Introdução
No Brasil a geração e a adaptação de tecnologias têm contribuído para melhorar o desempenho da pecuária nacional, proporcionando crescimento que tornou o Brasil um dos maiores produtores mundiais de carne. Apesar do grande destaque no mercado mundial, a carne bovina brasileira ainda é produzida em sistemas de criação extensiva, sujeitos à escassez periódica de forragens e ao controle sanitário insatisfatório.
A ocorrência de graves infestações pelo carrapato Rhipicephalus (B.) microplus e a infecção por microrganismos (babesioses e anaplasmoses) transmitidos por ele representam umas das principais fontes de prejuízos para os produtores de bovinos. O carrapato bovino encontra condições favoráveis para o seu desenvolvimento em quase todo o território brasileiro, e as altas infestações por esses ácaros geram perdas consideráveis (GONZALES, 2003). Independentemente dos efeitos da tristeza parasitária sobre o rebanho, os carrapatos afetam os animais principalmente por provocarem anemia, imunossupressão e redução da ingestão de alimentos (JONSSON, 2006).
O controle da população de carrapatos por mais de um século tem sido baseado principalmente no uso de acaricidas. Entretanto, o uso indiscriminado de diversos princípios químicos tem determinado um grave quadro de resistência genética desses parasitos, o que reduz a vida útil dos produtos utilizados (DAVEY et al., 1998; FRISCH, 1999). Além dos problemas de resistência, a presença de resíduos desses medicamentos na carne, no leite e no meio ambiente tem levado à reflexão sobre a necessidade de pesquisa de novos medicamentos para o controle desses parasitos. A investigação de alternativas sustentáveis e racionais para a produção de alimentos de alta qualidade biológica procura mobilizar de maneira harmoniosa todos os recursos disponíveis, com redução de impacto e de poluição ambiental. Com esse propósito os extratos de várias plantas originárias de regiões tropicais e subtropicais têm sido testados, e vários demonstraram atividade acaricida contra algumas espécies de carrapatos.
O Nim (Azadirachta indica) é uma planta tropical que apresenta ampla utilização no campo da saúde e, quando empregado com critério, não produz resíduos potencialmente tóxicos para os seres humanos e para o meio ambiente (BOEKE et al., 2004). Os extratos dessa planta vêm sendo utilizados de maneira experimental, com resultados inconstantes. Uma das causas dessa inconstância é que a maioria dos trabalhos descritos na literatura utilizou soluções preparadas de forma empírica com diferentes partes da planta, nas quais, geralmente, os princípios ativos estão presentes em diferentes concentrações.
O objetivo deste comunicado técnico é expor e discutir os principais aspectos relacionados à utilização dos extratos de Nim no controle do carrapato bovino R. (B.) microplus.
O carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus e sua importância econômica
O R. (B.) microplus é uma espécie originária da Ásia e que se distribui na região neotropical entre os paralelos 32 Norte e 32 Sul, de modo a abranger importantes zonas da América Central, da América do Sul, da África e da Oceania (GONZALES, 2003). Praticamente todo o território brasileiro encontra-se no espaço de ocorrência desse parasito, e na Região Sudeste do Brasil, por exemplo, o parasitismo ocorre de forma sazonal, com maiores infestações nos meses quentes e úmidos do ano (FONSECA et al., 1997). R. (B.) microplus parasita preferencialmente bovinos e estabeleceu-se na maioria dos países tropicais e subtropicais por meio da importação de gado do continente asiático (OLIVEIRA-SEQUEIRA e AMARANTE, 2002).
Estudos de filogenia molecular por análise e comparação de sequências de DNA permitiram caracterizar e determinar grande similaridade entre os gêneros Rhipicephalus (KOCK, 1844) e Boophilus (CURTICE, 1891). Revisado o estudo de filogenia entre esses gêneros, foi alterada a nomenclatura, e o gênero Boophilus tornou-se subgênero de Rhipicephalus (MURRELL e BARKER, 2003).
