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Investigação de perfis de resistência aos antimicrobianos em Staphylococcus aureus isolados na ordenha de vacas em lactação

Publicado: 12 de outubro de 2011
Por: Luiz Francisco Zafalon, Embrapa, Centro de Pesquisa de Pecuária do Sudeste/CPPSE, SP; Juliana Rodrigues Pozzi Arcaro, Instituto de Zootecnia, Centro de Bovinos de Leite, SP; Antônio Nader Filho, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista -UNESP-, SP; Luciano Menezes Ferreira, Instituto Aequitas, SP, e Lívia Castelani e Fabiane Benvenutto, Instituto de Zootecnia, Centro de Bovinos de Leite, Bolsistas Fundap, SP.
RESUMO
Os perfis de resistência de Staphylococcus aureus isolados a partir do leite de vacas com mastite, óstios papilares dos tetos e das teteiras foram estudados. As amostras de leite e dos óstios foram obtidas antes da ordenha dos animais e as das teteiras antes e durante a ordenha. Os testes de sensibilidade in vitro foram realizados de acordo com a técnica de Kirby e Bauer, utilizando-se 12 princípios ativos, com confirmação prévia de todas as amostras de S. aureus por técnicas moleculares. O perfil de resistência mais comum de S. aureus isolados no leite, óstios e insufladores foi à penicilina (48,3%, 36,8% e 25,9%, respectivamente). Além disso, em todas as fontes estudadas encontrou-se S. aureus com resistência à oxacilina, com características de multiresistência a outros antimicrobianos. O tratamento da mastite bovina deve ser realizado somente após o conhecimento da sensibilidade dos microrganismos responsáveis pela etiologia da doença aos diversos antimicrobianos. O isolamento de estirpes resistentes à oxacilina ilustra os riscos de transmissão destes patógenos pelo leite.
ABSTRACT
The resistance patterns of Staphylococcus aureus isolated from milk of dairy cows with mastitis, teat orifices and mouthpieces of the liners were studied. The samples from the milk and teat orifices were obtained before milking and samples from mouthpieces were obtained before and in the course of milking. The Kirby and Bauer standardized disc diffusion test was performed with previous confirmation of isolates by molecular method. The resistance to penicillin was predominant to the isolates from milk, teat orifices and mouthpieces (48.3%, 36.8% and 25.9%, respectively). The resistance to oxacillin was found in all sources studied, with characteristics of multidrug resistance. The bovine mastitis treatment is recommended after sensitivity tests to the different antimicrobials of microorganisms responsible by aetiology. The identification of strains oxacillin-resistant explains the care with the possibility of transmission of S. aureus by milk.
INTRODUÇÃO
Staphylococcus aureus é uma importante causa de mastite (inflamação da glândula mamária) em vacas leiteiras e as glândulas mamárias são os principais reservatórios a partir dos quais as bactérias são transmitidas para as outras vacas. Apesar de medidas preventivas evitarem a transmissão do patógeno de um animal a outro e reduzirem a incidência da doença, as infecções originadas de outras fontes como a ordenhadeira, o ar, a pele do animal e humanos, contribuem para a manutenção da doença no rebanho1. A bactéria também é conhecida como causadora de várias doenças purulentas no homem e animais, com possibilidade de transmissão entre ambos. Existem relatos sobre a ocorrência de cepas de S. aureus isoladas de leite bovino associadas a casos de infecção humana e resistentes a vários antibióticos. O acompanhamento dos perfis de resistência aos antimicrobianos de S. aureus é amplamente utilizado como ferramenta em estudos epidemiológicos de casos de infecção hospitalar em humanos2.
A sensibilidade de S. aureus aos diferentes antibióticos empregados no tratamento das doenças animais é de grande importância para o médico veterinário, pois visa fornecer subsídios para a terapia do animal acometido, bem como para todos os animais do rebanho submetidos às mesmas condições de manejo e, portanto, sob os mesmos riscos de infecção. Por todo o mundo, o aumento de prevalência de S. aureus multi-resistentes causadores de mastite bovina é grave, com a redução da efetividade de antimicrobianos e o aumento da morbidade e dos custos para combater a doença. Existe heterogeneidade genética considerável em populações naturais de S. aureus. Além disso, este é um importante patógeno responsável por casos de doenças de origem alimentar, por meio da ingestão de toxinas, constituindo um problema de saúde pública3,4.
