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Influência da gestação e ordem de lactação nas concentrações séricas de proteínas, metabólitos, minerais e enzimas de vacas da raça Bonsmara

Publicado: 11 de maio de 2023
Por: Fernando Cristino Barbosa1*, Wilson Junior Oliveira1, João Gabriel Knychala Faria1, Felipe Cesar Gonçalves1. Ednaldo Carvalho Guimarães1, Antonio Vicente Mundim1. 1Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Uberlândia, Minas Gerais, Brasil.
Sumário

Objetivou-se avaliar a influência da gestação e ordem de lactação nas concentrações séricas de proteínas, metabólitos, minerais e enzimas de vacas da raça Bonsmara de primeira, segunda e terceira ordem de lactação. A raça Bonsmara, originada na África do Sul, se destaca por sua tolerância ao calor, e caracteristicas produtivas, como a qualidade da carne, a alta fertilidade, precocidade sexual, facilidade ao parto e boa habilidade materna. Essas características tornam a raça uma alternativa genética para realização de cruzamentos com raças zebuínas. Foram colhidas amostras de sangue de 93 vacas, sendo 34 de primeira ordem de lactação, 29 de segunda ordem de lactação e 30 de terceira ordem de lactação. As amostras foram processadas em analisador automático multicanal, utilizando kits da Labtest Diagnóstica® . Para confrontar os valores entre as ordens de lactação optou-se pelo teste Kruskall-Wallis. Para comparar vacas gestantes e não gestantes dentro das ordens de lactação, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Dos constituintes analisados, a ordem de lactação influenciou significativamente apenas a concentração sérica de albumina (ALB) (p<0,0001). A gestação influenciou significativamente na relação A:G (p=0,034), nas vacas de terceira lactação, no colesterol (COL) (p=0,004), triglicérides (TRI) (p<0,0001), fósforo inorgânico (Pi) (p=0,033), ferro (Fe) (p=0,001), aspartato aminotransferase (AST) (p=0,018) e fosfatase alcalina (FAL) (p=0,039) nas de segunda ordem e no valor do grupo geral. A creatinina (Crea) (p<0,0001) foi influenciada somente no grupo geral. Conclui-se que a gestação e ordem de lactação influenciou significativamente na concentração de vários constituintes bioquímicos séricos de vacas da raça Bonsmara, em especial nas de segunda ordem de lactação.

Palavras-chave: Bovino de corte; Fases de produção; Bioquímica sérica; Perfil metabólico.

Introdução

O perfil bioquímico sérico fornece informações sobre os valores normais de uma raça, e pode ser utilizado como indicador dos processos adaptativos do organismo aos desafios nutricionais, fisiológicos, desequilíbrios metabólicos específicos e do metabolismo energético, proteico e mineral(1, 2). A interpretação do perfil bioquímico sérico é complexa, devido aos mecanismos que controlam as concentrações sanguíneas dos vários metabólitos, e a grande variação dessas em função de fatores, como raça, idade, estresse, dieta, manejo, clima e estado fisiológico (gestação, lactação)(1, 3) .
A raça Bonsmara foi introduzida no Brasil em 1997, originada na África do Sul, da combinação genética de 5/8 Afrikaner, 3/16 Shortorn e 3/16 Hereford, criada pelo pesquisador Prof. Jan Bonsma(4) . As características produtivas, inclusive a qualidade da carne da raça Bonsmara são mais semelhantes ao Bos taurus do que às raças zebuínas(5). Essas características tornam a raça Bonsmara uma alternativa genética para realização de cruzamentos com raças zebuínas.
Durante a gestação e a lactação ocorrem mudanças fisiológicas que aumentam as necessidades nutricionais para apoiar o crescimento e desenvolvimento fetal, bem como o metabolismo materno e o desenvolvimento de tecidos específicos para a reprodução(6, 7). No terço final da gestação ocorre maior desenvolvimento dos tecidos placentários, fetal, glandular e mamário, os quais contribuem para aumento da demanda energética(7). A lactação é um estado fisiológico no qual ocorrem adaptações no metabolismo. A lactação precoce impõe severas alterações metabólicas, que desafiam o organismo a manter um equilíbrio homeostático para compensar os gastos de nutrientes que a lactogênese exige(8). Avaliação do perfil metabólico é mais relevante no período da lactação, quando os animais são mais suscetíveis a alterações metabólicas, como no início da lactação, considerando características do rebanho, localização geográfica e estado fisiológico dos animais(8, 9) .
Há de se considerar que a idade, a raça, o estado fisiológico, a fase e a ordem de lactação, a produtividade individual, o clima e a dieta refletem mudanças no padrão do perfil metabólico de vacas em produção(10) . Pesquisadores destacam a importância de se conhecer as alterações fisiológicas que ocorrem nestas fases, para evitar diagnóstico errôneo de doenças metabólicas, nutricionais e infecciosas(11, 2). Portanto, sabendo-se da importância da bioquímica sérica como ferramenta de diagnóstico e da inexistência de informações na literatura relativo às variações dos constituintes bioquímicos séricos de vacas lactantes, gestantes e não gestantes da raça Bonsmara, justificou-se a realização deste estudo. Assim, objetivou-se avaliar a influência da gestação e ordem de lactação nas concentrações séricas de proteínas, metabólitos, minerais e enzimas em vacas da raça Bonsmara de primeira, segunda e terceira ordem de lactação.