R. (B.) microplus desenvolve todo o seu ciclo biológico em um único hospedeiro, com uma fase de vida livre, que ocorre a partir do desprendimento da fêmea ingurgitada, e uma fase parasitária, que ocorre sobre o hospedeiro. A fase parasitária dura cerca de 20 a 22 dias. A fase de vida livre ocorre em menor espaço de tempo em meses mais quentes (primavera-verão) e em períodos maiores nos meses mais frios (outonoinverno), assim essa fase pode variar de 41 dias a até 300 dias, na dependência das condições ambientais.
A fase de vida livre inicia-se quando a fêmea ingurgitada de sangue desprende-se do hospedeiro e cai ao solo. Elas procuram áreas protegidas dos raios solares diretos, com temperatura e umidade favoráveis, para iniciar a postura. Já no solo, inicia-se o período de pré-postura, que dura entre dois e três dias. Ao final desse período, inicia-se o período de postura, que dura cerca de 15 dias, cujo quinto dia é aquele no qual ocorre a maior produção de ovos. A eclosão das larvas inicia-se ao redor do sétimo dia após o final do período de postura e completa-se em mais sete dias, quando as larvas tornam-se infestantes. Em condições desfavoráveis podem transcorrer mais de 100 dias entre o final da postura e a eclosão das larvas.
A fase parasitária inicia-se com a fixação da larva infestante no animal. Inicialmente a larva alimentase de linfa, seu corpo dilata-se, ela sofre uma muda metamórfica e passa a ser chamada de metalarva, que após ruptura das paredes abdominais libera a ninfa, em torno do oitavo dia após a fixação. Nesse estágio, o parasito já começa a se alimentar de sangue. A ninfa alimenta-se, sofre outra muda e libera a metaninfa e, a partir dessa fase, sofre a diferenciação sexual. Os machos jovens são denominados neandros e gonandros, ao se tornarem adultos (15° dia após a fixação). Os machos são menores que as fêmeas e percorrem o corpo do animal, alimentando-se de sangue e fecundando várias fêmeas. A fêmea jovem é denominada neógina e ao redor do 18° dia denomina-se partenógina, quando apresenta maturidade sexual. Após a fecundação a fêmea continua seu repasto sanguíneo ingurgitando-se totalmente ao fim do período parasitário, quando passa a ser denominada teleógina (ao redor do 21° dia). A teleógina cai no solo para iniciar a postura. As teleóginas chegam a ingerir de 2 a 3 mL de sangue durante sua vida parasitária e transformam cerca de 60% de sua massa corporal em ovos, que em média, chegam a 3.000 unidades. Um grama contém cerca de 20.000 ovos de R . (B.) microplus (GONZALES, 2003).
O carrapato R. (B.) microplus é o principal ectoparasita dos bovinos, e a sua importância econômica é calculada a partir dos danos e prejuízos que causa (WILLADSEN e RIDING, 1980; O’KELLY e KENNEDY, 1981). Durante a fixação, os carrapatos provocam lesões na pele dos animais que imediatamente podem servir de porta de entrada para infecções bacterianas ou para a instalação de miíases.
Horn (1983) estimou que os danos causados pelo carrapato R. (B.) microplus aos bovinos, que consistem em mortalidade, redução no ganho de peso, efeitos sobre o couro, gastos com carrapaticidas e diminuição na produção de leite, chegavam a US$ 968 milhões no Brasil. Em função do aumento do rebanho bovino de 76 milhões para 169 milhões de cabeças entre 1983 e 2000, essas perdas ultrapassam os US$ 2 bilhões, conforme estimativa feita por Grisi et al. (2002).
As lesões produzidas pelo carrapato na pele do animal também acarretam prejuízos para a indústria do couro. Essas lesões diminuem a resistência do material, conferem aparência ruim ao produto e restringem a sua utilização na indústria, que manifesta seus interesses por produtos íntegros e resistentes (GONZALES, 2003).
