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Por que a qualidade da forrageira é fundamental na dieta da vaca leiteira?

Publicado: 22 de maio de 2012
Por: Prof. Paulo R. F. Mühlbach, Consultoria em Bovinocultura de Leite.
1. Introdução
O tema aborda questões relacionadas com as limitações da vaca leiteira quanto a sua capacidade de ingestão de alimento e como isso pode ser afetado pela qualidade da planta forrageira.
O melhoramento genético do gado leiteiro, que avançou muito, principalmente com a raça Holandesa, vem fazendo com que as lactações continuem aumentando. Em comparação com a vaca "original", que secreta leite suficiente para atender às exigências da cria, no pico da lactação ao redor de 4 a 5 litros diários, temos hoje vacas que produzem de 10 a 15 vezes mais. Esse grande aumento da capacidade de secreção de leite, entretanto, não foi acompanhado por um crescimento proporcional da capacidade de consumo de alimento, que, um pouco mais que dobrou, quando comparado com o pico de consumo da vaca "original".
A necessidade de nutrientes de uma vaca de 500 kg de peso, para uma pequena produção de 5 litros de leite, é facilmente atendida com o consumo de uns 10 kg de matéria seca (MS) de pasto de qualidade razoável. Já para uma vaca de 600 kg, geneticamente melhorada para produzir 40 kg de leite, e que apresenta um capacidade máxima de consumo de uns 24 kg de MS, há a necessidade de se fornecer uma quantidade relativamente grande de alimento concentrado ("ração"), além de todo o volumoso da melhor qualidade possível que ela puder ingerir, de modo a atender à demanda elevada de nutrientes.
Fica difícil conciliar grande produção de leite com baixa qualidade de volumoso, porque o consumo deste é muito limitado, e, na medida em que se procura compensar o déficit energético da dieta, devido a baixa qualidade da forrageira, com mais alimento concentrado, a dieta se torna economicamente inviável e fisiologicamente insustentável.
O chamado "período de transição" da vaca leiteira, que vai desde as três semanas préparto até três semanas pós-parto, caracteriza-se pelo reduzido consumo de alimento e o fornecimento de forrageira de alta qualidade, principalmente no pós-parto, é decisivo para garantir a saúde e o potencial de produção do animal.
 
