ESTADO DA ARTE.
No Brasil, até a década de 70, os dejetos de suínos não constituíam fator de preocupação, pois a concentração de animais por unidade de área era pequena. O sistema confinado de produção, a partir dos anos 80, aumentou consideravelmente a produção de dejetos, que lançados nos mananciais de água, passaram a gerar desequilíbrios ecológicos, por causa da alta demanda bioquímica de oxigênio, que é cerca de 260 vezes superior à do esgoto doméstico (OLIVEIRA, 1993). A criação de suínos no Brasil é uma atividade predominantemente de pequenos produtores e aproximadamente 80% dos suinocultores possuem propriedades de até 100 hectares. Essa atividade encontra-se presente em 46,5% das 5,8 milhões de propriedades existentes no Brasil, empregando principalmente mão-de-obra familiar, tornando-se uma importante fonte de renda e de estabilidade social (IBGE, 1999).
No Brasil, a suinocultura é explorada de duas formas diferentes. A primeira concentrada nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste responsável por 90% da produção brasileira, é tecnificada e, embora alcance índice de produtividade entre os melhores do mundo, vem apresentando problemas ambientais. A outra suinocultura, predominante nas regiões Norte e Nordeste, é rústica e possui baixos índices de produtividade e sanidade.
Segundo Bohley (1990), o aumento do processo de integração, como são chamados os contratos entre produtores e os frigoríficos, elevaram a concentração de animais por unidade de área, o que tem levado a uma produção de grandes quantidades de resíduo. De acordo com Matos et al. (1997), a suinocultura é uma atividade concentradora de dejetos com alta carga poluidora para o solo, ar e água. Por isso, muitos estudos têm sido desenvolvidos para viabilizar a utilização desses dejetos, minimizando seu impacto no ambiente.
A geração de poluentes através das fezes, urina e gases demonstram que a eficiência do processo de digestão do suíno é limitada, o que faz com que a suinocultura seja uma das atividades agropecuárias com maior impacto ambiental, e como tal, intensivamente vigiado por órgãos de proteção ambiental. Tanto que nos paises do primeiro mundo essa atividade está proibida de expandir, ou até mesmo incentivada a extinguir.
A quantidade total de dejetos líquidos produzidos varia de acordo com o desenvolvimento ponderal dos animais. Para os suínos, os valores são decrescentes de 8,5 a 4,9% de seu peso vivo/dia, na faixa de 15 a 100 kg. Também depende do manejo, do tipo de bebedouro e do sistema de higienização adotado, da freqüência e do volume de água utilizado, bem como do número e da categoria dos animais (GONÇALVES, 2002). Bley Junior (1997) estima que uma granja com 300 matrizes, em ciclo completo, produz diariamente um volume de 60 m 3 de águas residuárias, que contém uma tonelada de sólidos e que os suínos excretam 30 % de sua alimentação em estado praticamente intacto. Segundo Brandão et al. (1999), cada suíno produz em média 10 litros de dejetos líquidos por dia. Aproximadamente 50% do plantel de suínos do Brasil são criados confinados, o que totaliza cerca de 17,5 milhões de cabeças.
Diversos autores ressaltam as vantagens da utilização de esterco na agricultura: a uniformização da temperatura, o aumento do poder tampão, a intensificação das atividades microbianas e enzimáticas dos solos (KIEHL, 1985 e VIEIRA, 1997); elevação dos teores de N, K, P, S, Ca e Mg do solo (DRUMOND 2003); melhoria da condutividade hidráulica e da capacidade de retenção de água, no aumento de porosidade e na redução da densidade do solo (FELTON, 1992; citado por DRUMOND, 2003); alteração das propriedades biológicas do solo que servem como fonte de alimento para os seus microrganismos heterotróficos (CARDOSO, 1992); aumento do teor de matéria seca em pastagem (KONZEN, 2002).
Quando os dejetos de suínos são incorporados, ocorre uma estimulação da atividade microbiana e as exigências de oxigênio por esses microrganismos, superam a taxa de difusão do oxigênio atmosférico, tornando o ambiente anaeróbico, a degradação da matéria orgânica não se completa, provocando redução no pH do solo e produção de gases malcheirosos. Se a taxa de mineralização do material orgânico for reduzida, os nitratos são convertidos em nitrogênio elementar e óxido nitroso pelo processo de denitrificação, (VIEIRA, 1997).
Quantidade de ARS maiores as equivalente a 600 kg.ha -1 .ano -1 de N produzem quantidades tóxicas à ruminantes (WESTERMAN et al.,1987). Aplicação de ARS por vários anos seguidos, elevou as concentrações de nitrato a níveis dez vezes superiores ao normal nas águas subterrâneas Oliveira (1993).
Essa mesma prática, visando atender as necessidades de N causa o acumulo de P (BURNS et al. 1985; NOVAIS e SMITH, 1999; citados por Gonçalves (2002). Esses autores sugerem que a quantidade de esterco deve ser baseada na análise do "P disponível" do solo. Burns et al. (1985) citados por Gonçalves (2002), conclui que quantidades de N equivalentes a 400 kg.ha -1 são demasiadamente altos para solos arenosos.
