A composição do leite é afetada por diversos fatores, os quais incluem idade, raça, estágio de lactação, genética, procedimento de amostragem do leite, doenças e nutrição. Essa composição, especialmente o seu teor de gordura, pode ser ampla e rapidamente alterada por meio de mudança na dieta fornecida aos animais. A possibilidade de alterar rapidamente a composição do leite é de grande importância em situações onde o produtor recebe valor diferenciado pelo leite em função de sua composição, como ocorre atualmente em algumas regiões do Brasil. Obviamente, a decisão por aumento ou redução do teor de determinado componente vai variar em função do sistema de pagamento adotado. Há, entretanto, uma tendência mundial a se valorizar leite com maior teor de sólidos, principalmente a proteína. O teor de proteína do leite é, entretanto, muito menos sensível a alterações na dieta, de forma que incrementos no seu teor são geralmente de pequena magnitude, e difíceis de serem obtidos. Este artigo apresentará os principais fatores nutricionais capazes de alterar o teor de gordura e de proteína do leite.
Influência da nutrição sobre a secreção de gordura do leite
Trabalhos conduzidos nas últimas duas décadas têm proporcionado um grande avanço na compreensão de como certas dietas afetam a síntese da gordura do leite. Hoje, sabe-se que há certos tipos de dietas que causam grande e rápida redução no teor e na secreção de gordura do leite, uma situação que é denominada depressão da gordura do leite (DGL). Duas condições são necessárias para que ocorra a DGL: um baixo pH ruminal e a presença de fontes ricas em lipídios insaturados na dieta (Griinari et al., 1999). A primeira condição ocorre mais frequentemente quando as dietas apresentam: baixo teor de fibra (FDN), fibra de baixa efetividade física (ex.: forragens finamente picadas, especialmente as silagens ricas em grãos, como as de milho e sorgo), grãos de cereais contendo amido de alta taxa de degradação ruminal (ex.: silagem de grão de milho úmido, milho floculado, etc.). A segunda condição está geralmente relacionada com a inclusão, na dieta, de grãos de oleaginosas, como o caroço de algodão, soja, girassol, etc. O processamento destes grãos (moagem, extrusão, etc) poderá afetar a intensidade da DGL, já que permite mais exposição ruminal dos lipídeos contidos no seu interior. Portanto, no caso do uso de óleos vegetais puros, a DGL tende a ser ainda mais acentuada.
Dietas que induzem DGL são tipicamente fornecidas para vacas de alta produção, pois estas apresentam maior exigência de energia, de forma que há necessidade de maior inclusão de concentrados ricos em energia, como os grãos de cereais ricos em amido (ex.: milho, trigo, aveia) e grãos inteiros de leguminosas (ricos em lipídeos, mas também fonte importante de proteína e, no caso do caroço de algodão, fibra). A Tabela 1 mostra claramente o efeito de uma dieta com baixo teor de fibra (expresso pela relação concentrado/volumoso) sobre o teor de gordura do leite.
Tabela 1. Efeito da relação concentrado: volumoso e da inclusão de tamponante na composição do leite de vacas em final de lactação.
Os dados acima mostram também que a inclusão de tamponantes na dieta foi capaz de reverter a DGL provocada pela dieta com alta relação concentrado:volumoso (75:25). Possivelmente, isso se deveu a uma maior estabilidade do pH ruminal promovida pelo uso do tamponante. Os tamponantes comumente usados na dieta de ruminantes são o bicarbonato de sódio (ou potássio) e o óxido de magnésio, nas proporções de 0,8-1,0% e 0,2-0,4% da MS da dieta (relação de 2:1), respectivamente. Além dos tamponantes, o uso de dietas completas, especialmente quando fornecidas várias vezes ao dia (pequenas quantidades ao longo do dia), também representa uma importante medida de manejo nutricional capaz de minimizar ou mesmo evitar a DGL.
Outra prática nutricional importante envolve a substituição de parte dos concentrados ricos em amido por subprodutos fibrosos, como a casca de soja, ou por alimentos ricos em pectina, como a polpa cítrica. Em ambos os casos, a dieta tenderá a apresentar maior teor de FDN total, sem reduzir muito a energia da dieta. Em geral, recomenda-se que a dieta de vacas em lactação tenha um mínimo de 25% de FDN total, sendo 19% (~75% do total) oriundo de forragens (assumindo que a forragem apresenta um tamanho de partícula capaz de estimular a ruminação). Para cada valor unitário de FDN de forragem abaixo de 19%, o FDN total da dieta deve aumentar em 2 unidades percentuais (Tabela 2), de forma a manter um FDN efetivo mínimo de 21%.
