Introdução
A maior parte da produção de leite brasileira é baseada na alimentação a pasto. Entretanto, as condições climáticas de várias regiões do país não possibilitam produção de forragem em quantidade e qualidade suficiente para a alimentação adequada das vacas durante todo o ano. A regularidade da produção de leite torna-se dependente de alternativas de alimentação, como suplementação alimentar a pasto e, também, do uso de forragens conservadas. Sem isso, a produtividade dos animais será reduzida de forma acentuada, justamente na época do ano na qual o preço do leite está mais alto.
Os suplementos volumosos mais utilizados nos sistemas de produção a pasto são o capim-elefante na forma de verde picado ou silagem, a cana-de-açúcar, na maioria das vezes misturada com uréia, e as silagens de milho e de sorgo. Nos sistemas de produção de leite sob confinamento, em que são utilizadas vacas com maior potencial genético, a silagem de milho é o principal alimento volumoso fornecido durante o ano todo.
Alimentos volumosos de boa qualidade, como a silagem de milho, são importantes para garantir elevados índices de produtividade. Dados oficiais mostram que o milho na forma de silagem é o suplemento volumoso mais utilizado no Brasil, com área cultivada de 360 mil hectares em 1996 (Tabela 1). Atualmente, estima-se que esta área seja próxima de 1,2 milhões de hectares.
Tabela 1. Área cultivada (ha) das principais forrageiras utilizadas como suplemento volumoso no Brasil em 1996*.
As planilhas de custo mais recentes feitas pela Embrapa Gado de Leite demonstram que, nos sistemas a pasto e confinados, a silagem de milho corresponde de 4,7% a 16,7% do custo de produção do leite. O custo da silagem de milho pode ser reduzido com a adoção de tecnologias apropriadas no cultivo das lavouras, na confecção da silagem e em sua utilização. Entretanto, esta redução pode ser ainda maior pela utilização de cultivares que apresentam alta produtividade e bom valor nutritivo.
No Brasil, não existem cultivares de milho desenvolvidas especificamente para produção de silagem, sendo utilizadas para esse fim aquelas desenvolvidas para a produção de grãos. Atualmente, estão disponíveis no mercado brasileiro mais de uma centena de cultivares e, a cada ano, várias são retiradas e outras novas são incluídas. Desta forma, há necessidade de se conhecer o desempenho das cultivares disponíveis nas condições ambientais das diferentes bacias leiteiras do Brasil em relação à produção e qualidade da silagem produzida.
Considerando que outras características, além da produção de grãos, podem influenciar a produção total e a qualidade da silagem de milho, foi realizado um trabalho de avaliação do comportamento agronômico e da qualidade da silagem das principais cultivares disponíveis no mercado, em diferentes locais da Região Sudeste do Brasil.
Material e Métodos
Trinta cultivares de milho indicadas pelas empresas produtoras de sementes foram avaliadas nos anos agrícolas 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006 em Ijui (RS) e Lages (SC), representantes da Região Sul do Brasil. As cultivares, juntamente com os locais e anos dos ensaios estão na Tabela 2.
Tabela 2. Cultivares de milho avaliadas para produção de silagem.
Para cada local, foi realizada análise do solo e as adubações foram feitas visando obter produção entre 40 e 50 t de matéria natural por hectare, conforme indicação da COMISSÃO DE FERTILIDADE DO SOLO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (1999) (Incluir no rodapé dessa página: A semeadura foi realizada na época comumente utilizada pelos produtores de leite de cada local.
O delineamento experimental foi em blocos casualizados, com três repetições. A parcela experimental adotada foi composta por duas linhas de 8 m e o espaçamento entrelinhas foi de 80 cm. Nas extremidades de cada bloco foi incluída uma linha como bordadura. A semeadura e o desbaste foram feitos de maneira a se obter população final de 54.000 plantas por hectare.
As parcelas foram colhidas quando os grãos de suas plantas apresentavam a textura entre pastoso e farináceo, ou seja, no ponto de ensilagem.
Avaliações
Todas as plantas de cada parcela foram cortadas a 15 cm de altura e pesadas. Após a pesagem foram retiradas aleatoriamente de cada parcela cinco plantas, as quais foram picadas e uma amostra ensilada em mini-silo de PVC com 30 cm de altura e 10 cm de diâmetro, para determinação das características bromatológicas da silagem.
