Explorar
Comunidades em Português
Anuncie na Engormix

A pecuária de leite como opção de renda em área de sequeiro no município de Manoel Vitorino – BA

Publicado: 2 de fevereiro de 2012
Por: Francisco José Cavalcante Pereira - Médico Veterinário do Laticínios Leite Sol.
O município de Manoel Vitorino (BA) abrange uma área territorial de 2.400,23 Km², na região semiárida, bioma caatinga, com pluviosidade média de 400 mm de chuvas concentradas nos meses de novembro a março, temperatura amena no inverno e quente nas demais estações do ano. Parte da extremidade norte é banhada pela Barragem de Pedra onde a agricultura irrigada vem expandindo-se nos últimos anos, com destaque para a cultura da melancia. Outra atividade de destaque na região é a comercialização do Umbu.
Na atividade leiteira, as empresas que inicialmente instalaram-se no município incentivaram os produtores a investir em genética (vacas de alta produção, incompatíveis com as condições semiáridas) sem antes ter um planejamento nutricional que garantissem a alimentação adequada dos rebanhos. Os animais mais especializados foram vendidos por preços bem abaixo do que foram comprados ou, simplesmente morreram no período da seca.
No início de 2004, o Laticínio Leite Sol, avaliou a possibilidade de implantar resfriadores para coletar leite no município. As principais dificuldades naquele momento foram os problemas de infraestrutura (energia elétrica e estradas) e os problemas culturais (os produtores não estavam mais dispostos a investir na atividade devido a prejuízos e desilusões passadas; e a sazonalidade da produção advinda das condições semiáridas da região era elevada).
A estratégia de trabalho foi: 1) Absorver toda a produção, exigindo apenas que o leite chegasse com qualidade e dentro de horários preestabelecidos, ao resfriador; 2) Articular a cadeia produtiva, incentivando rotas de coleta.
Naquela época, o rebanho era basicamente composto por genética de gado de corte, com forte presença do Nelore, seguido do Indubrasil, Tabapuã e Guzerá (Figura 1). O período de lactação das vacas era extremamente curto, excepcionalmente ultrapassava os 180 dias.
Figura 1. Rebanho encontrado na região de Manuel Vitorino – BA, quando o Laticínio Leite Sol iniciou as operações de compra de leite na região.
A pecuária de leite como opção de renda em área de sequeiro no município de Manoel Vitorino – BA - Image 1
A coleta de leite iniciou com apenas 250 litros por dia, porém, um ano depois, a captação subiu para 632 litros/dia, com picos de produção que chegavam a 1.700 litros/dias. Em 2006 iniciou-se um programa de capacitação. Naquele ano o laticínio coletou um total de 362.851 litros de leite, atingindo a média de 994 litros/dia. O laticínio havia implantado um modelo de financiamento próprio, direto aos produtores, com resgate parcelado, sem juros ou correções financeiras, onde cada parcela era abatida ao final de cada mês no pagamento do leite.
Em 2007, o BNB assumiu o compromisso de viabilizar os empréstimos junto aos fornecedores de leite. Até os dias de hoje, o índice de inadimplência dessas operações financeiras é zero. O laticínio elaborou e avalizou projetos que somam R$ 151.121,00, variando de R$ 300,00 a R$ 19.200,00. Todos os projetos são elaborados de forma criteriosa, com o cuidado de não comprometer a capacidade de pagamento do produtor (baseado em 30 a 40 % do volume de leite entregue a empresa) e contemplando as seguintes modalidades: 1) Custeio pecuário, sem período de carência e prazo de pagamento de um ano, em que é financiado apenas caroço de algodão, ração concentrada e sal mineral; e 2) Investimento pecuário, também sem carência e prazo de pagamento de, no máximo três anos. Neste caso, são financiados apenas vacas paridas ou gestantes ou novilhas em adiantado estado de gestação, e implantação de palma forrageira como reserva estratégica de alimento. A implantação prévia ou existência do palmal é condição para a liberação para a compra de matrizes.
Conforme acordado entre Laticínio Leite Sol e Banco do Nordeste, o laticínio deposita em uma conta poupança do produtor o valor equivalente da parcela. O banco só permite o resgate desse dinheiro para pagamento do empréstimo. Ao chegar o final do prazo, o dinheiro já está garantido e com sobra, porque os juros da poupança têm sido superiores ao dos empréstimos.
Têm sido vivenciadas situações em que o produtor já está na quarta operação junto ao banco. Estas situações evidenciam que atitudes simples, quando existe boa vontade, além de clareza, sinceridade, boa intenção, responsabilidade e, a burocracia não atrapalha, até os pequenos e anônimos produtores podem vir a crescer e ter uma vida digna, sem precisar migrar para os centros urbanos ou viver em condições deploráveis.
No ano de 2008, foi iniciada mais uma etapa de atuação: a criação de gado Jersey e seus cruzamentos com a finalidade de difundi-los entre os produtores. A opção pelo Jersey foi o foco na precocidade reprodutiva e adaptabilidade às condições semiáridas. O cruzamento da raça Jersey com a raça Sindi (Sinjersey, Figura 2) apresentou resultados surpreendentes. Os produtos deste cruzamento apresentaram precocidade, persistência de lactação, produção compatível com a alimentação disponível na região e boa manutenção de escore corporal ao longo do ano.
Figura 2. Vaca Sinjersey em fazenda no município de Manuel Vitorino-BA
A pecuária de leite como opção de renda em área de sequeiro no município de Manoel Vitorino – BA - Image 2