2. Como o consumo de alimento é afetado pela qualidade da forrageira
O potencial de ingestão de alimentos da vaca em lactação depende basicamente do seu tamanho (peso) e da sua produção diária de leite (Tabela do NRC, 1989, e equação do NRC, 2001 v. Anexos).
De acordo com essa tabela, por exemplo, uma vaca de 550 kg, com uma produção de 20 litros/dia, pode ingerir diariamente ao redor de 16 a 17 kg de matéria seca (MS) de alimento (equivalente a 3 % do peso, ou seja, 550 kg x 3 % = 16,5 kg). Essa seria sua capacidade máxima de consumo de alimento e dentro desse total deverá estar contida toda a energia, a proteína, a fibra, os minerais e as vitaminas de que ela necessita.
A qualidade da forrageira (pasto verde, silagem, feno) é que vai determinar se esse potencial de consumo vai ser, ou não, alcançado, para permitir a produção de leite, de acordo com a genética do animal.
A qualidade da forrageira é estimada pelo seu seu teor de "fibra em detergente neutro" (FDN), um complexo fibroso da parede da célula vegetal, constituido por celulose, hemicelulose e lignina (Figura 1).
Figura 1. Esquema de uma célula vegetal e a relação entre os componentes da parede celular e as análises para FDN e FDA (fibra em detergente ácido)
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Componentes da parede das células vegetais, a celulose e a hemicelulose, são aproveitadas através da fermentação realizada pelas bactérias no rúmen, produzindo os ácidos graxos voláteis, principal fonte de energia para o metabolismo da vaca. A fermentação da celulose e hemicelulose é um processo lento, afetado pela presença maior ou menor de lignina.
Assim, a velocidade com a qual a fibra vegetal é fermentada, depende basicamente do seu teor de lignina, uma substância não digestível no rúmen. A lignina também é componente residual da fração analisada como "fibra em detergente ácido", FDA (Fig.1), sendo o constituinte plástico da planta, que lhe confere a necessária rigidez no processo de crescimento e maturação e seu teor é relativamente elevado nas gramíneas tropicais de rápido crescimento (as denominadas plantas C4), nas forrageiras maturadas e nas palhas, de modo geral. A lignina entremeia a celulose e a hemicelulose na junção entre as paredes primária e secundária da célula vegetal e na medida em que a planta envelhece, aumenta a lignificação e a espessura da parede, em detrimento do volume do conteúdo celular (Fig.1).
O conteúdo da célula vegetal é composto por proteínas e carboidratos não fibrosos (CNF- açúcares e amidos), que são solúveis e de rápida fermentação pelas bactérias do rúmen (Fig.2).
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Os CNF, junto com a pectina da parede celular, também são designados de glicídios rapidamente fermentáveis (GRF), fração que pode ser estimada pela equação:
GRF = 100 – (proteína bruta + gordura bruta + matéria mineral + FDN)
Portanto, na Tabela 1, a seguir, podemos classificar algumas plantas forrageiras em função do seu teor de FDN; quanto maior este teor, tanto pior a qualidade da forrageira.
Tabela 1. Qualidade de forrageiras de acordo com % de FDN na MS
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Os alimentos volumosos de baixa qualidade apresentam não só altos teores de FDN e FDA como também, em função da alta lignificação, são de lenta fermentação no rúmen (FDN de baixa digestibilidade). O consumo voluntário da vaca leiteira é afetado em maior escala pelo fator de enchimento do rúmen, especialmente com forrageiras de alto teor de FDN. Neste caso, também a digestibilidade da própria FDN da forrageira é baixa, e, de acordo com o NRC (2001), dependendo do tipo de planta, esta digestibilidade pode variar de apenas 25% a até 75%.
O grau de digestão da fibra das forrageiras é um aspecto que deveria receber maior atenção por parte do produtor leiteiro, pois a forrageira representa o aporte energético de menor custo, e a maior digestibilidade dessa fibra, além de maximizar o consumo total de MS, aumenta a produção e a eficiência alimentar.
Nesse sentido, as gramíneas de clima temperado (azevém, aveias, etc.) e as leguminosas de modo geral (plantas C3), apresentam menores teores de FDN e, conseqüentemente, maior potencial de consumo (Fig. 3).
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Também o teor de FDN da dieta afeta o consumo de alimento da vaca leiteira. Um estudo de meta-análise (Arelovich et al., 2008) envolvendo 18 experimentos, com um total de 80 observações, demonstrou claramente o efeito do teor de FDN da dieta sobre o consumo de vacas em lactação, sendo que as fontes de FDN na dieta eram as forrageiras e concentrados fornecidos aos animais (Fig. 4).
Figura 4. Relação entre o teor de FDN da dieta e o consumo de MS (CMS kg/dia) para o conjunto de dados de gado leiteiro (n=80; P<0,01) (Arelovich et al., 2008)
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Dietas com concentrações de FDN inferiores a 30% na MS permitem maximizar o consumo, porém, para um funcionamento normal do rúmen, 75% do FDN da dieta deverá se originar do alimento volumoso (NRC, 2001). Muitas vezes a capacidade de uma vaca de comer um a dois kg a mais de MS é decisiva para que ela produza bem, sem perder muito peso, e assim se manter menos suscetível às doenças.
Desse modo, para formular dietas para produções de leite acima de 40 kg, sem que haja um balanço energético negativo, o teor de FDN do volumoso deverá ser inferior a 40% (Van Soest, 1994), o que é praticamente inviável com a grande maioria das gramíneas tropicais, podendo a planta inteira de milho, entretanto, ser uma exceção.
 
