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Análise energética de biodigestores tubulares usando dejetos de suínos

Publicado: 17 de fevereiro de 2023
Por: Alessandro Torres Campos, Aloísio Torres de Campos, Elenara Pinto Dos Santos, Evandro Luiz Nogarolli Casimiro, Ricardo Yuiti Nagae, Waldemiro Weiss Filho, Jacir Daga. (Grupo de Pesquisas em Ambiência do Oeste do Paraná)/UNIOESTE.
Resumo
Procurando superar mais uma crise financeira, a suinocultura tem o grande desafio, nesta e nas próximas décadas, de alcançar a sustentabilidade também no âmbito do agroecossistema em que se insere. Já conhecida por sua elevada produção de dejetos, de elevado nível poluidor, a suinocultura, notadamente na região oeste do Paraná, possui o agravante de apresentar elevada concentração de animais, inseridos em núcleos de criação em reduzidas áreas. Entretanto, a reversão do quadro, transformando o “problema resíduo” em uma “solução energética”, por meio de biodigestores, deixa de ser uma retórica, com a iniciativa de alguns produtores e pesquisadores. O presente trabalho objetiva avaliar a produção energética, por meio do uso de biodigestores, como fonte alternativa para a co-geração de energia. O trabalho foi desenvolvido em uma granja comercial localizada na região oeste do Paraná, com 1.700 matrizes, em uma unidade produtora de leitões, com produção de 3.400 leitões/mês. O sistema estudado é constituído por dois biodigestores em paralelo, com fluxo contínuo e capacidade total de 1.275 m3 por biodigestor, com tempo de retenção hidráulica de 30 dias. O biogás gerado alimenta um motor de 4,1 litros, com seis cilindros, 80 cv, rotação de 3.600 rpm, acoplado a um economizador, que se constitui de um motor elétrico de 50kW, assíncrono. O sistema promoveu uma redução de 58% na demanda química de oxigênio. A produção de biogás foi estimada em 208 m3 dia-1, com produção de energia elétrica de 35,2 kWh dia-1. Para a maior parte do ano, o sistema tem o potencial de abastecer a granja de eletricidade para todas suas necessidades, promovendo economia que é convertida em renda para a atividade.
Introdução
A preocupação energética na atividade agrícola ainda é pouco difundida no Brasil. Existe, no entanto, uma elevada necessidade de produção de alimentos para a população mundial, neste sentido vem se buscando alternativas para produção de alimentos com alto valor protéico.
A suinocultura é uma atividade presente predominantemente em pequenas propriedades rurais, empregando-se mão-de-obra familiar, constituindo importante fonte de renda e estabilização social. Os sistemas de produção de suínos em confinamento existentes no sul do Brasil resultam em elevada produção de dejetos líquidos, gerando problemas de manejo, armazenamento, distribuição e poluição ambiental (OLIVEIRA, 1993, SEGANFREDO, 2000, KOZEN, 1983).
KONZEN (1983) afirmou que os dejetos de suínos são compostos por dejeções (fezes e urina), água desperdiçada pelos bebedouros e de higienização, resíduos de ração, cabelos e poeira decorrentes do processo criatório. A quantidade total de dejetos produzidos pelo suíno em determinada fase de seu desenvolvimento é um dado fundamental para o planejamento das instalações e equipamentos a serem utilizados para o transporte e distribuição do mesmo na lavoura. A quantidade e qualidade dos dejetos são afetadas por fatores zootécnicos (tamanho, sexo, raça e sistema de criação), ambientais (temperatura e umidade) e dietéticos como digestibilidade, conteúdo de fibra e proteína (DARTORA et al., 1998).
No entanto vem se buscando alternativas de redução deste impacto ambiental, através da fermentação metanogênica, obtendo-se um fertilizante rico em nitrogênio, fósforo e potássio (OLIVEIRA, 1993; KONZEN, 1983; SEGANFREDO, 2000) e o biogás, produto energético que convertido em energia elétrica, pode contribuir para uma rápida amortização dos custos da tecnologia instalada (SEIXAS, 1980).
Segundo OLIVEIRA (1993), a produção de dejetos líquidos por matrizes é de 27 litros por dia e por leitões é de 1,4 litros por dia, e a composição química média do resíduo líquido em suínos é de Nitrogênio total = 1,8 – 2,5), P2O5 = 1,2 – 2,1 e K2O = 0,8 –1,5.
A composição média da mistura do biogás pode ser variável, como se observa na Tabela 1.
Em relação à produção de biogás cada metro cúbico de biomassa em digestão pode produzir, em média, 0,64 m3 de biogás dia-1, sendo necessários de 20 a 30 dias para uma boa digestão dos dejetos (KONZEN, 1983).
