INTRODUÇÃO
A mastite é a inflamação da glândula mamária que ocorre em resposta à infecção intramamária por bactérias, micoplasmas, fungos e/ou algas. É a doença infecciosa mais comum em rebanhos de bovinos leiteiros, sendo também a que causa maiores prejuízos econômicos deste tipo de produção devido à redução do volume, da qualidade do leite, aumento dos custos com tratamentos e prevenção, descarte de vacas cronicamente infectadas e mortalidade de animais. Além disso, pode ser um risco potencial à saúde pública, devido a eliminação no leite de microrganismos causadores de zoonoses e toxinas produzidas por estes microrganismos.
Clinicamente, a mastite pode ser classificada quanto a sua forma de manifestação, clínica ou subclínica. A forma clínica caracteriza-se por alterações na glândula mamária (edema, aumento de temperatura, endurecimento, vermelhidão e dor) e nas características do leite, como presença de grumos e pus. Já na subclínica, apesar de ocorrer quedas no volume de leite produzido, não são observadas alterações no aspecto do leite e sinais clínicos no animal (Fonseca e Santos, 2001), sendo por isso responsável pelos maiores prejuízos relacionados a mastite. Porém, vale ressaltar que a mastite clínica também determina grandes perdas econômicas.
Os agentes causadores da mastite podem ter origem ambiental ou contagiosa. Os microrganismos contagiosos são adaptados a sobreviverem no hospedeiro (Bradley, 2002) e transmitidos principalmente durante a ordenha, levando, na maioria das vezes, à ocorrência de infecções subclínicas, de longa duração, resultando em mastites crônicas (Bressan, 2000). Segundo Bradley (2002), os patógenos ambientais não estão adaptados à sobrevivência no hospedeiro e, por isso, tem maior incidência da forma clínica. De acordo com Santos (2001), esses microrganismos determinam casos clínicos agudos de evolução rápida, com maior concentração no pós-parto e maior taxa de infecção durante os períodos chuvosos, com a transmissão ocorrendo principalmente no intervalo entre as ordenhas.
Os microrganismos mais importantes e frequentemente relacionados com a ocorrência dessa doença são os Staphylococcus spp. (S. aureus, S. coagulase negativo), Streptococcus spp. (S. agalactiae, S. dysgalactiae, S. uberis, S. zooepidemicus e S. equinus), coliformes (Escherichia coli, Klebsiella sp., Citrobacter spp. e Enterobacter spp.), Pseudomonas spp., Arcanobacterium spp., Prothoteca zopftii, Mycoplasmas spp., Nocardia spp., Bacillus cereus, Serratia marcescens e Candida spp. (Radostis et al., 2006).
Atualmente, em propriedades em que os agentes contagiosos da mastite já foram parcialmente controlados, devido às ações direcionadas aos patógenos contagiosos como Staphylococcus aureus e Streptococcus agalactiae, tem-se observado aumento da incidência de infecções intramamárias causadas por patógenos ambientais como Streptococcus uberis, Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae (Hogan e Smith, 2012).
Atualmente, algumas propriedades no Brasil têm implantado o sistema de instalação Compost Barn para novilhas e vacas em lactação que quando bem manejado contribui para diminuir a contagem de células somáticas (CCS). Outras vantagens desse sistema são: garantir aos animais maior conforto e higiene, possibilitar a menor incidência de problemas de casco e pernas, aumentar a detecção de cio e a produção de leite e diminuir o odor e incidência de moscas. Outra vantagem, neste sistema é a compostagem do material da cama que poderá ser utilizado na agricultura como adubo (Bewley et al., 2013).
REVISÃO DE LITERATURA
Compost Barn
O sistema de instalação Compost Barn tem como objetivos garantir aos animais maior conforto e higiene, possibilitar a menor incidência de problemas de casco e pernas, diminuir a contagem de células somáticas (CCS), aumentar a detecção de cio e a produção de leite e diminuir o odor e incidência de moscas. Além disso, neste tipo de sistema ocorre a compostagem do material da cama que poderá ser utilizado posteriormente na agricultura por ser uma excelente fonte de nutrientes para as plantas. Atualmente, algumas propriedades no Brasil têm implantado esse sistema para novilhas e vacas em lactação.
Esse sistema foi desenvolvido, em meados dos anos 80, em fazendas leiteiras no estado de Virgínia, Estados Unidos. (Janni et al., 2007) e no Brasil, os primeiros relatos são de 2012 (Brito, 2016). Ele consiste em um grande galpão coberto, ventilado, sem repartições e com área de descanso revestida, normalmente, por serragem ou maravalha (Santos, 2016). Dentro do galpão, a área sob a cama é de terra compactada e pode haver um corredor de piso de concreto (corredor de alimentação) de livre acesso, anexo a área da cama, onde estão localizados os comedouros e bebedouros (Barbeg, 2007).
O Compost Barn é baseado na compostagem tradicional, em que os materiais orgânicos são degradados por meio da decomposição microbiológica aeróbica (Janni et al., 2007). O material da cama é fonte de carbono que, juntamente com fezes e urina (ricos em nitrogênio), são necessários para a fermentação aeróbia da matéria orgânica (Santos, 2016) com a produção de dióxido de carbono (CO2), água e calor.
A cama deve ser ventilada duas a três vezes por dia, numa profundidade de 25 a 30 cm, para incorporar os resíduos animais e garantir que o processo continue aeróbico, e ser renovada a cada duas a cinco semanas, de acordo com o espaçamento definido por vaca no barracão e completamente trocada após um ano (Barberg et al., 2007). Segundo Galama et al. (2011), não agitar a profundidade suficiente poderá criar uma condição anaeróbica muito próxima da superfície e diminuição da temperatura da cama o que poderá acarretar em vacas sujas, contagens de células somáticas elevadas e um maior risco de ocorrência de mastite clínica (Black et al., 2013), além de consequências negativas para a qualidade do ar dentro do barracão, com aumento do nível de metano, ácidos orgânicos e sulfato de hidrogênio (Misra et al., 2003).
