Introdução
A silagem de milho é amplamente utilizada, compondo a maior parte da ração para ruminantes, sendo que o desempenho desses animais está associado ao valor nutritivo do alimento. É ainda um dos mais importantes alimentos do setor agrícola não somente por ser elemento básico da ração animal e possuir qualidades nutricionais, mas também por sua versatilidade de uso, gerando um aumento no consumo de milho, havendo, portanto a necessidade de se incrementar a produtividade da cultura por área plantada.
Visando atingir consideráveis aumentos na produtividade do milho, aliados a significativa redução de custos de produção e menores impactos ambientais, este último devido ao menor uso de agrotóxico, muitas tecnologias foram desenvolvidas, sendo uma destas os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs).
Os transgênicos chamados Bt, como é o caso do milho, são aquelas culturas que tiveram inseridos em seu código genético genes de uma bactéria, o Bacillus thuringiensis, que produz toxinas inseticidas, levando à morte o inseto-alvo que se alimenta de qualquer parte da planta Bt.
Devido à rápida expansão do milho transgênico e sua vasta utilização por produtores na alimentação animal, o objetivo desse trabalho foi avaliar a degradabilidade in situ em animais fistulados no rúmen, a fim de estimar o valor nutricional das silagens de milho com o gene Bt e suas contrapartes isogênicas sem o gene Bt.
Material e Métodos
O experimento de degradabilidade in situ foi conduzido na unidade de ovinos do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa-SP. Foram utilizados quatro ovinos machos inteiros adultos, fistulados no rúmen, alojados em baias individuais, durante 56 dias, compreendendo 4 períodos. Os animais foram alimentados com silagem de duas variedades de milho, AG 8088 (híbrido de milho da Agroceres) e DKB 390 (híbrido de milho da Dekalb) e suas contrapartes isogênicas com o gene Bt, compreendendo quatro tratamentos, sendo T1: silagem de milho AG, T2: silagem de milho AGBt, T3: silagem de milho DKB e T4: silagem de milho DKBBt. Na Tabela 1 encontra-se a composição bromatológica das silagens.
A determinação da degradabilidade da matéria seca dos tratamentos com silagem de milho foi realizado pela técnica de sacos de náilon in situ, conforme padronização descrita por Huntington e Givens (1995).
Os quatro tratamentos de silagem de milho foram secos em estufa de circulação de ar, mantidas a 55o C até peso constante e em seguida moídos em peneiras de malha 2 mm e amostras de 7g colocadas nos sacos de náilon. Os animais tiveram período de adaptação à dieta de nove dias. Após esse período, diariamente durante cinco dias foram introduzidos no rúmen dos animais os sacos de náilon, e os tempos de incubação no rúmen foram: zero (0), 3, 6, 9, 24, 48, 72 e 96 horas.
Após s retirada, os sacos incubados foram lavados em água corrente até que o líquido da lavagem se apresentasse límpido, sendo em seguida colocados em estufa de circulação forçada a 55°C até peso constante, para a determinação do teor de MS nas amostras incubadas, segundo AOAC (1975). Os dados de degradação in situ da MS foram ajustados no modelo matemático proposto por Ørskov e McDonald (1979) para determinar o percentual de proteína que é degradada pelos microrganismos, bem como a degradabilidade efetiva do material. Este modelo é obtido pela seguinte:
Equação1:
Dp = a + b (1 - e -ct)
Em que:
DP = Degradabilidade potencial estimada (%), ou quantidade do substrato degradado no tempo t;
a = fração rapidamente solúvel;
b = fração que pode ser degradada se houver tempo;
c = velocidade ou taxa de degradação da fração b;
e = logaritmo que representa o tempo de colonização dos microrganismos nas partículas para início da degradação microbiana (lag time);
t = tempo de incubação.
O valor de "a+b" representa o potencial máximo de degradação ou fração que poderá ser degradada no rúmen quando o tempo não for o limitante A degradabilidade do alimento tende a alcançar um máximo e estacionar à medida que o tempo passa e essa porcentagem de material realmente degradado é chamado de degradabilidade efetiva (DE), ela nos dá resultados mais próximos dos verdadeiros valores de degradação, para tanto, em sua equação são inseridos valores conhecidos da taxa de passagem do alimento pelo trato gastrintestinal.
Equação 2:
DE = a + [(b * c) / (c + kp)]
Em que:
DE = Degradabilidade efetiva (%);
a = fração rapidamente solúvel;
b = fração que pode ser degradada se houver tempo
c = velocidade ou taxa da degradação da fração b;
kp = taxa de passagem da digesta do rúmen (5%/hora)
As equações de degradação in situ e dos parâmetros (a, b, c) foram estimadas pelo método interativo provido pelo SAS.
Resultados e Discussão
O valor nutritivo das forragens está intimamente relacionado à taxa de desaparecimento no rúmen, portanto, a degradabilidade da MS é influenciada diretamente pelo valor nutritivo do alimento (Van Soest, 1994) e a técnica in situ permite que a digestão da MS seja estimada de forma cinética.
Ao analisar os parâmetros relacionados à cinética da degradação in situ da MS (frações a, c e DE 2%), como dispostos na Tabela 2, observou-se interação (p<0,05) entre os fatores variedade e OGM. Por esse motivo os resultados passaram a ser descritos considerando como tratamentos as associações entre diferentes variedades com presença ou não do gene. A fração b e DP apresentaram efeito apenas para variedade (p<0,05). De acordo com Huntington e Givens (1995) a fração (a) da MS, representa essencialmente a fração solúvel e à perda de partículas de alimentos a partir dos sacos inseridos no rúmen do animal, e isso pode estar relacionado a uma maior disponibilidade dos carboidratos para o aproveitamento, ou seja, quanto maior a fração (a), maior a disponibilidade para pronto uso. Sendo assim, a fração (a) apresentou interação estatística (p<0,05) entre os fatores variedade e presença/ausência do gene Bt. Para essa fração, a variedade DKB e seu híbrido com o gene Bt não diferiram entre si (42,87 e 43,09), no entanto a variedade DKB foi superior à variedade AG tanto na presença quanto na ausência do gene. O AG com o gene apresentou uma leve redução quando comparado a sua contraparte isogênica sem o gene (35,68% e 37,85% respectivamente), sendo estes valores compatíveis aos obtidos por ensaios de degradabilidade in situ realizados por Pires et al., (2006) que obtiveram 38,15%.