Um dos fatores limitantes para o uso do Jersey na região é a aversão do produtor, já que o macho de leite ainda é visto como uma fonte de renda, e o Jersey, de porte menor, tem menor preço na hora da venda. Até o presente, apenas quatro produtores aderiram à ideia. Tourinhos da raça Holandesa, Pardo Suiço e mais recentemente o Gir são a preferência. O município está em uma região carente de venda de matrizes leiteiras e comprá-las isoladamente onera bastante o preço de cada animal.
Em 2009 a captação do laticínio passou para 1.444.073 litros de leite, média de 3.966 litros/dia. Parte desse aumento ocorreu devido à incorporação de mais comunidades que passaram a enxergar a pecuária de leite como opção concreta de renda. Um fato marcante desencadeado pelo processo de parceria Produtores/Leite Sol e BNB foi o depoimento de um dos fornecedores de leite, o Sr. Getúlio Silva Meira, que, sensivelmente emocionado, relatou a alegria que estava sentindo em poder voltar a sua terra natal e por ter condições de sustentar a família de forma digna e vislumbrar um futuro próspero para as próximas gerações. Fatos como este podem ser interpretados como êxito da parceria Produtores/Leite Sol/BNB.
Todas as comunidades no raio de até 35 km do laticínio já aderiram à pecuária de leite como atividade efetiva. Em 2010 foram captados 1.982.914 litros de leite, com média de 5.432 litros captados por dia. Com os financiamentos para compra de matrizes, o rebanho ganhou nova aparência. Já não morrem vacas leiteiras por falta de comida nas propriedades e a fertilidade dos rebanhos e o percentual de vacas em lactação vêm melhorando.
A atual administração municipal realizou duas ações de grande valor para benefício dos produtores: subsidiou o transporte do caroço de algodão, agora comprado todo de uma única vez e por meio das associações, além de ter implantado vários poços artesianos. Grande parte dos produtores foi agraciada pelo projeto de uma ONG na construção de cisternas para captação de água da chuva para consumo humano. O programa luz para todos está em plena expansão e são poucas as casas que ainda não dispõem de luz elétrica.
Apesar das evoluções observadas nos últimos anos, os desafios são grandes. Houve um êxodo rural muito grande, acentuado com a implantação de indústria de calçados no município vizinho Jequié. Hoje são poucos os jovens que se dedicam ao trabalho no campo. A mão de obra, que talvez seja um dos piores problemas da pecuária nacional na atualidade, está escassa.
As propriedades são administradas basicamente pela mão de obra familiar, porém é notório que a grande maioria dos produtores já passa da meia idade. O nível de mecanização dessas fazendas é próximo de zero tornando cada vez mais árduo o ofício de produtor de leite. O conceito de conforto animal está sendo lentamente absorvido. A conservação de forragem quer seja pela ensilagem, fenação ou até mesmo diferimento de pastagem ainda é visto apenas como um manejo de alto custo por parte dos produtores. Não existe disponibilidade de máquinas apropriadas. Técnicas de conservação do solo são simplesmente ignoradas e áreas de declive acentuado estão sendo desmatadas para implantação de pastagem. A cochonilha silvestre tem afetado bastante os campos de palma. A cigarrinha das pastagens e a lagarta têm trazido prejuízos imensuráveis ao longo dos anos.
A monocultura do capim buffel é preocupante. Alguns produtores obtêm visões distorcidas do que é posto na mídia. O poder de convencimento dos promotores de venda é muito forte. Exemplos que vêm acontecendo na região são: o plantio do Estilosantes Campo (uma excelente opção de leguminosa forrageira, mas não adaptada às condições semiáridas) em plena caatinga, o uso de sêmen sexado e IATF (inseminação artificial em tempo fixo) como solução dos problemas da baixa produtividade.
Estes problemas só poderão ser definitivamente solucionados com ações firmes que contemplem programas públicos de pesquisa, desenvolvimento e inovação para esse público. Pesquisas e tecnologias já existem e talvez programas de políticas públicas de transferência e difusão de tecnologias com foco no desenvolvimento territorial seja a melhor opção.
Fazendo uma avaliação da estratégia de atuação do Laticínio Leite Sol, acreditamos estar colhendo bons frutos e não mediremos esforços para continuarmos firmes na busca de nosso propósito. Estamos cientes das nossas responsabilidades e motivados para enfrentar os desafios. Sabemos que não estamos fazendo nada de inusitado nem grandioso, mas da mesma forma, temos certeza que estamos tendo nossa parcela de importância na vida dos vários "Getúlio, Antônios, Geraldos, e Manoéis", dentre tantos outros que foram beneficiados com essa parceria.
 
Poder de compra do leite
 A pecuária de leite como opção de renda em área de sequeiro no município de Manoel Vitorino – BA - Image 3
 
***O trabalho foi originalmente publicado pelo Centro de Inteligência do Leite (CILeite), coordenado pela Embrapa Gado de Leite
Tópicos relacionados:
Recomendar
Comentário
Compartilhar
Jose Dilermando Goncalves
30 de noviembre de 2018
Eu acredito que esse cruzamento jersey x sindi seja a soluçao para produção de leite no semi arido, por ser animais menores e mais resistentes, sou criador na regiao de Montes Claros MG tambem no semiarido, norte de Minas, nesses animais meio sangue, qual raça voces estao usando para cruzar essas F1 sinjersey ?
Recomendar
Responder
Profile picture
Quer comentar sobre outro tema? Crie uma nova publicação para dialogar com especialistas da comunidade.
Junte-se à Engormix e faça parte da maior rede social agrícola do mundo.