1Bacharela em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do ABC (UFBAC), Engenheira Ambiental e
Urbana (UFABC) e mestranda em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFABC). 2Bacharela em Química pela Universidade de São Paulo (USP), graduada em Licenciatura em Química pela USP, mestra em Química Analítica (USP) e doutora em Química Analítica (USP). Atualmente é professora do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas (CECS) da UFABC 3Médico veterinário pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), mestre em Epidemiologia ExperimentalAplicada às Zoonoses (USP), doutor em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses (USP).Atualmente é professor do Instituto Federal de São Paulo, campus São Roque.
INTRODUÇÃO
A atividade de suinocultura é marcada pela geração de resíduos de animais. O aproveitamento de dejetos de suínos, tratados por biodigestão anaeróbia, é uma prática sustentável de utilização de resíduos sólidos, e gera produtos como o biofertilizante e o biogás (MIELE et al., 2015; SILVA et al., 2020).
A atenção pública quanto ao uso de antimicrobianos, assim como a resistência a esses medicamentos na atividade pecuária, tem aumentado (ZAHEER et al., 2020). Na suinocultura ocorre o uso de antimicrobianos, como a amoxicilina, que favorece a seleção de micro-organismos resistentes no trato intestinal dos animais e possibilita a disseminação de variantes multirresistentes para outros seres vivos, incluindo animais e humanos, considerando-se a cadeia trófica, já que alimentos podem ser fertilizados com os dejetos que foram submetidos ao tratamento de biodigestão (WOOLHOUSE et al., 2015; TAN et al., 2018).
Tendo em vista o conhecimento de que antibióticos são usados para tratar ou prevenir a multiplicação de bactérias, as que serão abordadas neste trabalho são as do gênero Enterococcus, que estão presentes no intestino de animais e são caracterizados como uma das bactérias que mais causam infecções, sendo preocupação de saúde pública (KATHIRVEL et al., 2020).
No presente estudo, o foco é em análises de amostras de dejetos de suínos, que passaram pelo processo de biodigestão anaeróbia. A intenção é verificar a presença de Enterococcus nas amostras, relacionando com resistência antimicrobiana, já que, dada a importância da potencial transmissão de bactérias resistentes para humanos através de cadeias de consumo de produtos alimentícios, pode haver Enterococcus resistentes nos dejetos de suínos que são utilizados como fertilizantes agrícolas.
Portanto, é válida a discussão sobre o conhecimento acerca da resistência a antibióticos na suinocultura, focando nos resíduos provenientes dessa atividade a fim de responder os seguintes questionamentos: há Enterococcus nos dejetos utilizados como fertilizantes, mesmo após tratamento por biodigestão anaeróbia; se sim, são resistentes à amoxicilina? Acredita-se que as respostas irão colaborar com pesquisas futuras, já que fornecem dados sobre um resíduo sólido que tem valor econômico e pode ser usado para fins agrícolas: o biofertilizante.
OBJETIVO GERAL
Analisar a presença de micro-organismos do gênero Enterococcus em amostras provenientes de dejetos de suínos que passaram pelo tratamento de biodigestão anaeróbia e, ao identificar estes micro-organismos, verificar a resistência e/ou modificações quanto à resistência dos Enterococcus ao antimicrobiano de estudo.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Identificar e confirmar a presença da bactéria Enterococcus nos dejetos;
- Verificar a resistência dos micro-organismos identificados à amoxicilina;
- Acrescentar aditivos alimentares (utilizados na alimentação dos suínos) aos ensaios experimentais, a fim de verificar possíveis alterações na resistência dos micro-organismos;
- Detectar genes de resistência, caso haja resultados com micro-organismos resistentes nos ensaios anteriores.
MATERIAIS E MÉTODOS
A metodologia utilizada abrangeu ensaios microbiológicos presuntivos para identificação do gênero da bactéria Enterococcus; identificação dos Enterococcus por meio de análises moleculares para confirmar os testes presuntivos; verificação da resistência dos micro-organismos identificados ao antibiótico recomendado para todos os estágios da produção de suínos: amoxicilina; e realização de ensaios microbiológicos com a amoxicilina acrescentando os aditivos alimentares utilizados na suinocultura, a fim de verificar possíveis alterações na resistência dos micro-organismos.
As amostras de dejetos foram coletadas em uma granja de suínos no município de Ibiúna - SP (Figura 1), sendo quatro coletas realizadas em 2022. As amostras líquidas foram efluentes coletados da subsuperfície de um tanque de decantação do biodigestor e as amostras sólidas obtidas do efluente decantado depois de ter passado pelo sistema de desaguamento e ter sido deixado em leito de secagem coberto.
Figura 1: Fluxograma das coletas de amostras. Fonte: Elaborado pela autora (2022)
Os ensaios experimentais (Figura 2) foram realizados em laboratórios com a determinação das variáveis pH e sólidos (totais, fixos e voláteis); as análises microbiológicas abrangeram coloração de Gram, teste da catalase, o isolamento bacteriano primário das amostras em solução salina (incubadas a 37 ºC por 24h) e, após, o cultivo em meios de cultura caldo azida (37 ºC por 24h), ágar de Infusão de Cérebro e Coração (BHI) (37 ºC por 24h) e meio ágar seletivo para Enterococcus (37 ºC por 24h); o antibiograma foi feito com discos de amoxicilina, de 2µg e 10µg, em meios de cultura com e sem os aditivos alimentares (Biotop ® e Selacid ®).
