Abençoado país, esse Brasil. - Em se plantando, tudo dá - já dizia Caminha. E como dá cana de açúcar! Parece até que é daí que vem a doçura do povo brasileiro...
Hoje já não restam dúvidas em relação ao grande potencial dessa cultura - da qual o Brasil é o maior produtor mundial - para utilização na composição da dieta de bovinos. A cana de açúcar apresenta excelente adaptação ao solo brasileiro, sendo a forrageira de maior produtividade de matéria seca por hectare e o melhor é que apresenta sua maturidade nutricional justamente no período da seca, quando a baixa oferta de pasto conduz à queda de produção leiteira, da qualidade do leite e à perda de peso do animal. Com relativamente pouco ajuste nutricional, consegue-se formular uma dieta à base de cana que atenda bem a sistemas de média produção, sem custos elevados e compensados justamente pelo elevado potencial agronômico da forrageira.
Entretanto observa-se ainda uma grande resistência ou desconhecimento sobre a técnica de ensilagem da cana de açúcar. Por que ensilar cana de açúcar? Inúmeros fatores podem ser levados em consideração, principalmente aspectos relacionados à comodidade, segurança, racionalização da mão de obra e produtividade do canavial.
Quando a opção é a ensilagem, não há a necessidade do corte diário e isso é particularmente cômodo nos dias chuvosos, em que o trabalho fica muito difícil e desconfortável. Pode-se optar também pelo fornecimento da cana fresca durante a semana e da silagem nos fins de semana e feriados. A produção de massa se dá de uma única vez, o que facilita e organiza melhor o uso da mão de obra na propriedade, economiza tempo no manejo diário além de evitar o aparecimento de abelhas importunando os animais. Muitos produtores aproveitam ainda as sobras do canavial de um ano para o outro através da ensilagem.
Ao ensilar a cana, conservamos a forragem em seu melhor momento nutricional, quando os níveis de açúcares estão maiores e garantem grande aporte energético. Além disso, não há o risco de perder a cultura em caso de incêndio ou geada e evita o problema de tombamento. O manejo do canavial também é facilitado, pois a adubação e aplicação de herbicidas podem ser feitas uniformemente e aumentar a longevidade.
A tonelada de matéria seca em uma cultura de cana de açúcar com corte manual fica em torno de 30% mais barato que uma tonelada de matéria seca de milho ensilada. Considerando a colheita com corte mecanizado, a tonelada de matéria seca de cana cai para quase a metade do preço em relação à tonelada do milho. Como a alimentação representa elevada proporção de custos em uma propriedade, esta alternativa de volumoso pode baratear o custo do litro de leite produzido, comparando com a utilização da cana fresca ou silagem de milho.
No entanto, alguns desafios devem ser vencidos a fim de se obter uma boa silagem de cana. Como o corte dessa forrageira é mais difícil comparado com o de outras culturas tradicionalmente utilizadas para ensilagem, é necessária uma programação eficiente para evitar contratempos no dia da operação. As máquinas devem ser alocadas com antecedência e devem ser apropriadas para o corte da cana de açúcar, com sistema redutor, e as lâminas devem estar bem afiadas para não abalar o talhão. No caso de colheita manual, o pessoal deve estar bem preparado e em número suficiente de pessoas para não atrasar muito o preenchimento completo do silo.
Outro aspecto limitante para a ensilagem da cana é sua grande produção alcoólica devida ao alto teor de carboidratos fermentáveis aliados à flora epífita da cana, composta essencialmente por leveduras. Esses microrganismos podem deteriorar rapidamente silagens expostas ao ar, pois não são inibidas pela redução de pH no processo fermentativo, sendo que algumas cepas são tolerantes a pH próximo a 2,0. Condições anaeróbicas são imperativas para manter as leveduras inativas. Elevadas perdas de MS e energia ocorrem durante a ensilagem de cana, quando esta não foi inoculada com inoculante apropriado, devido à conversão do açúcar a etanol e CO2 por leveduras.
O maior desafio na produção de silagem de cana é o de corrigir as limitações características da forrageira, promover condições favoráveis a uma acidificação eficiente e garantir tanto quanto possível a estabilidade aeróbica após a abertura do silo, reduzindo a contaminação por fungos e garantindo alimento de alto valor nutricional. Isso pode ser alcançado através da utilização de inoculantes específicos para cana.
A maioria dos inoculantes biológicos para cana disponíveis no mercado são compostos pelo Lactobacillus plantarum, uma bactéria com alta capacidade de produzir ácido lático e baixar rapidamente o pH da silagem. No entanto, esse microrganismo é desaconselhável quando o volumoso que estamos ensilando é a cana, porque o ácido lático produzido é um precursor para a produção de álcool pelas leveduras. Assim, inoculantes que contêm esse microrganismo devem ser evitados para a cana, pois as perdas advindas da produção alcoólica são difíceis de calcular, mas podem representar até 20% da massa ensilada e os produtores e nutricionistas devem estar atentos a este detalhe.
O Lactobacillus buchneri, bactéria desenvolvida como inoculante para cana em parceria com a ESALQ/USP, conduz a uma fermentação heterolática, em que a produção de álcool é controlada, sendo que "silagens inoculadas com esse microrganismo apresentam um aumento na concentração de ácido acético como produto final de sua fermentação (McDonald et al. 1991), o qual é comprovadamente eficaz no controle de leveduras e fungos." Além disso, há um aumento também na concentração de ácido propiônico e esses dois ácidos são aproveitados nutricionalmente pelos microrganismos ruminais, representando melhora no desempenho zootécnico.
Bactérias do gênero Propionibacterium, quando utilizadas como inoculantes para cana, também elevam os níveis de ácido propiônico na silagem, proporcionando maior estabilidade do material após a abertura do silo e menor produção alcoólica, o que representa uma silagem mais estável e palatável no cocho.
Avaliação da produção de álcool em silagem aditivada: Controle x L. buchneri x L. plantarum
O uso do L. buchneri inibe a produção de álcool na silagem de cana, enquanto o uso de inoculante inadequado (L. plantarum) aumenta, piorando a qualidade da silagem e aumentando as perdas (Pedroso, 2003).
Conclusão: A silagem de cana vem se afirmando como excelente alternativa como volumoso nas dietas para bovinos, no entanto a técnica requer alguns cuidados, e a utilização de um inoculante específico e adequado é imprescindível para garantir a oferta de um alimento com alto valor sanitário e nutricional, que garanta melhor desempenho zootécnico e lucratividade do sistema.