Introdução
O manejo sanitário dos bovinos leiteiros compreende um conjunto de medidas de natureza profilática que tem a finalidade de impedir que doenças interfiram no desempenho produtivo do rebanho. Essas medidas garantem, também, a qualidade do leite consumido pelo homem e daquele utilizado pelas indústrias de laticínios. Nos rebanhos criados em sistemas intensivos, os métodos de profilaxia (prevenção) devem ser enfatizados, em razão da maior facilidade de disseminação de enfermidades.
Neste trabalho, serão apresentadas, resumidamente, as principais doenças que podem interferir na produção e na qualidade sanitária do leite, assim como os métodos de controle.
Mastites
A mastite (ou mamite) bovina é o problema de saúde mais importante que afeta o gado leiteiro em todas as áreas produtoras do mundo. Estudos mostraram que, em rebanhos sem programa específico para o controle dessa enfermidade, 50% dos quartos mamários de 50% das vacas em lactação podem estar infectados. As mastites podem ser de natureza infecciosa (provocada por microrganismos) ou não infecciosa (provocada por agentes físicos, produtos químicos, etc.). As mastites de natureza infecciosa são as mais importantes para a produtividade do rebanho, principalmente em razão da sua característica de serem transmissíveis.
A infecção na glândula mamária provoca alterações na composição do leite produzido, que podem variar conforme o agente infeccioso e a intensidade da doença.
Essa enfermidade pode ser classificada em clínica (a doença é confirmada por observação direta) e subclínica (não há efeitos detectáveis em exame de rotina), de acordo com os sinais apresentados. Pode ainda ser classificada em mastite contagiosa (quando provocada por microrganismos dos gêneros Streptococcus spp., Staphylococcus spp., Corynebacterium spp. e Mycoplasma spp.) e em mastite ambiental (quando provocada por bactérias coliformes, Streptococcus uberis, Actinomyces pyogenes, Pseudomonas spp., fungos e algas).
As mastites clínicas podem apresentar as formas catarral, apostematosa e flegmonosa. As mastites catarrais são infecções mais leves, que não atingem as estruturas secretoras e se caracterizam pela presença de pequenos grumos no leite. A mastite apostematosa é um processo inflamatório mais grave do que a catarral, porque todas as estruturas glandulares são afetadas pela infecção. A forma flegmonosa é considerada a mais grave de todas as formas de mastite, porque em algumas situações pode evoluir para gangrena e o animal pode ter seu estado geral comprometido.
A ocorrência da mastite é influenciada por uma variedade de fatores não inter-relacionados, tais como a conformação do úbere, o estado imunitário dos animais, as condições dos esfíncteres das tetas, as condições gerais de higiene, os procedimentos de ordenha, as condições de manutenção da ordenhadeira mecânica e o ordenhador. As tetas constituem a primeira barreira contra a invasão bacteriana e muitas de suas características anatômicas e fisiológicas são responsáveis pela inibição à penetração de microrganismos. Os microrganismos que conseguem penetrar por meio do canal da teta encontram barreiras imunológicas, que provavelmente evitam muitas infecções iniciais. O leite, em virtude da presença de glóbulos de gordura e de caseína, é um meio extremamente desfavorável para a efetiva resposta imunológica na glândula mamária. Pelo fato de a mastite ser uma doença tão complexa, um sistema de controle profilático adequado é imprescindível para a redução dos prejuízos em rebanhos produtores.
A desinfecção das tetas antes e após a ordenha e o tratamento das vacas no início do período seco são métodos efetivos para a redução da ocorrência da infecção por microrganismos que causam mastites. Estudos sobre a variação da contagem bacteriana no leite produzido, em função do método de assepsia (higienização) do úbere antes da ordenha, mostraram que maiores contagens ocorreram quando não foi aplicada nenhuma preparação. A contagem de bactérias foi significativamente menor quando foram usadas toalhas secas para limpeza das tetas antes da ordenha. Porém, as maiores reduções na contagem bacteriana foram conseguidas pelo uso de toalhas umedecidas em solução desinfetante com posterior secagem e também pela imersão das tetas em solução desinfetante, seguida de secagem com papel descartável. Dessa maneira, a limpeza e a secagem das tetas antes da ordenha é indicada como ótima maneira de prevenção das mastites infecciosas. Muitas formulações comerciais para a desinfecção das tetas estão disponíveis: soluções à base de cloro ou de iodo são as mais comuns. Os métodos de aplicação mais utilizados são a imersão e a aspersão.