2.1. Função fisiológic a da fibra da planta forrageira
O consumo voluntário de uma forrageira depende da capacidade vol umétrica do rúmen e também de como a compos ição química da planta (FDN, FDA e lignina) f acilita o processo de fermentação no rúmen. Ao a umento da taxa de degradação e passagem da digesta pelo rúmen corresponde um incremento no consumo voluntário, ou seja, quanto mais rapidamente a fibra vegetal for degradada no rú men, e as partículas residuais forem diminuídas a ponto de passarem pelo orifício retículo-omasal, resultando na diminuição do conteúdo do rúmen, tanto menor o intervalo até uma nova refei ção. Em situações de dietas ricas em energia, de rápida fermentação no rúmen, a capacidade física do rúmen não é o fator predominantemente re stritivo do consumo, o qual passa então a ser regulado de modo a atender às exigências do animal.
As partículas de forr agem recém-ingerida e em digestão formam u ma espécie de malha flutuante (Fig. 5) sobre a digesta líquida do rúmen, e esta malha de partículas fibrosas entrelaçadas é necessária pa ra a formação do bolo alimentar, que é regurgit ado através da cárdia e ruminado. A malha també m ajuda a reter as partículas maiores no rúmen, evitando a sua saída pelo orifício retículo-omasal, para que se complete o processo de fermen tação da celulose e hemicelulose.
Figura 5. Ilustração da malha de fibra vegetal flutuante sobre a digesta líquid a do rúmen e localização da cárdia e orifício retículo-omasal
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Além de contribuir significativamente para a fermentação no rúmen, a fração FDN é fisiologicamente necessária para estimular os movimentos do rúmen e a r uminação, o que, por sua vez, favorece a secreção de saliva. Esta, por sua alcalinidade, se constit ui no tampão natural dos ácidos graxos voláteis roduzidos pela fermentação microbiana dos alimentos ingeridos (Mühlbach, 2010). Desse mo do, a regulação natural do pH do rúmen contribu i para a manutenção do potencial de consumo do ruminante. Portanto, uma concentração mínima de FDN na dieta (não menos do que 25% da MS, sendo, pelo menos, 75% originária de alimento volumoso) é essencial para a regulação do pH do rúmen e, com isso, preservar a saúde do ruminante. Entretanto, para exercer esta função fisiológica, a fibra vegetal deverá ser fornecida ao animal com um tamanho médio de partícula não muito pequeno, de modo a não prejudicar a formação da malha flutuante.
Na prática, isto significa que, em dietas com grande emprego de silagem de milho, com tamanho médio de partícula de ± 1 cm, também será necessário fornecer um mínimo (ao redor de 2 kg de MS) de fibra estruturada, na forma de pasto verde, silagem pré-secada ou feno.
 
3. A qualidade da forrageira e seu efeito na composição da dieta
A estimativa do consumo efetivo do volumoso tem grande importância prática, pois, a partir deste, se determina a quantidade de concentrado a suplementar, não apenas com o propósito de controlar o custo de alimentação, mas também para evitar problemas de acidose (excesso de concentrado, FDN abaixo de 25% na MS da dieta) ou acetonemia (déficit de concentrado, FDN acima 35% na MS da dieta), especialmente em dietas para altas produções de leite. A subestimação do consumo de volumoso, quando da busca pelo melhor balanço energético, resulta no fornecimento maior de concentrado, o que, pelo seu efeito substitutivo, pode agravar a depressão do consumo de volumoso.
Os efeitos da suplementação com concentrados no consumo do volumoso já são bastante conhecidos, destacando-se o efeito de substituição que ocorre, ou seja, a redução no consumo em pastejo, variando de 0,6 kg a 1 kg de MS a menos de pastagem, para cada kg de concentrado suplementado. O efeito de substituição é mais acentuado a partir do fornecimento diário de mais de 6 kg de concentrado, dependendo também da digestibilidade do volumoso, do teor de MS da pastagem e das características do animal (estágio da lactação, tamanho e condição corporal).
Nas nossas condições de produção, na tentativa de se compensar a baixa qualidade do alimento volumoso (FDN acima de 55% na MS), através do aumento no fornecimento de concentrados, esses, pelo efeito substitutivo negativo, diminuem ainda mais o consumo já reduzido do volumoso, levando à situação de acidose e queda do teor de gordura do leite.
As vantagens do volumoso de alta qualidade podem ser bem entendidas na comparação da Tab. 3, na qual, para produções de leite na faixa de 20 a 25 kg/dia a dieta requer 36% de FDN (Mertens, 1983 in: Van Soest, 1994).
Tabela 3. Produções de leite de dietas isoprotéicas, com 36% de FDN, à base de alfafa (46% FDN), ou silagem de milho (55% de FDN), ou capim bermuda (70% de FDN).
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Assim, de acordo com os dados da Tab. 3, as produções de leite LCG (leite corrigido a 4% de gordura) por kg de MS de concentrado, foram de 3,2, 2,2 e 1,6, respectivamente, para as dietas com alfafa, silagem de milho e capim bermuda. Apesar de as três dietas apresentarem o mesmo teor de FDN (36% na MS), o consumo total de MS na dieta com capim bermuda foi 5 kg abaixo do consumo total de MS da dieta com alfafa.
Portanto, quanto menor o teor de FDN de uma forrageira, tanto maior o seu consumo e tanto menor a quantidade de concentrado para alcançar determinada produção de leite.
Pelo Método do Quadrado de Pearson (que permite o cálculo das proporções de dois componentes de uma mistura, a fim de atender um nível de nutriente desejado), podemos ver, no esquema abaixo, um exemplo de como, numa verificação preliminar, o teor de FDN do volumoso pode afetar a proporção de concentrado nesta dieta, no caso, para alcançar um teor de 35% de FDN na mistura com um concentrado. Assim, um volumoso muito fibroso, com 75% de FDN, requer 64% de concentrado na mistura, enquanto que com uma forrageira com 50% de FDN a proporção de concentrado baixa para 40%.
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Na Tab. 4 pode ser verificado o efeito da qualidade do volumoso sobre o seu respectivo consumo e a necessidade de suplementação com concentrado para suprir as exigências para determinado nível de produção.
Tabela 4. Efeito da qualidade da forrageira sobre a suplementação com concentrado
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Por exemplo, para uma produção leiteira de 30 litros/dia, com 3,5% de gordura, usando-se um volumoso de alta qualidade, (FDN abaixo de 50% na MS e CMS ao redor de 2,5% do peso da vaca), a estimativa da demanda de concentrado é de, apenas, 5,5 kg/dia, enquanto que com uma forrageira de baixa qualidade (FDN maior que 65% e CMS de, no máximo, 1,5% do peso) seriam necessários 12,3 kg de concentrado, para a mesma produção de leite. Esta última dieta, além de apresentar um custo maior, pode resultar em distúrbios digestivos e metabólicos, como queda gradual do consumo, redução do teor de gordura do leite, acidose sub-clínica ou clínica, laminite, problemas reprodutivos, etc., principalmente, no período do pós-parto.
 
4. Período mais crítico de consumo da vaca leiteira
O período mais crítico da vaca leiteira é o do chamado "período de transição", mais ou menos, das três semanas pré- até as três semanas pós-parto, em que o animal apresenta um baixo consumo de alimento e, em decorrência, aumenta sua suscetibilidade às doenças. Enquanto que no pré-parto há uma acentuada queda no consumo de matéria seca, no pós-parto procura-se dar condições para que a vaca possa realizar uma rápida retomada da sua capacidade de ingestão de alimento, já que o pico de produção antecede o pico de consumo em algumas semanas e o déficit gerado poderá resultar num balanço energético muito negativo (Fig.6).
Não havendo o cuidado de se evitar uma excessiva queda do consumo ainda no pré-parto, a vaca de alta produção leiteira apresentará no pós-parto um balanço energético negativo excessivo, com forte mobilização de reservas corporais e liberação de ácidos graxos não esterificados na corrente sanguínea, agravando o problema por inibição do apetite e aumentando a incidência de doenças metabólicas (cetose, hipocalcemia, fígado gorduroso). A perda excessiva de peso e baixa condição corporal, associadas a um eventual alto teor de nitrogênio uréico no leite, fatalmente resultarão em problemas reprodutivos (Mühlbach, 2010).
Figura 6. Consumo pré- e pós-parto e seus efeitos no balanço energético da vaca leiteira (Adaptado de Wattiaux, 2009).
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No manejo da vaca leiteira de grande produção, o monitoramento permanente da dieta e a estimativa do seu consumo, especialmente no pré-parto (por exemplo: uso de sais aniônicos) e pós-parto, o controle das condições ambientais que propiciem conforto e bem-estar (temperatura, umidade do ar, umidade e higiene do piso, lotação por metro quadrado), controle dos cascos, manejo preventivo contra mastites, manejo da ordenha, etc. são aspectos fundamentais na prevenção das doenças características da alta produção, como a acidose de rúmen, acetonemia e hipocalcemia. A partir destas, surgem complicações subseqüentes, decorrentes da queda na capacidade imunológica, como retenção de placenta, deslocamento de abomaso e doenças que afetam a reprodução.
 