Diante do exposto, o presente trabalho teve como objetivo estudar os perfis de resistência de S. aureus isolados dos óstios dos tetos e do leite de vacas em lactação, além das teteiras dos conjuntos de ordenha, a fim de caracterizá-los e analisar o antibiograma como um teste discriminatório para estes.
MATERIAL E MÉTODOS
Aprovado pelo Comitê de Ética da Embrapa Pecuária Sudeste em 14/04/2008
Características da propriedade rural e do rebanho
As vacas lactantes do Centro de Bovinos de Leite do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa, São Paulo, foram estudadas. A ordenha era mecânica em sistema de circuito fechado e realizada duas vezes ao dia. A população bovina constituiu-se de vacas P.O., holandesas e pardo-suíças.
Seleção dos animais
Entre agosto de 2005 e dezembro de 2006, todas as vacas lactantes e sadias foram submetidas mensalmente à prova do California Mastitis Test (CMT) para o diagnóstico de mastite subclínica ou inaparente, na qual reações positivas eram verificadas por meio da formação de viscosidade à leitura da mistura entre leite e reagente. Investigou-se, também, animais com o quadro clínico de mastite, com alterações macroscópicas do leite ou da glândula mamária. Durante o estudo, a mediana de vacas em lactação na propriedade foi de 52 animais, com um número mínimo de 40 e máximo de 66 animais em lactação.
Amostragem de leite dos quartos mamários
As amostras de leite que apresentaram qualquer grau de reação ao CMT e as de quartos mamários com mastite clínica foram colhidas de acordo com os procedimentos recomendados pelo National Mastitis Council 5. Após a limpeza do óstio papilar com álcool etílico 70% (v/v), utilizou-se tubos de ensaio esterilizados e coletou-se de 2 a 5 mL de leite, em duplicatas, de cada quarto mamário, antes do início da ordenha. Estas amostras foram acondicionadas em recipientes com gelo e levadas ao laboratório para isolamento e identificação bacterianos.
Amostras obtidas a partir dos óstios papilares
Imediatamente após a anti-sepsia efetuada pelo ordenhador, coletou-se amostras dos óstios papilares de animais positivos ao CMT, independentemente se todos os quartos foram reagentes, com o auxílio de suabe estéril, por meio da realização de movimentos circulares sobre o óstio6. O transporte foi realizado em tubos de vidro individuais com água peptonada estéril.
Amostras obtidas das teteiras
Suabes estéreis foram friccionados em movimentos circulares na porção final de cada um dos insufladores (quatro por cada conjunto de ordenha), em todos os conjuntos da ordenhadeira7. Os suabes foram transportados em tubos de vidro individuais com água peptonada estéril. As colheitas foram realizadas durante e após as ordenhas.
Isolamento e identificação de Staphylococcus aureus
O leite oriundo dos quartos mamários foi semeado diretamente em placas de Petri com ágar sangue de ovino a 5%, com auxílio de alça de platina, enquanto as amostras oriundas dos óstios e dos insufladores foram semeadas com os suabes utilizados nas colheitas. Todas as placas foram incubadas por 18 a 24 horas, a 37ºC. As colônias foram submetidas à coloração de Gram, com posterior realização das provas de catalase e coagulase lenta com plasma de coelho8. Os cocos Gram-positivos com reações positivas nas provas da catalase e coagulase foram, então, submetidos à prova para verificação da produção de acetoína e utilização da maltose e da trealose. As amostras positivas a estas provas foram classificadas como S. aureus 9.
Teste de sensibilidade a antimicrobianos
Os isolados foram submetidos aos testes de sensibilidade in vitro a partir da técnica de difusão em disco10
em placas de ágar Müeller-Hinton, frente a 12 antimicrobianos representados pela gentamicina (10 µg), penicilina (10 UI), oxacilina (1 µg), tetraciclina (30 µg), cefepime (30 µg), cloranfenicol (30 µg), eritromicina (15 µg), sulfazotrim (25 µg), vancomicina (30 µg), clindamicina (2 µg) , ciprofloxacina (5 µg) e rifampicina (5 µg). A aferição dos halos de inibição formados em torno dos respectivos princípios ativos foi realizada segundo o preconizado pelo National Committee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS)11.