Outro método de profilaxia das mastites que apresenta resultados expressivos na qualidade do leite é a ordenha em separado de vacas com mastite. As vacas doentes devem sempre ser ordenhadas por último. Em grandes rebanhos, o diagnóstico da mastite subclínica deve ser feito mensalmente, podendo-se utilizar o California mastitis test (CMT). Esse teste é muito eficiente na detecção de mastite e a colheita de material dos quartos afetados pode ajudar na determinação dos microrganismos que estão causando a infecção. O isolamento das bactérias é a base para os estudos de sensibilidade aos antibióticos, que facilitam e tornam efetivos os tratamentos de casos clínicos, subclínicos e de vacas no período seco. Na prática, o tratamento da mastite subclínica é feito durante o período seco, usando antibióticos específicos, conforme o resultado do antibiograma (teste de sensibilidade a antibióticos).
A recomendação para o tratamento das mastites clínicas é que o mesmo seja feito logo após o exame diário, por meio da caneca de fundo escuro e que obedeça também ao antibiograma feito para o rebanho.
O programa de controle das mastites é composto dos seguintes procedimentos: imersão das tetas em solução desinfetante antes e após a ordenha; tratamento de vacas no período seco; controle higiênico do ambiente; tratamento das mastites clínicas; descarte de vacas com mastite crônica e manutenção do equipamento de ordenha. A higiene rigorosa antes, durante e após a ordenha é a melhor garantia de que o programa de controle de mastites possa ter bons resultados.
Tuberculose
A tuberculose causada pelo Mycobacterium bovis é uma enfermidade infecto-contagiosa crônica, granulomatosa, caracterizada por lesões denominados tubérculos. Essa doença afeta principalmente bovinos e bubalinos, mas pode ocorrer também em seres humanos. A tuberculose humana pelo M. bovis é denominada tuberculose zoonótica. Essa bactéria tem a forma de um bacilo, que se caracteriza por ser álcool-ácidoresistente e não se corar pela técnica de Gram. A composição lipídica do bacilo tem grande importância na imunidade do hospedeiro e na resistência aos desinfetantes, ácidos ou álcalis. O M. avium provoca doença em várias espécies de aves, mas não causa doença em bovinos e bubalinos. A presença do bacilo do tipo aviário influi no diagnóstico da tuberculose nessas espécies, por provocar reações inespecíficas ao teste de tuberculinização.
A principal fonte de infecção para os rebanhos são animais infectados, introduzidos nos rebanhos. De acordo com a via de infecção, poderão ser afetados os gânglios linfáticos da cadeia regional, ou seja, animais que se contaminam pela via aerógena desenvolvem a doença pulmonar, com a afecção dos respectivos gânglios linfáticos. Essa é a forma mais comum da doença. Na via digestiva, os microrganismos se localizam nos gânglios linfáticos intestinais, na parede intestinal e no fígado. Essa via de infecção é comum em bezerros que se alimentam de leite proveniente de vaca doente.
No Brasil, a tuberculose continua sendo grave problema de saúde dos rebanhos leiteiros, que gera grandes prejuízos, em decorrência de descarte de animais, de queda na produtividade, de baixa qualidade do leite, de condenação de carcaças, e de gastos com serviços veterinários, medicamentos, etc. Os principais sinais observados em rebanhos acometidos pela tuberculose são emagrecimento progressivo dos animais, tosse, cansaço visível quando submetidos a pequenos esforços, e aumento de volume de gânglios linfáticos. Entretanto, muitos animais infectados podem não apresentar sinais da doença.
O diagnóstico da tuberculose pode ser feito por métodos diretos e por métodos indiretos. Os métodos diretos se baseiam na identificação do microrganismo causador da doença, por meio de cultura e de testes de laboratório. O diagnóstico indireto é feito por meio da detecção de resposta imunológica ao Mycobacterium, que é específica. Pode ser utilizada, então, a pesquisa de anticorpos ou a detecção de imunidade celular (teste cutâneo de reação à tuberculina). Animais em fase avançada da doença podem ser negativos aos testes de tuberculinização. O diagnóstico clínico (baseado nos sinais) tem valor relativo, porém, pode auxiliar muito na condução dos trabalhos de diagnóstico em rebanhos afetados.