Entre os problemas sanitários gerados pelo carrapato R. (B.) microplus no Brasil, os agentes da tristeza parasitária bovina são considerados os mais importantes. Essas doenças causam grandes prejuízos devido à mortalidade dos animais, aos abortos, à redução de fertilidade e à queda na produção de carne e de leite. Independentemente dos efeitos da tristeza parasitária, os carrapatos afetam os animais principalmente por provocarem anemia, imunossupressão e redução da ingestão de alimentos. Cada carrapato ingurgitado é responsável pela perda de aproximadamente 1 g de peso vivo e de 10 mL de leite em vacas em lactação (JONSSON, 2006). Dentre as fontes de prejuízos ocasionadas por esse ácaro, os gastos financeiros originados das diversas ações necessárias para o seu controle estão entre as principais, tais como a construção de banheiros com sistema de aspersão, gastos com serviços veterinários e com pessoal, carrapaticidas etc.
A resistência aos carrapaticidas
O controle da população de carrapatos nos rebanhos brasileiros, por mais de um século, tem sido baseado principalmente no uso de acaricidas. O uso indiscriminado de diversos princípios químicos determinou um grave quadro de resistência genética nesses parasitos, reduzindo a vida útil dos princípios utilizados. Em alguns casos a ocorrência da resistência impede a utilização de todas as classes de acaricidas disponíveis, fazendo com que o controle da espécie seja praticamente inviável. O uso de carrapaticidas é orientado principalmente pela pressão do mercado, mas há falta de informações técnicas a respeito da melhor utilização desses produtos, bem como de informações sobre a biologia do parasita e sobre as estratégias de controle.
Diversos estudos (WHARTON e ROULSTON, 1970; BRUN et al., 1983; MARTINS e FURLONG, 2001; KLAFKE et al., 2006; RODRÍGUEZ-VIVAS et al., 2006; DAVEY et al., 2008) têm relatado que o uso constante e incorreto de acaricidas de diferentes bases químicas resulta na seleção de cepas de R. (B.) microplus resistentes (BARROS e EVANS, 1989; FURLONG, 1993). O processo de seleção natural favorece os artrópodes resistentes e, com a reprodução desses, a resistência na população é aumentada. Como resposta, novos inseticidas também foram desenvolvidos.
A resistência dos carrapatos aos carrapaticidas está presente na maior parte das regiões do mundo nas quais é realizado seu controle químico. Consequentemente, o uso excessivo, sem a compreensão da ecologia e da epidemiologia do carrapato, aliado a falhas de detecção, levou ao desenvolvimento de resistência à quase todas as classes de drogas (PEREIRA et al., 2008).
Os mesmos autores, em um levantamento na literatura de relatos de resistência de R. (B.) microplus aos acaricidas, observaram que de 1996 a 2006 foram descritos muitos casos de resistência a vários princípios químicos (piretróides, organofosforados, imidinas e lactonas macrocíclicas). Além desses, existem suspeitas de resistência ao fipronil. Entre as drogas disponíveis no mercado, apenas o fluazuron e o spinosad ainda não foram relatados como drogas que já provocaram resistência.
Os mesmos autores, em um levantamento na literatura de relatos de resistência de R. (B.) microplus aos acaricidas, observaram que de 1996 a 2006 foram descritos muitos casos de resistência a vários princípios químicos (piretróides, organofosforados, imidinas e lactonas macrocíclicas). Além desses, existem suspeitas de resistência ao fipronil. Entre as drogas disponíveis no mercado, apenas o fluazuron e o spinosad ainda não foram relatados como drogas que já provocaram resistência.