OLIVEIRA (2002), comparando o valor calórico contido em 1m³ de diversas fontes de energia, apresenta o valor de 5.155 kcal para o biogás (65-70% de CH4), 7.931 kcal para o metano, 9.293 kcal para o gás natural, 19.446 kcal para propano e 24.561 kcal para o butano.
Análise energética de biodigestores tubulares usando dejetos de suínos - Image 1
O poder energético do esterco de suínos precisa ser considerado, pois 1 m3 de esterco produz em torno de 0,5 m3 de biogás e 1 m3 de biogás é equivalente energético a 0,66 litros de diesel ou 0,70 litros de gasolina (OLIVEIRA, 1993).
Segundo COLEN (2003), os microorganismos responsáveis pelo processo de estabilização da matéria orgânica via digestão anaeróbia podem ser divididos em bactérias fermentativas, acetogênicas e metanogênicas. As bactérias fermentativas, responsáveis pelo processo aeróbio, hidrolisam os complexos orgânicos por meio de enzimas extracelulares, os produtos originados são absorvidos pelos mesmos grupos de bactérias resultando na formação de ácidos graxos de cadeia curta, hidrogênio e dióxido de carbono. Os produtos provenientes das bactérias fermentativas são utilizados pelas bactérias acetogênicas que irão produzir hidrogênio, dióxido de carbono e acetato. Em quanto as bactérias metanogênicas são as responsáveis pela destinação final dos produtos oriundos das bactérias acetogênicas. Os produtos resultantes da ação das bactérias acetogênicas servem de alimento para as bactérias metanogênicas, que ao se alimentarem destes substratos, produzem o biogás, principalmente o metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2). As metanogênicas acetoclásticas e as hidrogenotróficas utilizam hidrogênio e o dióxido de carbono. Os processos de biodiogestão anaeróbios podem ser divididos em quatro fases: hidrolise, acidogênise, acetogênise e metanogênise, sendo estas oriundas da função ou produtos resultantes da ação das bactérias. A atividade enzimática das bactérias depende intimamente da temperatura. Ela é fraca a 10ºC e nula acima dos 65ºC. A faixa dos 20ºC a 45ºC, corresponde à fase mesófila, enquanto que entre os 50ºC e os 65ºC, temos a fase termófila. A opção por uma temperatura de trabalho terá de resultar do compromisso entre o volume de gás a produzir, o grau de fermentação e o tempo de retenção.
Dados do IBGE (2001) revelaram que 1,14% das 6.892.500 propriedades rurais do Brasil não possuem eletrificação rural, ou seja, cerca de 500.000 pessoas não dispõem de energia elétrica.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o fluxo energético contido em sistema de tratamento de dejetos de suínos em confinamento por meio de biodigestores com produção de biogás como fonte alternativa para co-geração de energia elétrica na propriedade rural.
4. Material e Métodos
O trabalho foi desenvolvido na Granja Becker, situada no município de Quatro Pontes, região Oeste do Paraná. A área total da propriedade é de 11,78 ha dos quais 1,0 ha é ocupado com edificações para confinamento dos animais. A granja mantém 1.700 matrizes em sistema UPL (Unidade Produtora de Leitões), cuja produção é de 3.400 leitões/mês.
O sistema é constituído por dois biodigestores em paralelo (Figura 1), com fluxo contínuo e capacidade total de 1.275 m3 por biodigestor, com tempo de retenção hidráulica de 30 dias, dotado de sistema de recirculação do fluido. A estrutura é de concreto armado com paredes laterais em alvenaria de um tijolo, com tijolos furados, o fundo é revestido com PEAD (Poliestireno de Alta Densidade) rígido com espessura de 0,8 mm.
Análise energética de biodigestores tubulares usando dejetos de suínos - Image 2
Figura 1. Biodigestores.
Visando o isolamento do biodigestor fez-se um selo hídrico com fundo em concreto e paredes em alvenaria de tijolos. A cobertura do biodigestor é feita com PEAD 0,8 mm flexível, que serve como reservatório para o biogás.
A quantidade estimada de dejetos líquidos produzidos diariamente de acordo com o sistema de produção foi avaliada de acordo com o tempo de enchimento dos dois biodigestores. A produção de biogás foi calculada através da vazão do gás.
O biogás gerado é utilizado na alimentação de um motor marca GM de 4,1 litros, com seis cilindros, 80 cv, rotação de 3.600 rpm, volume de óleo de Carter de 4,5 litros, refrigerado por radiador. O motor é acoplado a um equipamento denominado economizador, uma vez que o mesmo não funciona como um gerador comum. O equipamento se constitui de um motor elétrico marca WEG, modelo TT 50, 50kW, assíncrono. O sistema possui proteção com quadro automático microprocessado, que protege contra sobrecarga, superaquecimento e falta de óleo lubrificante (Figura 2).
