Como resultado dos avanços tecnológicos nos programas de melhoramento genético para leite, onde as fêmeas bovinas têm sido selecionadas para aumentar sua produção, tem ocorrido uma resposta correlacionada indesejável com a saúde do úbere e a resistência da vaca contra a mastite, aumentando a ocorrência desta doença nos rebanhos leiteiros (RAINARD & RIOLLETI, 2006). Isso tem sido relatado, principalmente, para animais taurinos – de raças européias, sendo que existem poucas informações relativas ao zebuíno leiteiro.
O leite é um alimento de alta qualidade, sendo uma importante fonte de proteínas, gorduras, minerais, entre outros nutrientes. Porém, esta qualidade pode ser afetada por fatores tais como manejo, sanidade, alimentação e potencial genético. Contudo, o principal fator responsável pela queda na qualidade do leite é a mastite.
A mastite resulta em elevadas perdas econômicas, devido principalmente à queda na produção de leite, descarte de leite e animais, gastos com medicamentos e mão de obra, entre outros. Estudos brasileiros mostraram que um quarto mamário com mastite sub-clínica reduz entre 25 a 42% a sua produção quando comparado a um quarto normal. Em rebanhos nos EUA, estima-se um custo anual com esta doença em torno de US$1,8 bilhão, o que representa 10% do total de leite produzido no país (EMBRAPA, 2007).
Com a implantação do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade do Leite (PNQL), a publicação da Instrução Normativa 51/2002 pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e o início do pagamento por qualidade do leite feito por algumas indústrias, (incluindo a contagem de células somáticas (CCS) como parâmetro analisado), torna-se de fundamental importância a realização de estudos que objetivem elucidar e fornecer ferramentas aos produtores para melhorar a eficiência e rentabilidade de suas explorações.
A principal característica correlacionada com a mastite é a contagem de células somáticas (CCS), entretanto existem outras características também correlacionadas à ocorrência da mastite, entre elas a alteração da concentração de anions e cátions, que é determinada pela condutividade elétrica do leite (CE) que merece destaque por ser um método relativamente fácil e barato no diagnóstico da mastite. A condutividade elétrica foi introduzida como uma característica indicadora de mastite na década de 1970 e tem sido usada desde então para a detecção desta enfermidade (HAMANN & ZECCONI, 1998).
A pesquisa do teor de cloretos e da condutividade elétrica do leite são métodos que podem ser utilizados como auxiliares no diagnóstico da mastite subclínica. O aumento da CE do leite é diretamente proporcional ao aumento da inflamação do úbere e da contagem de células somáticas (CCS). O aumento dos íons sódio e cloro e a diminuição do cálcio e outros constituintes do leite são características do leite de vacas com mastite clínica (TEIXEIRA et al., 2008).
O aumento do conteúdo iônico é responsável pelo aumento da condutividade elétrica do leite. A CE é obtida de maneira fácil, rápida e com baixo custo, se tornando uma importante ferramenta no controle da mastite, principalmente se comparado a informações de presença de células somáticas, onde se faz necessário o envio de amostras a um laboratório. Os registros de CE estão disponíveis dentro de poucos segundos após a ordenha, sendo, portanto de grande valia na detecção precoce da mastite. Alguns autores (TAVARES, 2010; JUOZAITIENE et al., 2010) têm encontrado correlação genética positiva entre a CCS e a CE, o que significa que a coleta de leite para análise da CCS poderia ser substituída pela análise da CE do leite.
Assim sendo, estudos que visem obter informações que possibilitem a seleção de animais resistentes à mastite, são atualmente de fundamental importância para a pecuária leiteira.
Para verificar a possibilidade da utilização da CE como critério de seleção para mastite foram utilizadas 9.302 medidas de CE da ordenha da manhã de 1.129 vacas da raça Holandesa de primeiro parto, pertencentes a 8 rebanhos na região Sudeste do Brasil, obtidas entrem 2001-2011, que utilizavam o equipamento de ordenha automática da Westfalia ® com o sistema de manejo "Dairyplan".
Neste estudo foram estimados os parâmetros genéticos da CE através de regressão aleatória através do pacote estatístico Wombat (MEYER, 2007). A média e desvio padrão da Condutividade Elétrica do leite foram respectivamente 4.799 ± 0.543 ms/cm. A herdabilidade para CE aumentou do início para o meio da lactação (154 dias), quando atingiu o valor máximo (0,44), decrescendo após esse período até atingir o valor mínimo (0,17) no dia 300. As correlações genéticas para CE em diferentes períodos da lactação foram elevadas e positivas (0,73-0,99). Os dados sugerem que ganhos satisfatórios podem ser obtidos com a utilização do CE como critério de seleção para resistência à mastite, principalmente utilizando-se dos dados obtidos no período inicial da lactação.