No animal tuberculoso, o microrganismo é eliminado por secreções do trato respiratório, fezes, leite, urina, sêmen e corrimentos genitais. Alguns fatores de risco são importantes na rápida disseminação da tuberculose no rebanho: estabulação, confinamento, aglomerações, manejo e instalações inadequadas. A tuberculose é uma doença que deve ser constantemente monitorada nos rebanhos, principalmente nos rebanhos leiteiros. Deve ser feita a observação diária da presença de sinais que levem à suspeita da doença. Como método de identificação dos animais infectados nos rebanhos, deve ser usada a tuberculinização pela prova cervical, com a tuberculina bovina. Quando houver suspeita de infecção por microrganismos relacionados, deve ser feita a prova cervical comparativa com a tuberculina aviária. Esses testes devem ser feitos por veterinários habilitados pelo Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose (PNCEBT). A tuberculinização é um método rápido, seguro e eficiente de diagnóstico, e revela infecções em fase inicial, três semanas após o seu início, com alta sensibilidade e alta especificidade. Em rebanhos indenes, ou seja, em rebanhos livres de tuberculose, é aconselhado o sacrifício de animais reagentes, com rigoroso controle de entrada de novos animais. As análises bacteriológicas serão necessárias quando se desejar fazer a confirmação da infecção por M. bovis.
Brucelose
A brucelose é uma enfermidade infecciosa de bovinos e bubalinos, causada pela Brucella abortus, cocobacilo gramnegativo, parasita intracelular facultativo e imóvel. A brucelose pode ser transmitida dos animais ao homem, ou seja, é uma zoonose. Essa doença apresenta ampla distribuição no Brasil, com prevalência variável, que em 1975 foi a seguinte: no Sul, 4%; no Sudeste, 7,5%; no Centro-Oeste, 6,8%; no Nordeste, 2,5%; e no Norte, 4,1%. Esse quadro pouco se alterou, permanecendo entre 4% e 5%, no período de 1988 a 1998.
A brucelose se caracteriza por transtornos reprodutivos (aborto, aumento do intervalo de partos), queda na produção de leite e mortes de bezerros, principalmente. No Brasil, os prejuízos totais produzidos pela doença não foram calculados. Dados estimados em 1983, nos Estados Unidos, mostraram prejuízos da ordem de 32 milhões de dólares. Desse modo, pode-se concluir que o controle dessa doença deve ser prioridade para os criadores de bovinos e de bubalinos.
As principais fontes de infecção para os rebanhos são a placenta e os líquidos e as membranas fetais provenientes de bezerros recém-nascidos ou de fetos abortados. As fêmeas nãogestantes podem reter as bactérias nos gânglios linfáticos, no baço e no fígado; e, quando em gestação, após breve período de multiplicação nos anexos fetais. Esses microrganismos são atraídos para o útero grávido, provocando aborto por placentite necrótica e endometrite ulcerativa. Nos casos de abortos por brucelose, os fetos podem apresentar autólise (decomposição) e são expulsos algum tempo após a sua morte. Nos touros infectados, as bactérias localizam-se em testículos, epidídimos, vesículas e ampolas seminais e, em alguns casos, em articulações. Os machos infectados não devem ser usados em monta natural ou como doadores de sêmen. A principal forma de introdução da doença em um rebanho é pela compra de animais positivos. A infecção ocorre por meio da entrada dos microrganismos nas mucosas do nariz e da boca.
O diagnóstico da brucelose pode ser feito por métodos diretos e indiretos. Os primeiros incluem o isolamento e a caracterização do agente. Os métodos indiretos baseiam-se na presença de anticorpos específicos contra a B. abortus. No Brasil, são utilizados para triagem os seguintes métodos de diagnóstico: soroaglutinação com o antígeno acidificado tamponado, que utiliza o soro sangüíneo dos animais a serem testados, e o teste do anel em leite, que pode utilizar amostras de leite provenientes de vários animais. Como testes confirmatórios, são utilizados o teste do 2-mercaptoetanol, o teste de soroaglutinação em tubos e o teste de fixação do complemento. Todos os testes confirmatórios utilizam o soro sangüíneo dos animais suspeitos para a pesquisa de anticorpos. Somente os veterinários habilitados no PNCEBT estão autorizados oficialmente a conduzir os trabalhos de diagnóstico da brucelose e de saneamento dos rebanhos.