Análises moleculares das amostras
Previamente aos testes de sensibilidade in vitro, confirmou-se a participação de S. aureus na etiologia da doença pela extração e amplificação do DNA cromossomal específico12. Para a extração do DNA bacteriano, foi utilizado o Kit GFX Genomic Blood® (GE Healthcare, Amersham Biosciences, São Paulo, Brasil), que contém o protocolo de extração de DNA para bactérias Gram positivas, as soluções de lise, de extração e de lavagem e colunas GFX de purificação. Foi realizado, também, um pré-tratamento com lisozima para auxiliar na lise bacteriana.
A amplificação de fragmentos de DNA cromossômico específico do S. aureus foi realizada de acordo com o protocolo descrito por Martineau et al.13. As reações compreenderam volume final de 20 µL contendo 20 mM Tris-HCl (pH 8,4), 50 mM KCl, 2,5 mM MgCl2, 0,2 mM de cada dNTP, 0,4 µM de cada oligonucleotídeo iniciador Sa442-1 (5'- AAT CTT TGT CGG TAC ACG ATA TTC TTC ACG- 3') e Sa442-2 (5'- CGT AAT GAG ATT TCA GTA GATAATACAACA- 3'), e 0,5 U de Taq polimerase em amplificação do tipo host-start. As misturas de PCR foram submetidas à desnaturação, por 3 min, a 94 °C e, posteriormente, a 30 ciclos de 1 s, a 95 °C, para desnaturação e 30 s, a 55 °C, para pareamento e extensão dos oligonucleotídeos iniciadores. Dez microlitros do produto amplificado foram visualizados após eletroforese em gel de agarose em concentração de 2% corado com brometo de etídio. Marcador de tamanho molecular 100 pb foi utilizado como padrão de peso molecular.
Avaliação da capacidade discriminatória do antibiograma
A capacidade discriminatória foi determinada segundo Hunter e Gaston14, pelo cálculo do índex numérico de discriminação "D", baseado na probabilidade de duas amostras não relacionadas e tomadas de uma mesma população, estarem classificadas em diferentes grupos de tipagem. O índex foi dado pela seguinte equação:
 
Investigação de perfis de resistência aos antimicrobianos em Staphylococcus aureus isolados na ordenha de vacas em lactação - Image 1
Onde "N" é o número total de amostras na população, "S" é o número total de tipos descritos e "nj" é o número de amostras pertencente a cada tipo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na mastite bovina, os programas de controle de S. aureus estão focados no combate à disseminação dos microrganismos de animal para animal e o monitoramento do estado infeccioso do rebanho é aspecto importante para o controle da doença15. O conhecimento dos padrões de resistência antimicrobiana do microrganismo é necessário e fundamental para o desenvolvimento de métodos preventivos que sejam efetivos, assim como para a construção de estratégias de tratamento, quando necessárias3.
Na Tabela 1 encontra-se a classificação de sensibilidade/ resistência aos princípios ativos testados, de acordo com a origem dos isolados de S. aureus.
Investigação de perfis de resistência aos antimicrobianos em Staphylococcus aureus isolados na ordenha de vacas em lactação - Image 2
Os princípios ativos aos quais os microrganismos originados do leite e óstios apresentaram a maior suscetibilidade foram o sulfazotrim e o cloranfenicol, respectivamente. Os isolados dos insufladores também apresentaram suscetibilidade superior a estes princípios ativos, 88,9% para ambos. Por outro lado, a penicilina foi o princípio ativo ao qual os microrganismos originados de leite, óstios e insufladores apresentaram maior resistência (63,3%, 82,1% e 92,6%, respectivamente). Ao considerar as sensibilidades médias de S. aureus isolados em leite, óstios e insufladores aos diferentes antimicrobianos, os percentuais mais elevados foram encontrados para o sulfazotrim (92,4%), cloranfenicol (92,3%), gentamicina (87,0%) e tetraciclina (84,4%) (dados não tabelados). Considerando-se as médias da resistência aos antimicrobianos das três fontes estudadas, os princípios aos quais os microrganismos apresentaram as percentuais mais elevados foram à penicilina (79,3%), oxacilina (25,4%), clindamicina (23,5%) e cefepime (20,9%) (dados não tabelados). Níveis superiores de resistência à oxacilina foram verificados para as amostras originadas de óstios e insufladores (32,1% e 40,7%, respectivamente), enquanto nos isolados originados do leite dos quartos mamários foi encontrado um percentual de resistência à oxacilina igual a 3,4%.