Pelos resultados obtidos neste, e em outros estudos, a condutividade elétrica do leite pode ser utilizada como critério de seleção para resistência à mastite em substituição à Contagem de Células Somáticas (CCS). Além de essas duas características estarem relacionadas entre si, como pode ser visto na Figura 1, a obtenção da medida da CE é mais fácil, rápida e barata em relação à CCS. A avaliação da CCS só é obtida após coleta da amostra de leite, envio da mesma à um laboratório credenciado e o resultado só é obtido após um período de pelo menos 5 dias dependendo da distância entre a propriedade e o laboratório. A CE poder ser obtida diretamente em máquinas de ordenha mecânica ou através de aparelhos portáteis que podem ser utilizados no momento da ordenha fornecendo a medida no mesmo momento. A variação brusca no valor da CE entre ordenhas é um indicativo do início da doença e o produtor já pode tomar as medidas necessárias.
Na Figura 1 pode-se ver a relação entre o escore de células somáticas (ECS) e a condutividade elétrica do leite em rebanhos da raça Gir Leiteiro na região Sudeste do Brasil.
Para fins de estudos, a CCS é transformada em ECS para que as análises estatísticas possam ser efetuadas de maneira mais fácil. Neste estudo o ECS varia numa escala de 1 a 10, sendo o 1 relacionado à baixa CCS até atingir o escore 10 relacionado à alta CCS.
Figura 1. Relação entre o escore de células somáticas e a condutividade elétrica do leite em rebanhos da raça Gir Leiteiro na região Sudeste do Brasil.
Em uma das análises realizadas neste estudo, obteve-se o coeficiente de regressão linear da CE sobre o ECS que foi de 0,09, o que mostra um aumento progressivo da CE em função do aumento do ECS.
A equipe que conduziu este trabalho está realizando outro com aparelho portátil (Figura 2) para mensurar a CE do leite em rebanhos da raça Gir Leiteiro, com o objetivo de obter os parâmetros genéticos além das associações entre a CE e CCS e características de produção.
Figura 2. O aparelho AK 83, fabricado pela empresa Akso, é indicado para análises de condutividade elétrica, sólidos totais dissolvidos e salinidade em diversas soluções.
Referências Bibliográficas
EMBRAPA. Agencia de informação Embrapa. Brasília, DF. Agronegócio do leite: Mastite. 2007. Disponível em: < http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Agencia8/AG01/arvore/AG01_202_21720039247.htmL> Acesso em fevereiro de 2012.
HAMANN J; ZECCONI A. Evaluation of the electrical conductivity of milk as a mastitis indicator. Bulletin of the International Dairy Federation. 334:5–22. 1998.
JUOZAITIENE V.; ŠLAPKAUSKAITE J.; TUŠAS S.; BRAZAUSKAS A.; JAPERTIENE R. Electrical conductivity changes of milk during milking phase with cows productivity and somatic cells count. ISSN 1392-2130. VETERINARIJA IR ZOOTECHNIKA (Vet Med Zoot). T. 51 (73). (Abstr.), 2010.
MEYER K. WOMBAT: a tool for mixed model analyses in quantitative genetics by restricted maximum likelihood (REML). J Zhejiang Univ Sci B., 8(11):815-821. 2007.
RAINARD, P. E.; RIOLLETI, C. Innate Immunity of the Bovine Mammary Gland. Veterinary Research, v. 37, n.3, p. 369-400, 2006.
TAVARES M. C. V. A condutividade eléctrica do leite na avaliação da sanidade do úbere de vacas leiteiras. Tese de mestrado em Engenharia Zootécnica, Universidade dos Açores, Departamento de Ciências Agrárias. Angra do Heroísmo. 2010.
TEIXEIRA, P., RIBEIRO C. E SIMÕES J. Prevenção de mamites em explorações de bovinos leiteiros. Da teoria à prática. Um ebook para veterinários, produtores e estudantes. 2008. Disponível em < http://www.veterinaria.com.pt/652.html?*session*id*key*=*session*id*val*> Acesso em novembro de 2011.
******O trabalho foi originalmente publicado pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo.