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Fatores que afetam a resistência dos ovinos à verminose

Publicado: 30 de dezembro de 2008
Por: Alessandro F. T. Amarante, Departamento de Parasitologia -IB-, Universidade Estadual Paulista -UNESP-, SP.
Introdução
As enfermidades parasitárias dos ovinos têm grande quantidade de agentes etiológicos. Além disso, o manejo da criação e as condições climáticas da região onde ela é realizada também exercem grande influência na prevalência das parasitoses.
A elevada prevalência, associada à grande patogenicidade, faz de Haemonchus contortus um dos principais parasitas dos ovinos. Esse parasita é hematófago. As infecções pesadas eventualmente culminam com a morte do animal.
Trichostrongylus colubriformis, parasita do intestino delgado, é uma espécie muito comum em ovinos. Esses vermes lesam a mucosa intestinal, provocando exsudação de proteínas séricas para o intestino. Em infecções com grande número de parasitas, os animais podem apresentar anorexia, diarréia e edema submandibular (REINECK, 1983). Com freqüência os animais também são parasitados por Cooperia spp., Strongyloides spp. e Oesophagostomum spp.
A imunidade dos animais desempenha papel muito importante na resistência à verminose. Fatores etários, raciais, individuais e de condição fisiológica interferem com a resposta do hospedeiro contra os parasitas, e serão abordados a seguir.
 
Idade e estado nutricional
De forma geral, os animais até a puberdade apresentam grande susceptibilidade à verminose. O grau de infecção dos cordeiros varia conforme as condições de manejo e a intensidade de contaminação das pastagens. Em algumas criações de ovinos, são observadas elevadas contagens de OPG em cordeiros mesmo antes da desmama, ou seja, em animais com menos de dois meses de idade. Medidas efetivas de controle de verminose são indispensáveis na recria dos animais jovens. Caso essas medidas não sejam eficazes, a mortalidade e a redução no ganho de peso dos animais poderão causar prejuízos bastante sérios aos ovinocultores.
A alimentação é outro fator que tem grande influência no desenvolvimento e nas conseqüências do parasitismo. Animais que recebem alimentação de boa qualidade podem apresentar aumento na habilidade para enfrentar as conseqüências adversas do parasitismo. Em segundo lugar, podem apresentar aumento na resistência, limitando o estabelecimento de larvas infectantes, o desenvolvimento e a fecundidade dos nematódeos ou, até mesmo, causando a eliminação dos parasitas já estabelecidos no aparelho digestivo. Por último, o alimento pode afetar diretamente os helmintos ao conter compostos antiparasitários, o que ocorre, por exemplo, com plantas ricas em tanino condensado (COOP; KYRIAZAKIS, 2001).
As dietas com nível elevado de proteína propiciam melhora na resposta imunológica, especialmente daquelas raças que já são naturalmente mais resistentes a hemoncose, como foi observado nos resultados de um experimento realizado com cordeiros Santa Inês e Ile de France submetidos a dietas isoenergéticas com teor alto ou médio de proteína metabolizável (129g/kg e 75g/kg de matéria seca, respectivamente) (BRICARELLO et al., 2005). Nesse experimento, cordeiros Santa Inês que receberam dieta com alto teor de proteína apresentaram maior resistência às infecções artificiais por H. contortus em comparação com os animais dos outros grupos.
 
Raças resistentes
A capacidade dos ovinos adquirirem e expressarem imunidade contra os nematódeos gastrintestinais é controlada geneticamente, e varia substancialmente entre as diferentes raças, bem como entre os indivíduos de uma mesma raça (STEAR; MURRAY, 1994). Portanto, a eficiência do controle da verminose pode ser aumentada a partir da identificação objetiva e acurada de raças mais resistentes ou na seleção de rebanhos e/ou indivíduos resistentes.
No passado, a seleção genética de animais com resistência aos nematódeos gastrintestinais ocorreu de forma natural, como resultado da exposição aos parasitas. Posteriormente, os "sobreviventes" foram selecionados para características de importância econômica. Nos últimos 40 anos, houve limitada seleção natural para resistência aos parasitas devido ao surgimento e emprego em larga escala de anti-helmínticos eficientes e de baixo custo. O uso sistemático dessas drogas para o controle da verminose propiciou que a seleção fosse baseada apenas na melhoria de características ligadas à produtividade dos animais, tais como produção de lã e carne. Como conseqüência, a maioria dos rebanhos submetidos a melhoramento genético tem pouca resistência aos parasitas.
Algumas raças de ovinos demonstram resistência genética às infecções por nematódeos gastrintestinais, sendo esse o caso da raça Florida Native (AMARANTE et al., 1999a), St. Croix e Barbados Blackbelly (COURTNEY et al., 1985). Os ovinos dessas raças resistentes desenvolvem precocemente resistência contra os nematódeos (BAHIRATHAN et al., 1996; COURTNEY et al., 1985; GAMBLE; ZAJAC, 1992). Os ovinos "Gulf Coast Native", por exemplo, desenvolvem resistência contra H. contortus antes da desmama, durante sua primeira exposição à infecção, numa idade em que eles ainda são considerados incompetentes imunologicamente (BAHIRATHAN et al., 1996).
No Brasil, estudos realizados no Rio Grande do Sul em rebanhos remanescentes da raça Crioula Lanada têm demonstrado que a resistência à infecção por H. contortus é muito superior nos animais dessa raça quando comparados a animais da raça Corriedale (BRICARELLO, 1999).
Ovelhas da raça Santa Inês mostraram-se mais resistentes à infecção natural por tricostrongilídeos que as da raça Suffolk em uma criação de ovinos no Paraná (MORAES et al., 2000). Resultados similares foram observados em Nova Odessa – SP, onde ovelhas Santa Inês apresentaram resistência superior à de ovelhas Suffolk, Ile de France e Poll Dorset (BUENO et al., 2002). Estudos realizados na Unesp, em Botucatu, demonstraram maior resistência de cordeiros Santa Inês às infecções por nematódeos gastrintestinais quando comparados a cordeiros Suffolk e Ile de France (AMARANTE et al., 2004). Da mesma forma, no período do periparto, ovelhas Santa Inês apresentaram maior resistência que ovelhas Ile de France (ROCHA; AMARANTE; BRICARELLO, 2004).
 