Alguns fatores interferem na troca da cama, como a estação do ano, a umidade, as chuvas, a temperatura ambiente e a taxa de lotação (Barberg et al., 2007). Segundo esse mesmo autor, uma alta taxa de lotação aumenta a compactação da cama, diminuindo o espaço para a circulação do ar e, de acordo com Siqueira (2013), ainda há um aumento na quantidade de fezes e urina acima do ideal, provocando níveis indesejados de umidade, temperatura e pH. Assim, se for indevidamente tratado, pode ser uma fonte de agentes patogênicos no ambiente.
Para assegurar o funcionamento adequado desse sistema é fundamental garantir condições necessárias para um bom processo de compostagem, levando em conta fatores como temperatura, relação carbono/nitrogênio, pH, umidade, matéria prima, revolvimento da cama, ventilação, temperatura, estrutura bem projetada e densidade correta de animais. Assim, há uma boa atividade dos microrganismos e com isso, ocorre a rápida degradação da matéria orgânica que produz calor para secar o material e reduzir a população de microrganismos patogênicos (Bewley et al., 2013).
Em um estudo realizado por Damasceno (2012) com 42 produtores americanos que adotaram esse sistema, os seguintes benefícios foram relatados: melhora do conforto, do escore de higiene e das condições de cascos e pernas; baixa manutenção; adequado para vacas recémparidas, velhas e com problemas de cascos; menor contagem de células somáticas; facilidade de manejo com os dejetos e aumento da detecção de cio, da ingestão de matéria seca, da produção e da longevidade.
Uma forma de mensurar o bem-estar animal, por exemplo, é o tempo em que os animais permanecem deitados. E, segundo Barberg (2007), as vacas alojadas nesse sistema permaneceram deitadas 9,3 horas por dia, mais tempo quando comparado ao sistema Free Stall. Para cada hora a mais que o animal permanece deitado, houve um aumento de 1,6 kg de leite por dia em uma avaliação de vários estudos realizada por Grant (2007). Porém, para Fregonesi e Leaver (2001) o aumento do tempo da vaca deitada provavelmente aumenta a exposição do úbere a patógenos ambientais, aumentando o risco de mastite, demonstrando a importância do correto manejo desse sistema.
Além da melhora no bem-estar animal, Barberg et al. (2007) relataram queda na contagem de células somáticas (CCS), que se estabeleceram em 325.000 células/mL e, portanto, redução nas taxas de mastite. Brito (2016) acompanhou por 12 meses, após a implantação do Compost Barn em duas fazendas no sul de Minas Gerais, a contagem bacteriana total (CBT) e CCS do leite do tanque de refrigeração. Esse autor observou reduções de CCS e CBT e aumento na produção, que parecem estar relacionadas à redução do desafio de ambiente, melhoria da condição de higiene das vacas antes da ordenha e no momento da ordenha e melhoria no sistema imune das vacas promovida pelo ambiente mais confortável.
Outro benefício deste sistema é em relação ao custo de implantação desse sistema em relação a outros, como o Free Stall, pelo fato de requerer menor quantidade de concreto e divisórias de camas (Barberg et al., 2007; Black et al., 2012). Outra vantagem é a redução do acúmulo e descarte de dejetos e não precisar ter um rebanho de tamanho uniforme ou apenas de uma raça no plantel, pois como as camas são abertas, tamanho, peso e raça não são fatores limitantes para sua instalação (Santos, 2012). Apesar disso, para Brito (2016) a principal desvantagem é a necessidade do trator e dos implementos para revolver a cama, que é fundamental para o correto funcionamento do sistema.
O uso do sistema Compost Barn é uma ótima alternativa para o confinamento de vacas leiteiras no contexto atual, no qual o bem-estar animal é cada vez mais enfatizado, e o desenvolvimento da pecuária leiteira tem sido limitado pelo seu impacto ambiental. (Fávero, 2015). Esse sistema é sustentável por uma diminuição na contaminação ambiental (menor eliminação de dejetos animais) e redução significativa na emissão de gases com potencial efeito de aquecimento global (Janni et al., 2007).
Escherichia coli, klebsiella spp. e Streptococcus uberis
As bactérias Escherichia coli e Klebsiella spp. são coliformes, Gram negativos de origem ambiental e a presença de lipopolissacarídeo (LPS) é uma das principais características da membrana celular desses microrganismos.
Escherichia coli é uma bactéria em forma de bastonete, anaeróbica facultativa, algumas movem-se por meio de flagelos, tem crescimento ótimo em condições aeróbicas a 37ºC e são fermentadoras de lactose (Gomes, 2013). É habitante normal do trato intestinal de mamíferos e se comporta como patógeno oportunista, podendo causar mastite quando o animal apresenta queda de imunidade (Santos, 2012).
Segundo Bradley e Green (2000) esta bactéria pode persistir em latência na glândula mamária durante o período seco causando casos clínicos na próxima lactação. Wenz et al (2006) sugeriram que cepas de E. coli que causam mastite aguda não possuem fatores de virulência específicos e que não é necessário a fixação desses agentes no epitélio mamário na patogenia da mastite aguda por coliformes.
Já a klebsiella spp. é uma bactéria em forma de bastonete, imóvel, encapsulada e anaeróbia facultativa. Esse microrganismo habita naturalmente o solo, trato gastrintestinal das vacas leiteiras e camas orgânicas a base de serragem. Por possuir a capacidade de penetrar em tecidos mais profundos da glândula mamária pode, por isso, causar grande perda de produção de leite e cronificação da mastite, assim as perdas de produção são mais longas do que as causadas por E. coli e com maior risco de descarte das vacas. Cerca de 70% das vacas apresentam isolamento positivo para esse patógeno nas fezes (Santos, 2016).
Com relação ao Streptococcus uberis, estes são cocos Gram positivos, imóveis, algumas vezes capsulados (cápsula de ácido hialurônico), anaeróbios facultativos, com crescimento ótimo entre 35 a 37 °C, e não resistem ao aquecimento a 60 °C por 30 minutos (Gomes, 2013). Este microrganismo é encontrado no solo, na pele do animal, trato urogenital, tonsilas, rúmen, fezes e no material orgânico usado em camas. É um importante agente etiológico da mastite, principalmente, durante o período seco, periparto e início de lactação, e apresenta uma ampla variedade de cepas responsáveis por reinfecções ou por novos casos. (Santos, 2014).