5. Limitações no consumo de pastagens
a) Pastagens de clima temperado
Nas pastagens de gramíneas de clima temperado, com boa adubação nitrogenada, ou nas pastagens com leguminosas, a maior limitação para a produção de leite de vacas com potencial para 6.000 litros/lactação não é a qualidade da forragem, onde os teores de proteína bruta (PB) são suficientes, ou até excessivos, mas a quantidade capaz de ser consumida num turno de pastejo. Gramíneas de inverno, colhidas no estádio pré-florescimento, apresentam um baixo teor de matéria seca (Tab.5).
O elevado teor de água (teor de MS inferior a 15 %) das forrageiras tenras limita a capacidade de ingestão, face ao fator de enchimento no rúmen, já que esta água do conteúdo celular das plantas não é liberada imediatamente ("efeito esponja" - Van Soest, 1994).
Tabela 5. Composição química de aveia preta produzida na região de Ijuí, RS, em diferentes estádios de desenvolvimento
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Há certo consenso na literatura que com pastagens de ótima qualidade, com teor de FDN abaixo de 45 %, ou seja, com um potencial de consumo de MS próximo de 3 % do peso vivo, a ingestão de MS poderá chegar ao redor dos 15 kg /dia, dependendo também do tempo disponível para o pastejo (no mínimo de 8 horas) e da altura mínima (5 a 8 cm) e máxima (ao redor de 25 a 30 cm) do pasto. De modo geral, com vacas leiteiras, o consumo máximo em pastejo é alcançado quando a oferta de pasto excede em 140 % ao que efetivamente é consumido, o que pode resultar num considerável desperdício de forragem.
O consumo geralmente é maior nas primeiras duas horas de pastejo e, na média, o animal realiza 60 bocados por minuto, cada bocado contendo 0,5 g de MS. Para colher 15.000 g de MS, a vaca necessita colher 30.000 bocados, o que demanda um período de pastejo de, no mínimo, 8 horas e implica num significativo dispêndio de energia. De acordo com as normas de alimentação do NRC (1989), seria necessário acrescentar às exigências energéticas de mantença, 3 % a mais para cada quilometro percorrido, além de 10 % a mais para atividade de pastejo em pastos abundantes, ou 20 % a mais em pastos mais ralos. Essa demanda energética, para uma vaca de 600 kg, percorrendo 10 km ao dia, numa pastagem de qualidade média, corresponde à energia necessária para produzir de 5 a 6 litros de leite.
b) Forrageiras de clima tropical
As características muito variáveis do dossel dos diferentes tipos de forrageiras tropicais cultivadas, principalmente quanto ao hábito de crescimento e morfologia, dificultam uma recomendação generalizada para o pastejo destas espécies.
O hábito de crescimento ereto e ascendente de certas forrageiras tropicais, como, por exemplo, capim-elefante e certas espécies de Panicum, resulta muitas vezes em altura do estrato superior do dossel muito acima do que seria uma posição "normal" de pastejo para o bovino, pois, na posição de consumo com a cabeça rente ao solo, a vaca secreta 17% a mais de saliva, o que afeta diretamente a função do rúmen.
Fica evidente a dificuldade de pastejo de uma vaca leiteira de alta produção ao considerar-se a recomendação do ponto ideal de entrada ao piquete de algumas espécies de gramínea forrageira tropical, de porte ereto e crescimento cespitoso (Pennisetum spp.e Panicum spp.), com altura de pastejo superior a um metro. Apesar de poder haver aumento na massa do bocado em altura elevada, o animal perde mais tempo com movimentos manipulativos para recolher a forragem e formar o bocado para sua deglutição, o que penaliza a taxa de ingestão, e isto poderá ser crítico para uma vaca leiteira de maior produtividade, a qual necessitaria colher, no mínimo, ao redor de 15 kg de MS num turno diário de pastejo. A velocidade de ingestão pode aumentar até uma altura de pasto de 40 cm, ponto a partir do qual a ingestão começa a ser limitada pelo incremento do intervalo de tempo entre dois bocados sucessivos (manipulação mais mastigação) e pela estabilização do incremento na massa do bocado.
Sob a ótica da vaca leiteira, certamente o consumo das espécies tropicais mais rasteiras (Cynodon spp., Brachiaria spp.) se dá de modo mais fácil e de modo mais similar à ingestão de espécies de clima temperado, e assim, mais de acordo com suas características naturais de pastejo, do que acontece no pastejo das espécies tropicais cespitosas de porte elevado.
 