Utilização de extratos vegetais no controle de parasitos
Durante séculos, as plantas foram a única fonte de substâncias terapêuticas para o homem. Com o desenvolvimento da química farmacêutica, a partir do século XIX, as plantas representaram o recurso mais importante para o desenvolvimento de medicamentos. Atualmente, embora o desenvolvimento da farmacoterapia tenha se expandido rapidamente, apenas 25% dos medicamentos prescritos são derivados de plantas, e 120 substâncias de origem natural obtidas de cerca de 90 espécies de plantas são empregadas nos tratamentos modernos. Em torno de 44% das novas drogas que estão sendo desenvolvidas são baseadas em produtos naturais (HOSTETTMANN et al., 2003). As plantas produzem uma inconstante variedade de alomônios para protegê-las dos insetos fitófagos e de outros herbívoros. Esses metabólitos frequentemente têm também um papel ecológico tais como o de serem atrativos para polinizadores, representarem adaptações químicas à pressão ambiental ou servirem como defensores químicos contra microrganismos, insetos e predadores superiores e, até mesmo, contra outras plantas (aleloquímicos). Geralmente, os metabólitos secundários são armazenados pelas plantas em menores quantidades que os metabólitos primários, sendo por isso, mais valorizados no mercado. Na medicina popular, uma enorme variedade de plantas é utilizada, porém, na maioria das vezes, o conhecimento científico de suas particularidades antiparasitárias é nulo ou está apenas em fases iniciais das pesquisas. Atualmente diversas plantas têm sido investigadas como candidatas a novos fármacos naturais, porém, existem aproximadamente 350.000 plantas no mundo inteiro que ainda não foram submetidas a qualquer estudo fitoquímico e farmacológico (HOSTETTMANN et al., 2003).
Em levantamento quantitativo de plantas medicinais da vegetação da caatinga do Brasil, Albuquerque et al. (2007) confirmaram que muitas plantas nativas dessa região apresentaram alvos potenciais para futuros estudos farmacológicos e fitoquímicos. Os extratos de várias plantas originárias de regiões tropicais e subtropicais têm sido testados e alguns demonstraram atividade acaricida contra certas espécies de carrapatos (BARROS e EVANS, 1989; PRATES et al.,1993).
Chagas et al. (2002) avaliaram a atividade de óleos essenciais e concentrados emulsionáveis de Eucalyptus spp. (eucalipto) contra larvas e fêmeas ingurgitadas de R. (B.) microplus e comprovaram efeito acaricida contra os mesmos. Da mesma forma, Fernandes e Freitas (2007) avaliaram a atividade acaricida do extrato de Copaifera reticulata (copaíba) contra as larvas dos mesmos ácaros e confirmaram grande eficácia como acaricida botânico.
Sousa et al. (2008) estudaram o efeito de extratos hexânicos de Melia azedarach (cinamomo) e observaram altas eficácias e DL 50 cerca de 1,5 vezes menor para os extratos originários de frutos verdes, quando comparado aos de frutos maduros, embora ambos extratos nas maiores concentrações tenham apresentado eficácia significativa.
Alvarenga et al. (2004) estudaram o efeito do uso do alho (Allium sativum) no controle do carrapato bovino e verificaram redução da carga desses parasitos quando os hospedeiros ingeriram diferentes níveis do resíduo do beneficiamento da planta.
O Nim (Azadirachta indica)
O Nim (Azadirachta indica A. Juss) é uma planta originária da Ásia e hoje está presente em áreas subtropicais e tropicais da África, da América e da Austrália (SCHUMUTTERER,1990). No Brasil, foi introduzida a partir de 1993 quando os primeiros plantios, em nível experimental, foram estabelecidos na região do cerrado do Estado de Goiás (NEVES, 2004).
O Nim é uma planta perene ou decídua, bastante resistente e de crescimento rápido. Em condições climáticas favoráveis pode atingir até 25 metros de altura. Os frutos, produzidos geralmente uma vez ao ano, às vezes duas, possuem forma oval com comprimento entre 1,5 e 2,0 cm e, quando maduros, apresentam polpa doce amarelada e tegumento branco com um óleo marrom no interior da semente (SCHUMUTTERER, 1990). As folhas do Nim são verde-escuras, compostas, imparipenadas, simples e sem estípulas. Suas flores são hermafroditas, de cor branca, aromáticas com inflorescência densa e com estames formando tubo (NEVES, 2004).