A produção de energia elétrica foi estimada através da utilização de potenciômetro de alicate. O efluente do biodigestor segue para um decantador de fluxo ascendente, construído em alvenaria com três reservatórios do mesmo tamanho, com base inclinada, dividido por paredes que possibilitem a passagem do efluente. Este equipamento é utilizado para separar a fase líquida da sólida, com a remoção de aproximadamente 50% do material sólido do efluente do reator.
Análise energética de biodigestores tubulares usando dejetos de suínos - Image 3
Figura 2. Conjunto motor de combustão e gerador (economizador).
A energia contida nos resíduos foi avaliada na entrada e na saída do sistema de biodigestores de acordo com os níveis de nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K) e matéria orgânica (MO).
Foram realizadas coletas do dejeto in natura, antes da entrada no biodigestor e do dejeto préestabilizado, na saída do biodigestor.
As análises de N, P e K, foram realizadas nos Laboratórios de Fertilidade do Solo e de Química Agrícola e Ambiental, no Campus da Unioeste - Marechal Cândido Rondon/PR. As análises de nitrogênio, fósforo e potássio foram realizadas segundo metodologia descrita em APHA (1992). Para nitrogênio foi utilizado o método de digestão ácida, destilação e titulação (método KJELDAHL), para o fósforo o método colorimétrico do ácido vanadomolibdofosforico, e para o potássio o método da Espectrofotometria de Absorção Atômica.
A análise de matéria orgânica foi realizada no Laboratório de Química, no Campus da Unioeste – Toledo/PR, seguindo a metodologia descrita por SILVA (1977), baseada no método clássico de refluxo e determinação por titulometria.
5. Resultados
A quantidade de dejetos líquidos produzidos no período foi de 47 L matriz-1 dia-1, totalizando 80 m3 dia-1.
A produção de biogás foi estimada por meio do fluxo do gás através de uma tubulação de 5,08 cm de diâmetro, com velocidade de escoamento de 2,85 m s-1, totalizando 208 m3 dia-1 de biogás.
A energia contida nos nutrientes dos resíduos, considerando os teores de N, P, K, assim como a DQO, são expressas na Tabela 2. Para a estimativa dos valores energéticos dos nutrientes, considerou-se os coeficientes informados por Pellizzi (1992): N = 73 MJ kg-1; P = 13 MJ kg-1; K = 9 MJ kg-1, levando-se em conta as quantidades efetivas dos elementos ativos
Análise energética de biodigestores tubulares usando dejetos de suínos - Image 4
Como se observa a partir das informações da Tabela 2, houve uma redução de 26%, 23% e 15% nos níveis de N, P e K, respectivamente, da entrada para a saída dos biodigestores. Estes percentuais também se relacionam aos níveis energéticos na entrada e saída.
O sistema foi capaz de promover uma redução de 58% na demanda química de oxigênio, de 25.650 mg L-1 na entrada, para 10.790 mg L-1 na saída.
A geração de energia elétrica a partir do biogás foi 35,2 kWh dia-1. Para um período de funcionamento diário de 10 horas a produção total foi de 352 kWh. Para a maior parte do ano, o sistema tem o potencial de abastecer a granja de eletricidade para todas suas necessidades, promovendo economia que é convertida em renda para a atividade.
A implantação do sistema demonstrou ser energeticamente viável em relação à produção de biogás e biofertilizante demonstrando ser possível a sustentabilidade ambiental e a sobrevivência da zona de produção.
O presente estudo por estar em fase de implantação, requer a continuidade e acompanhamento de pesquisas para obter-se o balanço energético de todo o sistema de tratamento e manejo dos dejetos de suínos.
Os maiores problemas para a adequação dos suinocultores são as exigências da legislação, em que as ações para a melhoria da qualidade do ar e redução do poder poluente dos dejetos de suínos a níveis aceitáveis requerem investimentos significativos, por outro lado a utilização como fertilizante exige conhecimentos específicos para cada situação e investimentos em armazenagem, transporte e distribuição, nem sempre disponíveis para os pequenos produtores.
Publicado originalmente na revista Scielo Brasil, em  2004. Acesso disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000022004000100013&script=sci_arttext

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Autores:
Alessandro Torres Campos
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Comentário
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Orlando Samuel André Neves
1 de marzo de 2023

Ótimo trabalho....

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ARMANDO DE CASTRO SOBRINHO
21 de febrero de 2023
Otimo material! Estou precisando fazer um biodigestor para gerar renda com as fezes dos porcos!! Parabens!!
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