O controle da brucelose é baseado principalmente na vacinação das fêmeas do rebanho e no diagnóstico e no sacrifício dos animais positivos aos testes sorológicos. Somente as bezerras, com idades entre três e oito meses de idade, devem ser imunizadas com a vacina B-19, em dose única, sob a supervisão de um veterinário cadastrado no Serviço de Defesa Sanitária da região da propriedade produtora. A vacinação contra a brucelose requer cuidados especiais, porque é uma vacina viva, potencialmente perigosa para os seres humanos. Em rebanhos livres, deve ser evitada a entrada de animais provenientes de rebanhos reagentes. Outras medidas de controle referem-se à desinfecção e ao uso de piquetesmaternidade, já que pastos e instalações contaminados constituem importantes fontes de infecção.
Clostridioses
Os microrganismos do gênero Clostridium são bactérias gram-positivas, anaeróbias (proliferam na ausência de oxigênio), de forma bacilar, que têm como habitat o solo e o trato intestinal do homem e dos animais. Essas bactérias apresentam como característica importante a capacidade de se manterem por longos períodos no solo, em forma altamente resistente, denominada esporo. Esses esporos podem infectar os animais por via oral, por inalação ou por meio de feridas acidentais ou cirúrgicas. As bactérias do gênero Clostridium causam doença, basicamente, por dois mecanismos: invasão dos tecidos e produção de toxinas. Os microrganismos podem produzir toxinas após a infecção do animal, ou este pode ser afetado diretamente por meio da ingestão de toxinas préformadas.
Os principais clostrídios que produzem doenças em bovinos são: Clostridium chauvoei, C. haemolyticum, C. novyi, C. perfringens e C. botulinum. As doenças causadas por esses microrganismos podem provocar graves prejuízos aos criadores, quando não forem devidamente controladas por meio de vacinação. Para facilitar o entendimento das várias doenças causadas pelas diversas espécies, elas serão apresentadas separadamente.
O C. chauvoei é o agente causador docarbúnculo sintomático, assim denominado para que seja diferenciado do carbúnculo verdadeiro ou hemático, provocado por outro microrganismo. O carbúnculo é uma doença infecciosa aguda, não contagiosa, que se caracteriza pela formação de gases nas grandes massas musculares dos bovinos. Como o animal se infecta ao ingerir os esporos presentes no solo, é mais comum a sua ocorrência em animais criados em pastagens. Os esporos entram na corrente sangüínea após penetrarem na mucosa digestiva e se localizam nos músculos, onde as bactérias se multiplicam, produzindo toxinas e gases. Os principais sinais observados são inchaço com gases, típico da doença, que ocorrem principalmente nos músculos traseiros, manqueira e elevação da temperatura corporal (41ºC). Nos casos agudos da doença, a morte pode ocorrer entre 24 e 48 horas após o início do aparecimento dos sinais. As vacinas polivalentes são utilizadas para o controle dessa doença. O tratamento, quando possível, é feito com antibióticos à base de penicilinas.
A gangrena gasosa ou edema maligno é a infecção provocada por C. septicum, C. chauvoei, C. sordellii, C. perfringens e C. novyi. Essa doença se caracteriza pela formação de edemas crepitantes no local da infecção. Essas feridas podem eliminar espuma amarelada. A doença em geral é conseqüência de castração, descorna, parto ou inoculações praticadas sem cuidados de assepsia. O diagnóstico pode ser feito com base nos aspectos macroscópicos do cadáver e no isolamento do agente. O controle é feito mediante vacinação sistemática.
As enterotoxemias são doenças que ocorrem nos bovinos em conseqüência de absorção de toxinas produzidas pelo C. perfringens no trato digestivo. Vários tipos de toxinas podem ser produzidos. As condições que favorecem a ocorrência dessa doença são a alimentação pobre em fibras e a mudança brusca no tipo de alimentação. Essa doença está associada a rebanhos alimentados com alto teor de concentrado, que propicia aumento de produção e de absorção de toxinas dos clostrídios no trato intestinal. Os sinais mais observados são depressão, anorexia (falta de apetite), inércia, ataxia e diarréia. Nos casos agudos, pode ocorrer morte súbita.
O diagnóstico é feito por meio da detecção das toxinas do C. perfringens no conteúdo intestinal dos animais doentes. É um tipo de diagnóstico feito somente em alguns laboratórios especializados e nem sempre facilmente acessível aos produtores rurais. Quando possível, o tratamento é feito à base de penicilinas. O controle é também feito por meio da imunização.
A hemoglobinúria bacilar é a doença provocada pelo C. haemolyticum, que se apresenta em áreas geográficas limitadas, geralmente em regiões úmidas onde ocorre o parasita Fasciola hepatica (barata-dofígado). O diagnóstico é feito pelo isolamento e pela identificação do agente.
