Introdução
A Embrapa Gado de Corte realiza estudos que visam a identifi car, descrever e analisar, com ênfase no custo, os sistemas de produção de gado de corte mais frequentemente utilizados nas principais regiões produtoras do País. Esses sistemas denominados modais são em geral pouco produtivos, tendo, portanto, grande potencial para melhorias técnicas e gerenciais.
Em vista disso, os estudos incluem uma segunda etapa, que trata da formulação de sistemas melhorados a serem oferecidos como referências para o aprimoramento dos sistemas atualmente em uso.
O presente trabalho apresenta uma proposta de sistema melhorado para o Estado de Rondônia, como alternativa ao sistema praticado pela maioria dos produtores dessa região.
O Sistema Modal
A fazenda típica de pecuária de corte em Rondônia, para as fases de cria, recria e engorda, tem aproximadamente 800 hectares de pastagens cultivadas. Em geral, há um excesso de lotação dessas pastagens, e o manejo do rebanho apresenta várias defi ciências. Dentre elas, destacam-se: estação de monta não defi nida, ausência de exame andrológico dos touros e diagnóstico de gestação das fêmeas em reprodução, ausência de manejo diferenciado para novilhas de primeira cria, cuidados insufi cientes com os recém-nascidos e desmame tardio. Do mesmo modo, observam-se defi ciências no controle sanitário, com a adoção de práticas inadequadas de controle de ecto e endoparasitos.
A suplementação de minerais é praticada durante o ano inteiro, quando todas as categorias do rebanho recebem, em cochos cobertos, mistura mineral comercial com 80 g de fósforo por quilograma da mistura. Entretanto, o produtor, sistematicamente, costuma diluir essa mistura na proporção de um saco de sal comum para cada saco de sal mineral, o que reduz substancialmente a quantidade de minerais fornecidos. O consumo estimado é de 40 g da mistura por unidade animal/dia.
Nas áreas de pastagens predomina Brachiaria brizantha cv. Marandu (braquiarão), que ocorre, como uma monocultura, em 90% da área. A lotação média anual é de 1,4 UA/ha/ano.
O sistema assim conduzido resulta em baixa efi ciência reprodutiva, com as vacas apresentando uma taxa de natalidade de 60%. As novilhas entram em reprodução em torno de 24 meses de idade. O lento desenvolvimento ponderal na recria faz com que os machos, recriados e terminados exclusivamente em pasto, sejam abatidos com cerca de 40 meses de idade.
Ressalta-se que, destoando desse padrão geral, existem fazendas altamente efi cientes, com ótimos índices de desempenho técnico e econômico, mas estas são minoria no universo de produtores do Estado. Detalhes sobre o Sistema Modal de Rondônia podem ser vistos em Melo Filho et al. (2005).
Definindo o Sistema Melhorado
Por meio de um painel do tipo mesa-redonda em que participaram produtores, técnicos e pesquisadores com larga experiência sobre a pecuária da região (Anexo 1), foi defi nido um sistema de produção denominado Sistema Melhorado, que se apresenta como uma alternativa ao Sistema Modal.
Com base na descrição geral e nos coefi cientes técnicos resultantes do painel, os dois sistemas foram simulados por meio de planilha eletrônica. Como indicadores de desempenho econômico, calcularamse o custo de produção, a margem bruta, a margem operacional e o lucro. De modo geral, a defi nição dessas margens seguiu os princípios constantes no Sistema Integrado de Custos Agropecuários desenvolvido pelo Instituto de Economia Agrícola (MARTIN et al., 1998), com adaptações para o caso particular da bovinocultura de corte.
O Sistema Melhorado proposto apresenta como grande diferencial, em relação ao Modal, a adoção das boas práticas na produção de bovinos de corte (CÂMARA..., 2004).