Atualmente, diversas pesquisas conduzidas em várias partes do mundo tentam estabelecer os mecanismos de ação de compostos obtidos a partir de meliáceas, principalmente da espécie Azadirachta indica, sobre os insetos. Os compostos presentes nos extratos do Nim exercem atividade nos processos reprodutivos, comportamentais, alimentares e de crescimento dos artrópodes (SCHUMUTTERER, 1990). Desde 1942 quando foi isolado o primeiro composto do Nim, mais de 135 elementos foram identificados em diversas partes da planta. Esses compostos têm sido divididos em dois grupos: isoprenoides e não-isoprenoides. Os isoprenoides incluem diterpenoides e triterpenoides, os quais contêm protomeliacinas, limonoides (azadirona e seus derivados, gedunina e seus derivados, tipos de vilasinina e derivados e C-secomeliacinas como a nimbina, a salamina e a azadiractina). Os nãoisoprenoides abrangem as proteínas, os carboidratos, os compostos sulfurosos, os polifenólicos como os flavonoides e seus glicosídeos, os taninos e os compostos alifáticos (BISWAS et al., 2002).
O Nim fornece intensa quantidade de metabólitos secundários de atividade biológica, sendo que seu principal produto é o óleo retirado das sementes, o qual contém inúmeros elementos ativos, dos quais a azadiractina é a mais importante (NEVES, 2004). A pesquisa com esses princípios tem aumentado nos últimos anos com o propósito de buscar programas mais seguros para o controle de pragas (MOSSINI e KEMMELMEIER, 2005). Entretanto, a quantidade de azadiractina presente na semente do Nim pode variar consideravelmente, devido a fatores ambientais e possivelmente também por razões genéticas da planta (SCHUMUTTERER, 1990).
A azadiractina extraída da semente do Nim é um poderoso regulador do crescimento de insetos, inibe a alimentação e apresenta alta toxicidade, porém esse composto se degrada rapidamente por ser muito sensível à ação da luz e a variações de pH (GUERRINI e KRITICOS, 1998).
Os limonoides presentes no Nim, substâncias também conhecidas como meliacinas ou tetranortriterpenoides, apresentam atividade contra insetos, principalmente na intervenção de seu crescimento por inibição de sua alimentação, conhecida como atividade fagoinibidora. A azadiractina é, sem dúvida, o limonoide com maior potencial de uso contra insetos, pois interfere nas glândulas endócrinas que controlam a metamorfose e impedem o desenvolvimento da ecdise (CORRÊA e VIEIRA, 2007). Essa substância também pode inibir a vitelogenina durante a ovogênese de artrópodes (JONSSON e PIPER, 2007).
A avaliação de efeito tóxico da azadiractina foi revisada recentemente por Boeke et al. (2004), que concluíram que quando utilizada de forma adequada, os seus resíduos não apresentam risco para a saúde humana e para o meio ambiente. Desse modo, a sua utilização na pecuária é uma alternativa de substituição dos princípios químicos geralmente tóxicos, rotineiramente utilizados no controle dos parasitos dos animais. A azadiractina surgiu como um pesticida natural que apresenta grande eficácia e biodegradabilidade e, por isso, a sua produção em laboratório foi pesquisada (PRAKASH e SRIVASTAVA, 2006).
Os principais problemas encontrados na utilização dos extratos de Nim referem-se à parte da planta utilizada para a produção do extrato (frutos concentram maior quantidade do princípio ativo azadiractina), à estabilização da solução (já que a solução pode ser facilmente degradada) e, principalmente, à mensuração das concentrações de azadiractina, o seu principal princípio ativo. No Nim, a azadiractina concentra-se principalmente nos frutos, sendo encontrada em menores quantidades nas outras regiões da planta. Além disso, existe grande variação no teor de azadiractina encontrada na semente, dependendo da região de origem e das diferentes árvores. A grande maioria dos trabalhos científicos publicados utilizaram soluções produzidas com a planta, sem a quantificação de seu princípio ativo, que pode variar bastante, dependendo da parte da planta considerada, de seu desenvolvimento e sua sazonalidade, do índice pluviométrico e da estação do ano, da temperatura, da altitude, das condições e das épocas para o cultivo ou para a coleta (GOBBO-NETO e LOPES, 2007).