O botulismo é a doença resultante da ingestão e da absorção de toxinas pré-formadas do C. botulinum, presente em alimentos deteriorados. Para os bovinos, são importantes as toxinas dos tipos C e D. A doença manifesta-se por paralisia flácida da musculatura esquelética, seguida por alto índice de mortalidade. A evolução da doença pode ser aguda ou subaguda, determinando paralisia motora progressiva. A toxina age nas terminações nervosas dos músculos. O diagnóstico deve ser baseado em achados clínicos e de laboratório (bioensaio, soroneutralização e microfixação de complemento). A profilaxia é feita mediante vacinação específica e adequada suplementação mineral do rebanho.
Leptospirose bovina
A leptospirose é uma zoonose causada por bactérias, que pode se manifestar de forma aguda ou crônica. Os quadros agudos ocorrem geralmente em animais mais jovens. Na forma crônica, a doença se caracteriza por baixa eficiência reprodutiva nos rebanhos acometidos, com casos de repetição de cio, abortos ao redor do quinto mês de gestação, mumificação fetal, natimortos e nascimento de bezerros debilitados. O contato com fetos, tecidos e líquidos placentários deve ser feito com cuidado, por representarem material potencialmente perigoso para contaminação do homem. Alguns bezerros podem apresentar crise hemolítica, com icterícia (mucosas amareladas), hemoglobinúria (presença de hemoglobina na urina, que se torna escura), pontos hemorrágicos nas mucosas, febre e anemia.
São consideradas patogênicas diversas variedades da espécie Leptospira interrogans. No Brasil, foram isolados as seguintes variedades: pomona, icterohaemorrhagiae, wolffi, guaicurus e hardjo. A variante L. hardjo tem sido a mais freqüente e a que causa maior impacto na eficiência reprodutiva dos rebanhos bovinos em diversas partes do mundo. As leptospiras penetram no organismo do hospedeiro por meio da pele lesada e das mucosas. Nessa fase, aparecem aumento da temperatura corporal, hemorragia e hemoglobinúria. Após deixarem a corrente circulatória, essas bactérias passam a se localizar nos rins, de onde podem ser eliminadas. O abortamento na leptospirose é conseqüência da invasão do feto por esses microrganismos. O diagnóstico de referência é feito por meio da soroaglutinação microscópica. Os métodos de isolamento direto podem ser também usados como diagnóstico. O tratamento recomendado é feito à base de estreptomicina e de medicação de suporte em casos graves (soroterapia, transfusão de sangue). Na prevenção e no controle, é importante eliminar as fontes de infecção. Animais portadores sadios e aqueles que estão se recuperando de um quadro clínico podem eliminar os microrganismos pela urina, e assim infectar outros animais sadios. Os ratos são considerados reservatórios permanentes de leptospiras e infectam depósitos de água, poças de água estagnada, bebedouros, cochos, etc. A vacinação é um dos pontos mais importantes, relacionados ao controle da doença. As vacinas devem ser produzidas com as mesmas variantes sorológicas diagnosticadas no rebanho. Atualmente, estão disponíveis no mercado vacinas polivalentes, que contêm todas as variantes sorológicas de interesse para os rebanhos brasileiros.
Rinotraqueíte infecciosa bovina
A rinotraqueíte infecciosa (IBR) é a infecção provocada pelo herpesvírus bovino do tipo 1 (HVB-1). Essa doença é conhecida principalmente por seus sinais respiratórios, como traqueíte e rinite, acompanhados de febre. O quadro clínico nos animais pode variar desde a forma benigna até as formas graves, dependendo de alguns fatores, tais como virulência das cepas, via de infecção, estado imunológico dos animais e dose infectante.
A vulvovaginite pustular é outra manifestação da infecção pelo vírus da IBR e atinge fêmeas de todas as idades. Caracteriza-se por febre e lesões vesiculares na mucosa vaginal e na mucosa vulvar, que evoluem para placas necróticas e descarga vaginal. Vacas afetadas podem apresentar abortos a partir do quarto mês de gestação, natimortos e nascimentos de bezerros fracos.
A forma genital também pode ser observada em machos infectados por HVB-1. O curso da doença pode ser crônico e o touro pode apresentar incapacidade temporária de monta, em decorrência de lesões no pênis.