Resistências a condições adversas e antimicrobianos
Os coliformes apresentam grande resistência aos antimicrobianos tradicionais e são considerados responsáveis por surtos de intoxicações alimentares em seres humanos (Nam et al., 2009). Alguns fatores contribuem para a aquisição de resistência por parte desses microorganismos, como o maior contato com populações bacterianas dentro de um ambiente e uso inadequado de antimicrobianos, que facilitam a transferência de material genético e assim novas bactérias adquirem genes de resistência (Hammad et al, 2008).
Os principais fatores de virulência da E. coli incluem endotoxinas, adesinas (adesão em células hospedeiras), cápsulas de polissacarídeos, antígeno O, produção de β-lactamases, capacidade de utilizar lactose como fonte de energia e sobreviver próximo a condições anaeróbicas. A endotoxina ou LPS é o principal fator de virulência destas bactérias e é composto por três camadas, sendo que na mais externa está localizado o antígeno O e a porção mais interna composta pelo lipídio A que é a porção tóxica das endotoxinas de bactérias Gram negativas (Hogan e Smith, 2003).
O LPS lançado durante a fase de multiplicação ou destruição do patógeno na cisterna do teto ou do úbere estimula a produção de grande quantidade de mediadores inflamatórios (Burvenich et al., 2007), que são responsáveis pela ocorrência dos sinais clínicos locais e sistêmicos, além de aumentar a resistência da bactéria à ação de alguns antibióticos, pois diminuem a permeabilidade da membrana e reduz a entrada do antibiótico dentro da célula bacteriana (Burton et al., 2002).
Além do LPS, outro mecanismo de resistência dos Gram-negativos é a produção de enzimas β-lactamases. Essas enzimas inativam a ação de vários antimicrobianos da classe dos βlactâmicos que são muito utilizados na terapia de vaca seca (Watson et al., 2011). Santos (2016) também relatou que os antibióticos apresentam eficácia limitada no tratamento de mastite clínica causada por Klebsiella spp., mas que a administração de antibióticos a base de cefalosporinas de 3a e 4a geração, enrofloxacina ou marbofloxacina aumentam a taxa de sobrevivência e reduzem o risco de descarte da vaca. Porém, a produção de β-lactamases de espectro ampliado (ESβLs) por Klebsiella pneumoniae e E. coli são capazes de hidrolisar estes novos antimicrobianos (Paterson et al, 2003).
Nóbrega (2011) testou vários antimicrobianos em 107 amostras de K. pneumoniae provenientes do ambiente, da pele dos animais, do leite oriundo do tanque de expansão e de infecções intramamárias para diagnóstico da produção de ESβLs. Além disso, neste estudo foram isoladas cepas no tanque de expansão representando um potencial risco à saúde pública, e também em amostras ambientais indicando que patógenos ambientais multirresistentes podem causar quadros de infecções intramamárias. No Brasil, ainda não existem relatos de cepas de K. pneumoniae produtoras destas enzimas oriundas de animais de produção (Nóbrega, 2011).
Ao contrário dos coliformes, S. uberis geralmente é sensível aos beta-lactâmicos (principalmente à cefalotina), à novobiocina, lincomicina e ao cloranfenicol. E são relatadas resistências à estreptomicina, gentamicina, canamicina, espectinomicina, tetraciclina e à eritromicina (Santos, 2004).
Vários potenciais fatores de virulência foram identificados em S. uberis, incluindo cápsula de ácido hialurônico (resistência á fagocitose), hialuronidase (disseminação da bactéria através das barreiras de tecido conjuntivo do organismo), PauA e SUAM. A proteína PauA é responsável pela ativação, in vitro, do plasminogênio permitindo sua conversão em plasmina que hidrolisa a caseína presente no leite, disponibilizando nutrientes para o crescimento desse microrganismo (Rosey et al., 1999). Já a proteína SUAM, in vitro, facilita a adesão e internalização de algumas cepas de S. uberis nas células epiteliais da glândula mamária sem comprometer a viabilidade celular, escapando assim do sistema imune do hospedeiro (Zadoks et al., 2007).
A sobrevivência desse agente no ambiente é menor que quatro semanas, mas há constante reintrodução, provavelmente via contaminação fecal (Ward et al., 2009). E este não é capaz de se multiplicar em temperaturas abaixo de 7°C, mas tem boa capacidade de multiplicação acima de 21°C. Assim, por não apresentar condições de crescimento em resfriamento adequado, elevados níveis de S. Uberis em leite, com bom resfriamento, são sugestivos de problemas de mastite no rebanho, uma vez que este agente não apresenta crescimento depois de sua saída da glândula mamária (Santos, 2004).
Características das mastites e sinais clínicos
Em fazendas leiteiras desenvolvidas ao redor do mundo, a prevalência de patógenos contagiosos tem sido reduzida devido às medidas de controle e o uso de testes diagnósticos para a detecção dessa enfermidade (Rodrigues et al., 2005), como o teste de caneca de fundo escuro e o California Mastitis Tests (CMT). Porém, a incidência de mastite clínica causada por bactérias de origem ambiental, como os coliformes e Streptococcus uberis tem gerado problemas em rebanhos (Oliveira e Ruegg, 2013) com CCS inferior a 150.000 células/mL (Santos, 2004). Os estreptococos ambientais também são uma das principais causas de mastite subclínica em rebanhos em todo o mundo (Jobim et al., 2010).
Segundo Bradley (2002), os patógenos ambientais por não estarem adaptados à sobrevivência no hospedeiro, normalmente, desencadeiam infecções clínicas que apresentam maior ocorrência no início da lactação. Bradley e Green (2000) citam que 60 % das infecções causadas por coliformes ocorrem no período seco, principalmente nas duas semanas após a secagem e nas duas semanas antes do parto, podendo ocorrer cura espontânea ou mais raramente permanecer latentes e ocasionalmente desenvolver sinais clínicos durante a lactação. Nessa fase, alguns fatores favorecem a instalação de infecções intramamárias, como maior acúmulo de leite na glândula que gera uma dilatação do canal da teta, menor eficiência de fagocitose, ausência de desinfecção dos tetos e remoção de bactérias devido a interrupção da ordenha (Hurley e Morin, 2001).
