga de capitais e queda no fluxo de crédito, o Brasil novamente registrou problemas graves em recompor a liquidez interna e o primeiro preço afetado foi o real, com forte desvalorização. Pelo menos, a crise mundial corrigiu uma grave distorção na economia brasileira, ou seja, a sobrevalorização do real. Preços absurdamente altos, mas, que acompanharam a lógica econômica de demanda, os fundamentos em cada segmento de mercado e uma liquidez financeira elevada ao longo do primeiro semestre de 2008.
A ruptura da crise
Um item chamava a atenção da economia mundial, ou seja, os problemas com o subprime (hipotecas de risco) nos Estados Unidos. Uma alavancagem financeira baseada no setor imobiliário que já havia dado sinais de estrangulamento em agosto de 2007. Mas, como a economia mundial avançava em velocidade acentuada e havia a chegada de um período eleitoral nos EUA em 2008, parece que este quadro foi neutralizado politicamente e “arrastado” ao longo do ano. Enquanto se concentrou apenas em um problema setorial nos Estados Unidos a situação pôde ser discutida sem reflexos para a economia mundial. Porém, neste segundo semestre de 2008 o “caos” atingiu o sistema financeiro mundial. O atraso nas soluções para o subprime nos EUA contaminou os demais segmentos do setor financeiro e também a economia real. O sistema de crédito foi fortemente afetado. Uma crise de confiança nas instituições e nos governos se instalou. O risco de um ciclo de concordatas sem precedentes passou a dominar o sistema financeiro mundial. Os governos bancaram o problema anunciando fortes injeções de capitais nos EUA, Europa e Ásia. Bilhões de dólares foram injetados no sistema financeiro para tentar recompor o crédito e a liquidez. Mas, com uma crise de confiança sempre é difícil se retomar a liquidez.
As medidas chegaram tarde para a economia real, talvez tivessem que ser adotadas em 2007 e não um ano depois. Os Bancos Centrais falharam na fiscalização e acompanhamento do sistema financeiro. A economia real passou a ser afetada de forma direta e a crise atingiu o comércio, as indústrias e o nível de emprego. Neste segundo semestre de 2008, após um boom de crescimento, temos a instalação de um processo recessivo mundial e que afetará os países emergentes de forma direta ou indireta.
As commodities foram afetadas de várias formas. Inicialmente, por tendências fundamentais, ou seja, se haverá uma recessão a demanda vai ceder e, portanto, os preços também. Qualquer alta de preços nas commodities, sem lastro no consumo, implicará em retração da demanda global. O dólar passou a se valorizar acentuadamente e derrubar os preços das commodities. O petróleo retornou ao nível inferior a US$ 60/barril, patamar de meados de 2007, mas ainda muito acima da média histórica. O milho voltou aos preços de US$ 3.80/bushel, também patamares de meados de 2007 e acima da média histórica. O mesmo ocorreu com a soja, retornando à faixa de US$ 8.50/9.00/bushel. Alguns insumos que também alavancavam os preços das commodities começaram a ceder em preços em dólar, como os fertilizantes e químicos. Ou seja, os preços das commodities cederam, mas os custos tendem a ceder também.
A visão para 2009
Entramos em 2009 com o foco recessivo. Todos os mecanismos impostos pelos Bancos Centrais ainda parecem incapazes de recuperar o ambiente e recompor crédito e demanda interna, evitando o crescimento do nível de desemprego e queda de renda geral. A recessão está instalada e o reflexo sobre os preços das commodities já é evidente. A intensidade deste processo recessivo e a sua duração é o ponto em discussão neste momento, já que a trajetória já esta definida. Em princípio, a economia mundial deverá sair de um ritmo de crescimento de 5% ao ano para menos de 2% em 2009.
