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Parâmetros genéticos entre características de leite, de peso e a idade ao primeiro parto em gado mestiço leiteiro (Bos taurus x Bos indicus)

Publicado: 30 de setembro de 2013
Por: Anibal Eugênio Vercesi Filho, APTA Regional, Nordeste Paulista, SP; F.E. Madalena, Escola de Veterinária, Universidade Federal de Minas Gerais -UFMG-, MG; L.G. Albuquerque, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade de São Paulo -UNESP-, SP; A.F. Freitas e R.L. Teodoro, Embrapa Gado de Leite, MG; L.E. Borges e J.J. Ferreira, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais -EPAMIG-, MG, e F.J.C. Faria, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul -UFMS-, MS.
Sumário

Foram estimadas as correlações genéticas entre características de produção de leite (produção de leite, gordura, proteína e duração da lactação em até 305 dias, na primeira lactação), características de peso (taxa de crescimento de novilhas entre 12-24 meses e peso médio de vacas) e idade ao primeiro parto, em uma população de fêmeas Mestiço Leiteiro Brasileiro (MLB), por meio de metodologia REML, sob modelo animal. As estimativas de herdabilidade das características estudadas na ordem acima foram, respectivamente, 0,28± 0,08, 0,30±0,11, 0,28±0,09, 0,19±0,07, 0,18±0,06, 0,42±0,10 e 0,48±0,12. As correlações genéticas entre peso médio da vaca e a produção de leite, gordura e proteína foram, respectivamente, -0,22±0,22, -0,49±0,31 e - 0,22±0,23 e da taxa de crescimento das novilhas com a produção de leite, gordura e proteína foram respectivamente, -0,59±0,35, -0,73±0,44 e -0,62±0,37. As correlações genéticas entre produção de leite, peso médio das vacas e taxa de crescimento das novilhas com idade ao primeiro parto foram respectivamente, 0,05±0,18, -0,05±0,18 e 0,02±0,20. A alta correlação genética (0,93±0,02) entre produção de leite e duração da lactação indicou que não se deve remover a variação na duração da lactação na seleção de gado leiteiro tropical.

Palavras-chave: parâmetro genético, gado leiteiro tropical, produção de leite, peso, idade ao primeiro parto.