A conjuntivite pode ser vista com os sinais de rinotraqueíte e de vulvovaginite ou isoladamente, e é possível haver infecções bacterianas secundárias.
O aborto ocorre em muitos casos, e problemas reprodutivos podem ser considerados manifestações mais comuns da infecção pelo HVB-1.
As infecções intestinais em bezerros podem ocorrer em casos de infecção do feto por esse vírus no final da gestação, ocasionando o nascimento de animais fracos, com diarréia persistente e que não respondem ao tratamento, sendo geralmente fatais. Em animais adultos, a diarréia provocada por esse vírus geralmente é branda. Alguns animais jovens podem apresentar quadro nervoso, em conseqüência de encefalite. Os principais sinais observados nesses casos são incoordenação motora e excitação, que terminam muitas vezes com a morte do animal.
A transmissão é feita principalmente pelo contato nasal, já que os vírus se concentram no trato respiratório. Essa doença também pode ser transmitida pelo sêmen de touros infectados, tanto em monta natural como por inseminação artificial.
Em rebanhos afetados, os animais com sinais da doença devem ser isolados. Casos mais graves podem ser tratados com antibióticos, apenas com a finalidade de evitar infecções secundárias, que poderiam colocar em risco a vida dos animais. O diagnóstico sorológico evidencia se o animal está ou não infectado, porém o animal soropositivo nem sempre manifesta clinicamente a doença. Os métodos de diagnóstico utilizados são a soroneutralização, a imunofluorescência e a hemaglutinação passiva. O controle é realizado por meio do uso intensivo de vacinas.
Diarréia viral bovina
A diarréia viral bovina (BVD) é a doença provocada por um Pestivirus. Em bovinos soronegativos (ausência de anticorpos no soro sangüíneo) e imunocompetentes (animais capazes de produzir anticorpos) para o vírus da BVD, a maioria das infecções (70% a 90%) são subclínicas. Após a infecção, o vírus se multiplica no tecido linfóide do trato respiratório, podendo causar aumento da temperatura corporal e queda na produção de leite. Quando a infecção se torna clínica, o quadro é conhecido como diarréia viral bovina. A infecção por esse vírus pode causar alta morbidade (grande número de animais afetados clinicamente) e baixa mortalidade em animais de seis meses a um ano de idade. Os sinais clínicos mais comuns são depressão, anorexia, descarga ocular e nasal, diarréia e queda na produção de leite. As infecções secundárias podem ocorrer e são responsáveis pelo agravamento do quadro clínico geral. Nova cepa de vírus causadora de diarréia sanguinolenta e de hemorragias petequiais nas membranas mucosas de animais foi identificada na América do Norte e na Europa. Em vacas prenhes, a infecção pelo vírus pode ser grave, com reflexos no feto. Esses efeitos no feto variam e dependem da idade do feto e do tipo de vírus presente. Desse modo, podem ser encontrados morte embrionária, abortos, natimortos e defeitos congênitos. A infecção entre 100 e 180 dias de gestação pode causar anomalias congênitas no feto (ausência de pêlos, opacidade de córnea, incapacidade de locomoção, etc.).
A forma clínica, conhecida como doença das mucosas, é esporádica e pode acometer bovinos entre seis meses e dois anos de idade. A doença das mucosas causa depressão, fraqueza, anorexia, emaciação, desidratação, acidose, lesões erosivas da mucosa bucal e nasal, diarréia aquosa, muitas vezes com sangue, e morte em poucos dias. O diagnóstico é feito por meio de exames sorológicos para pesquisa de anticorpos específicos e isolamento do vírus. A ocorrência de animais persistentemente infectados é o fato epidemiológico de maior importância para a manutenção da infecção no rebanho. Esses animais são sorologicamente negativos, mas eliminam o vírus continuamente. Eles devem ser identificados a partir da sorologia e do isolamento viral. O controle da doença no rebanho pode ser feito por meio do uso de vacinas.
Febre aftosa
A febre aftosa é uma das enfermidades virais que mais prejuízos causa à pecuária brasileira, pela restrição do comércio de animais e de seus produtos por parte dos países livres da doença. É uma doença de notificação compulsória. Existem sete tipos descritos de vírus da aftosa, imunologicamente diferentes. No Brasil, são prevalentes os sorotipos O, A e C.
