INTRODUÇÃO
A primeira constatação de que o cromo (Cr) é um nutriente essencial para os animais, pois mantém a tolerância à glucose, foi demonstrada em ratos por Schwarz & Mertz (1959), após terem sugerido que um composto, denominado fator de tolerância à glucose, pudesse ser encontrado na levedura (Schwarz & Mertz, 1957).
A função primária do Cr é ajudar a manter a homeostase glicêmica pela regulação da ação do hormônio insulina. Quando em presença de Cr em forma fisiologicamente ativa, os níveis de insulina necessários ao metabolismo normal são menores. Esse mineral tem, portanto, ação potencializadora da insulina, atuando como cofator e melhorando sua eficiência, mas não se constituindo em substituto do hormônio, para promover a absorção de glucose pela célula. A deficiência experimental de Cr resulta no aparecimento dos seguintes sintomas: hiperglicemia durante o jejum, alteração na tolerância à glucose, níveis mais altos de insulina circulante, glicosúria, elevação do colesterol e triglicerídeos sangüíneos, decréscimo na capacidade de a insulina se ligar à célula e decréscimo no número de receptores da insulina (Anderson et al., 1991).
A insulina está envolvida tanto no metabolismo de glucose como de lipídeos, afetando o crescimento, a tolerância à glucose, a absorção de aminoácidos pelas células e síntese protéica. A insulina promove o anabolismo e inibe reações catabólicas no músculo, fígado e tecido adiposo. A insulina também estimula o transporte ativo de glucose e aminoácidos para as células do tecido muscular e aumenta a síntese protéica. A gluconeogênese é inibida pela ação da insulina, impedindo dessa forma que a glucose seja sintetizada a partir de glicerol e aminoácidos. Esse hormônio promove o aumento do transporte de glucose para as células hepáticas, promovendo o aumento da síntese de glicogênio e de ácidos graxos, os quais são depois transportados para incorpora- ção no tecido adiposo (Mertz, 1993).
Steele et al. (1977) realizaram um dos primeiros estudos com Cr na alimentação de suínos. Eles verificaram, in vitro, que em amostras de tecido adiposo de suínos incubados com um fator de tolerância à glucose sintetizado a partir de Cr3+, ácido glutâmico, glicina, cisteína e duas moléculas de ácido nicotínico, não houve aumento na utilização de glucose em rela- ção à oxidação ou lipogênese. Também não houve efeito da infusão do fator de tolerância à glucose sobre os níveis plasmáticos de glucose e insulina de animais submetidos à prova de desafio por glucose. Concluiu-se que o fator de tolerância à glucose é uma molécula biologicamente ativa em suínos e que a sua ação talvez dependesse do grau de deficiência de Cr nos animais.
A suplementação de Cr, utilizando-se fontes org ânicas e inorgânicas do mineral, foram estudadas em três experimentos realizados por Page et al. (1993). Nesses estudos, verificou-se que o Cr-picolinato melhorou significativamente a eficiência alimentar e reduziu a espessura de toucinho, além de aumentar a área de olho de lombo e a porcentagem de carne magra. Os autores indicaram que os níveis ótimos de suplementação na dieta seriam ao redor de 100 a 200 ppb de Cr. Esses estudos foram os primeiros a mostrar que a suplementação de Cr na forma de picolinato promove alteração na composição das carcaças dos animais. Desde então, a pesquisa nessa área tem-se intensificado (Lindemann et al., 1995; Mooney & Cromwell, 1995), confirmando os resultados de Page et al. (1993). A forma de Cr mais estudada tem sido o picolinato de Cr, que se constitui em um composto orgânico formado por uma molécula de Cr3+ complexada com três moléculas de ácido picolínico.
Há evidências, por meio de ensaios in vitro e experimentos com animais, de que o Cr deve estar complexado com outros compostos, tais como o ácido nicotínico, para ter máxima ação (Mertz, 1993). O ácido nicotínico previne a destruição das células b do pâncreas pela inibição da enzima poli(ADP-ribose) sintetase, a depleção de NAD+ e a ação de radicais livres (Behme, 1995). Quando o Cr encontra-se associado ao ácido nicotínico há aumento da atividade da insulina, o que não ocorre quando esse mineral é fornecido aos animais na forma inorgânica, sugerindo que a niacina pode se constituir em um fator limitante para a absorção e atividade biológica de Cr inorgânico (Chang et al., 1995).