Tabela 2. Recomendações de teores mínimos de fibra na dieta de vacas leiteiras.
Influência da nutrição sobre a secreção de proteína do leite
Alterações na dieta dos animais geralmente afetam mais a produção de proteína do leite (kg secretados/dia) do que o seu teor (%). O fornecimento de dietas com quantidade e qualidade adequadas de proteína é um importante fator para se obter elevada secreção de proteína do leite. Maximizar a produção de proteína microbiana, como dito anteriormente, é parte fundamental desta estratégia. Para que isso seja obtido, a dieta deve conter teor adequado de proteína degradável no rúmen (PDR) e energia suficiente para que as bactérias do rúmen possam aproveitar o nitrogênio liberado no rúmen para síntese de suas próprias proteínas (proteína microbiana). De acordo com o NRC (2001), a quantidade de PDR para maximizar a secreção de proteína e de leite é de 10-12% da matéria seca da dieta, assumindo que o suprimento de energia seja adequado. Por exemplo, uma vaca que coma 20 kg de MS/dia necessitaria de 2 a 2,4 kg de PDR/dia. Em geral, dietas com 60 a 65% de PDR (como % da PB) parecem adequadas para maximizar a síntese de proteína do leite. Outro ponto importante é a disponibilidade da proteína nos alimentos. Alimentos superaquecidos como, por exemplo, silagens produzidas em condições inadequadas (ex.: alta umidade/baixa compactação) podem reduzir a disponibilidade da proteína. Isto ocorre devido à ligação da proteína com carboidratos, que é catalisada por calor/umidade elevados. A análise bromatológica do teor de nitrogênio ligado ao FDA (N-FDA ou PB-FDA) é um bom indicativo da intensidade desta reação.
Dietas deficientes em proteína podem reduzir o teor de proteína do leite em 0,1 a 0,2 unidades percentuais, além de reduzir a produção de leite (Schingoethe, 1996). Por outro lado, o fornecimento de dietas ricas em carboidratos de rápida degradação ruminal (ex.: amido, pectina) geralmente aumenta o teor e a produção de proteína do leite. Este efeito pode ser claramente notado nos resultados apresentados na Tabela 1. Este efeito pode ser devido a uma maior síntese de proteína microbiana e/ou maior secreção de insulina, pois pesquisas mostraram que este hormônio é capaz de aumentar significativamente o teor de proteína do leite (Mackle et al., 1999). Entretanto, é importante ressaltar que o aumento da secreção de insulina pelo fornecimento de dietas ricas em carboidratos não-fibrosos é limitado pelos efeitos negativos destes sobre a saúde ruminal, podendo causar DGL (como visto anteriormente) e doenças, como a laminite.
A adição de fontes de lipídios às dietas geralmente reduz o teor de proteína do leite em 0,1 a 0,2 unidades percentuais, embora possa aumentar sua secreção em função do aumento geralmente observado na produção de leite (Schingoethe, 1996).
Portanto, apesar de a composição do leite poder ser alterada por diversos fatores, apenas alguns destes fatores são passíveis de serem manipulados em nível de fazenda, como é o caso da nutrição animal. Assim, uma melhor compreensão dos mecanismos envolvidos em tais alterações é de grande importância em tempos de pagamento do leite por qualidade. Alterações promovidas pela nutrição são de particular interesse, tendo em vista a rapidez das respostas e a magnitude das mudanças.
Poder de compra do leite
Litros de leite necessários para comprar insumos e serviços utilizados na pecuária de leite
Referências
Griinari, J.M.; Dwyer, D.A.; Mcguire, M.A.; Bauman, D.E.; Palmquist, D.L.; Nurmela, K.V.V. 1998. Transoctadecenoic acids and milk fat depression in lactating dairy cows. Journal of Dairy Science, v. 81, p.1251-1261.
Mackle, T.R.; Dwyer, D.A.; Ingvartsen, K.L.; Chouinard, P.Y.; Lynch, J.M.; Barbano, D.M.; Bauman, D.E. 1999. Effects of insulin and amino acids on milk protein concentration and yield from Dairy cows. J. Dairy Sci., v.82, p.1512-1524.
Schingoethe, D.J. 1996. Dietary influence on protein level in milk and milk yield in dairy cows. Animal Feed Sci. and Technology, v.60, p.181-190.
***O trabalho foi originalmente publicado pelo Centro de Inteligência do Leite (CILeite), coordenado pela Embrapa Gado de Leite