INTRODUÇÃO
A definição dos objetivos de seleção é o primeiro passo para a elaboração de um programa de melhoramento genético. As características a serem selecionadas devem ser escolhidas de acordo com a sua importância econômica para o sistema de produção (Ponzoni e Newman, 1989). Dessa forma, o conhecimento do sistema de produção e de suas características de importância econômica são essenciais para a correta elaboração de um programa de melhoramento genético visando à maximização do lucro da atividade.
No Brasil, a utilização de animais de raças européias especializadas para produção de leite não tem alcançado êxito econômico em razão, principalmente, dos elevados custos de produção (Madalena, 2001). A utilização de animais mestiços produtos do cruzamento de raças zebuínas com raças européias é prática bastante difundida no País (Madalena et al., 1997). Nesse sistema de produção, as vendas de bezerros machos e de fêmeas de descarte, além da produção de leite, constituem importante fonte de renda e alternativa econômica para a pecuária leiteira nacional (Holanda Jr. e Gomes, 1998). O número de vacas ordenhadas representa menos de 9% do rebanho bovino brasileiro (Barbosa e Bueno, 2000). Esse resultado, segundo os autores, indica que os sistemas mistos de produção (leite e carne), embora não sejam importantes para a produção de carne, ocupam lugar importante na produção de leite nacional, pois, quase 25% do leite produzido no Brasil provêm de fazendas mistas (chegando, aproximadamente, a 50% nas regiões Norte e Centro-Oeste).
O peso vivo dos animais assume, também, importante papel econômico dentro do sistema de produção de leite em virtude do custo de mantença das vacas. Vercesi Filho et al. (2000) verificaram que 44,09% dos custos de alimentação eram referentes ao custo de mantença das vacas, sendo que resultados semelhantes foram relatados por Martins et al. (2003). Assim, ao se selecionarem animais leiteiros para aumentar o peso corporal, o maior gasto de energia para mantença dos animais não é compensado pelo aumento na venda de carne, o que resulta em valor econômico negativo para esta característica, nas condições de produção prevalecentes na parte tropical do Brasil (Vercesi Filho et al., 2000; Cardoso et al., 2004). Lôbo et al. (2000ab), ao avaliarem um esquema de seleção para bovinos de dupla aptidão, relataram que a diminuição do peso da vaca adulta proporcionou o maior impacto econômico dentro do sistema estudado e, que as contribuições das características de corte para o lucro genético só superariam as de leite quando o valor econômico do peso ao abate superasse em 14 vezes o da produção de leite. Queiroz et al. (2003), ao estudarem índices de seleção para produção de leite e venda de bezerros desmamados na raça Caracu, encontraram valores econômicos positivos para produção de leite e peso à desmama. Porém, como a covariância genética entre essas características era negativa e o valor econômico da produção de leite foi expressivo, o índice aplicou uma ponderação negativa para o peso à desmama. Os resultados acima descritos, obtidos por diferentes autores em situações distintas, colocam em dúvida a conveniência de se selecionarem dentro de uma população características de produção de carne e leite.
A idade ao primeiro parto foi uma característica de elevada importância econômica nos sistemas de produção de leite estudados por Vercesi Filho et al. (2000) e Cardoso et al. (2004) nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente. Lôbo et al. (2000c) encontraram correlação genética média de –0,47 entre a idade ao primeiro parto (IPP) e a produção à primeira lactação, e de 0,60 entre IPP e produção em todas as lactações.
Dechow et al. (2002) e Pryce et al. (2002) encontraram correlação genética positiva entre produção de leite e dias de serviço e negativa entre produção de leite e intervalo entre partos, respectivamente. Pelos resultados acima descritos, a seleção para aumento da produção leiteira, tem como resposta correlacionada efeitos indesejáveis na performance reprodutiva das vacas.
O Centro Nacional de Pesquisa Gado de Leite (CNPGL, hoje Embrapa Gado de Leite), com apoio da FAO/PNUD, implementou o projeto "Desenvolvimento do Mestiço Leiteiro Brasileiro (MLB)" (Madalena, 1999). Como parte desse projeto, o presente estudo teve por objetivo, estimar as herdabilidades e correlações genéticas e fenotípicas entre características de produção de leite, ponderais e de reprodução.
 
MATERIAL E MÉTODOS
Foram estudadas as produções de leite, gordura e proteína e a duração da lactação em até 305 dias à primeira lactação; taxa de crescimento de novilhas de 12 a 24 meses, peso adulto médio das fêmeas durante a vida produtiva e idade ao primeiro parto, de 1407 filhas de 120 touros MLB em teste de progênie. Os dados foram coletados de animais nascidos entre os anos de 1979 e 1995, com partos entre os anos de 1981 e 1998.
Os touros em teste eram filhos das vacas de maior produção, pertencentes aos 14 rebanhos fundadores do programa, com lactação média à idade adulta de 2.549kg. A fração de genes provenientes de Bos taurusvariava de ½ a ¾ para mães de touros e de ½ a 7/8 para os touros jovens, com predominância da raça Holandesa, além das raças Pardo-Suíço, Jersey e outras. Na fração de Bos indicus predominavam as raças Guzerá e Gir. Essas vacas eram inseminadas com sêmen importado de Holandês e Pardo-Suíço ou com os filhos mestiços das melhores vacas da população avaliadas pelo programa. Nas progênies desses touros, produto da inseminação de vacas de diferente composição racial em rebanhos participantes do programa, fez-se controle leiteiro mensal ou quinzenal, e os teores de gordura e proteína do leite foram aferidos no laboratório da Embrapa Gado de Leite. Os animais estavam distribuídos em sete fazendas: cinco em Minas Gerais, uma em São Paulo e uma no Rio de Janeiro, sendo que esta última continha três diferentes retiros considerados, para fins de análise, como fazendas diferentes. Na fazenda Santa Mônica (Embrapa), os animais foram pesados trimestralmente, ao parto e à secagem, enquanto, nas fazendas Sertãozinho e Santa Rita (Epamig), a pesagem foi realizada mensalmente. Um resumo dos dados disponíveis pode ser visualizado na Tab. 1.
 