Assim, para o Sistema Modal adotaram-se os índices zootécnicos expostos no trabalho de Melo Filho et al. (2005), enquanto que para o Sistema Melhorado, utilizaram-se índices defi nidos pelos participantes do painel. Tais índices são frequentemente encontrados em fazendas mais organizadas, e foram alcançados nos modelos físicos de produção conduzidos pela Embrapa Gado de Corte em Mato Grosso do Sul (CORRÊA e ARRUDA, 1988; CORRÊA et al., 2000).
Além dos índices zootécnicos, defi niu-se o ganho de peso dos animais nos períodos de seca e de águas, variáveis de acordo com o sistema. Para o Sistema Modal, considerou-se o ganho de peso normalmente observado nas fazendas tradicionais do Estado de Rondônia, onde o lento desenvolvimento ponderal resulta em avançada idade de abate dos machos. Para o Sistema Melhorado, estabeleceram-se estimativas de desempenho ponderal ajustadas às pastagens e ao tipo de suplemento alimentar utilizado. Essas estimativas tiveram como referência os trabalhos de Euclides et al. (2001) e Thiago e Silva (2000).
Nos cálculos de receitas e custos, utilizaram-se preços praticados em Porto Velho, RO, em março de 2008.
Quanto à taxa de lotação das pastagens, variável de grande impacto na produtividade de bovinos de corte, considerou-se 1,5 UA/ha como média anual para o Sistema Melhorado.
Descrição dos Sistemas avaliados
As características gerais do Sistema Modal e do Sistema Melhorado, vis-à-vis, são apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1. Práticas adotadas pelos sistemas de produção avaliados.
A infraestrutura e os recursos utilizados pelo Sistema Modal e pelo Sistema Melhorado encontram-se na Tabela 2.
Tabela 2. Infraestrutura e recursos utilizados nos sistemas de produção.
Em ambos os sistemas são utilizados animais da raça Nelore. Os parâmetros produtivos empregados nas simulações encontram-se na Tabela 3.
Tabela 3. Principais parâmetros zootécnicos dos sistemas avaliados.
As estratégias de alimentação consideradas e os ganhos de peso correspondentes, nos períodos de seca e águas, são apresentados na Tabela 4.
Tabela 4. Desempenho ponderal dos machos, de acordo com o sistema.
Resultados físicos dos Sistemas
Em decorrência da intensifi cação e das melhorias dos sistemas de produção, as simulações mostraram aumento nos valores de todos os indicadores de produção.
Dentre as melhorias promovidas no sistema, salientam- se o aumento da subdivisão dos pastos, a maior pressão no descarte de fêmeas e touros e a suplementação de machos com sal proteinado e ração. Como resultado dessas e outras medidas, destacam-se o aumento do peso à desmama, a redução na idade de abate e o aumento da taxa de natalidade, entre outros avanços (Tabela 3).
Tabela 5. Resultado físico anual dos sistemas de produção.
Como mostra a Tabela 5, a capacidade de suporte das pastagens, arbitrada no Painel realizado, é pouco superior àquela considerada no Sistema Modal. Esse pequeno aumento (de 1,4 para 1, 5 UA/ ha) deveu-se ao fato de os participantes do Painel terem considerado bastante elevada a taxa de 1,4 UA/ha/ano encontrada nos sistemas tradicionais. Registrou-se ainda um aumento de 13% no rebanho total e uma redução no número de vacas, explicada pela melhora na efi ciência reprodutiva. O número de animais comercializados elevou-se em um terço e a produção de carne equivalente-carcaça/ha/ano atingiu 109 kg, elevação de 47%.
Resultados econômicos dos Sistemas
Estrutura de custos
A estrutura de custos dos sistemas de produção pode ser vista na Tabela 6. No custo total, composto de custo fi xo e variável, estão incluídos depreciações, juros sobre o capital imobilizado, pró-labore (remuneração) do produtor e desembolsos.