6. Fatores que afetam a qualidade das forrageiras
Resumidamente, são os principais fatores a afetar a qualidade de uma planta forrageira:
  • tipo C3(clima temperado) x C4 (clima tropical)
  • estádio de desenvolvimento à colheita (corte, pastejo)
  • fertilidade do solo, nível de adubação
  • composição botânica (leguminosas x gramíneas)
  • características morfológicas hábito de crescimento relação colmo/folha
  • clima
    • temperatura
    • luminosidade
    • latitude/altitude
    • pluviosidade
Basicamente, a qualidade da forrageira depende do seu estádio de desenvolvimento no momento em que é colhida. Já é consenso que a forrageira colhida no "cedo", no estádio vegetativo, ou, pelo menos, no pré-florescimento, apresenta um teor de FDN e uma digestibilidade da FDN que permitem maior ingestão e melhor aproveitamento da energia da forragem. Entretanto, nesse estádio o rendimento de MS não é o máximo (Fig. 7).
Figura 7. Consumo, digestibilidade e rendimento da forrageira ao longo do seu desenvolvimento
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Cleale e Bull (1986), comparando dois períodos de corte para a produção de silagem pré-secada, afirmam que para cada dia a mais, após o momento do corte no "cedo", é necessário um ponto percentual a mais de concentrado na dieta para garantir a mesma produção de leite (Tab. 6).
Tabela 6. Efeito do ponto de corte da mistura de forrageiras de clima temperado sobre o teor e digestibilidade da FDN da silagem pré-secada, composição das dietas e produção de leite
Por que a qualidade da forrageira é fundamental na dieta da vaca leiteira? - Image 13
Como pode ser observado, passados 19 dias após o corte do "cedo", o corte da forrageira, resultou na demanda, para a mesma produção de leite, de 18 pontos percentuais a mais de concentrado (de 10 kg/dia para 14,6 kg/dia), conseqüência do menor consumo e pior digestibilidade da silagem do corte tardio.
 
7. A boa silagem de milho é um volumoso de maior potencial de consumo
É pelo menos curioso que a silagem de milho, uma planta C4 de origem tropical, seja a forrageira mais empregada na alimentação dos rebanhos leiteiros do hemisfério norte, junto com a alfafa, nos EUA, e junto com a silagem de pastagem à base de azevém e leguminosas na Europa. Na região de Castro, PR, a silagem de milho é considerada o alimento básico dos sistemas intensivos de produção, porém a literatura nacional é escassa em trabalhos com silagem de milho para vacas de maior produtividade.
O milho é uma cultura capaz de fornecer até 100% a mais de energia digestível por ha do que qualquer outra forrageira gramínea ou leguminosa de alto potencial de consumo voluntário. Segundo Van Soest (1994), uma característica importante que distingue a planta inteira de milho de outras forrageiras seria o colmo, de maior espessura, porém constituído por uma medula esponjosa, contendo glicídios de reserva, portanto, de maior digestibilidade e maior potencial de consumo
A silagem de milho, como volumoso de alto teor energético - acima de 6,4 MJ ELL /kg de MS e mais de 30% de amido na MS – permite melhor sincronização da fermentação no rúmen, favorecendo a síntese de proteína microbiana, além de permitir a passagem de quantidade adequada de amido disponível no intestino.
Por outro lado, outra grande vantagem desta silagem é a relativa facilidade com que os procedimentos de colheita, armazenamento e fornecimento aos animais podem ser mecanizados. Entretanto, o valor nutritivo de uma silagem de milho poderá variar amplamente, dependendo do tipo de híbrido, densidade de plantio, condições de crescimento, maturidade e teor de umidade à colheita, além do tamanho de picado e condições de ensilagem, como também da altura de corte da planta na lavoura.
Na Tab.7 são comparadas silagens de milho produzidas nos EUA e Europa com valores encontrados na literatura nacional. Apesar de que análises de FDN da literatura mais antiga possam ter valores superestimados (falta de remoção do amido e/ou correção para o teor de matéria mineral), chama a atenção que os dados da literatura nacional estejam 15 unidades percentuais acima do valor médio do NRC (2001) e até 25 unidades percentuais acima da silagem de milho de qualidade "média" européia. Em que pese o maior teor intrínseco de FDN nos híbridos de milho de clima tropical, provavelmente as técnicas inadequadas de ensilagem (fase aeróbia prolongada e fermentação heterolática ineficiente) e de "desensilagem" (aquecimento) ainda vigentes no nosso meio, resultem no consumo excessivo de glicídios solúveis e, com isso, proporcionalmente, num aumento do teor de FDN no produto final.
Tabela 7. Comparações de qualidade bromatológica de silagens de milho
Por que a qualidade da forrageira é fundamental na dieta da vaca leiteira? - Image 14
Além da qualidade bromatológica, as características de qualidade fermentativa (teor de ácido butírico e produtos da degradação protéica, como amônia e aminas), características higiênicas (presença de fungos e micotoxinas) e alterações decorrentes do manejo das silagens (como o aquecimento causado por deficiência técnica na "desensilagem") são de fundamental importância para a maximização do seu potencial de consumo. Saliente-se que na Europa e EUA, na ensilagem do milho, o processamento do material por esmagamento, em seqüência à picagem, é prática recomendada, pois otimiza a fermentação no silo e no rúmen, diminuindo as perdas de grãos nas fezes.
 