Os sinais clínicos da doença são típicos das doenças vesiculares: anorexia, febre, sialorréia (salivação), vesículas que formam úlceras e se localizam no epitélio oral, nos espaços entre as unhas, nos tetos e na região coronária dos cascos. Não há tratamento específico para a doença, por ser uma infecção viral. O reservatório da doença são os animais com duas unhas. A fonte de infecção habitual são os bovinos ativamente infectados e os seus produtos. A ocorrência de animais com sinais suspeitos de febre aftosa deve ser comunicada rapidamente às autoridades sanitárias da região, que se responsabilizarão pelas providências necessárias. Após surtos da doença, todas as instalações devem ser desinfetadas e a propriedade isolada, pelo fato de ser uma doença altamente contagiosa. A média do período de incubação varia geralmente de dois a seis dias. O diagnóstico laboratorial é imprescindível, para que se possa fazer a diferenciação com outras doenças vesiculares. O material de escolha para ser enviado ao laboratório é o líquido das vesículas. O controle da doença é feito por meio da vacinação sistemática, com a vacina oleosa de ação prolongada, de acordo com calendário oficial. Essa vacinação poderá levar à erradicação da febre aftosa e à criação de novas áreas livres no País, de acordo com critérios da Organização Internacional de Epizootias (OIE), órgão mundial que controla a ocorrência das doenças no mundo.
São importantes para estabelecer o diagnóstico: o histórico do rebanho, a presença de morcegos hematófagos e a evolução dos sinais da enfermidade. O controle é feito mediante o uso de vacinas e a eliminação da população de morcegos hematófagos.
Raiva dos herbívoros
É uma enfermidade viral, aguda e fatal, caracterizada por sinais nervosos, representados por agressividade, mudanças de comportamento, paralisia progressiva e morte. É causada por vírus da família Rhabdoviridae do gênero Lyssavirus. A transmissão da doença nos bovinos é feita pelo morcego hematófago (que se alimenta de sangue), Desmodus rotundus.
O período de incubação pode variar entre um e três meses. Os animais infectados, após o período de incubação, apresentam outras três fases: período prodrômico, fase de excitação e fase paralítica, que termina com a morte. Durante a fase prodrômica, pode haver certa inquietude, aumento de temperatura de 1 a 2ºC e anorexia parcial. Durante a fase de excitação, alguns animais podem andar apressadamente, e apresentar atonia de rúmen e anorexia. Nessa fase, o diagnóstico pode ser de indigestão simples e a exploração da cavidade oral dos animais deve ser feita com cuidado, por causa do risco de infecção para os seres humanos. Como a raiva pode levar ao aparecimento de grande variedade de sinais, em qualquer caso suspeito, todos os cuidados devem ser tomados para proteger os seres humanos que possam entrar em contato com esses animais ou seus tecidos. Os veterinários que se expõem ao risco, em razão da natureza de seu trabalho, devem ser imunizados.
Leucose enzoótica bovina
A leucose enzoótica bovina é uma doença crônica dos bovinos, provocada por um vírus RNA da família Retroviridae. É difícil avaliar o real impacto dessa enfermidade na produtividade do rebanho. O vírus infecta os linfócitos, células brancas do sangue, que desempenham importante função nos mecanismos de imunidade a infecções.
A transmissão pode ser vertical (de mãe para filho) e horizontal (agulhas, contato, transfusão de sangue, etc.), o que dificulta muito o controle da infecção. A transmissão, em última análise, ocorre por meio da transferência de linfócitos contaminados. Existem duas formas clínicas que podem ocorrer no caso de infecção por esse vírus: na primeira ocorre linfocitose persistente (leucemia) e na segunda, a formação de tumores linfóides. A doença desenvolve-se em geral nos animais adultos e a mortalidade é geralmente baixa. Podem ocorrer aumento dos gânglios linfáticos superficiais e tumorações em vários órgãos. Placas de leucócitos podem ser observadas no útero, nos ovários, no fígado, no coração, etc. O diagnóstico clínico é baseado nos sinais, principalmente se houver aumento do volume de gânglios linfáticos. O exame de sangue irá mostrar acentuada linfocitose (aumento do número de linfócitos). Outros métodos de diagnóstico se baseiam na presença de anticorpos contra o vírus e são feitos principalmente por meio da técnica de imunodifusão em gel de ágar. Os anticorpos específicos no soro sangüíneo revelam a presença do vírus no organismo do animal e portanto confirmam a contaminação. Evitar a transferência de sangue (por meio de material cirúrgico, agulhas, seringas) entre animais infectados e sadios é uma prática indicada para reduzir a taxa de transmissão dentro do rebanho. Os bezerros nascidos de vacas positivas devem ser alimentados separadamente com o leite de vacas sadias. Não existe tratamento nem vacina para a doença e, quando possível, os animais positivos devem ser eliminados.