Comparando-se os dois sistemas, verifi ca-se que a melhoria proposta exigiu um aumento de 15% no custo total da fazenda, elevado de R$ 324.658,33 para R$ 374.728,54 por ano, decorrência, principalmente, do uso mais intensivo de insumos, cujos desembolsos passaram de 30 mil para quase 80 mil reais. Com isso, houve uma diminuição da participação do custo fi xo no custo total (60% no Sistema Modal e 55% no Sistema Melhorado).
O item de maior peso no custo total é o custo fi xo da pastagem (quase 38% no Sistema Modal e em torno de 35% no Sistema Melhorado). Observandose o custo variável, cujos componentes podem ser objeto de ajuste em curto prazo, vê-se que serviços e mão de obra têm o maior peso nos dois sistemas, representando entre 14% e 15% do custo total. Já a correta utilização do suplemento mineral e dos vermífugos, respectivamente, dobrou e quase triplicou a participação porcentual desses dois itens no custo total. Com vermífugos, por exemplo, os gastos foram de R$ 1.957,15, no Sistema Modal, para R$ 5.852,89 no Sistema Melhorado. No entanto, esse aumento nos desembolsos foi compensado com sobras pela maior receita do sistema mais efi ciente, como mostrado adiante.
No custo variável do Sistema Melhorado, o gasto com suplementação mineral praticamente equivale aos gastos com suplemento proteinado e ração, em torno de 8% do custo total. Serviços e mão de obra se destacam, conforme comentário anterior, enquanto os produtos veterinários participam com pouco mais de 4% do custo total. Salienta-se, também, a reduzida importância relativa dos gastos com assistência técnica. Normalmente pouco utilizada com a justifi cativa de ser muito cara, esse recurso representa menos de 0,5% do custo total.
Tabela 6. Custo anual (R$ 1,00) da produção de gado de corte no Estado de Rondônia, março de 2008.
Receita e sua composição
As receitas anuais provenientes da venda de animais encontram-se na Tabela 7. A receita total é 38% superior no Sistema Melhorado, sendo sufi - ciente para cobrir o custo em sua totalidade (Tabela 6).
Custo de produção e margens econômicas
Na Tabela 8 são apresentados os custos de produção unitários, considerando-se três dimensões: custo total (depreciações + juros sobre o valor de benfeitorias, máquinas e animais de reprodução + desembolsos + pró-labore da administração), custo operacional (custo total excluídos os juros) e desembolsos. Expõe-se apenas o custo do boi gordo, principal produto do sistema. Para seu cálculo, os custos foram rateados de forma proporcional à receita gerada por produto.
Analisando-se os custos unitários, verifi ca-se que o custo total por arroba de boi gordo é mais baixo no Sistema Melhorado (R$ 60,36), resultado do signifi cativo aumento no volume de animais vendidos. Esse número é inferior ao preço do boi gordo praticado no mercado, da ordem de R$ 62,00 por arroba. O mesmo não acontece com o Sistema Modal, cujo custo total é superior ao preço recebido pelo produtor. Já o custo operacional é coberto pelo preço do boi gordo nos dois sistemas. Na prática, esses resultados indicam que o Sistema Melhorado é capaz de se manter no longo prazo, enquanto o Sistema Modal está sujeito a um processo de descapitalização.
Tabela 7. Receita anual de sistemas de produção de gado de corte no Estado de Rondônia, março de 2008.
Tabela 8. Custo unitário (total, operacional e desembolsos) do boi gordo (R$/@) em sistemas de produção de gado de corte no Estado de Rondônia, março de 2008.
As margens econômicas calculadas para os diversos sistemas são mostradas na Tabela 9.
Tabela 9. Margens econômicas de sistemas de produção de gado de corte no Estado de Rondônia, março de 2008.
Em consonância com os números referentes aos custos unitários, o Sistema Modal, com custo total superior ao preço do boi gordo, mostra défi cit de 46 mil reais, deixando, portanto, de "pagar" juros a uma certa parcela do capital imobilizado. O Sistema Melhorado resulta em lucro positivo, o que signifi - ca que os fatores de produção empregados estão sendo plenamente remunerados. Nesse sistema, a renda disponível ao produtor é maior, possibilitando melhorias no padrão de consumo e/ou investimentos na expansão do negócio.