A partir do micro-organismo isolado em caldo BHI com solução tampão Tris-HCl pH 7,8, realizou-se o teste de biologia molecular de reação em cadeia da polimerase (PCR) convencional com primers específicos para o gênero Enterococcus; o produto da PCR foi analisado por eletroforese em gel de agarose a 1,5% corado com GelRed® e visualizado em transiluminador de luz ultravioleta. O controle positivo foi a cepa ATCC 29212.
Figura 2: Fluxograma dos ensaios experimentais. Fonte: Elaborado pela autora (2022)
RESULTADOS OBTIDOS
Os principais resultados experimentais obtidos, que são: identificação de Enterococcus por análise microbiológica; confirmação do micro-organismos através de ensaio de biologia molecular; e testes microbiológicos de disco-difusão realizados com os aditivos alimentares (Biotop ® e Selacid ®), com discos de amoxicilina (2 µg e 10 µg), a fim de verificar a resistência do micro-organismo.
Conforme a Figura 3, houve a identificação de Enterococcus nas amostras de estudo, com exceção de uma amostra sólida (Figura 3 (b)). Para confirmar a presença do micro-organismos de estudo, realizou-se o ensaio de PCR, que apresentou os mesmos resultados dos testes microbiológicos.
Figura 3: Placas de Petri com meio Enterococcosel referentes às coletas de 1 a 4: (a) amostra líquida da 1ª coleta; (b) amostra sólida da 1ª coleta; (c) amostra líquida da 2ª coleta; (d) amostra sólida da 2ª coleta; (e) amostra líquida da 3ª coleta; (f) amostra sólida da 3ª coleta; (g) amostra líquida da 4ª coleta; (h) amostra sólida da 4ª coleta. Fonte: Elaborado pela autora (2022)
A Figura 4 mostra os produtos da PCR analisados em eletroforese em gel de agarose a 1,5% (m/v).
Para Enterococcus, com disco de 2 μg de amoxicilina, há o seguinte ponto de corte, conforme o diâmetro do halo, em milímetros (mm) (BrCAST, 2022):
- Sensível ≥ 10 mm;
- Intermediário = 8-9 mm;
- Resistente < 8 mm
Figura 4: Gel de agarose (1,5%) da reação de PCR: (1) poço com marcador de peso molecular de 100 pb; (2) a (5) amostras líquidas da 1ª a 4ª coleta; (6) a (9) amostras sólidas da 1ª a 4ª coleta; (10) controle positivo; (11) controle negativo. Fonte: Elaborado pela autora (2022)
Portanto, o ensaio de disco-difusão não apresentou Enterococcus resistentes (Tabela 1), conforme verificado pelos valores dos halos de inibição.
Tabela 1: Halos de inibição (mm) das placas (sem e com aditivos) com meio ágar Mueller Hinton e discos de amoxicilina de 2 e 10 μg. Fonte: Elaborado pela autora (2022)
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Os dados obtidos nos ensaios de disco-difusão foram submetidos à análise de variância (ANOVA), sendo as médias das medidas dos halos de inibição comparadas pelo teste de Tukey, ambos a 5% de significância, utilizando-se o software PAST (versão 3.22).
A análise de variância apresentou o valor de p maior que o nível de significância de 0,05, logo, não indicou diferenças entre os tratamentos. O teste de Tukey não apresentou diferenças significativas (p > 0,05).
CONCLUSÕES
Estabelecer a metodologia foi um ponto crítico, principalmente na etapa de preparo de amostra, antes da reação de PCR. Foram testados três protocolos de extração de DNA, além de adaptações e modificações na metodologia.
Embora aditivos alimentares sejam usados na criação de animais para consumo, encontrar dados na literatura sobre experimentos e interação dos aditivos com antimicrobianos tem sido uma adversidade, principalmente se a busca tiver o intuito de relacionar essas informações com Enterococcus e suínos.
Das oito amostras analisadas (quatro líquidas e quatro sólidas), apenas uma (sólida) apresentou resultado negativo quanto à presença de Enterococcus. A eletroforese em gel de agarose confirmou a presença do microorganismo de estudo, da mesma forma que as análises realizadas em meio de cultura.
Nenhum ensaio do método disco-difusão apresentou Enterococcus resistentes à amoxicilina, de acordo com o diâmetro dos halos de inibição.
PUBLICADO ORIGINALMENTE na ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.
ACESSO DISPONÍVEL EM:https://congressoabes.com.br/trabalhos/analise-de-enterococcus-em-amostras-de-dejetos-de-suinos-tratados-por-biodigestao-anaerobia-verificacao-da-resistencia-a-antimicrobiano-utilizado-na-suinocultura/