8. Considerações finais
Pelo exposto, vemos que a determinação do teor de FDN é uma análise muito importante a ser feita numa forragem. Todo produtor de leite deveria conhecer o teor de FDN dos alimentos, principalmente dos volumosos usados na alimentação do rebanho leiteiro.
O grande problema da vaca leiteira de maior produção é a sua limitada capacidade de consumo de alimento e a qualidade da planta forrageira na sua dieta é o principal fator a afetar esta capacidade de consumo.
Normalmente, os nossos pastos de verão apresentam um teor de FDN bem acima de 70 % na MS. Comparativamente, na silagem de milho de boa qualidade a FDN não deveria exceder 52 % na MS e no azevém, colhido antes do florescimento, o teor deve apresentar-se abaixo de 50 % na MS. Com alfafa e trevos , bem manejados, consegue-se teores de FDN de 45% na MS.
Respondendo à pergunta do título do tema, podemos concluir que uma forrageira de alta qualidade, com teor de FDN abaixo de 50% na MS, traz muitas vantagens, além de aumentar sua ingestão pela vaca leiteira, pois:
  1. Aumenta o CMS total, e, com isso, a possibilidade de maior ingestão de energia, para realizar a produção de leite definida pela genética da vaca
  2. Diminui o custo da alimentação, pela menor necessidade de alimento concentrado
  3. Favorece a fermentação no rúmen, mantendo o teor de gordura do leite e evitando o surgimento de distúrbios digestivos e metabólicos
  4. Estimula a retomada do consumo no pós-parto, com o que diminui o problema do balanço energético negativo, evitando a perda excessiva de condição corporal e problemas reprodutivos
  5. Possibilita o aumento do pico de produção e maior persistência da lactação
  6. Melhora a eficiência alimentar da dieta
O clima da região Sul do Brasil, a integração lavoura-pecuária e o sistema de plantio direto na palha favorecem a produção de forrageiras de clima temperado (alfafa, trevos, aveia preta, aveias graníferas, azevém, trigo de duplo propósito, etc.) e da silagem de milho, possibilitando menores teores de FDN nesses volumosos, em comparação com as forrageiras de clima tropical. Essas são condições privilegiadas, que permitem a bovinocultura leiteira de maior produtividade.
 
BIBLIOGRAFIA:
Arelovich, H. M., et al. 2008 The Professional Animal Scientist 24:375-383
Cleale, R.M. & Bull, L. S. 1986 Journal of Dairy Science, v.69, p.1587-1594
Mühlbach, P.R.F. 2003 Produção de leite com vacas de alta produtividade In: 40ª Reunião Anual da Soc. Bras. de Zootecnia, 2003, Santa Maria. Anais... Publicação em CD-Rom Mühlbach, P. R. F. 2010 Considerações sobre a otimização do consumo da vaca leiteira In: Consumo e Preferência Alimentar dos Animais Domésticos, Ed.: Vieira, S. L. – Londrina, Phytobiotics Brasil, 315p.
NRC - National Research Council 1989. Nutrient Requirements of Dairy Cattle - 6th rev. ed.,Natl. Acad. Press, Washington, DC.
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Van Soest, P. J. 1994 Nutritional Ecology of the Ruminant. 2ª Ed., Cornell Univ. Press, 476 p.
Wattiaux, M. 2009 Energy balance of dairy cows in early lactation. Disponível em: http://www.babcock.wisc.edu/?q=node/170 acessado em 27/10/2009
 