Material e métodos

O experimento foi conduzido em uma propriedade localizada no município de Uberlândia, MG, sob as coordenadas 18°55'0,7"S, 48°16'38"W, no período de novembro de 2018 a março de 2019. Foram utilizadas 93 vacas, distribuídas em três grupos de acordo com a ordem de lactação, sendo 34 de primeira ordem de lactação (10 gestantes e 24 não gestantes), 29 de segunda ordem de lactação (13 gestantes e 16 não gestantes) e 30 de terceira ordem de lactação (16 gestantes e 14 não gestantes). Foram incluídos apenas animais em bom estado nutricional e considerados hígidos, que não apresentavam sinais clínicos ou patológicos, e escore corporal entre 3 e 4, acompanhados por médico veterinário, responsável pelo manejo sanitário, zootécnico e reprodutivo do rebanho. Os animais eram mantidos em pastagens de Brachiaria brizantha cv. Marandu, cv. BRS Piatã, B. ruziziensis e B. decumbens, com água e sal mineralizado ad libitum. Vacinados de acordo com o calendário sanitário regional, e o controle de ecto e endoparasitas estabelecidos de acordo com monitoramento das infestações.
Foram coletados de cada animal 10 mL de sangue por venopunção da veia coccígea média, utilizando-se agulhas 25x8 mm, acopladas a tubos estéreis secos com ativador de coágulo (Vacutainer), sempre no período da manhã. Após a coleta, as amostras de sangue foram acondicionadas em caixa isotérmicas e transportadas ao Laboratório Clínico Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia. Imediatamente após a chegada ao laboratório, as amostras foram centrifugadas à 720g por 10 minutos, o soro obtido foi transferido em alíquotas de 1,0 mL para microtubos (Eppendorf) e congelados à – 20 ºC, por um período máximo de 48 horas até o momento das análises. As amostras foram processadas em analisador automático multicanal ChemWellTM, previamente calibrado (Calibra H) e aferido com soro controle universal (Qualitrol), utilizando kits comerciais da Labtest Diagnóstica® . Determinou-se em cada amostra de soro as concentrações de: proteína total (PT) (método biureto), albumina (ALB) (verde bromocresol), creatinina (Crea) (picrato alcalino), ureia (método cinético enzimático UV), colesterol (COL) e triglicérides (TRI) (método enzimático trinder), cálcio (Ca+ ) (método cresolftaleína complexona - CPC), fósforo inorgânico (Pi) (método cinético UV), magnésio (Mg) (método Magon Sulfonado), ferro (Fe) (método Goodwin modificado), aspartato aminotransferase (AST), alanina aminotransferase (ALT) e fostafatase alcalina (FAL) (método cinético UV – IFCC), gama glutamiltransferase (GGT) (método Szasz modificado). Foram calculados os valores das globulinas (Glob) (Glob= PT-ALB), relação albumina:globulina (A:G) e a relação cálcio:fósforo (Ca+ :Pi).
Realizou-se a análise estatística descritiva dos dados, e estes foram submetidos ao teste de Levene para verificar a homocedasticidade e ao teste de Shapiro-Wilk para verificar normalidade. Como não atenderam a estes pressupostos, para confrontar os valores entre as ordens de lactação optou-se pela utilização das medianas e o teste não paramétrico Kruskall-Wallis. Para comparar vacas gestantes e não gestantes dentro das ordens de lactação, o teste de Mann-Whitney, ambos em nível de significância 5%.
O experimento seguiu os princípios éticos da experimentação animal, com aprovação da Comissão de Ética na Utilização de Animais (CEUA) da Universidade Federal de Uberlândia, conforme protocolo 053/2018.