O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos de diferentes níveis de Cr dietético, na forma de ácido nicotínico sobre o desempenho e características de carcaça de suínos em crescimento e em terminação.
MATERIAL E MÉTODOS
Este experimento foi realizado na Embrapa - Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves, em Concórdia, SC, no período de junho a agosto de 1994.
Noventa e seis suínos cruzados (Landrace x Large White x Duroc), machos castrados e fêmeas, com peso médio inicial de 25,93±0,57 kg, foram distribuídos ao acaso em baias de dois animais do mesmo sexo e alimentados com dietas suplementadas com 0, 100, 200, 300, 400 e 500 ppb de Cr na forma de Cr-ácido nicotínico. As dietas (Tabela 1) foram formuladas para atender ou exceder às exigências em nutrientes sugeridas pelo National Research Council (1988). O Cr-ácido nicotínico foi incluído através do premix vitamínico nas rações, que, por sua vez, foram fornecidas, assim como a água, à vontade aos animais.
As pesagens dos animais ocorreram ao 1o, 21o, 35o, 56o e 70o dia do experimento. No 35o dia foi realizada a troca de dietas de crescimento por dietas de terminação.
Aos 70 dias de experimento, os animais foram pesados e abatidos após um período de 8 horas de jejum. Foram utilizados dois métodos para avaliação das carcaças: um constituiu-se na tipificação pelo uso da pistola Hennessy, o qual vem sendo empregado pelos frigoríficos do Estado de Santa Catarina, e é realizado logo após o abate dos animais; o outro pelo Método Brasileiro de Classificação de Carcaças (Associação Brasileira de Criadores de Suí- nos, 1973), realizado após as carcaças permanecerem 24 horas em câmara fria.
O delineamento experimental foi o de tratamentos casualizados em quatro blocos, sendo o bloco definido pela distribuição das baias na instalação, com doze parcelas representando a combinação de dietas e sexos, segundo um esquema fatorial 6 x 2. A análise estatística dos dados foi feita pela análise univariada e multivariada utilizando o SAS (SAS Institute, 1993). O modelo matemático principal (yijk = µ + bi + sj + nk + sj x nk + eijk) incluiu como fatores bloco (b), sexo (s), nível de Cr (n), interação de sexo com nível (s x n) e erro experimental (e). Para o estudo do grau de eficiência da transformação de ração em ganho de peso dos animais, foi utilizada a combinação linear do ganho de peso e consumo pela análise multivariada, complementada pela primeira função discriminante canônica, segundo Guidoni (1994). Optou-se pelo uso desse método, pois apresenta maior sensibilidade e poder de teste para discriminar os efeitos de tratamentos sobre o desempenho nutricional animal quando comparado à convers ão e eficiência alimentares (Guidoni, 1994).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As interações entre sexo e níveis de Cr testadas quanto às variáveis de desempenho não foram significativas (P>0,05), com exceção do ganho diário de peso e consumo diário de ração, dos 57 aos 70 dias de experimento (P<0,05). Com relação ao ganho de peso, as fêmeas apresentaram médias nos diferentes níveis de Cr, que variaram de 952 a 981 g/dia, mas com média de 1.093 g/dia para os animais que receberam 100 ppb de Cr na dieta. Os machos, ao contrá- rio, apresentaram menor média de ganho de peso quando receberam 100 ppb de Cr na dieta (939 g/dia) comparado aos outros grupos de animais (1.063 a 1.146 g/dia). O consumo de ração no período de 56 a 70 dias de experimento apresentou resposta semelhante à verificada com o ganho de peso, cujo nível de 100 ppb de Cr promoveu consumo maior nas fê- meas, comparando-se às médias dos animais que receberam os outros níveis de Cr na dieta. Houve, tamb ém, interação significativa (P<0,02) entre sexo e ní- vel de Cr em espessura de toucinho na 1a costela. No caso das fêmeas, observou-se um aumento seguido de decréscimo na espessura do toucinho com o incremento de Cr nas dietas, enquanto nos machos a resposta foi inversa.
TABELA 1. Composição das dietas basais.
Conforme pode ser observado nas Tabelas 2 e 3, houve efeito significativo de sexo sobre as variáveis ganho de peso e consumo de ração diários, analisadas isoladamente ou em conjunto, e sobre as caracter ísticas de carcaça, com exceção de profundidade de lombo e área de olho de lombo. Esses resultados demonstram a importância de se empregar parcelas com animais do mesmo sexo em estudos dessa natureza, possibilitando a análise dos fatores, isoladamente.