Dos coliformes, a Escherichia coli, geralmente, é a causa predominante de infecções intramamárias, porém normalmente é eliminada pela resposta imune da vaca após um breve período, com média de duração menor que 10 dias (Hogan e Smith, 2008).
O quadro clínico desencadeado por este patógeno, geralmente é moderado e raramente causa elevada CCS do tanque. Nos casos superagudos há uma intensa inflamação com a presença de sinais sistêmicos e nas formas aguda e subaguda há presença de grumos no teste da caneca e os sinais inflamatórios são mais discretos (Santos e Fonseca, 2007). A gravidade dos sintomas dos casos clínicos é feita por escores:
• Grau 1: apenas alterações no leite (coágulos, grumos, pus, sangue e coloração amarelada);
• Grau 2: alterações no leite e também no úbere (inchado, dolorido e avermelhado);
• Grau 3: alterações no leite, no úbere e sistêmicas (febre, dispneia, hipotensão, prostração e anorexia).
As mastites clínicas são características de patógenos ambientais, porém esses podem se adaptarem ao hospedeiro. Em um rebanho na Austrália, cepas idênticas de S. uberis foram isoladas de diferentes quartos de uma mesma vaca e entre diferentes animais mostrando uma provável rota contagiosa de infecção ou adaptação do microrganismo ao hospedeiro (Phuektes et al., 2001). Para Zadoks (2007) as cepas de S. uberis adaptadas causam mastites subclínicas crônicas, possivelmente através de aderência às células epiteliais da glândula mamária e internalização, o que permite a sua disseminação entre as vacas em lactação. Já as cepas não adaptadas ao hospedeiro, que possuem o ambiente como fonte de infecção, provocam uma intensa resposta imune, resultando na maioria das vezes em mastite clínica geralmente de curta duração, e podem atingir tanto animais lactantes quanto vacas secas, assim como novilhas.
Em rebanhos com elevado número de vacas infectadas por Streptococcus uberis podem ocorrer elevadas contagens bacterianas (CBT) do leite do tanque, impactando sua qualidade. Assim, a contagem bacteriana total do leite pode ser útil na identificação de surtos de mastites causadas por Streptococcus uberis. (Santos, 2014).
Diagnóstico das mastites
Os coliformes e Streptococcus uberis estão geralmente associados a casos de mastite clínica, porém estes também podem ser responsáveis por mastite subclínica. No caso da mastite subclínica são necessários testes auxiliares, como a contagem eletrônica de células somáticas para o diagnóstico. Já o diagnóstico da mastite clínica é feito pelo teste da caneca de fundo escuro e pelos de sinais da inflamação como a presença de dor, edema no úbere, vermelhidão local, consistência enrijecida da glândula e modificação das características da secreção do leite. (Fonseca e Santos, 2001).
A fase inicial da mastite clínica pode ser detectada precocemente utilizando-se a caneca de fundo escuro antes de cada ordenha. Esse é um teste prático e eficiente em que observa-se, nos jatos de leite, se há alterações de cor, consistência ou presença de grumos, pus ou sangue (Campos e Lizieire, 1993). A detecção precoce da mastite clínica evita o contágio e garante maior sucesso no tratamento, porém não exclui a necessidade da realização da cultura microbiológica e do antibiograma (Fonseca e Santos, 2001).
A análise microbiológica permite a identificação dos microrganismos responsáveis pelas infecções no rebanho (Costa et al., 2001). Essa identificação é fundamental para elaborar um controle efetivo da mastite e para as recomendações de tratamento, sendo imprescindível a realização de culturas microbiológicas (figura 1) para identificação do microrganismo, do antibiograma, para identificação do melhor antimicrobiano e, se necessário, o descarte de animais (Fonseca e Santos, 2001).
Aspectos epidemiológicos - Transmissão no rebanho
A transmissão da mastite ambiental, na maioria dos casos, ocorre no período entre as ordenhas, embora também possa ocorrer no momento da ordenha. A contaminação ocorre pelo contato das pernas, úbere e tetos com fezes, urina, barro e camas orgânicas (Santos, 2016). Assim, todos os animais estão expostos, porém a maior ou menor ocorrência das infecções intramamárias não está relacionada somente ao ambiente, também está ligada a outros fatores relacionados ao animal e ao agente etiológico (Hurley e Morin, 2001). Assim, os fatores ligados ao meio ambiente envolvem a ordenha, manejo, clima e nutrição. De acordo com Rasmussen e Madsen (2000), o equipamento de ordenha, se em mau funcionamento pode proporcionar meio favorável à colonização e multiplicação microbiana. Algumas situações, como tetos molhados, deslizamento e queda das teteiras, equipamento de ordenha com problemas que possam levar a lesões nos tetos podem aumentar o risco de novos casos de mastite durante a ordenha por patógenos ambientais adaptados ao hospedeiro (Santos, 2004).
Já os fatores relacionados ao animal envolvem a resistência natural (física e imunológica), o estágio de lactação, raça, conformação da glândula e tetos, idade (Hurley e Morim, 2001), contagem de células somáticas (CCS) na lactação anterior e histórico de casos clínicos (Breen et al. 2009). As fêmeas mais velhas são mais susceptíveis devido a lesões e desgaste do esfíncter da teta e pelo maior tempo de exposição aos patógenos ambientais (Hogan e Smith, 2003).
O primeiro mês de lactação é um fator de maior risco de mastite clínica para as primíparas do que para as multíparas, isso pode ser explicado devido ao efeito imunossupressor do parto (Ruegg, 2009). Para este mesmo pesquisador, as multíparas que apresentaram um caso clinico de mastite na lactação anterior apresentam 4,2 vezes mais probabilidade de ter um novo caso nos primeiros 120 dias de lactação. O histórico de casos clínicos também aumenta o risco de mastite provavelmente devido a problemas com a eficiência do tratamento que mascaram os sintomas, e ao reaparecerem são erroneamente consideradas como uma nova infecção (Schroeder, 2012).