Hostettmann et al. (2003) determinaram que a observação do terreno é um dos critérios mais importantes para a seleção de plantas medicinais, pois uma espécie que cresce em um ambiente hostil, tal como florestas tropicais em que a presença das mais diversas pragas é abundante, necessita se proteger com a síntese de maiores concentrações de compostos contra tais pragas. Esses compostos das plantas, como os extratos e os óleos com potencial inseticida, representam uma alternativa para o controle de pragas.
Utilização do Nim contra parasitos
Costa et al. (2006) e Chagas e Vieira (2007) estudaram a atividade anti-helmíntica de folhas secas de Azadirachta indica administradas por via oral e não observaram efeito contra esses parasitos. Em outro estudo, Chagas et al. (2007), ao compararem o efeito de um produto homeopático com as folhas secas do Nim contra nematódeos gastrintestinais de ovinos, também não observaram redução significativa do número de parasitos. Entretanto, os mesmos autores ressaltam que os estudos investigativos com o Nim devem se concentrar na ação biológica do óleo extraído da semente, que possui maior quantidade de azadiractina em relação às folhas secas. Guerrini e Kriticos (1998) avaliaram o efeito do extrato de sementes do Nim contra pulgas de cães e gatos (Ctenocephalides felis) e verificaram redução significativa da população desses insetos com as doses administradas.
Schmutterer (1990) afirmou que larvas de diversos mosquitos dos gêneros Aedes spp. e Anopheles spp. são sensíveis à azadiractina, pois grupos de insetos tratados mostraram sintomas como a redução da alimentação e do crescimento em comparação aos controles. Wandscheer et al. (2004) estudaram o efeito de soluções de Nim contra o mosquito transmissor da dengue, Aedes aegypti, e encontraram resultados satisfatórios. Esses autores concluíram, no entanto, que a atividade do extrato pode ser ampliada pela introdução de processos de fracionamento e de extração de limonoides mais eficazes.
Abdel-Shafy e Zayed (2002) estudaram o efeito de extratos oleosos comerciais de Nim sobre os ovos, os estágios imaturos e os adultos do carrapato Hyalomma anatolicum excavatum. Eles encontraram efeitos significativos sobre as larvas recém eclodidas e as larvas adultas não alimentadas, cujas taxas de mortalidade aumentaram proporcionalmente ao aumento da concentração da solução.
Em teste com o óleo do Nim contra o carrapato de camelos Hyalomma dromedarii, Al-Rajhy et al. (2003) observaram redução significativa na atividade de alimentação da larva, prolongando o período de mudança para o estágio de ninfa.
Lundh et al. (2005) avaliaram o efeito do óleo de Nim contra ácaros de galinhas (Dermanyssus gallinae) e verificaram eficácia de 92% na redução desses parasitos. Resultados semelhantes foram observados por Du et al. (2009) que testaram a atividade acaricida dos extratos do Nim contra larvas de Sarcoptes scabiei. Os mesmos autores avaliaram outras frações do extrato do Nim contra os mesmos parasitos e sustentaram os resultados positivos.
Santos et al. (2006) observaram o efeito acaricida e cicatrizante de pomadas com 10 e 20% do extrato obtido a partir de folhas de Nim sobre ácaros (Myobia musculi e Myocoptes musculinus) de camundongos. Venzon et al. (2008) encontraram redução na população de Polyphagotarsonemus latus, um ácaro que ataca as plantações de pimenta, em experimentos que utilizaram o produto comercial Neem Azal T/S.