Doenças específicas de bezerros
Algumas doenças que afetam os animais recém-nascidos podem provocar sérios prejuízos aos produtores de leite. As diarréias têm papel de destaque em razão da sua alta incidência e do seu difícil controle. Muitos microrganismos podem provocar diarréia: protozoários, bactérias e vírus. Sempre que possível, deve ser feito um programa de controle dessas doenças, baseado na vacinação das vacas no final da gestação, na ingestão adequada de colostro pelo bezerro e na adoção de medidas estritas de higiene do ambiente e dos utensílios usados no aleitamento artificial. Apesar de muitos produtores adotarem medidas estritas para evitar os casos de diarréias neonatais, alguns casos persistem. Desde o surgimento dos primeiros sinais de diarréia, o bezerro deve receber soro oral, que possa ajudar na reposição de água e de eletrólitos perdidos. Independentemente da causa da diarréia, um fator que determina a morte do animal é a desidratação e a acidose metabólica. Os bovinos não possuem mecanismo eficaz de reabsorção do íon bicarbonato (que é perdido com a diarréia) e portanto esse elemento precisa ser administrado no soro. Casos graves de desidratação e de acidose metabólica devem ser tratados com soros alcalinizantes, aplicados por via endovenosa. Antibióticos deverão ser administrados sempre que os animais apresentarem aumento da temperatura corporal. Estão disponíveis no mercado vacinas que atuam contra várias doenças diarréicas, como colibacilose, salmonelose e rotaviroses.
Outras doenças que afetam muito os bezerros, principalmente em regiões onde as temperaturas caem muito em algumas épocas do ano, são as doenças pulmonares. Essas doenças também apresentam etiologia complexa, podendo ocorrer por ação de bactérias e vírus. Também, na prevenção das doenças respiratórias, a correta administração do colostro tem importância fundamental. A vacinação das vacas no período pré-parto é a melhor maneira de proteger os bezerros contra doenças neonatais.
As bezerras do rebanho devem receber tratamento especial, já que serão as futuras produtoras de leite. Os animais devem ser protegidos de qualquer forma de estresse: deficiências alimentares, exposição prolongada a frio e a calor intensos, etc. Após o nascimento, os animais devem receber o colostro o mais rapidamente possível. Somente nas primeiras doze horas de vida, o intestino dos bezerros é capaz de absorver integralmente os anticorpos presentes no colostro. A quantidade deve ser sempre superior a quatro litros, nas primeiras seis horas de vida. As bezerras devem ser constantemente observadas e, logo que seja verificado qualquer sinal de doença e estabelecido o diagnóstico, devem ser prontamente tratadas.
Definição do calendário de vacinação
Todo rebanho deve ter o seu calendário de vacinações, de modo a criar certa rotina de trabalho, que poderá ser planejada:
1) Vacas no pré-parto. Vacinar as vacas contra as principais doenças que acometem os animais recém-nascidos, como é o caso das doenças intestinais e pulmonares. Os bezerros se tornarão protegidos ao ingerirem o colostro. A necessidade da vacinação dependerá da indicação do veterinário responsável pela saúde do rebanho. Entre as doenças que podem ser evitadas pelo uso de vacina, pode-se citar: salmoneloses, pasteureloses, colibacilose, clostridioses e rotaviroses.
2) Fêmeas entre três e oito meses de idade.Vacinar contra a brucelose. Animais aos quatro meses devem receber a primeira dose de várias vacinas indicadas pelo veterinário, como leptospirose, clostridioses, IBR, BVD e raiva. Essa idade é ideal para iniciar os programas de imunização, porque, nessa idade, os animais já são capazes de desenvolver resposta imunológica eficiente. Para algumas vacinas, devem ser feitos reforços, trinta dias após a aplicação da primeira dose.
3) Todos os animais do rebanho.Vacinar contra a febre aftosa, de acordo com o calendário oficial. Fazer o reforço de todas as vacinas anuais e semestrais.
Considerações finais
O manejo sanitário do rebanho é extremamente importante, para que sejam evitadas doenças que possam interferir na produtividade e na qualidade do leite. À medida que se intensifica o sistema de produção, os métodos de profilaxia das doenças devem ser enfatizados. Os produtores devem ter sempre a orientação do veterinário da sua região.