Outro fator de risco é a presença de raças europeias mais puras no rebanho, que, geralmente, têm maiores chances de ter mastite clínica do que raças zebuínas e seus cruzamentos (Oliveira, 2015). Além disso, na estação chuvosa, a suscetibilidade do hospedeiro também aumenta devido ao calor e umidade, que também permitem maior crescimento de bactérias ambientais, e ao estresse térmico (Hogan e Smith, 2003).
Segundo Oliveira (2015) as influências dos fatores ligados ao hospedeiro são semelhantes entre S. uberis e coliformes já que os dois são patógenos ambientais, e que o número de partos, meses em lactação, raça, estação do ano, CCS e especialmente o histórico de casos de mastite clínica são os fatores mais importantes que influenciam a chance de mastite clínica nas condições brasileiras.
Prevalência
Coliformes e Streptococcus uberis são causadores de mastite independentemente do tipo de sistema utilizado na propriedade. Em uma revisão feita por Ruegg (2012) de estudos realizados em vários países a proporção de casos de mastite causada por coliformes e estreptococos ambientais variou entre 26 e 52%. Em estudo de prevalência de patógenos associado à mastite em rebanhos leiteiros na região sul do Brasil, Jobim et al. (2010) demonstraram a participação de 58,39% de patógenos ambientais na etiologia da mastite. E ainda, segundo Hogan e Smith (2003) mais de 25% das vacas em rebanhos bem manejados são anualmente diagnosticadas com mastite clínica causada por coliformes. Streptococcus spp. é responsável por 33% dos casos no Reino Unido (Bradley et al., 2007) e Nova Zelândia (McDougall, 2003) e por 23% de todos os casos de mastite na Dinamarca (Segura e Gottschalk, 2004).
O sistema Compost Barn tem inúmeras vantagens, porém quando mal manejado pode estar associado a ocorrência de mastite ambiental. Essa associação ocorre porque a cama desse sistema pode apresentar alta concentração de bactérias, principalmente coliformes, estabelecendo assim uma correlação positiva com a quantidade de bactéria na pele dos tetos (Black et al., 2014). Por isso, sugere-se que a cama deva ter menos de 1 milhão de UFC/mL de contagem total de bactérias (Barberg et al., 2007), porém, geralmente, os resultados encontrados são superiores a este valor.
Barberg et al. (2007) ao analisarem 12 compostos nos EUA reportaram contagem total de bactérias na superfície da cama de 9.112.700 UFC/mL e que desta contagem 10,7 % eram de coliformes e 39,4 % de estreptococos ambientais. Em Kentucky, nas 47 fazendas analisadas as concentrações de bactérias nas amostras da cama foram de 1,9 % de coliformes e 20,6 % de estreptococos ambientais (Black et al., 2014) em uma concentração total de 158 x 106 UFC/g. Lobeck et al. (2012) relataram que a concentração média de coliformes, Klebsiella spp. e estreptococos foram 14000 x 106 , 280 x 106 e 3 x 106 UFC/ mL de solução de cama, respectivamente.
Além das concentrações bacterianas, também foram avaliadas nos estudos citados a temperatura, umidade, C:N e pH nos sistemas Compost Barn. Barberg et al. (2007) e Black et al. (2014) relataram temperaturas profundas médias de 42,5 e 36,1ºC respectivamente. Shane et al. (2010) encontraram temperaturas de 31,8 a 48,1ºC no verão e 13,8 a 40,6ºC em seis fazendas. Essas temperaturas na camada profunda da cama não foram suficientes para esterilizar o material ou diminuir substancialmente as concentrações de estreptococos e coliformes totais na cama, já que para isso seria necessária uma temperatura entre 55°C a 60°C (Fávero, 2015). Em relação aos outros fatores, a maiorias das fazendas apresentaram valores fora dos recomendados. Os valores considerados ideais são 55 a 60 °C para a temperatura profunda, 40 a 60 % para a umidade, 25 para C:N e entre 6,5 a 8 para o pH (NRAES-54, 1992).
Ao estudar as concentrações de bactérias totais, coliformes e estreptococos em 3 fazendas de São Paulo que adotaram o Compost Barn, Fávero (2015) relatou que os patógenos ambientais foram a causa mais frequente de mastite clínica nas fazendas B (36,7 %) e C (33,8 %) e que Escherichia coli foi o patógeno ambiental mais prevalente isolado dos casos clínicos nessas fazendas. Mas, para esse autor esses índices poderiam ter sido afetados por outros fatores, não relacionados ao uso de cama de compostagem, como equipamento de ordenha, rotina de ordenha e perfil de patógenos encontrados em cada rebanho.
Ainda em seu estudo Fávero (2015) verificou que as concentrações de coliformes e estreptococos foram maiores na superfície do que na camada profunda da cama, exceto em uma das fazendas. E verificou que para todas as fazendas, a concentração de bactérias totais foi menor no inverno do que no verão enquanto que não foram encontradas diferenças nas concentrações de estreptococos e coliformes entre as estações do ano (Tabela 3). Ademais, há uma associação positiva entre a matéria orgânica de cama e a concentração de bactérias totais e de coliformes na superfície da cama, o que indica que um aumento nos nutrientes disponíveis favorece o crescimento de populações bacterianas e que a relação carbono:nitrogênio foi positivamente associado à concentração de estreptococos (Fávero, 2015).
A umidade da cama tem uma relação direta com a incidência de mastite clínica ambiental e os escores de higiene de perna com a incidência e prevalência de mastites subclínicas (Barberg et al. 2007). Para Lobeck et al. (2012) o excesso de umidade pode resultar em compactação de cama, diminuição de temperatura e aeração, desenvolvimento de um ambiente anaeróbio e possível aderência de partículas às vacas que facilitam a transferência de bactérias para a pele, além de diminuir a atividade microbiana na camada profunda e resfriar a cama.
Assim, evitar o umedecimento da cama resulta em animais mais limpos e com menor risco de mastite, já que a umidade foi a principal responsável pela incidência de mastite clínica ambiental (Fávero, 2015). Porém, há dificuldade em controlar a limpeza das vacas durante o clima úmido e chuvoso, como relatado por Brito (2016) e Black et al. (2013), o que facilita a ocorrência de mastite nesta época do ano.