Resultados

Confrontando os valores das concentrações séricas de proteínas, metabólitos, minerais e enzimas, entre as ordens de lactação, a concentração sérica da ALB nas vacas de segunda ordem de lactação foi significativamente superior as de primeira ordem e similar as de terceira ordem de lactação. Os demais constituintes séricos avaliados não diferiram estatisticamente (Tab. 1).
Tabela 1. Mediana (Md), erro padrão (Ep), média (Me) e desvio padrão (Dp) das concentrações séricas de proteínas, metabólitos, minerais e enzimas de vacas da raça Bonsmara de primeira, segunda e terceira ordem de lactação, Uberlândia-MG
Confrontados os valores séricos das proteínas, metabólitos, minerais e enzimas em vacas gestantes e não gestantes, dentro de cada ordem da lactação, observou-se valor superior da relação A:G nas vacas gestantes de terceira lactação. As concentrações séricas de COL, Fe, AST e FAL nas vacas gestantes de segunda lactação foram superiores às não gestantes. Os valores de TRI e Pi foram estatisticamente superiores nas vacas não gestantes do mesmo grupo (Tab. 2). No grupo geral, a Crea, COL, Fe e FAL apresentaram valores significativamente superior nas gestantes. Os TRI e o Pi apresentaram maiores valores nas vacas não gestantes (Tab. 2).
Tabela 2. Mediana e erro padrão (Md ± Ep) das concentrações séricas de proteínas, metabólitos, minerais e enzimas de vacas da raça Bonsmara gestantes e não gestantes, de primeira, segunda e terceira ordem de lactação, Uberlândia-MG

