Introdução
A somatotropina bovina (bST) ou hormônio do crescimento (GH) é um produto natural secretado pela adenohipófise, cuja molécula pode conter de 190 a 191 aminoácidos (Londoño et al., 1997|). A utilização do bST como alternativa de aumentar a produção de leite e a persistência da lactação vem sendo muito difundida. Após aprovação de seu uso em 1994 pela FDA (Food and Drug Administration), muitos trabalhos demonstraram que bovinos tratados, incrementavam sua produção em 10 a 40%, melhoravam a persistência da lactação, não apresentavam riscos à saúde dos animais e que a magnitude dessa resposta estava altamente associada às quantidades, ao número de doses aplicadas e às condições de manejo e alimentação adequados (Bauman et al., 1992; Gülay & Hatipoglu, 2005).
Alguns autores têm sugerido que os efeitos do bST deveriam ser considerados em modelos de avaliação genética, pois possíveis confundimentos do hormônio com o potencial genético poderiam causar a superestimação de valores genéticos dos reprodutores (Burnside & Mayer, 1988, Tsuruta et al., 2000).
O objetivo do presente trabalho foi estudar a influência do uso do bST sobre a avaliação genética de touros da raça holandesa, cujas filhas receberam ou não, tratamento com somatotropina bovina durante a lactação.
Material e Métodos
Foram utilizados dados de produção de leite de vacas no período de 1999 a 2003, provenientes de uma propriedade localizada na região central do estão de São Paulo, referentes a 7560 lactações, 3441 vacas, filhas de 473 touros.
Os componentes de variância foram estimados com a utilização do programa MTDFREML (Boldman et al., 1995) usando modelo animal, o qual incluiu como efeito fixo o grupo de contemporâneos, como co-variável a idade da vaca ao parto em meses (linear e quadrático) e como efeitos aleatórios, o genético direto e de ambiente permanente. Foram realizadas duas análises, a primeira considerando o modelo supracitado e a segunda, incluindo o efeito fixo do bST.
Análise de variância preliminar para PL305 foi realizada pelo procedimento GLM do SAS (2003), incluindo como efeito fixo o grupo de contemporâneos e as classes de aplicação do bST, e como co-variável a idade da vaca ao parto em meses (linear e quadrático). Em seguida foi calculado o coeficiente correlação de rank (Spearman) entre os VGP para produção até 305 dias (PL305), considerando-se os touros com filhas tratadas ou não com bST, para quatro conjuntos de touros avaliados: a) todos os touros avaliados; b) os melhores 20%; c) os melhores 10% e d) os melhores 5%. Por fim analisou-se o incremento da produção em função do número de aplicações de bST de acordo com as seguintes classes: C0: sem bST, C1: 11-20 aplicações, C2: 21-30 aplicações e C3: 31-59 aplicações.
Resultados e Discussão
Na Figura 1 são apresentados os resultado da análise de variância mostrando alta significância do aumento nas médias da PL305 em função das classes de aplicação do bST. Observa-se que, em relação à classe C0, as demais classes apresentaram taxas no incremento da produção de 3,88%, 10,63% e 20,87% respectivamente para as classes C1, C2 e C3, concordando com Londoño et al. (1997) e Gulay et al. (2004) que encontroaram aumentos significativos de 12,03% e 11%, respectivamente, na produção de leite para os animais tratados com bST em relação aos grupos controle. Estes resultados comprovam o efeito galactopoiético do bST o qual estimula o fluxo sangüíneo na glândula mamária, modificando a partição dos nutrientes, direcionando-a para a produção de leite.
Figura 1. Médias das produções de leite ajustadas para os 305 dias de lactação em relação às classes de aplicação de bST.
Os resultados obtidos para as estimativas das herdabilidades, para o modelo que inclui os efeitos do bST e para o modelo que não inclui os efeitos do bST foram de 0,26 e 0,23, respectivamente, e estão de acordo com outros autores como Weigel et al. (1998) e Tsuruta et al. (2000). As estimativas de herdabilidade, embora relativamente baixas, sugerem que esta característica responde a seleção.
As correlações entre os VGP dos touros para a produção de leite, considerando-se a inclusão e a exclusão do efeito do bST no modelo, foram de 0,9484, 0,9829, 0,9752 e 0,8974 para todos os touros avaliados, os 20%; 10% e 5% melhores touros. Outros autores, como Melo et al., (2000) encontraram correlações de rank de 0,80 e Verneque et al., (1998), para modelo que não inclui efeitos de bST encontraram correlações de rank de 0,84. Dessa forma, os resultados indicam que em geral a administração de somatotropina bovina tem impacto reduzido nas avaliações genéticas de touros. Com base nas estimativas de herdabilidades para ambos os modelos e nas correlações de rank entre os touros selecionados considerando-se os dois modelos, recomenda-se a seleção para produção de leite mesmo nos rebanhos que usam a aplicação de bST, pois não há risco aparente de confundimento nas avaliações genéticas dos touros.
Conclusões
Os coeficientes de herdabilidade, embora relativamente baixos, indicam possível ganho genético, por meio de seleção, para produção de leite.
As altas correlações de rank entre os valores genéticos dos touros, considerando-se ou não o uso do bST no modelo, indicam que o uso do bST não interfere na classificação dos touros avaliados geneticamente. Assim a aplicação de bST pode ser uma ferramenta importante no que se refere à elevação da produção de leite em vacas leiteiras, sem afetar a avaliação genética.
Literatura Citada
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***O trabalho foi originalmente apresentado pelo VII Simpósio Brasileiro de Melhoramento Animal / São Carlos, SP, 10 e 11 de julho de 2008.