Uma associação negativa foi encontrada entre o pH da cama e a incidência de mastite clínica ambiental. Porém, à medida que a cama vai ficando mais velha, seu pH vai aumentando (acima de 8,8) e inibe o crescimento de patógenos, diminuindo o risco de mastite ambiental. Após a reposição total da cama aumentaram os casos de mastite clínica devido a características do novo material de cama, como alto teor de umidade, matéria orgânica e relação carbono:nitrogênio (Fávero, 2015).
Nesta perspectiva, em um trabalho conduzido por Endres et al. (2007) em fazendas nos EUA que utilizam o Compost Barn, a taxa de infecção de mastite clínica diminuiu significativamente em 12 % em seis das nove fazendas analisadas. Black et al. (2013) realizaram estudo em 47 galpões no estado de Kentucky e observaram escore médio de 2,2 em uma escala de 1 a 4 (1 = limpo e 4 = muito sujo), e em outro estudo realizado por Lobeck et al. (2011) relataram que os escores de higiene foram maiores para os animais mantidos no Compost Barn quando comparados aos animais mantidos em Free Stall com camas de areia. E ainda, de acordo com esses mesmos autores, a concentração de estreptococos não foi diferente entre esses dois sistemas, mas as concentrações de coliformes e Klebsiella spp. foram 47 e 14 vezes maiores que as observadas em Free Stalls, respectivamente.
Em outro estudo, Eckelkamp et al. (2016) mostraram que não houve diferenças do tipo de alojamento sobre a CCS média de vacas, sobre a CCS do leite de tanque, prevalência de vacas com alta CCS (> 200.000 células/mL), incidência de mastite clínica e distribuição de patógenos causadores de mastite clínica. Porém, houve uma porcentagem mais baixa de casos moderados e graves de mastite clínica no Compost Barn.
Já Barberg et al. (2007) observaram redução na contagem de células somáticas em rebanhos que passaram de outros sistemas para o Compost Barn. Do mesmo modo, Black et al. (2013) relataram que o valor médio de CCS de 8 rebanhos diminuiu de 411.000 células/mL (média de 12 meses antes da mudança) para 305.000 (primeiro ano) e 275.000 células/mL (segundo ano) após a mudança. Vale ressaltar que os diferentes estudos sobre o Compost Barn indicam que o manejo da cama tem um papel determinante no escore de higiene dos animais, CCS, concentração de patógenos ambientais e prevalência de mastite clínica. Por meio dos relatos, fica evidente que quando bem manejado esse sistema tem o potencial de apresentar ótimas condições de higiene animal, menor incidência de mastite e maior produtividade.
Perdas econômicas
Os prejuízos podem ocorrer de acordo com a rapidez com que o caso clínico é detectado e tratado. Na grande maioria, ocorre recuperação e retorno a produção de leite, enquanto que uma pequena parcela pode se tornar crônica (Santos, 2004). Os custos com a redução na produção de leite, descarte de leite, medicamentos, diminuição do preço de venda do leite, com os serviços veterinários, com o trabalho extra, com a redução da qualidade dos produtos e com o descarte prematuro de vacas são as principais perdas econômicas associadas à presença de mastite no rebanho (Halasa, 2009). Adicionalmente, em certas situações, a mastite clínica pode ser associada com custos indiretos da construção de instalações próprias para animais em tratamento, treinamento de mão-de-obra e aumento do tempo de ordenha (Fetrow, et al., 2000).
É preciso considerar que a mastite é uma doença que reduz a rentabilidade das fazendas leiteiras em todo o mundo. As perdas associadas à mastite clínica no Reino Unido foram estimadas em 175 libras para cada caso (Kossaibati, 2000), em Nova York U$71,00/caso (Bar et al., 2008) e na França o impacto econômico foi estimado em U$34,00 (Fourichon et al. (2001). Na Holanda Huijps et al (2008) encontraram resultado de impacto econômico de descarte de vacas com mastite clínica de U$511,00/descarte. E, Vargas et al. (2004) mostraram que as perdas associadas a um caso de mastite clínica em novilhas foram de R$353,94/vaca/ano. Um outro ponto a evidenciar é que os prejuízos causados por E. coli e Klebsiella spp. apresentam características diferentes, isso porque os casos clínicos de mastites causadas por Klebsiella spp. são de maior duração e, geralmente, mais graves do que as causadas por E. coli, podendo se tornar crônicos e durar vários meses durante a lactação (Santos, 2016). As mastites por K. pneumoniae podem ser severas pela fraca resposta dos animais aos antibióticos tradicionais e o quadro apresentar rápida evolução para choque tóxico e óbito (Munoz et al., 2006). Sendo assim, há uma maior perda em produção de leite e maior probabilidade de descarte de um animal que apresenta mastite por K. pneumoniae.
E ainda em relação a essa situação, vale mencionar que a redução da produção de leite está entre os principais fatores envolvidos em perdas econômicas na mastite bovina, tanto na forma clínica quanto na subclínica (Halasa et al., 2007). Normalmente, existe uma redução na produção de leite logo após o início da doença, de acordo com a intensidade de cada caso, que pode persistir mesmo após a cura microbiológica e em alguns casos, nas próximas lactações da vaca (Santos, 2016). Essa redução na produção está relacionada com a ordem de partos, idade, estágio de lactação, raça, produção de leite antes da infecção, grau de inflamação da glândula, duração do caso, estação do ano, composição nutricional da dieta das vacas e aos agentes patogênicos envolvidos (Huijps et al.,2008).
Um exemplo disso pode ser visto em um trabalho desenvolvido no Paraná com vacas Holandesas. Magalhães et al. (2006) calcularam as perdas econômicas associadas à mastite clínica e subclínica. Nesse estudo relataram que a queda na produção de leite variou de 11 kg a 109 kg e a perda financeira variou de RU$6,09 a 67,00/vaca/ano dependendo da ordem de parto. Os danos econômicos gerados pelo descarte de leite comparam-se aos gerados pela redução na produção de leite. Huijps et al (2008) consideraram uma média de seis dias de descarte de leite, e em trabalho de revisão, Shepers et al (1991) encontraram perdas médias de 267 kg de leite por caso clínico.