Em estudos sobre extratos aquosos nativos de folhas, sementes e cascas de sementes do Nim, Helmy et al. (2007) observaram que todos os extratos apresentaram atividade inibitória contra bactérias Gram-positivas (Staphylococcus aureus), Gram-negativas (Escherichia coli), leveduras (Candida albicans) e fungos (Aspergillus niger e Penicillium citrinum).
Habluetzel et al. (2007) avaliaram o efeito de um extrato comercial de sementes de Nim rico em azadiractina A (34%) sobre a sobrevivência e a reprodução de Damalinia limbata e verificaram redução na sobrevivência dos estágios de ninfas e de adultos e também interferência na oviposição e na oogênese desses piolhos.
Utilização do Nim (A. indica) contra carrapatos
Chungsamarnyart et al. (1991) avaliaram o efeito do extrato etanólico das folhas do Nim sobre larvas de R. (B.) microplus e não observaram resultados significativos após 24 e 48 horas de contato das larvas com o extrato. Williams (1993) encontrou efeitos adversos de extratos de Nim, testados sobre as fêmeas ingurgitadas, sobre a ovipostura e a eclodibilidade de larvas desse mesmo ácaro. Esse autor trabalhou com extratos de sementes da planta extraídas em 95% de etanol por 120 horas a 25°C, que foram posteriormente filtrados e concentrados. Benavides et al. (2001) estudaram o efeito da pulverização de soluções de Nim sobre o R. (B.) microplus em bovinos criados a campo e não encontraram diferenças em relação ao grupo controle tratado com acaricida à base de amitraz. Os autores salientaram, no entanto, que o experimento teria que ser repetido com maior número de animais nos grupos experimentais, já que foram utilizados apenas cinco animais por grupo.
A toxicidade do óleo do Nim, avaliada contra larvas de Amblyomma variegatum, apresentou efeito apenas com o óleo não diluído, que matou 100% das larvas após 48 horas de incubação (NDUMU et al., 1999). Webb e David (2002) também encontraram resultados positivos na avaliação do efeito de extratos aquosos de sementes do Nim no controle de carrapatos de bovinos de três grupos genéticos em comparação ao grupo controle não tratado.
Silva al. (2007) testaram os efeitos do extrato etanólico do Nim contra R. (B.) microplus e verificaram efeito no período de pré-postura, no tempo de postura e na produção total de ovos.
Srivastava et al. (2008) avaliaram a eficácia de extratos de sementes, folhas e galhos de Nim in vitro e in vivo contra R. (B.) microplus. Foram verificados nos testes de laboratório que os extratos derivados de sementes na concentração de 8% foram os mais efetivos, com redução significativa da oviposição (80%). Nos testes a campo, os mesmos autores também verificaram efeito acaricida dos extratos de Nim na mesma concentração, com 70,5% de mortalidade no quinto dia após o tratamento. Magadum et al. (2009) também encontraram resultados significativos ao avaliarem o extrato etanólico do Nim em uma concentração de 8% contra fêmeas adultas desse ácaro, pois observaram 71,8% de mortalidade das mesmas.
Landau et al. (2009), ao estudarem ovinos suplementados com extrato de Neem-Azal® administrado junto com a ração diária, observaram que a presença de azadiractina A no sangue do animal foi baixa, porém suficiente para a redução da espoliação de sangue do animal pelo carrapato Dermacentor variabilis.