Resistência individual
Além da diferença entre as raças ovinas no que diz respeito à suscetibilidade à verminose, verifica-se a existência de animais com maior ou menor resistência a essa doença dentro de cada raça. Gray (1987), em revisão sobre a resistência genética de ovinos à hemoncose, cita que a herdabilidade dessa característica é média, e há trabalhos que evidenciam a existência de uma correlação de 30% a 60% entre resistência à verminose e produtividade dos animais. O autor descreve a possibilidade da formação de rebanhos com maior resistência à verminose por meio da seleção dos animais menos susceptíveis dentro de cada raça.
Devido ao surgimento de populações de parasitas com resistência aos antihelmínticos, nos últimos 20 anos, países como Austrália e Nova Zelândia passaram a selecionar, também, rebanhos de ovinos com características de resistência aos parasitas (ALBERTS; GRAY, 1987). Essa resistência pode ser definida como "a habilidade de suprimir o estabelecimento e/ou o subseqüente desenvolvimento dos vermes". Além da resistência, outra característica importante dos animais é a de que eles, quando infectados, são capazes de manter o nível de produtividade relativamente inalterado (ALBERTS; GRAY, 1987). Essas duas características são importantes em condições de grande exposição (KENNEDY, 1987; WAKELIN, 1992), e apresentam correlação genética positiva (ALBERTS; GRAY, 1987).
 
Fenômeno do periparto
No período do periparto, as ovelhas se tornam mais susceptíveis às infecções por nematódeos gastrintestinais, o que provoca aumento no número de ovos eliminados nas fezes, e, conseqüentemente, aumento da contaminação da pastagem. O fenômeno do periparto é devido ao aumento na fecundidade dos vermes adultos, à retomada do desenvolvimento de larvas hipobióticas e ao estabelecimento de novas larvas infectantes, sendo que os dois últimos acarretam marcado aumento na carga parasitária de helmintos adultos (O'SULLIVAN; DONALD, 1970). Após a desmama dos cordeiros, a resposta imunológica se restabelece, o que provoca redução acentuada nas contagens de OPG (AMARANTE et al., 1992). É interessante salientar que o fenômeno do periparto apresenta intensidade variável conforme a raça ovina. Nas raças ovinas que apresentam resistência aos nematódeos, o fenômeno do periparto, quando ocorre, é mais discreto do que o observado em raças ovinas susceptíveis (AMARANTE et al., 1992; AMARANTE et al., 1999b; COURTNEY et al., 1984; ROCHA; AMARANTE; BRICARELLO, 2004; WANYANGU et al., 1997).
As ovelhas apresentam uma necessidade relativamente elevada de proteína metabolizável no final da gestação e durante a lactação. As proteínas podem ser consideradas um nutriente escasso, e o seu consumo geralmente é insuficiente para atender à demanda do animal nesse período (COOP; KYRIAZAKIS, 2001). Houdijk et al. (2001) verificaram que o fornecimento de suplementação protéica propiciou diminuição significativa do número de OPG de ovelhas no final da gestação e durante a lactação. Embora a suplementação protéica tenha um custo relativamente alto, possibilita que as fêmeas suplementadas aumentem a produção de leite, o que resulta em maior ganho de peso dos cordeiros. Devido à redução provocada na eliminação de ovos de nematódeos pelas ovelhas, ocorre redução da contaminação ambiental por larvas infectantes, o que também é benéfico para os cordeiros (HOUDIJK et al., 2003). Dessa forma, a suplementação protéica de ovelhas no periparto pode ser utilizada como uma medida para reduzir a dependência do uso de anti-helmínticos para o controle da verminose.
 
REFERÊNCIAS
ALBERTS, G. A. A.; GRAY, G. D. Breeding for worm resistance: a perspective. Int. J. Parasitol., v. 17, p. 559-556, 1987.
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BAHIRATHAN, M.; MILLER, J. E.; BARRAS, S. R.; KEARNEY, M. T. Susceptibility of Suffolk and Gulf Coast Native suckling lambs to naturally acquired strongylate nematode infection. Vet. Parasitol., v. 65, p. 259-268, 1996.
BRICARELLO, P. A. Alterações hematológicas, bioquímicas, parasitológicas e histológicas de ovinos das raças Corriedale e Crioula Lanada frente à infecção primária artificial e natural por Haemonchus contortus. 1999. 141 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.
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Capítulo 1 - Livro “Alternativas de controle da verminose em pequenos Ruminantes” Coordenação de Cecília José Veríssimo (Médica Veterinária; Pesquisadora Científica VI) Instituto de Zootecnia (IZ-APTA da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), 2008.
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Autores:
Alessandro F. T. Amarante
UNESP - Universidad Estatal Paulista
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