A degradação da fração potencialmente degradável no rúmen (b) não apresentou efeito de interação, ocorreu efeito apenas para variedade (p<0,05), em que AG apresentou maior valor (39,42) quando comparada a variedade DKB (34,94). Assim, pode-se dizer que onde ocorreu um maior percentual de degradação da fração (b), as silagens apresentaram maior potencial de utilização da fibra pelos ruminantes, resultando assim em maior energia disponível para o animal após o processo de degradação no rúmen (Bumbieris Junior et al. 2011).
Para a fração (c), a variedade AG com o gene Bt apresentou uma diminuição da degradabilidade (0,024) quando comparada a sua contraparte sem o gene (0,045), ocorrendo o inverso na variedade DKB em que, com inserção do gene Bt (0,035) ocorreu aumento da quantidade de fibra não degradável no rúmen quando comparada ao seu híbrido (0,026). Esses resultados, encontram-se dentro da média sugerida por Sampaio (1988) que geralmente encontra-se entre 2 e 6% para maioria dos alimentos vegetais de boa qualidade.
Os diferentes valores de (c) descritos para MS interferem diretamente na degradabilidade potencial (DP) e na degradabilidade efetiva considerando taxa de passagem de 2%/hora (DE2), e isso se deve a utilização deste fator para o cálculo dessas variáveis. Como pode ser observado na Tabela 2, as silagens que apresentaram maior valor de (c), consequentemente apresentaram menor valor de DP e maior valor de DE2.
Assim como a fração b, a DP não foi alterada pela inserção do gene, não havendo interação (p>0,05) sendo estes componentes da matéria seca afetados apenas pelo fator variedade (P<0,05), sendo que a variedade DKB apresentou maior DP (77,4) em relação ao AG (75,59).
Para a degradabilidade efetiva para as taxas de passagem iguais a 2%/hora (DE2), ocorreu um aumento significativo (p<0,05) na variedade DKB com o gene Bt, apresentando valor de 65,14 quando comparadas a mesma variedade sem o gene (63,02) e com o AG na presença do gene (57,59) (p<0,05). A inserção do gene na variedade AG exerceu ação negativa sobre essa variável quando comparado a sua contraparte isogênica sem o gene (64,7).
Conclusões
Os resultados apresentados demonstram que a cinética de degradação para a fração (a), apesar dos valores terem sido superiores para a variedade DKB, os valores encontrados para AG encontram-se dentro dos considerados ideais por autores. A fração (b) que representa o potencial de utilização da fibra pelo animal apresentou melhor resultado para a variedade AG em relação à variedade DKB, não sendo afetado pelo OGM. A fração (c), apesar da diferença significativa, ambos os valores ficaram dentro do considerado ideal para um alimento de boa qualidade, no entanto, com relação à DP a variedade DKB foi superior à variedade AG. Dessa forma, pode-se dizer que as silagens apresentaram maiores diferenças entre variedades do que as geneticamente modificadas com gene Bt, o que não afetou de maneira negativa a cinética de degradação da MS.
Literatura Citada
ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALITICAL CHEMISTS - AOAC. Official methods of analysis. 12.ed. Association of Analytical Chemistry, Washington, D.C., 1975, p. 1094.
BUMBIERIS JUNIOR, B.H.V. Degradabilidade ruminal e fracionamento de carboidratos e proteína em silagens de triticale em cultivo singular ou misturas com aveia e/ou leguminosas. Semina: Ciências agrárias, Londrina, v.32, n.2, p. 759-770, 2011.
HUNTINGTON, J.A.; GIVENS, D.I. The in situ technique for studying the rumen degradation of feeds: a review of the procedure. Nutrition Abstracts and Reviews, (série B), v.65, p, 64-93, 1995.
ØRSKOV, E. R.; McDONALD I., The estimation of protein degradability in the rumen from incubation measurements weighted according to rate of passage. Journal of Agricultural Science, Cambridge, v. 92, p. 499-503, 1979.
PIRES, A. J. V.; REIS, R. A.; CARVALHO, G. G. P.; SIQUEIRA, G. R.; BERNARDES, T. F.; RUGGIERI, A. C.; ALMEIDA, E. O.; ROTH, M. T. P. Degradabilidade ruminal da matéria seca, da fração fibrosa e da proteína bruta de forrageiras. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 41, n. 4, p. 643-648, 2006.
SAMPAIO, I.B.M. Experimental designs and modeling techniques in the study of roughage degradation in rumen and growth of ruminants. Reading: University of Reading, 1988. 214p.
VAN SOEST, P. J. Nutritional ecology of the ruminant. Ithaca: Comstock Publ. Assoc., 1994, p. 476.
Tabela 1- Composição bromatológica das silagens contendo o gene cry1Ab e de suas contrapartes convencionais sem o gene cry1Ab
Tabela 2. Parâmetros de degradação ruminal da matéria seca (MS).
**O artigo foi originalmente publicado por XXIX CONGRESSO NACIONAL DE MILHO E SORGO - Águas de Lindóia - 26 a 30 de Agosto de 2012-