Tabela 1. Caracterização da amostra estudada
Parâmetros genéticos entre características de leite, de peso e a idade ao primeiro parto em gado mestiço leiteiro (Bos taurus x Bos indicus) - Image 1
 
As estimativas de herdabilidade e das correlações genéticas e fenotípicas foram obtidas respectivamente, por meio de análises uni e bicaracterística. Os dados foram analisados pelo método da máxima verossimilhança restrita não derivativa (Graser et al., 1987) sob modelo animal usando o algoritmo adaptado por Boldman et al., (1991; 1993), disponível no pacote computacional MTDFREML. Todas as análises incluíram a matriz de parentesco completa (3.173 animais), considerando quatro gerações das vacas pelo lado paterno. Pelo lado materno, apenas de algumas vacas tinha-se informação das mães. Quando essas mães eram filhas dos touros em teste, poder-se-ia chegar até a quarta geração dos seus pais.
Os erros-padrão (EP) das estimativas das correlações genéticas (rg) foram obtidos por meio da aproximação dada por Robertson (1959), citado por Falconer e Mackay (1996).
Nos modelos das características de leite foram incluídas apenas as variáveis com efeito significativo nas análises estatísticas prévias realizadas pelo método dos quadrados mínimos, utilizando-se o procedimento GLM do SAS (User's..., 1998). Os efeitos considerados foram: idade ao parto em classes (de 21 a 32, de 33 a 40, de 41 a 48 e de 49 a 60 meses). Os grupos contemporâneos foram formados concatenandose fazenda, ano, estação do parto (chuvosa, de outubro a março e seca, de abril a setembro) e fazenda-fração de genes de Bos taurus da mãe do animal, expressa em oitavos. Essa fração foi considerada como efeito não genético, uma vez que independe do valor genético do touro. Como as mães de diferentes frações de Bos taurus não estavam uniformemente distribuídas nas fazendas, foi criada uma variável concatenando ambas as variáveis. Foram eliminados do estudo grupos contemporâneos com menos de três animais. Animais com idade ao primeiro parto menor que 21 meses e maior que 60 meses também foram excluídos.
Não foram realizadas restrições à duração da lactação, pois, em gado leiteiro tropical uma das principais causas de lactação curta é a origem genética (Madalena, 1988).
Para idade ao primeiro parto os efeitos considerados foram: grupo contemporâneo (formado concatenando fazenda, ano e mês do parto) e fazenda-fração de genes de Bos taurus da mãe.
Os pesos das vacas foram agrupados em classes de idade em quinzenas, da 14a a 240a, retirandose os pesos que estivessem três desvios-padrão acima ou abaixo da média, dentro de cada idade. Para se calcular o peso médio das vacas (PM), fez-se a integral definida da equação de crescimento de cada animal entre 39,9 meses (x1, idade média ao primeiro parto) e 116,58 meses (x2, idade final, correspondente à vida útil ótima de 6,39 anos), sendo que este último valor foi utilizado por Vercesi Filho et al. (2000) adaptando valores derivados por Cardoso et al. (1999).
Adotou-se para este estudo uma curva de crescimento quadrática com base nos resultados obtidos por Teodoro e Madalena (2002) e Madalena et al. (2003) em população de vacas mestiças. Assim, para uma curva de crescimento quadrática com respeito à idade (x):
 
Parâmetros genéticos entre características de leite, de peso e a idade ao primeiro parto em gado mestiço leiteiro (Bos taurus x Bos indicus) - Image 2
 