O gasto com veterinários, despesas com medicamentos e com trabalho extra compõem o impacto econômico do tratamento dos casos clínicos da doença. No trabalho extra incluem administração de medicamentos, linhas de ordenha e segregação de animais pelos funcionários (Petrovski, 2006). Além disso, as vacas com mastite têm maior risco de serem descartadas precocemente, e com isso há os custos da compra de um novo animal, a lacuna de produção de leite entre o descarte da vaca até a aquisição do novo animal e uma possível redução de eficiência já que a nova vaca, muitas vezes primípara, irá produzir menos leite (Derks et al., 2012).
Qualidade do leite
O leite deve estar livre de microrganismos patogênicos e de possíveis contaminantes, além de apresentar uma baixa CCS e uma reduzida carga microbiana. As propriedades microbiológicas do leite são excelentes indicadores da sanidade animal, das condições higiênicas na ordenha e do resfriamento do leite (Santos, 2000a). Esses fatores estão diretamente relacionados com a saúde pública, uma vez que muitos microrganismos são causadores de doenças transmitidas pelo leite.
A ocorrência da mastite, clínica ou subclínica, está relacionada com a redução da qualidade dos derivados lácteos. Há uma redução na síntese de gordura, caseína e lactose e um aumento de componentes sanguíneos como albumina, imunoglobulinas, sódio e cloro durante a inflamação. Essas mudanças podem resultar em alteração na composição do leite levando a diminuição de sua qualidade e dos produtos derivados (Petrovski, 2006). Além disso, o tratamento da mastite clínica, se não respeitado o adequado período de carência, podem ficar resíduos de antimicrobianos no leite que comprometem a elaboração de produtos lácteos (inibição de culturas lácteas) e à saúde do consumidor (hipersensibilidade), além disso podem causar problemas de resistência aos antimicrobianos nos animais e humanos (Brito e Lange, 2005).
Diversos fatores, como manejo na ordenha (antes, durante e após), genética (raça e espécie), sanidade, clima e nutrição desempenham grande influência sobre a qualidade do leite (Santos, 2016b). O estresse calórico, além de afetar negativamente a produção de leite, pode diminuir os teores de gordura, proteína, lactose e alguns minerais no leite (Naas e Arcaro Júnior, 2001). Isto pode estar relacionado a uma queda no consumo de alimentos pelas vacas e aos efeitos fisiológicos e/ou metabólicos (Porcionato et al., 2009). Essas alterações na ingestão de alimentos mudam a fermentação ruminal e o aproveitamento de nutrientes, resultando em queda na produção e qualidade do leite (Lambertz et al., 2014).
O estado sanitário das glândulas mamárias das vacas pode indicar perdas significativas de produção e alterações na qualidade do leite. Nesse sentido, estudos indicam que Compost Barn tem potencial para obter uma excelente saúde do úbere, desde que todo o sistema seja bem manejado. Assim, este sistema diminui a contaminação bacteriana, o que reduz o risco de contaminação do leite no momento da ordenha e aumentando sua qualidade microbiológica (Damasceno, 2012).
Controle e prevenção
Os aspectos das instalações podem influenciar na ocorrência de mastites, principalmente as ambientais. A falta de manejo sanitário adequado no sistema de estabulação do rebanho, como camas contaminadas com excesso de umidade e matéria orgânica são os grandes responsáveis pelo aumento de casos de mastites ambientais. Outros fatores relacionados ao hospedeiro e a rotina de ordenha também influenciam na ocorrência de mastite ambiental. Assim, medidas de controle e prevenção são essenciais.
Manter limpo e seco o local de permanência das vacas: O ambiente em que as vacas ficam alojadas deve ser limpo, seco e confortável com o objetivo de que o menor número possível de bactérias contamine a pele dos tetos e consigam penetrar pelo canal do teto (Santos, 2005). Além disso, as áreas de descanso das vacas, os piquetes destinados as vacas secas e os locais de parição devem ser limpos e drenados para evitar o acúmulo de umidade e matéria orgânica, diminuindo com isso o risco de novas infecções intramamárias (Hogan e Smith, 2012).
Pré-dipping: Esse é um método eficaz na descontaminação da pele do teto, reduzindo a disseminação de microrganismos e, consequentemente, a ocorrência de novas infecções. Segundo Fonseca e Santos (2001) as condições do teto devem estar adequadas para a aplicação do produto, evitando substâncias orgânicas (esterco, lama, barro, cama) aderidas ao teto e o uso de água para lavagem dos tetos antes da ordenha, pois, o excesso de água e substâncias orgânicas reduzem a atividade do desinfetante. Ainda segundo esses mesmos autores, o pré-dipping pode levar à redução de até 80 % na contagem bacteriana total (CBT) do leite e de até 70 % na contagem de coliformes.
Fornecimento de alimento após ordenha: Essa prática é necessária para estimular os animais a permanecerem em pé imediatamente após a ordenha pois, o canal da teta torna-se dilatado e permanece assim por aproximadamente duas a quatro horas Hurley e Morin (2001).
Identificação e segregação dos casos clínicos: É fundamental a realização de uma linha de ordenha conforme a gravidade dos sintomas observados, de maneira a deixar os animais mais graves por último, em um conjunto separado.
Tratamento dos casos clínicos: A identificação do caso e o rápido início do tratamento da mastite são os elementos críticos para o sucesso da terapia. Segundo Hogan e Smith (2003) o tratamento envolve a terapia de suporte (soro por via oral e/ou intravenosa e antiinflamatórios) e adicionalmente recomenda-se a ordenha frequente dos quartos buscando remover leucócitos, bactérias e toxinas da glândula mamária. O uso de antibióticos administrados para o tratamento de casos clínicos de E. coli é questionável por causa da curta duração das infecções e da alta taxa de cura espontânea (Santos, 2001). Porém, nos casos em que for necessário a administração de antibióticos, para qualquer patógeno, esta deve ser feita de maneira responsável e levando em consideração o histórico do animal.