Discussão

Os valores médios da maioria dos constituintes analisados, para as 93 vacas (grupo geral), independentemente de estar gestante ou não, mantiveramse dentro ou próximo dos intervalos propostos por Kaneko et al.(12), exceto Glob, COL, TRI e ALT que ficaram acima do valor máximo de referência. O Ca+ e o Pi ligeiramente abaixo do valor mínimo referenciado (Tab. 1). Devido os autores não especificarem a idade, raça, o estado reprodutivo dos animais, condições de manejo e as metodologias utilizadas, torna-se impreciso e de pouca aplicação para efeito de diagnóstico dos distúrbios metabólicos. Quando confrontado com os valores obtidos por Conceição et al.(13) para vacas das raças Nelore e Girolando de 24 a 36 meses de idade, não gestantes e não lactantes, criadas no Estado do Maranhão, observou-se que as médias de PT, Crea, ureia, COL, TRI, Ca+, Pi, FAL e GGT permaneceram dentro dos intervalos obtidos pelos pesquisadores e os da ALB e AST ligeiramente acima.
O menor valor da ALB nas vacas de primeira lactação (p< 0,0001), pode ser explicado pela grande demanda de aminoácidos necessários para a síntese de proteínas do leite(2, 7) . Bem como, a maior demanda nutricional pelo fato de ainda estarem em fase de crescimento. Segundo Rossato et al.(8) , o número de lactações pode influenciar nos valores séricos do perfil metabólico das vacas. No entanto, a concentração sérica de albumina pode ser influenciada pelo nível proteico da dieta e também por uma redução da capacidade de síntese no fígado, devido ao acúmulo de gordura(1). De acordo com os resultados obtidos para a ALB e a ureia, presumese que a proteína da dieta não era limitante, uma vez que, para caracterizar a deficiência proteica na dieta, segundo González, Scheffer(1), teriam que ser observados níveis séricos de albumina abaixo de 3,0 g/dL e de ureia inferior a 15 mg/dL. As enzimas avaliadoras da função hepática se encontram dentro dos limites fisiológicos para a espécie, o que demonstra o não comprometimento hepático desses animais. Estes resultados corroboram com os de Alvarenga et al.(14), que verificaram baixos níveis de albumina em vacas Holandesas e Jersey, respectivamente, sem alteração hepática.
Os valores séricos do COL e TRI, no presente estudo, foram significativamente afetados pelo estado fisiológico dos animais, com valores séricos acima dos propostos por Kaneko et al.(12) . Pode-se atribuir esse resultado à alta demanda pelos mecanismos regulatórios envolvidos em todos os processos da síntese do leite e da gestação(7, 15) , levando a alterações na lipólise e na lipogenese(16). A mobilização de lipídios a partir de estoques no tecido adiposo, envolve a liberação de ácidos graxos livres como os triglicerídeos na corrente sanguínea(16) . Apesar das variações metabólicas, as concentrações séricas das enzimas AST e GGT permaneceram dentro dos limites considerados fisiológicos, caracterizando, possivelmente, o não comprometimento da função hepática. Condição também observada por Freitas Júnior et al.(10) e Alvarenga et al.(14) .
As concentrações séricas do Ca+ e Pi próximas do limite inferior estabelecido por Kaneko et al.(12) , possivelmente, se deve a condição das vacas do presente estudo serem lactantes e 39 (42%) estarem gestantes, as quais apresentam maior exigência destes minerais para a produção láctea e desenvolvimento fetal. Menores valores de cálcio sérico em fêmeas lactantes da raça Aberdeen Angus e Criollo Argentino, foram também relatados por Grünwaldt et al.(17). Os pesquisadores acima observaram valores para o Pi sérico de 4,34 mg/dL, valor este abaixo do intervalo fisiológico relatado por Kaneko et al.(12), e atribuíram estar relacionado com os teores de Pi na dieta. Segundo Piccione et al.(7) , os animais necessitam de minerais como cálcio, magnésio e fósforo para crescimento, reprodução e lactação, e servem como componentes catalíticos das enzimas ou regulam vários mecanismos envolvidos na gestação e lactação.
O encontro da atividade sérica das enzimas AST, FAL e GGT nos animais deste estudo, dentro dos intervalos fisiológicos para a espécie, condiz com os achados de Otto et al.(3) em vacas lactantes da raça Angoni Africana. Os valores séricos da ALT nas vacas Bonsmara, acima dos limites fisiológicos para a espécie, estão relacionados com a maior massa muscular nesses animais. Embora a ALT seja utilizada primariamente como biomarcador de danos hepáticos(15) . Diferentemente da AST, os hepatócitos de equinos, suínos e dos ruminantes não apresentam alta atividade de ALT, sendo, portanto, o aumento da atividade sérica da enzima durante a lesão hepática, mesmo na necrose, insignificante(18) . Portanto, deve-se considerar o músculo como potencial fonte para elevação da atividade sérica da enzima, uma vez que a massa muscular total é muito maior do que a massa hepática.
O valor superior da relação A:G nas vacas gestantes de terceira lactação, se deve ao maior valor da ALB, embora não tenha diferido estatisticamente das não gestantes. Conforme aumenta a concentração da ALB, também aumenta a relação A:G.