Para estimar as regressões individuais do peso sobre a idade, corrigidas para os efeitos de meio, foram estabelecidos cinco estádios da lactação (de 1 a 60, de 61 a 150, de 151 a 290, >290 dias e animais secos), cinco estádios reprodutivos (vazia, de 1 a 94, de 95 a 188, >188 dias de gestação e desconhecido, as eliminadas antes do último parto). Os períodos de 94 dias correspondem a terços de gestação com duração de 282 dias (Lemos et al.,1984). Foram formados grupos contemporâneos concatenando-se fazenda, quinzena da pesagem dentro de ano e ano da pesagem, eliminando-se os grupos que continham menos de quatro animais. Os pesos foram analisados usando-se o procedimento PROC MIXED do SAS (1998) e o método de máxima verossimilhança restrita. Este procedimento leva em consideração a covariância entre medidas repetidas tomadas no mesmo animal (Littell et al., 2000).
O modelo utilizado foi:
Yijklmno = b0m + LACi + GESTj + GCk + FAZBtaul + b1m xmn + b2m x2mn + ?ijklm em que, Yijklmno = n-ésimo peso do m-ésimo animal no i-ésimo estádio de lactação, j-ésimo estado reprodutivo, k-ésimo grupo contemporâneo e l-ésima classe de fazenda-fração de Bos taurus,
b0m, b1m,b2m = intercepto e regressões linear e quadrática do peso sobre a idade à pesagem; xmn = idade do m-ésimo animal na n-ésima pesagem;
LACi = efeito do i-ésimo estádio de lactação (i=1,...,5);
GESTj = efeito do j-ésimo estado reprodutivo (j=1,...,5);
GCk = efeito do k-ésimo grupo contemporâneo (k=1,..., 340);
FAZBtaul = efeito da l-ésima classe de fazendafração de Bos taurus (l=1,...,32); ?ijklmn = resíduo.
Os coeficientes de regressão (b0m, b1m e b2m) foram considerados aleatórios e os outros efeitos, exceto o erro, foram considerados fixos. Em forma matricial, o modelo acima pode ser descrito como: Y = XB + Zu + e , em que Y representa um vetor de pesos dos animais, B é um vetor desconhecido de parâmetros de efeitos fixos com matriz de incidência X conhecida, u é um vetor desconhecido de efeitos aleatórios com matriz conhecida de incidência Z, e e é um vetor de erro aleatório desconhecido, sendo u~MVN (0,G), e~ MVN (0,R) e matriz de covariância de Y V(Y) = ZGZ´ + R. Adotou-se a estrutura de covariância FA(q),. Essa estrutura indica que a correlação entre as pesagens tende a decrescer com o aumento do intervalo de tempo entre duas medidas e que as variâncias tendem a aumentar em função da idade ou tempo.
Para o estudo da taxa de crescimento (kg/quinzena) em novilhas entre as idades de 12- 24 meses, foram formados grupos contemporâneos concatenando-se as variáveis, fazenda, quinzena da pesagem dentro de ano e ano da pesagem. Foram eliminados do arquivo aqueles grupos que continham menos de quatro animais. Os procedimentos e modelo estatístico utilizados foram semelhantes aos utilizados para se calcular o peso médio das vacas, porém adotando-se uma curva de crescimento linear.
 
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As estatísticas descritivas são apresentadas na Tab. 2.
 
Tabela 2. Médias, desvios-padrão (DP), valores mínimos (Min) e máximos (Max) para cada característica estudada em vacas Mestiço Leiteiro Brasileiro (MLB).
Parâmetros genéticos entre características de leite, de peso e a idade ao primeiro parto em gado mestiço leiteiro (Bos taurus x Bos indicus) - Image 3
 
Os dados apresentados na Tab. 2 são de uma população de primíparas, filhas de touros mestiços em teste de progênie, o que torna aceitável a baixa produção de leite média (1668kg) desses animais. Para que o resultado das análises genéticas não se torne viesado, é necessária a manutenção de todos os animais na base de dados, independentemente da sua produção em controle leiteiro. Embora a população estudada não fosse fechada, em face das às características do projeto, o material utilizado pode ser considerado uma amostra de animais em trabalho de desenvolvimento de composto multirracial, a partir dos mestiços Bos taurus x B. indicus predominantes no Brasil.
As estimativas de herdabilidade e correlações genéticas com os respectivos erros-padrão estão na tabela 3.
 