Manejo de vacas secas: A aplicação de antibiótico de longa ação deve ser realizada em todos os quartos mamários no momento da secagem podendo, em alguns casos, estar associada à terapia sistêmica (Dias et al., 2007), e selantes internos, que funcionam como uma barreira física, podem ser utilizados como coadjuvantes. Para Fonseca e Santos (2000), essa terapia é muito eficaz na prevenção de novas infecções causadas por estreptococos ambientais, contudo demonstra limitações no controle da mastite causada por coliformes. Esse fato pode ser explicado pela baixa concentração de antibiótico na glândula no final do período seco, quando muitas novas infecções ocorrem, ou por pouca ação de muitos produtos sobre os Gramnegativo (Halassa et al., 2009).
Cuidados no Compost Barn:Para se ter sucesso nesse sistema alguns cuidados devem ser tomados para diminuir a concentração bacteriana e consequentemente reduzir a possibilidade do risco de adquirir novas infecções intramamárias. Alguns fatores que devem ser observados nesse sistema são a troca da cama, taxa de lotação, umidade, revirada frequente da cama, temperatura da cama, temperatura ambiente, carbono:nitrogênio, pH, matéria prima, ventilação e uma estrutura bem projetada. (Barberg et al., 2007). Assim, a fermentação ocorre de maneira adequada e há produção de calor para secar o material e reduzir a população de microrganismos patogênicos (Bewley et.al, 2013).
Vacinação: O uso da vacina J5, produzida a partir de bacterinas de Escherichia coli, tem mostrado ser eficaz e economicamente viável quando a incidência de mastite é superior a 1 %, reduzindo a severidade dos sintomas clínicos da mastite por essa bactéria e aumentando a taxa de cura espontânea, porém com menor eficácia contra Klebsiella spp. (Santos, 2016). Segundo Gentilini (2010) a vacinação com E. coli J5 demonstrou-se eficaz em reduzir a prevalência de infecções intramamárias no pós-parto, bem como a ocorrência e intensidade dos casos clínicos de mastite, causados por E. coli, nos primeiros 100 dias de lactação.
O programa de vacinação pode ser dividido em três doses: a primeira na secagem, 30 dias após a secagem e no período pós-parto. Há a redução de dois dias na duração dos casos clínicos de mastite em animais vacinados, e com isso reduz-se o gasto com medicamentos e mão-de-obra para tratamento do caso clínico e as perdas com descarte de leite (Maia, 2011).
Aumento da resistência imunológica: O adequado balanceamento da dieta com nutrientes como vitaminas A e E, selênio, cobre e zinco podem interferir positivamente na resposta da glândula mamária à mastite. Segundo Andrews et al. (2008), o baixo teor de selênio em vacas de leite pode estar relacionado a deficiências nos mecanismos de defesa, dentre elas, a diminuição da taxa de migração de neutrófilos para a glândula mamária. E que este juntamente com a vitamina E funcionam como antioxidantes. O cobre e zinco são componentes da enzima superóxidodismutase que também possuem função antioxidante. O zinco também está envolvido na manutenção da pele e camada de queratina, e a vitamina A está relacionada à manutenção do epitélio funcional, aumentando a resposta imune (Manitoba, 2001).
Rotina de ordenha adequada e manutenção de equipamentos: Embora a transmissão dos patógenos ambientais seja predominante no intervalo entre as ordenhas, alguns fatores como lesões de tetos por mau funcionamento do equipamento ou quedas de teteiras podem favorecer a transmissão durante a ordenha. Além disso, algumas cepas dos patógenos ambientais podem estar adaptados ao hospedeiro, estabelecendo uma rota infecciosa de transmissão.
Metas para saúde da glândula mamária, registros e treinamento de mão-de-obra: Além, de todos os fatores acima mencionados é de extrema importância para o sucesso do combate à mastite e das suas consequências que se estabeleçam metas voltadas para a saúde dos animais, manter um sistema de registros dos animais (individual e de rebanho) e treinamento constante dos funcionários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Compost Barn possibilitou benefícios na produtividade, qualidade do leite e menores prejuízos econômicos nas propriedades estudadas, principalmente devido à redução nos casos de mastite. As melhorias ocorridas nessas propriedades estão relacionadas ao aumento do conforto e bem-estar animal, melhora na higiene das vacas e manejo. Esse sistema apresenta muitas vantagens, porém para que seja eficaz é fundamental garantir o adequado funcionamento de todos os fatores que possam influenciar a maior incidência de mastite. O correto manejo da cama, umidade e temperatura adequadas resultam numa menor concentração de patógenos ambientais, melhor higiene dos animais e redução do risco de mastite ambiental.
A carga microbiana desse sistema tem relação direta com a temperatura e umidade da cama, pois quando a temperatura é maior, a proliferação bacteriana diminui. A alta contaminação da cama pode levar à contaminação do leite pelo contato direto do úbere com a cama contaminada e, consequentemente, levar a uma alteração na composição e qualidade do leite, já que o aumento da carga bacteriana influencia no aumento da contagem de células somáticas e na contagem bacteriana total do leite.
Além disso, é necessário conhecer quais são os patógenos envolvidos nos casos de mastite, a prevalência de vacas infectadas no rebanho e identificar outros fatores que estão relacionadas a ocorrência de mastite, como a rotina de ordenha, e não somente aqueles ligados ao Compost Barn. Esse conhecimento vai permitir medidas de controle mais direcionadas e eficazes para o controle da mastite. Então, é fundamental o constante monitoramento desse sistema para a identificação de possíveis falhas e suas correções.
O tipo de instalação usada para rebanhos leiteiros tem grande influência na produtividade, sanidade animal e sobre a qualidade do leite. Assim, é fundamental que as instalações ofereçam boas condições de higiene, eficiência no manejo e conforto para os animais, possibilitando alcançar excelentes resultados. Mesmo com algumas desvantagens, como todo sistema, o Compost Barn permite melhora nos índices zootécnicos, fatores esses que influenciam positivamente a eficiência da propriedade e a melhoria na produtividade e qualidade do leite.
Assim, é possível obter leite de com qualidade e consequentemente melhores produtos derivados e garantir a segurança alimentar dos consumidores.
Esse artigo foi originalmente publicado em GETEC, v.11, n.35, p.1 -18/2022 | https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/getec/article/view/2708. Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.