Considerações finais
A pecuária de corte é uma atividade complexa que permite combinar os recursos produtivos de inúmeras formas. Em função disso, a alternativa de sistema melhorado aqui avaliada é apenas uma dentre várias opções passíveis de concepção a partir do Sistema Modal.
A adequada interpretação dos resultados expostos implica levar em conta os seguintes pontos:
• A intensifi cação da produção normalmente aumenta os lucros, mas também os riscos, e o comportamento do produtor diante desse fator é determinante para a escolha do sistema a ser implantado.
• A intensifi cação torna a produção mais complexa, exigindo uma maior capacidade administrativa e um melhor nível da mão de obra.
• Resultados econômicos e nível de aversão a risco não são os únicos critérios a considerar nesse tipo de decisão. Valores e objetivos do produtor, disponibilidade de recursos para investimentos, tamanho e localização da propriedade e potencial dos solos, entre outros, precisam ser também considerados.
• O presente trabalho analisa sistemas já consolidados, enquanto na realidade há a ocorrência de um período de transição ao longo da mudança proposta. Em vista disso, é importante também analisar o fl uxo de caixa desse período.
• Outro ponto importante, não contemplado neste trabalho, é a alternativa de utilizar mais de um sistema de recria e engorda em uma mesma propriedade. Por exemplo, machos classifi cados pelo peso à desmama (cabeceira - mais pesados, meio e fundo) poderiam ter manejo alimentar diferenciado. A cabeceira receberia tratamento mais intensivo que o meio, enquanto o fundo seria recriado e engordado de forma extensiva ou até mesmo descartado.
Referências
CÂMARA SETORIAL CONSULTIVA DA BOVINOCULTURA E BUBALINOCULTURA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Boas práticas agropecuárias: bovinos de corte. Campo Grande, MS, 2004. 46 p.
CORRÊA, E. S.; ARRUDA, Z. J. de. Avaliação preliminar do sistema de produção de gado de corte implantado no CNPGC período: 1983/84 a 1986/87. Campo Grande, MS: EMBRAPA-CNPGC, 1988. 130 p. (EMBRAPA-CNPGC. Documentos, 38).
CORRÊA, E. S.; VIEIRA, A; COSTA, F. P.; CEZAR, I. M. Sistema semi-intensivo de produção de carne de bovinos Nelore no Centro-Oeste do Brasil. Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2000. 51 p. (Embrapa Gado de Corte. Documentos, 95).
EUCLIDES, V. P. B.; EUCLIDES FILHO, K.; COSTA, F. P.; FIGUEIREDO, G. R.; Desempenho de novilhos F1s Angus-Nelore em pastagens de Brachiaria decumbens submetidos a diferentes regimes alimentares. Revista Brasileira de Zootecnia, Viçosa, MG, v. 30, n. 2, p. 451-462, mar./abr. 2001.
MARTIN, N. B.; SERRA, R.; OLIVEIRA, M. D. M.; ÂNGELO, J. A.; OKAWA, H. Sistema integrado de custos agropecuários - Custagri. Informações Econômicas, São Paulo, v. 28, n.1, p. 7-28, jan.1998.
MELO FILHO, G. A. de; COSTA, F. P.; CORRÊA, E. S.; PEREIRA, M. de A.; CEZAR, I.M.; SILVA NETTO, F.G. da. Sistema e custo de produção de gado de corte no Estado de Rondônia. Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2005. 7 p. (Embrapa Gado de Corte. Comunicado Técnico, 92).
THIAGO, L. R. L. de S.; SILVA, J. M. da. Suplementação de bovinos em pastejo. Campo Grande, MS: Embrapa Gado de Corte, 2000. 19 p. (Embrapa Gado de Corte. Circular Técnica, 27).
Anexo 1. Relação dos participantes no painel sobre sistemas melhorados de Rondônia.