Análises bromatológicas
Após o mínimo de trinta dias, os silos foram abertos e uma amostra retirada para determinação de ASA (amostra seca ao ar; 55 °C). Após moagem em moinho tipo Wiley adaptado com peneira de 1 mm, uma amostra foi retirada para ser analisada quanto à porcentagem de ASE (amostra seca em estufa a 105 °C) matéria seca (MS), teor de proteína bruta (PB) e de fibra em detergente neutro (FDN) em equipamento NIRS (near-infrared spectroscopy), na Universidade Federal de Passo Fundo (Passo Fundo, RS). As digestibilidades in vitro da MS (DIVMS) das amostras foram estimadas no mesmo equipamento.
O teor de MS foi estimado multiplicando a porcentagem de ASE pela de ASA e a produtividade de MS de cada parcela foi estimada multiplicando o teor de MS pela produção de matéria natural.
Estimativas de produção de leite
As estimativas do potencial para produção de leite (kg/ha) de cada cultivar foram obtidas empregandose a metodologia MILK95, proposta por Undersander et al. (1993) que considera a produtividade da cultivar no campo e os teores de matéria seca (MS), proteína bruta (PB), fibra em detergente neutro (FDN) e digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS) de sua silagem.
Para estas estimativas, são considerados dados de produtividade de matéria natural, teores de MS, PB, FDN e DIVMS.
Para emprego do método MILK95, consideraram-se vacas de 530 kg, no terço médio da lactação, produzindo 24 kg de leite por dia, com 3,4% de gordura e o uso, quando necessário, de milho e farelo de soja para atender às demandas de energia e PB.
Consideraram-se também 12% de perdas no silo e/ ou no cocho.
Análises estatísticas
Para cada local foi realizada a análise de variância para estande, visando avaliar a necessidade de correção da produção de matéria seca com base no número de plantas por hectare (Ramalho et al., 2000).
Foram realizadas análises de variância por experimento para as características altura de plantas, produtividade de MS (t/ha) e estimativa do potencial de produção de leite (kg/ha) da cultivar. Para cada ano, foram realizadas análises conjuntas, considerandose os dados dos dois locais. Ao final dos três anos consecutivos de avaliações, procederam-se análises conjuntas para cada local e também análise conjunta geral, ou seja, envolvendo os dados dos dois locais nos três anos. Nas análises conjuntas por local e geral, os dados foram analisados conforme o delineamento de blocos aumentados de Federer, considerando as cultivares comuns aos três anos como tratamentos comuns e os demais como tratamentos adicionais (Ramalho et al., 2000).
Critério de definição de material com desempenho superior
Para facilitar a escolha do produtor foram identificadas para cada local e para a Região Sul do Brasil, as cultivares com desempenho superior. O critério para essa classificação foi o de apresentar potencial de produção de leite superior à média do grupo em pelo menos 10%.
Resultados e Discussão
As análises estatísticas demonstraram, nos dois locais, em todos os anos de avaliação, a existência de variabilidade entre as cultivares estudadas para a altura de plantas, produtividade de MS e a estimativa do potencial de produção de leite da cultivar de milho, evidenciado pela significância do teste F. Além do mais, as análises conjuntas dos dados, tanto por local como geral, apontaram significância da interação entre cultivares de milho e ambientes (anos), indicando comportamento diferencial das como forragem conservada (silagem) nos diferentes ambientes ou anos de avaliação. Isso comprova a necessidade de avaliações regionais das cultivares para a obtenção de informações referentes ao seu desempenho nos diferentes locais de cultivo de milho para produção de silagem. Informações como essas facilitam a escolha dos materiais para semeadura pelos produtores, e servem como orientação para o melhoramento do milho das empresas produtoras de semente, visando ao desenvolvimento de cultivares para silagem.