Na Tabela 2 encontram-se os diferentes padrões de resistência aos antimicrobianos para as estirpes de S. aureus isoladas no leite.
No leite dos quartos mamários com mastite houve uma maior prevalência de estirpes com resistência única à penicilina (48,3%), seguidas por aquelas que não apresentaram resistência a quaisquer dos antimicrobianos testados (33,8%). A sensibilidade a todos os princípios ativos testados foi inferior à encontrada por Ferreira et al.12, cujos resultados revelaram 75,3% de estirpes de S. aureus isoladas de casos de mastite bovina sensíveis a todos os antimicrobianos testados. Lange et al.16 relataram 48,5% de isolados de S. aureus sensíveis a todos os antimicrobianos testados e 43,9% resistentes à penicilina e à ampicilina. O amplo uso de penicilinas na medicina veterinária pode favorecer o desenvolvimento de resistência e explicar a maior prevalência de amostras resistentes a este princípio ativo.
Costa et al.17 também referiram-se a uma maior resistência de Staphylococcus isolados de casos de mastite clínica e subclínica aos antimicrobianos do grupo dos betalactâmicospenicilina. Estes microrganismos produzem betalactamases com capacidade de cindir o anel betalactâmico da estrutura do antimicrobiano, constituindo-se no principal mecanismo de resistência. Em humanos, o aumento da resistência bacteriana em amostras isoladas de processos infecciosos parece não ser somente pelo mau e intensivo uso, mas também pela transmissão via alimentos de origem animal ou pelo contato direto com animais de produção.
Duzentos e doze isolados de S. aureus obtidos de 58 propriedades leiteiras foram examinados quanto à resistência a antimicrobianos e um total de 24,5% foram resistentes a pelo menos um antimicrobiano dentre os testados. A resistência à penicilina e à sulfadimetoxina foram as mais comuns (9,9% e 7,5%, respectivamente)3. Dentre 815 amostras isoladas de casos de mastite bovina18, todas foram sensíveis à oxacilina, ciprofloxacina, tiamulina, vancomicina, virgiamicina, ceftiofur, florfenicol, quinupristina/dalfopristina e trimetoprim+sulfametoxazole, enquanto 32,4% das amostras foram resistentes à penicilina. André et al19 verificaram que, dentre S. aureus obtidos a partir de manipuladores, amostras de leite cru e queijo, todos foram suscetíveis à ciprofloxacina e à gentamicina, enquanto 65,4% apresentaram resistência à penicilina e 3,8% à oxacilina; 15,4% foram suscetíveis a todos os antimicrobianos testados (eritromicina, ciprofloxacina, tetraciclina, gentamicina, vancomicina, oxacilina e penicilina) e 25% foram resistentes a mais de um antimicrobiano. Pacheco et al.20 encontraram percentual de resistência de S. aureus à penicilina de 75,1% e verificaram sensibilidade das amostras à associação entre trimetoprim e sulfonamidas, que reduziu-se conforme o andamento do estudo.
Constitui-se em um motivo de preocupação a ocorrência de S. aureus resistentes a mais de um princípio ativo, o que traz dificuldades ao tratamento de animais com mastite. Porém, o valor aqui encontrado (15,9%) foi inferior ao citado por Nader Filho et al.21, igual a 100,0%. O isolamento de S. aureus resistentes a diferentes grupos de antibióticos usados no combate da mastite pode estar condicionado, entre outros fatores, ao mau uso de produtos com a aplicação em subdosagens ou um período insuficiente de tratamento dos animais. Associados às normas higiênicas de manejo de ordenha mal conduzidas, estes fatores favorecem a existência de portadores de S. aureus resistentes e facilitam a transmissão dessas bactérias entre animais de um mesmo ambiente, inclusive pelas mãos do ordenhador e de utensílios destinados à ordenha2.
A tipagem epidemiológica de amostras bacterianas pode ser feita por uma ampla variedade de técnicas. O poder discriminatório de um método de tipagem, por sua vez, é a habilidade do método em distinguir entre amostras não relacionadas e é determinado pelo número de tipos definidos pelo teste e as freqüências relativas destes tipos14. Vinte e um padrões foram identificados para as estirpes de S. aureus isoladas no leite de quartos com mastite. Assim, a capacidade da técnica do antibiograma em distinguir as amostras de S. aureus oriundas do leite de vacas com mastite foi de 65,5%. Este valor foi superior ao encontrado por Ferreira et al.12, igual a 42%, porém inferior ao de Lange et al.16, que relataram 85%.