Seganfredo et al. 2004, analisando as águas de quatro rios de regiões suinícolas de Jaborá, SC, em três amostragens, em pelo menos uma delas, encontraram valores excessivos em 93% das amostras para coliformes totais e em 87% para coliformes termotolerantes. E afirmam que os dejetos suínos não foram as únicas fontes de contaminação dos rios do meio rural, mas o seu uso como fertilizante do solo representa risco de poluição microbiana das águas.
De acordo com Vieira (1997), metais pesados como Zn e Cu podem ser acumulados no solo em níveis tóxicos, principalmente quando o pH é inferior a 6. Estudos efetuados em Taiwan na cultura de cana-de-açúcar irrigada com efluentes de suinocultura, encontraram níveis de metal no solo, em mg kg -1 , variando de 3,07 a 8,22 para o Cu; 2,89 a 9,14 para o Zn; Cr 1,67 a 5,97 para o Pb e 0,02 a 0,22 para o Cd. Concluíram que não houve limitação para o desenvolvimento da cana-de-açúcar por esses níveis de metais pesados.
Campelo (1999) concluiu que a aplicação de lâminas de águas residuárias com concentração de sólidos totais superior a 15 mg L -1 provoca forte selamento superficial do solo. O autor afirma ainda que, as águas residuárias da suinocultura, podem ser utilizadas em áreas de cultivo agrícola, por constituírem uma rica fonte de nutrientes, porém as lâminas a serem aplicadas deverão ser calculadas com base na quantidade de nutrientes e outros sais que serão incorporados no solo.
Segundo Rhoades et al. (2000) a utilização de águas salinas depende das condições de uso, incluindo-se culturas, clima, solos, métodos de irrigação e práticas de manejo, o que torna as classificações de água quanto à qualidade não aconselhadas para avaliar a adequabilidade água para irrigação. A salinidade é quantificada de forma indireta através da medição da condutividade elétrica da solução. A condutividade elétrica média da ARS é de 6,34 dS.m (BRANDÃO et al, 1999). Com essa condutividade elétrica ARS é imprópria para irrigação.
O tratamento preliminar de águas residuárias objetiva apenas a remoção dos sólidos grosseiros, enquanto o tratamento primário visa à remoção de sólidos sedimentáveis e parte do material orgânico. Em ambos, predominam os mecanismos físicos de remoção de poluentes e, no tratamento secundário, predominam mecanismos biológicos, cujo objetivo é, principalmente, a remoção de material orgânicos e eventualmente, nutrientes (nitrogênio e fósforo). O tratamento terciário objetiva a remoção de poluentes específicos (usualmente tóxicos ou compostos não biodegradáveis) ou, ainda, a remoção complementar de poluentes não suficientemente removidos no tratamento secundário, sendo este tratamento muito raro no Brasil (VON SPERLING, 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O sistema confinado concentra a produção de dejetos, que lançados nos mananciais de água, passaram a gerar desequilíbrios ecológicos, por causa da alta demanda bioquímica de oxigênio, que é cerca de 260 vezes superior à do esgoto doméstico. Aproximadamente 50% do plantel brasileiro é criado confinado, produzindo 10L de dejetos por cabeça por dia. Os cerca de 17.500.000 porcos produzem 175.000 m 3 .dia -1 de dejetos líquidos. A grande preocupação consiste em responder o que fazer com esses dejetos?
A tecnologia de tratamento de dejetos atualmente recomendada no Brasil preocupa-se apenas com a digestão da matéria orgânica. Todavia o problema causado pelo excesso de sais fica pendente. Segundo alguns autores a condutividade elétrica da ARS varia de 5,5 a 7,5 dS.m. O que indica que a sua utilização na irrigação deve ser feita na proporção máxima de 20% da água total, isto é, para se usar 20L de ARS na irrigação são necessários 80L de água com baixa concentração de sais para misturar.
Se tomarmos como exemplo uma suinocultura com 1000 cabeças, para a utilização da ARS para irrigação teríamos que dispor de uma vazão extra de 40.000L.dia -1 (considerando uma demanda de evapotranspiração de 5mm.dia - 1 ), e ainda dispor de uma área de 5,0ha. Se contarmos que no período de chuvas não se irriga, essa área no mínimo dobraria, exigindo ainda a construção de um reservatório com capacidade de 1.800m3 , mesmo assim com restrições à geologia regional, do tipo de solo, época e forma de aplicação, e constante monitoramento.
Uma outra solução seria o tratamento da ARS pelo sistema de osmose reversa. Esse processo consiste em pressorizar a água para fazê-la passar por um filtro de membrana semipermeável, com poros microscópicos, que retém sais, microorganismos e outras impurezas, porém isso demanda investimentos e altos custos de manutenção, o que por enquanto está muito aquém da capacidade de pagamento da grande maioria dos suinocultores brasileiros.
O problema exige atenção e comprometimento dos segmentos seguimentos sociais envolvidos: da fiscalização ambiental em ser mais veemente nas exigências, do governo em disponibilizar linhas de créditos subsidiados, inclusive do consumidor ao se dispor a pagar esses custos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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