Tabela 3. Estimativas de herdabilidade (diagonal) e correlações genéticas (acima da diagonal) e fenotípicas (abaixo da diagonal) entre as características de leite, peso e reprodução (erros-padrão entre parênteses).
Parâmetros genéticos entre características de leite, de peso e a idade ao primeiro parto em gado mestiço leiteiro (Bos taurus x Bos indicus) - Image 4
 
Com relação às estimativas de herdabilidade, obtidas neste estudo, o elevado valor estimado para a idade ao primeiro parto (0,48) vem reforçar os resultados relatados por Lôbo et al. (2000c), que encontraram média de h2 = 0,31, em 94 trabalhos revisados no ambiente tropical, o que comprova a existência de considerável variação genética para essa característica. Aliada à importância econômica que essa assume dentro de um sistema de produção de leite com gado mestiço onde se criam os animais de reposição, (Vercesi Filho et al., 2000; Cardoso et al., 2004), é recomendável que a sua inclusão nos critérios de seleção para gado leiteiro nos trópicos seja estudada.
As demais características estudadas apresentam valores de herdabilidade dentro dos patamares, geralmente, encontrados em regiões tropicais (Lôbo et al., 2000c).
A alta correlação genética encontrada entre produção de leite e duração da lactação é forte indicativo de que, em gado leiteiro tropical, não se devem descartar lactações curtas, encerradas normalmente, das análises genéticas, como descrito por Madalena (1988). Quando esse procedimento é adotado, elimina-se variação genética e, os valores genéticos dos reprodutores que tiveram filhas com lactações curtas descartadas estarão superestimados. Freitas et al. (1998), ao analisarem dados do mesmo projeto, encontraram herdabilidades da produção de leite de h2 = 0,14 quando se eliminavam as lactações de menos de 120 dias de duração e h2 = 0,06 quando a produção era ainda corrigida pela duração da lactação, o que comprova o efeito prejudicial da eliminação sobre a variação genética.
As correlações genéticas entre as características de leite e peso foram todas negativas, com valores de moderado a alto, o que indica antagonismo genético entre elas, embora as estimativas apresentassem baixa acurácia. Cardoso et al. (1995) e Queiroz et al. (2005), também encontraram, no Brasil, valores negativos de correlação genética entre produção de leite e características ponderais em rebanhos das raças Pitangueiras e Caracu, respectivamente. Embora com poucos resultados de pesquisa no Brasil, considerando a importância deste assunto, o valor negativo encontrado para correlação genética entre produção de leite e características ponderais temse repetido em grupamentos genéticos distintos, o que reforça o resultado obtido neste estudo de que não seria possível selecionar, para um mesmo animal, características de produção de leite e de carne. Lôbo et al. (2000ab), ao avaliarem esquemas de seleção para a raça Guzerá, mostraram que para bovinos zebus de dupla aptidão a diminuição do peso da vaca adulta gerava lucro genético anual de R$ 21,84 e pelo aumento da produção de leite lucro genético anual de R$ 20,09. As características de corte somente superariam as de leite em importância econômica, quando o valor econômico do peso ao abate superasse o da produção de leite em 14 vezes, o que não ocorreu nos referidos trabalhos, nem no trabalho de Queiroz et al. (2003).