1- Média Geral
Considerando-se os dados médios dos dois locais nos três anos de avaliação, as estimativas médias da produção de leite de vacas alimentadas com a silagem das cultivares de milho apresentou amplitude de variação de 3.576 kg de leite/ha (Tabela 3). Este resultado reafirma a importância da escolha de materiais adaptados para a produção de silagem de boa qualidade, uma vez que a diferença entre a melhor e a pior cultivar representou 51,5% da média dos experimentos. As cultivares Maximus, AS3477, DKB214, AGN30A6, B761 e 2B619 se destacaram na região Sul do Brasil, com desempenho produtivo, respectivamente, 29,3; 23,1; 23,1; 20,2; 16,9 e 10,3% superior à média de todos os materiais avaliados. Com essas cultivares foram estimadas produções superiores a 7.658 kg de leite/ha, com produtividades de matéria seca superior a 10 t de silagem/ha.
Tabela 3. Valores médios da análise conjunta para os municípios de Lages e Ijui, da Região Sul, nos anos agrícolas 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006, para altura de plantas, produtividade de matéria seca (PMS), produtividade de leite e respectivos percentuais emrelação àmédia dos tratamentos (%).
2- Ijui
A produtividade média de matéria seca foi de 10,9 t/ha, considerando-se os três anos de avaliações. A diferença de produtividade entre as cultivares mais e menos produtivas, P3041 e AS3477, respectivamente, representou cerca de 37,2% em relação à média. As estimativas de produção de leite variaram de 8.282 a 4.754 kg/ha, com destaque para as cultivares MAXIMUS, ATTACK, CD308, P3041, AGN35A42, 30P34 e CD304, que produziram no mínimo 10% a mais em relação à média de todos os materiais avaliados. As estimativas médias evidenciam que as silagens dessas cultivares proporcionam produtividades de leite superiores à 7.300 kg/ha (Tabela 4).
Tabela 4. Valores médios da análise conjunta para a localidade de Ijui (RS), Região Sul, nos anos agrícolas 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006, para altura de plantas, produtividade de matéria seca (PMS), produtividade de leite e respectivos percentuais em relação àmédia dos tratamentos (%).
3- Lages
A amplitude de variação para as estimativas médias de produção de leite com uso da silagem das cultivares foi de 3.876 kg/ha, ou aproximadamente 55,1% da média de todos os materiais avaliados nos três anos. Observa-se, mais uma vez, a importância na escolha da cultivar a ser utilizada para a produção de silagem. A identificação de cultivares mais adaptadas à região e com características mais adequadas à alimentação animal, como maior digestibilidade da fibra, proporcionaram, neste local, incremento de quase 50% considerando-se a média dos materiais avaliados. As cultivares AS3477, 2B150, AGN30A6, MAXIMUS, AG8021, DKB214, B761 e 2B619 apresentaram maiores estimativas do potencial de produção de leite, sempre com médias superiores à 8.200 kg de leite/ha (Tabela 5). Esses materiais apresentaram, ainda, produtividades sempre superiores à 10,3 t de matéria seca de silagem.
Tabela 5. Valores médios da análise conjunta para a localidade de Lages (SC), Região Sul, nos anos agrícolas 2003/2004, 2004/2005 e 2005/2006, para altura de plantas, produtividade dematéria seca (PMS), produtividade de leite e respectivos percentuais emrelação àmédia dos tratamentos (%).
Conclusões
O comportamento das cultivares nos diferentes locais mostrou que o seu desempenho foi fortemente influenciado pelas condições edafoclimáticas de cada ambiente. Sendo assim, a escolha da cultivar deve ser feita com base nas informações dos locais avaliados que possuam características edafoclimáticas mais próximas possíveis daquelas prevalecentes no local onde a lavoura será instalada.
Considerando o critério adotado da superioridade em relação ao comportamento médio para o potencial de produção de leite, as cultivares com desempenho superior para a Região Sul do Brasil, representado pelos municípios de Ijui (RS) e Lages (SC) em geral, são MAXIMUS, AS3477, DKB214, AGN30A6, B761 e 2B619. Para os locais específicos das avaliações os materiais superiores são:
- Ijui (RS): MAXIMUS, ATTACK, CD308, P3041, AGN35A42, 30P34 e CD304;
- Lages (SC): AS3477, 2B150, AGN30A6, MAXIMUS, AG8021, DKB214, B761 e 2B619.