Este ponto modifica razoavelmente a visão para 2009 em relação a 2008. Enquanto a economia real não apontar para uma curva de inversão, a situação poderá se manter complicada do ponto de vista da produção e do comércio mundial no agronegócio. E este é o ponto central para este ano. Certamente, não se trata da primeira e nem da última recessão mundial a ser registrada. Este é um processo normal dentro do capitalismo. Os motivos da crise podem ser discutidos e os procedimentos para evitar uma depressão também. Mas, após um 2008 excepcional temos agora que trabalhar com um 2009 mais acomodado e que exigirá tomadas de decisão de contenção da produção. É mais prático e menos arriscado entrar em um processo recessivo com uma produção ajustada ao potencial de demanda do que assumir posições elevadas de produção, buscando ganhar mercado com preços mais baixos. A crise é de demanda e não de preço. A recessão afetará demanda em alguns pólos fundamentais para o setor carnes brasileiro como Estados Unidos, Rússia, Europa e Japão.
O agronegócio mundial estava avançando na produção para equilibrar a oferta ao ritmo frenético de demanda mundial. Todos os países procuraram investir em produção para fazer frente à demanda. O Brasil alcançou três recordes consecutivos de produção de milho, dois no segmento soja, produção e exportações recordes nas carnes de frango e suína, um abate de bovinos em constante crescimento a ponto de gerar uma queda acentuada no rebanho nacional. Este movimento positivo elevou os níveis de investimentos no agronegócio brasileiro e as produções de milho e do setor carnes encontraram um foco de expansão para 2009.
Safra
A safra de verão 2008/09 terá efeitos negativos da crise financeira mundial devido à retração da demanda. O câmbio desvalorizado acentuadamente ajuda a reequilibrar alguma variável de preço interno, mas, o quadro recessivo mundial continua contendo a demanda. A safra de milho 2008/09 terá retração no plantio do verão, refletindo custos elevados. A safrinha 2009, certamente, não terá tempo suficiente para reverter o quadro de preços internos em deterioração e a desmotivação do produtor em plantar diante do quadro mundial e os estoques nacionais. O Brasil estará entrando em 2009 com um estoque de milho que é o maior desta década de 2000, ou seja, quase 6 milhões de toneladas. Se o Brasil não conseguiu atingir a meta de exportações de 10 milhões de toneladas em 2008 terá que fazê-lo em 2009, ou o governo assumir grande parcela de compra interna.
O setor carnes se preparou para um 2009 novamente de fluxos de demanda excepcionais e não poderia ser diferente diante dos acontecimentos nos últimos dois anos. O setor avícola tem uma capacidade instalada para novamente elevar a produção em mais 10% em 2009 e a suinocultura em 5%. Somente a pecuária poderá não encontrar crescimento devido a sua fase cíclica. Contudo, o setor carnes enfrentará vários problemas na exportação no primeiro semestre de 2009, entre eles:
- a queda nos preços em dólar, assim como em todas as commodities. Os preços cederão rapidamente acompanhando a valorização do dólar. A desvalorização do real ajudará a compor margens;
- os principais importadores de carne brasileira estão entrando em forte recessão: Estados Unidos maior comprador de carne bovina industrializada brasileira, Rússia maior importador de carne in natura bovina e suína, Europa maior preço agregado, Japão maior comprador de carne de frango, etc.
- todos os países importadores estão desvalorizando as suas moedas, o que inibe a importação;
- a demanda interna poderá ceder pouco, mas, haverá também alguma acomodação da demanda interna em 2009.
Reequilibrar a produção
Dentro deste ambiente, as baixas do milho e da soja não podem ser vistas como um simples fator de impulsão à produção do setor carnes. Elevar a produção substancialmente para o primeiro semestre de 2009 refletirá em uma elevação do risco do setor no Brasil. A queda de volumes na exportação é uma trajetória inevitável e que implicará em excedentes internos elevados se não houver um ajuste na projeção de crescimento da oferta. Esta correção de rota, sem dúvida, é difícil dentro da estrutura de cada segmento, mas, se faz necessária para evitar o caos de sobreoferta interna ao longo de 2009. Desta forma, é mais salutar ao setor reequilibrar a trajetória de produção aguardando um primeiro semestre difícil e retomar a alavancagem da produção dentro de uma mudança de ambiente externo ao longo do segundo semestre de 2009.
* Texto originalmente publicado na edição 1173/2008, da revista Avicultura Industrial, da Gessulli Agribusiness.