No Brasil, Vercesi Filho et al. (2000); Martins et al. (2003) e Cardoso et al. (2004) encontraram valor econômico (VE) negativo para peso corporal das vacas leiteiras em sistemas de produção com gado mestiço. Esses resultados indicam que, nestes rebanhos, a diminuição do peso nas vacas leiteiras traria resultado econômico positivo. Resultado semelhante foi obtido por Spelman e Garrick (1997), na Nova Zelândia, em que os autores relataram aumento na resposta econômica à seleção da ordem de 3 a 5%, quando foi atribuído VE negativo ao peso corporal das vacas. Vale ressaltar que, tanto nos estudos brasileiros quanto no estudo neozelandês, o sistema de produção de leite baseava-se na utilização de pastagens. Queiroz et al. (2003) relataram VE positivos para produção de leite e peso à desmama em um rebanho Caracu no Brasil, cujo objetivo de seleção era produção de leite e venda de bezerros desmamados. Porém, como a covariância entre estas características foi negativa e o VE para produção de leite foi expressivo, o índice de seleção aplicou ponderação negativa para peso à desmama.
O conhecimento das herdabilidades e correlações genéticas e fenotípicas, entre as características de interesse à seleção, é de fundamental importância na obtenção de índices econômicos que maximizem a resposta econômica à seleção. Segundo diversos autores, a elaboração de programas de melhoramento deve seguir seqüência lógica. Harris et al. (1984) sugeriram roteiro onde os passos iniciais são a descrição do sistema de produção e a formulação dos objetivos de seleção. A estimação dos parâmetros genéticos e os pesos econômicos são passos importantes na seqüência, em que somente características com importância econômica, dentro do sistema de produção em questão, devem ser levadas em consideração. Assim, a estimação de parâmetros genéticos e pesos econômicos estão intimamente ligados e são conseqüência do sistema de produção no qual as características estudadas estão inseridas.
Harris e Newman (1994) descreveram a evolução do melhoramento animal nas várias espécies domésticas. No início, o melhoramento era voltado totalmente para tipo racial, procurava-se o tipo ideal para cada raça. Esses objetivos evoluíram para avaliações de performance, mesmo que esta não fosse a melhor medida do desempenho econômico dos sistemas de produção. Por isso, a passagem dessa fase para uma visão econômica do processo de melhoramento, em que apenas características de importância econômica fossem consideradas, ainda está incompleta.
Neste estudo, as correlações genéticas entre produção de leite ou peso e idade ao primeiro parto (IPP) foram baixas e estatisticamente não diferentes de zero, ao contrário do que mostram vários trabalhos da literatura. Lobo et al. (2000c) encontraram como média de 14 trabalhos, uma correlação genética de 0,60 entre produção de leite em 305 dias e IPP. Na mesma revisão, os autores relataram correlação genética igual a 0,27 entre IPP e peso adulto de vacas. Alencar e Pereira (2003) relataram correlação genética de, respectivamente, -0,17 e -0,33 entre IPP e ganho em peso médio diário do nascimento à desmama e do nascimento ao sobreano, na raça Canchim. Esses autores concluíram que a seleção, com o objetivo de aumentar a taxa de crescimento, tem como conseqüência a diminuição da IPP, e resultará também em matrizes mais pesadas ao primeiro parto e à idade adulta, o que pode não ser economicamente interessante pelo aumento do gasto com a mantença no rebanho.
 
CONCLUSÕES
Na população estudada houve antagonismo genético entre as características de leite e de peso, o que coloca em dúvida a seleção de animais para dupla aptidão, embora a acurácia destas estimativas seja baixa. O elevado valor da herdabilidade, aliado à relevância econômica, justifica a inclusão da idade ao primeiro parto nos critérios de seleção para gado leiteiro nos trópicos. A elevada correlação genética (0,93) entre produção de leite e duração da lactação em até 305 dias indica que não se devem eliminar lactações curtas ou corrigi-las pela duração da lactação, nas avaliações genéticas ou estudos com gado mestiço leiteiro.
 
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***O trabalho foi originalmente publicado em Arq. Bras. Med. Vet. Zootec. vol.59 no.4 Belo Horizonte Aug. 2007.

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Anibal Eugênio Vercesi Filho
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