Quanto a Crea, o valor nas vacas gestantes no grupo geral superior ao das não gestantes (p< 0,0001), se deve a maior concentração sérica nas vacas gestantes de terceira lactação, embora não tenha diferido estatisticamente das não gestantes. Há de se considerar que, na vaca gestante, a maior parte da energia exigida pelo metabolismo e crescimento do feto é suprida pela glicose e aminoácidos, o que pode levar a redução de glicose e consequente catabolismo proteico muscular(9, 11). Durante a gestação, a vaca assume a carga de resíduos orgânicos do feto pela circulação materna fetal. Assim, o aumento da creatinina sérica nas vacas gestantes no grupo geral, pode ser atribuído também ao desenvolvimento da musculatura fetal(7). Resultado que difere do encontrado por Otto et al.(3), ao observarem valores semelhantes do metabólito em vacas da raça Angoni gestantes e não gestantes.
A provavel razão para o maior valor do COL sérico nas vacas gestantes de segunda lactação e do grupo geral (p=0,004), é a maior mobilização de gordura corporal previamente armazenada, e liberação de ácidos graxos e glicerol na circulação sanguínea(15, 16) . Há de se considerar que fêmeas gestantes tem como finalidade poupar o consumo de glicose e de aminoácidos, visando atender as exigências do feto(3). Pois, os lipídios participam em pequena proporção no suprimento direto de energia para o feto(9). Vacas lactantes podem apresentar hipercolesterolemia fisiológica, devido à mobilização lipídica causada pela lactação, e ao aumento na síntese de lipoproteínas(19) . Além disso, durante a gestação os níveis de colesterol atingem valores máximos em decorrência da síntese de esteroides gonadais. Pogliani et al.(6) , observaram valores semelhantes para o COL sérico em novilhas da raça Holandesa gestantes e não gestantes, demonstrando que a gestação não influenciou nos teores séricos do metabólito. Atribui-se a discrepância entre os resultados do COL das vacas do presente estudo com os da literatura confrontada, ao fato de que na presente pesquisa foram utilizadas vacas pluríparas lactantes, com a intenção de se avaliar a possível influência da ordem de lactação nos constituintes séricos avaliados.
A maior concentração sérica de TRI nas vacas não gestantes de segunda lactação e do grupo geral (p< 0,0001), difere dos achados de Pogliani et al.(6), que não observaram diferenças estatísticas significantes nas concentrações séricas de TRI em vacas gestantes e não gestantes. Atribui-se a diferença dos achados nesse estudo com os da literatura confrontada, ao fato das vacas não gestantes estarem nos primeiros meses da lactação, período de maior produção láctea e, portanto, com maior demanda de nutrientes. No entanto, as vacas gestantes, estavam no final da lactação, período de menor produção de leite e, consequentemente, menor demanda de nutrientes. Há de se considerar também que, à medida que a lactação progride, e com as alterações dos perfis endócrinos na gestação, a lipólise diminui e a lipogênese reabastece as reservas de triglicerídeos no tecido adiposo, que posteriormente, serão utilizadas após o parto e o início da lactação(19) .
O menor valor sérico do Pi nas vacas gestantes de segunda lactação (p=0,033), e no grupo geral, pode ser atribuído à passagem de Pi pela placenta para atender as necessidades do desenvolvimento fetal e do efeito negativo do hormônio da paratireóide (PTH), aumentando a eliminação do Pi urinário(20) .
A maior atividade sérica do Fe nas vacas gestantes, de segunda ordem de lactação e no grupo geral, atribui-se ao aumento da demanda de Fe para a hematopoiese fetal, e a condição destas vacas estarem no terço final da lactação, fase de menor produção láctea e, consequentemente, menor excreção do mineral no leite.
A concentração sérica da AST superior (p=0,018) nas vacas gestantes de segunda ordem de lactação, podese atribuir ao estado de lipomobilização nas gestantes, mecanismo de adaptação fisiológica(16). O que resulta em aumento da permeabilidade da membrana dos hepatócitos, causando graus variáveis de elevação das concentrações séricas da enzima(15). Por outro lado, não se evidenciou colestase, uma vez que os valores da GGT sérica foram semelhantes para gestantes e não gestantes, permanecendo dentro do intervalo de referência proposto por Kaneko et al.(12) . Há de se considerar o aumento do catabolismo proteico no tecido muscular, para suprir a demanda de energia do organismo, via gliconeogênese(2, 11) .
A concentração sérica da FAL superior (p=0,039), nas vacas gestantes de segunda ordem de lactação e do grupo geral, pode estar relacionada com o crescimento fetal e a liberação de enzimas ósseas, podendo ser ainda decorrente da liberação de isoenzimas de origem placentária. Resultado semelhante aos obtidos por Yokus, Cakir(20) em vacas gestantes e aos de Brscic et al.(9) em novilhas gestantes, vacas primíparas e multíparas.
A predominância das diferenças, entre vacas gestantes e não gestantes, na segunda ordem de lactação, possivelmente, se deve a maior perda das reservas corporais durante a primeira lactação. Pois, a transição da gestação para a lactação gera grandes alterações endócrinas e metabólicas, em função do parto e maior demanda de nutrientes para a produção láctea. Segundo Rossato et al.(8) , as vacas de primeira e segunda parição sofrem maior perda de reservas corporais durante a lactação, do que as vacas com três ou mais lactações.
Vale ressaltar que este é um dos primeiros estudos do perfil bioquímico sérico de vacas da raça Bonsmara no Brasil e espera-se que seja um estímulo para novos estudos sobre o tema.