ANEXOS
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Paulo R. F. Mühlbach
Universidad Federal Do Rio Grande do Sul UFRGS
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Marcelo de Souza Lima
25 de mayo de 2012

Prezado André,
tens razão quanto ao consumo de ração pelas cabeças de gado, visto que o debate é sobre vacas leiteiras, uma observação muito bem feita. Não sou Deus para perdoá-lo, mesmo por que não me senti ofendido, visto que o correto seria dar a quantidade de animais na região, que não sei.
A intensão foi mostrar o amanho geográfico da região utilizando para isso o último censo do IBGE, que gravei na memória.
Mas de qualquer forma, despertou a minha curiosidade e vou atrás desse dado.
Grande abraço.

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Marcelo de Souza Lima
24 de mayo de 2012

Paulo,
parabéns pela clareza e leveza com que comenta e explica esse fator tão importante para a produção leiteira: Alimentação.
Aqui na minha regiaõ de Itaberaí, interior de Goiás, temos uma bacia leiteira muito consistente e, consequentemente, alto poder de consumo de ração para alimentar essas vacas em alto potencial de produção.
Dessa forma, o leilão em torno do preço por quilo é grande, levando-se em conta 9 fábricas de ração para uma cidade com 26 mil votanes, não sendo levado em conta o valor de FDN do volumoso e das dietas, ficando a vaca, com a parte mais salgada da conta: problemas fisiológicos de digestão.
Mas apesar de tantos transtornos, chega-se próximo do necessário, o problema depois passa a ser o custo por quilo da ração, tendo-se em vista, a correção do volumoso com a qualidade da ração.
Outro fator que não concordo com grande parte dos compradores de ração é a relação de qualidade arelada ao teor de proteína, acredita-se que qwuanto mais alta a proteína, melhor, sendo desprezado os níveis de NDT, que garantirá os níveis de produção.
Sugiro que escreva um artigo ão maravilhoso e explicativo tendo como tema o NDT, compartilhando conosco o seu grande conhecimeno.
Grande abraço.

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André Fontana
22 de enero de 2014

Excelente material, parabéns!

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Andre Oliveira
Provimi
26 de mayo de 2012

Caro Marcelo

Agradeço desde já. Estou curioso.

Abraço.

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Andre Oliveira
Provimi
24 de mayo de 2012

Caro Marcelo

Me perdoe mas seria mais interessante apresentar aqui números de cabeças de gado em Itaberaí do que nº votantes, pois esses não comem ração.

Fico aguardando com tanta curiosidade como o Marcelo por mais artigos do Paulo.
Concordo quando fala na importância dos NDT. Particularmente quando as fontes de proteína são variadas e provenientes em grande parte da forragem é importante ter em conta que parte da Proteína está ligada à fração mais indigestível da fibra.

Atentamente

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Alice Garcês
23 de mayo de 2012

Parabéns pelo artigo. Muito completo e bem explicado.

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Andre Oliveira
Provimi
22 de mayo de 2012

Concordo e pratico.

Qualquer arraçoamento deve ter por base a estimativa de consumo calculada a partir do NDF da forragem.
Depois de calcular a ingestão potencial de forragem:
A eficiencia alimentar (Kg leite/Kg MS inderida) e sua variação ao longo dias em leite pode ser usada para calcular a quantidade de concentrado a entrar na dieta.
Em última análise o teor de proteina Bruta por Kg de concentrado pode ser calculado uma vez que passamos a dispôr de Kg deconcentrado ótimos e sabemos a proteina total necessária para obter determinada performance produtiva do rebanho.

Dos dados que disponho o nível de NDF das silagens de milho em Portugal não são menores que 39, raramente alcançando os 49 % à MS.

Parabéns pelo artigo

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