Na Tabela 3 estão contidos os diferentes fenótipos de resistência aos antimicrobianos de S. aureus isolados a partir dos óstios.
Investigação de perfis de resistência aos antimicrobianos em Staphylococcus aureus isolados na ordenha de vacas em lactação - Image 3
Nos óstios foram encontrados 24 diferentes padrões de resistência, com 36,8% de resistência única à penicilina e 14% de suscetibilidade a todos os antimicrobianos. Estes valores foram inferiores aos encontrados para os microrganismos isolados do leite, cujas porcentagens foram de 48,3% e 33,8%, respectivamente. A capacidade discriminatória do antibiograma em distinguir as amostras de S. aureus isoladas em óstios foi de 84,5%, superior à encontrada para as amostras isoladas a partir do leite dos animais com mastite. Além disso, enquanto os isolados do leite exibiram cinco padrões que abrangeram a resistência à oxacilina, um total de 3,4% do total de amostras, S. aureus isolados a partir dos óstios exibiram 14 padrões que abrangeram a resistência a este princípio ativo, o que correspondeu a 31,6% das amostras. Os isolados provenientes dos óstios apresentaram uma maior amplitude de resistência aos antimicrobianos, quando comparados aos oriundos do leite dos quartos com mastite. Este fato não significa, necessariamente, que os microrganismos responsáveis pela mastite bovina não apresentam um maior número de padrões de resistência. Talvez haja a possibilidade deles, no caso do isolamento feito a partir do leite, se encontrarem no interior de fagócitos e apresentarem uma possibilidade menor de isolamento bacteriológico.
A Tabela 4 apresenta S. aureus oriundos dos insufladores, com os respectivos perfis de resistência.
Investigação de perfis de resistência aos antimicrobianos em Staphylococcus aureus isolados na ordenha de vacas em lactação - Image 4
De acordo com a tabela 4, S. aureus com resistência única à penicilina foram mais comuns (25,9%). Este porcentual foi inferior aos encontrados no leite e em óstios (48,3% e 36,8%, respectivamente). Os microrganismos isolados nos insufladores apresentaram 18 padrões diferentes, comparados aos 21 e 24 padrões das amostras de leite e óstios, respectivamente. A capacidade discriminatória do antibiograma para as amostras dos insufladores foi de 93,2%, superior às obtidas para os microrganismos isolados no leite (65,5%) e em óstios (84,5%).
A múltipla resistência de estirpes de S. aureus isoladas da água usada no processo de obtenção do leite foi constatada, em propriedades rurais da região de Jaboticabal, São Paulo22. Os achados foram preocupantes pelo papel da água como veiculadora de agentes infecciosos da mastite bovina, além da totalidade de S. aureus isolados apresentarem-se como resistentes à oxacilina. Concomitantemente às coletas de amostras efetuadas e constantes do presente trabalho, S. aureus foram pesquisados na água utilizada para a higienização das teteiras e para a lavagem dos tetos das vacas, imediatamente antes da ordenha e esta espécie não foi isolada. Também no presente trabalho, uma proporção superior de isolados resistentes à oxacilina nos insufladores e nos óstios dos tetos foi encontrada, em relação às amostras de leite. Poderiam estes achados estar relacionados com a presença das bactérias na água de higienização, onde as teteiras eram mergulhadas após a ordenha de cada animal, antes de serem colocadas no próximo animal a ser ordenhado. Porém, conforme mencionado anteriormente, não isolou-se S. aureus em amostras de água. Assim, apesar de não ser estudada a presença destes microrganismos nas mãos dos funcionários responsáveis pela ordenha, estes poderiam carrear as bactérias até os insufladores e para os óstios dos tetos, no momento em que as teteiras eram manuseadas antes da ordenha das vacas ou mesmo durante o manuseio dos tetos durante a lavagem com água, imediatamente antes da ordenha.