As médias obtidas das variáveis de desempenho e de avaliação de carcaça, com a pistola Hennessy e pelo método da Associação Brasileira de Criadores de Suínos (1973), em função dos níveis de Cr na dieta, são apresentadas nas Tabelas 4 e 5, respectivamente.
Não houve efeito (P>0,05) do nível de Cr sobre qualquer dos parâmetros estudados, seja de desempenho ou de avaliação de carcaça, por qualquer dos métodos utilizados.
TABELA 2. Médias de parâmetros de desempenho de fêmeas e machos, submetidos a dietas contendo níveis crescentes de Cr, nas fases de crescimento e terminação.
TABELA 3. Médias das variáveis de carcaça de fêmeas e machos submetidos a dietas contendo níveis crescentes de Cr nas fases de crescimento e terminação.
Page et al. (1993) realizaram alguns estudos com o uso de até 800 ppb de Cr na forma de picolinato sobre o desempenho e características de carcaça de suínos em crescimento e terminação. Eles observaram aumentos na taxa de ganho de peso, área de olho de lombo e porcentagem de carne magra, ao mesmo tempo em que houve um decréscimo na espessura de toucinho quando os animais receberam 100 ou 200 ppb de Cr. Esses resultados foram confirmados, posteriormente, pelos estudos de Lindemann et al. (1995).
O presente estudo mostrou que o Cr na forma de ácido nicotínico não promoveu as alterações no desempenho e na qualidade de carcaça de suínos verificadas na literatura, em estudos com o Cr-picolinato. Segundo Evans & Pouchnik (1993), complexos de Cr com ácidos picolínico e nicotínico diferem marcadamente quanto à composição química e atividade biológica: enquanto o Cr-picolinato acelerou o desenvolvimento de massa muscular em atletas, o Cr na forma de ácido nicotínico não promoveu alterações.
TABELA 4. Médias de parâmetros de desempenho de animais submetidos a dietas contendo níveis crescentes de Cr, nas fases de crescimento e terminação.
TABELA 5. Médias das variáveis de carcaça de animais submetidos a dietas contendo níveis crescentes de Cr, nas fases de crescimento e terminação.
A ausência de efeito positivo do Cr-ácido nicotínico não era esperada, uma vez que complexos com ácido nicotínico deveriam ter maior ação que complexos com ácido picolínico. Essa afirmação se baseia no fato de o ácido nicotínico ter ação positiva direta sobre as células b do pâncreas (Behme, 1995) e há evidências de que essa molécula é necessária para a máxima ação do Cr no nível celular (Mertz, 1993). Entretanto, as condições experimentais parecem ter grande efeito sobre a ação do Cr. Por exemplo, Ward et al. (1997) verificaram interação significativa entre o efeito do uso de 0 ou 400 ppb de picolinato de cromo na dieta e a área por animal na baia sobre a espessura média de toucinho das carca- ças dos animais. Por sua vez, Mooney & Cromwell (1995) não observaram diferenças significativas da adição de 0 ou 200 ppb de Cr, na forma de picolinato, sobre o desempenho e características de carcaça de suínos de genótipos com diferentes potenciais para a deposição de carne. As variações nos resultados dos diversos estudos realizados podem ser decorrentes de diferenças no estado nutricional dos animais, tanto em termos de Cr como de outros nutrientes.
A magnitude da resposta à suplementação de Cr parece ser função da dose e do tempo de suplementa ção (Lindemann et al., 1995). Da mesma forma, o grau de deficiência dos animais para tolerar a glucose poderá determinar a amplitude da resposta (Mertz, 1993).
Há possibilidade, também, de a ação do Cr-ácido nicotínico ter sido limitada pela alta porcentagem média de carne magra verificada nos animais (54,28%). Essa média pode ter sido, ainda, subestimada, já que no método de estimativa da qualidade de carcaça com a pistola Hennessy é recomendada a retirada da cabeça da carcaça, e aqui foram utilizadas carcaças inteiras para possibilitar também a avalia- ção pelo Método Brasileiro de Classificação de Carca ças (Associação Brasileira de Criadores de Suí- nos, 1973), que não observa a mesma recomenda- ção.
CONCLUSÃO
A adição de níveis de até 500 ppb de Cr na forma de ácido nicotínico não altera o desempenho e a qualidade de carcaça de suínos em crescimento e em terminação.
REFERÊNCIAS
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