A Embrapa Pecuária Sudeste, em colaboração com professores do Departamento de Química de Produtos Naturais da UFSCar, está testando o efeito de soluções de Nim preparadas a partir de sementes da planta contra fêmeas e larvas de R. (B.) microplus. Foram usados dois tipos de extrações, etanólica e hexânica, seguindo metodologia desenvolvida na UFSCar. Os extratos obtidos foram concentrados em rota evaporador e quantificados quanto aos teores de azadiractina A, considerada a principal substância com atividade inseticida no Nim. Essas quantificações foram feitas por meio da cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE). Foram selecionadas algumas soluções quantificadas que, quando testadas contra fêmeas e larvas de carrapatos, apresentaram efeito acaricida. As soluções foram identificadas de acordo com as concentrações de azadiractina A em: 2.000 ppm (N2); 5.000 ppm (N5); 9.000 ppm (N9) e 10.000 ppm (N10). No Laboratório de Sanidade Animal da Embrapa Pecuária Sudeste, esses extratos foram diluídos em água, etanol a 30% e tween 80 a 0,66% para obtenção das concentrações finais de 1,25%; 2,5%; 5,0%; 10,0% e 12,8% de azadiractina A. Para cada bateria de testes foram usados dois controles, um contendo apenas água e outro, água, etanol a 30% e tween 80 a 0,66%. Para os testes, fêmeas adultas de carrapato foram colhidas em bovinos de corte, pertencentes ao rebanho experimental da Embrapa. Para cada diluição do extrato e dos controles foram usados três grupos com 10 fêmeas com pesos homogêneos, escolhidas ao acaso. Após a imersão por cinco minutos nas soluções, as fêmeas foram cuidadosamente secas, acondicionadas em placas de Petri e incubadas em estufa B.O.D. (27ºC ± 1ºC e umidade relativa > 80%). Os seguintes parâmetros das fêmeas foram estudados: peso dos ovos após postura e taxa de eclosão das larvas. Os dados obtidos nos testes com as fêmeas ingurgitadas foram analisados estatisticamente, com o uso do procedimento ANOVA e Probit do SAS para determinação dos seguintes parâmetros: redução de postura (RP), redução de eclodibilidade (RE), eficiência reprodutiva (ER), eficácia do produto (EP) e as concentrações letais (CL) para 50% e 90% da população de carrapato testada. Para o teste contra larvas, foi utilizada a técnica de contato em papel de filtro impregnado nas soluções, diluídas nas mesmas concentrações citadas anteriormente. Para todas as diluições foram também preparadas três repetições, incluindo os controles. Cerca de 100 larvas com idades entre 14 e 21 dias foram utilizadas em cada repetição. Os envelopes de testes foram incubados em estufa B.O.D. nas mesmas condições descritas para as fêmeas, e as leituras foram feitas após 24 horas, contando-se o número de larvas vivas e mortas com auxílio de um miscrosópio estereoscópico e uma bomba a vácuo.
Resultados
Para os testes com fêmeas adultas, em relação ao peso dos ovos após postura e à taxa de eclosão das larvas, os extratos N2, N5, N9 e N10 apresentaram eficácias entre 0,47% e 68,0%, 17,04% e 88,4%, -0,82% e 72,44% e 8,05% e 93,5%, respectivamente. As CL 50 e CL 90 das mesmas amostras foram 6,3% e 34,8% para N2; 3,3% e 18,1% para N5; 2,5% e 44,3% para N9 e 4,8% e 12,0% para N10. As maiores eficácias foram verificadas nas maiores concentrações dos extratos (10% e 12,8%). Nenhuma das diluições dos extratos estudados apresentou eficácia contra as larvas de R. (B.) microplus.
Conclusão
A utilização de soluções à base de partes da planta conhecida vulgarmente como Nim (Azadirachta indica) contra o carrapato R. (B.) microplus tem se popularizado nos últimos anos entre os criadores de bovinos no Brasil. A falta de conhecimento e de padronização dessas soluções para uso a campo tem sido o principal problema para tornar racional a sua utilização. Os estudos iniciais desenvolvidos na Embrapa Pecuária Sudeste, em colaboração com os professores do Departamento de Química de Produtos Naturais da UFSCar, mostraram que é possível a utilização mais criteriosa dos extratos dessa planta. Estudos in vitro desenvolvidos com as fêmeas de carrapato mostraram que os princípios químicos presentes nos extratos testados atuam, de forma principal, com a redução do desempenho reprodutivo do parasito. Novos estudos serão desenvolvidos na tentativa de potencialização dos efeitos dos extratos in vitro e sobre a possibilidade de sua indicação como carrapaticida para uso a campo.