Conclusão

Os resultados deste estudo permitem inferir que a gestação e ordem de lactação são fatores com significativa influência na concentração de vários constituintes bioquímicos séricos de vacas da raça Bonsmara, em especial nas de segunda ordem de lactação. Portanto, estas fases de produção são fatores de variabilidade que devem ser considerados para a correta interpretação do perfil bioquímico sérico.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Contribuições do autor

Conceituação: F. C. Barbosa, W. J. Oliveira, J. G. K. Faria, F. C. Gonçalves, E. C. Guimarães, A. V. Mundim; Curadoria de dados: F. C. Barbosa, W. J. Oliveira; Análise formal: F. C. Barbosa, E. C. Guimarães, A. V. Mundim; Investigação: F. C. Barbosa, W. J. Oliveira, J. G. K. Faria, F. C. Gonçalves; Metodologia: F. C. Barbosa; A. V. Mundim; Gerenciamento do Projeto: F. C. Barbosa, W. J. Oliveira, J. G. K. Faria, F. C. Gonçalves; Recursos: F. C. Barbosa; A. V. Mundim; Supervisão: F. C. Barbosa, A. V. Mundim; Validação: F. C. Barbosa, E. C. Guimarães, A. V. Mundim; Visualização: F. C. Barbosa, A. V. Mundim; Redação (esboço original): F. C. Barbosa; A. V. Mundim; Redação (revisão e edição): F. C. Barbosa; A. V. Mundim

Agradecimentos

À Faculdade de Medicina Veterinária (FAMEV-UFU) e ao Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia, pelo apoio na realização do experimento. Ao proprietário da Fazenda Barra Grande, que nos concedeu a utilização da estrutura da fazenda e de seus animais para a realização deste estudo.


Publicado originalmente na revista eletrônica Ciência Animal Brasileira DOI: 10.1590/1809-6891v22e-70943Pe-ISSN 1809-6891. Acesso disponível em: https://revistas.ufg.br/vet/article/view/70943/38117. 

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North America Ruminant Technical Services Team Leader, Kemin Industries
Estados Unidos
Luis Tedeschi
Luis Tedeschi
Texas A&M University
Texas A&M University
Estados Unidos
George Del Corral
George Del Corral
Agri Stats
Estados Unidos
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