Microrganismos com resistência às penicilinas resistentes à penicilinase e classificados como S. aureus meticilina (oxacilina)-resistentes ("MRSA") são freqüentemente resistentes à maioria dos agentes antimicrobianos, incluindo os aminoglicosídeos, macrolídeos, cloranfenicol, tetraciclina e fluorquinolonas23,24. Isolados "MRSA" devem ser considerados resistentes a todas as cefalosporinas e outros ß-lactâmicos como a ampicilina, a amoxicilina, o ácido clavulânico, a combinação ticarcilina-ácido clavulânico e os carbapenos, devido aos resultados dos testes de sensibilidade in vitro obtidos, além de existirem evidências clínicas de que os isolados de S. aureus resistentes à oxacilina não respondem ao tratamento in vivo com cefalosporinas. A infecção do homem pelo consumo de produtos como o leite contaminado com linhagens "MRSA" de origem animal é possível e, uma vez ocorrida a transferência interespécie, estes microrganismos podem tornar-se disseminados no meio animal25.
Strommenger et al.26 relataram elevada prevalência de novas amostras epidêmicas emergentes de MRSA, com menor amplitude dos padrões de resistência. Porém, dentre as cinco amostras de S. aureus aqui isoladas a partir do leite, com resistência à oxacilina (Tabela 1), todas foram resistentes a múltiplos princípios ativos. Segundo relatos prévios, as amostras MRSA demonstraram fenótipo de multiresistência, porém com sensibilidade à ciprofloxacina e ao sulfazotrim25, diferentemente de isolados humanos27 em que apenas 8,8% de MRSA foram sensíveis à ciprofloxacina. Há a possibilidade do uso de penicilinas no tratamento da mastite elevar a incidência de MRSA em vacas e a sua associação com a mastite. No presente trabalho, entre os isolados MRSA identificados pelo antibiograma e originados do leite de quartos mamários com mastite, 60% (3/5) foram resistentes ao sulfazotrim e à rifampicina, 80% (4/5) apresentaram resistência à gentamicina e todos foram resistentes à clindamicina.
A resistência estafilocócica à meticilina está associada à aquisição do cassete cromossômico mec, considerado uma ilha de resistência e composto pelo gene estrutural meca. Asua expressão resulta na produção de PBP 2', uma proteína com alto peso molecular e baixa afinidade a antibióticos betalactâmicos13. Em estudo com 28 amostras de S. aureus resistentes à oxacilina, todas continham o gene Meca. Destas, 23 eram resistentes à eritromicina e/ou à clindamicina e em 15 destas o gene erm (A) estava presente, enquanto em oito detectou-se o gene erm (C)26. Lee25 relatou 17 S. aureus resistentes à oxacilina de um total de 265 isolados a partir do leite bovino, em que 12 eram meca-positivos. Há uma concordância de 97,6% entre resultados de resistência de S. aureus à oxacilina, pelo teste de difusão com discos, com os resultados de PCR para o gene Meca e um porcentual de 93,9% de amostras resistentes à oxacilina pelos testes com disco apresentaram o gene Meca28. Porém, não é excluída a possibilidade de S. aureus resistentes à oxacilina pelo teste de difusão de disco, mas Meca-negativos, apresentarem mecanismo de resistência não mediado por Meca, associado com outros mecanismos. Santos et al.28, por exemplo, dentre 17 amostras de S. aureus responsáveis por casos de mastite bovina e resistentes à oxacilina no teste de difusão, não observaram a amplificação do fragmento correspondente ao Meca em nenhuma. Sugeriu-se que a resistência à oxacilina decorria da hiperprodução de betalactamases e da presença do gene fem.
Estudos que tratam da sensibilidade a antimicrobianos de microrganismos causadores de mastite em vacas leiteiras no Brasil, apontam para o crescente aumento dos padrões de resistência, principalmente por parte de S. aureus. Os riscos à saúde do consumidor são evidentes, pelo uso indiscriminado de medicamentos para o tratamento da doença no animal e a possibilidade de resíduos de antimicrobianos no leite, o que pode acarretar a seleção de bactérias resistentes em humanos29.
CONCLUSÕES
A escolha do medicamento a ser utilizado para o tratamento da mastite bovina por S. aureus deve ser feita após o conhecimento do perfil de sensibilidade dos microrganismos frente aos antimicrobianos, para ajudar na tomada de decisões e reduzir perdas na produção de leite, além de impedir o aparecimento de estirpes resistentes. O perfil de resistência à penicilina foi predominante, o que demonstra a possibilidade de ineficácia deste princípio ativo no tratamento da doença. O isolamento de estirpes resistentes à oxacilina ilustra os riscos de transmissão destes microrganismos pelo leite.
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